1. Vol. 41, n.º 5
Setembro / Outubro 2010
EDITORIAL
POBREZA E EXCLUSÃO SOCIAL: O PAPEL DO PEDIATRA
João M. Videira Amaral
LXXIX
OPINIÃO
GUINEA-KIDS
Henrique Carmona da Mota
LXXXI
ARTIGOS ORIGINAIS
FACTORES ASSOCIADOS AO NÃO CUMPRIMENTO DO PROGRAMA NACIONAL DE VACINAÇÃO
E DAS VACINAS PNEUMOCÓCICA CONJUGADA HEPTAVALENTE E CONTRA O ROTAVÍRUS
Ruben Rocha, Maria João Sampaio, Clara Alves Pereira, Isabel Liberal
SENSIBILIZAÇÃO A ÁCAROS NUM GRUPO DE CRIANÇAS ATÓPICAS DO INTERIOR NORTE DE PORTUGAL
Susana Sousa, José Fraga, Vânia Martins, Márcia Quaresma
195
201
CASUÍSTICA
HOSPITALIZAÇÕES POR VARICELA NO HOSPITAL PEDIÁTRICO DE COIMBRA (2000-2007)
Sofia Fernandes, Graça Rocha, Luís Januário
205
CASOS CLÍNICOS
GÉMEAS HOMOZIGÓTICAS COM ESCOLIOSES “EM ESPELHO”
Cláudia Santos, Cristina Sousa, Nuno Tavares, Ângelo Encarnação, Armando Campos, António Oliveira
209
A IMPORTÂNCIA DE DOSES MAIORES DE NALOXONA NO TRATAMENTO DA INTOXICAÇÃO POR METADONA
Sofia Deuchande, Francisco Abecasis, Joana Fermeiro, Patrícia Janeiro, Marisa Vieira, Cristina Camilo, Manuela Correia
211
DOENÇA INVASIVA POR KINGELLA KINGAE – A IMPORTÂNCIA DA HEMOCULTURA
Sílvia Jorge, Isabel Sampaio, Helena Pedroso, Madalena Fialho, Anabela Brito, Ana Fonseca
214
ARTIGOS DE ACTUALIZAÇÃO
CÁRIE PRECOCE DA INFÂNCIA – O ESTADO DA ARTE
Cristina Areias, Viviana Macho, Daniela Raggio, Paulo Melo, Hercilia Guimarães, Casimiro de Andrade, Guedes-Pinto
FENOTIPOS DE SIBILÂNCIA EM IDADE PRÉ-ESCOLAR. FACTORES DE RISCO PARA PERSISTÊNCIA,
ORIENTAÇÕES PARA O DIAGNÓSTICO E UTILIDADE CLÍNICA
Isabel Sampaio, Carolina Constant, Ricardo M. Fernandes, Teresa Bandeira, José Costa Trindade
217
222
HISTÓRIAS DA PEDIATRIA
A PEDIATRIA QUE EU VIVI
Jaime Salazar de Sousa
230
CRÍTICA DE LIVROS
TRATADO DE CLÍNICA PEDIÁTRICA
Álvaro Machado de Aguiar
237
MEMÓRIA
EVOCAÇÃO DE UMA PERSONALIDADE DE ELEIÇÃO E DE UM AMIGO
Gama Brandão
NOTÍCIAS
NORMAS DE PUBLICAÇÃO
239
LXXXV
LXXXVIII
ISSN 0873-9781
2.
3. ACTA PEDIÁTRICA PORTUGUESA
Vol 41 Nº 5 Setembro – Outubro 2010
(Orgão Oficial da Sociedade Portuguesa de Pediatria)
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formação pós-graduada para obtenção das respectivas especialidades no pressuposto de que os conteúdos interessam a outros médicos e profissionais interessados
na saúde da criança e adolescente inseridos no respectivo meio familiar e social. A APP pretende abarcar um vasto leque de questões sobre investigação, educação
médica, pediatria social, prática clínica, temas controversos, debate de opiniões, normas de actuação, actualização de temas, etc. São adoptadas diversas modalidades de divulgação: editoriais, espaços de discussão, artigos originais, artigos sobre avanços em pediatria, resumos de estudos divulgados em eventos científicos,
notícias sobre eventos científicos e organismos estatais e não estatais devotados à criança e adolescente.
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Parcerias: Danone
•
Merck Sharp & Dohme
•
Milupa Portuguesa
•
Nestlé Portugal
•
Schering-Plough
LXXV
4. INFORMAÇÃO AOS SÓCIOS
Decorreu no passado dia 15 de Outubro de 2009, durante o X Congresso Nacional
de Pediatria em Tróia a Assembleia-Geral Extraordinária onde foi decidido por
maioria o aumento da quotização Anual para 30,00 €, com incidência a partir de
Janeiro de 2010.
7. 0873-9781/10/41-5/LXXIX
Acta Pediátrica Portuguesa
Sociedade Portuguesa de Pediatria
EDITORIAL
Pobreza e exclusão social: o papel do pediatra
João M. Videira Amaral
Director da Acta Pediátrica Portuguesa
O momento actual, de crise económica, financeira e social,
justifica uma reflexão em espaço editorial da Acta Pediátrica
Portuguesa (APP), no ano escolhido pela União Europeia
(EU) como o de Luta contra a Pobreza e Exclusão Social,
problema que afecta todos os países, ricos e pobres.1
Dados referentes a 2004 e divulgados recentemente no âmbito
da Comissão Europeia permitem-nos concluir que Portugal é
um dos países da EU com maior número de crianças vivendo
em ambiente de pobreza (~24%), apenas ultrapassado pelos
países de Leste que recentemente aderiram à referida União:
Roménia, Polónia, Lituânia e Estónia.2,3 Relativamente ao que
foi publicado pelo Instituto Nacional de Estatística (INE),
ainda antes da situação de crise actual, há a referir a existência de dois milhões de cidadãos em situação de pobreza, com
a relação de um em cada cinco crianças e jovens comportando
risco de pobreza. Estes números, muito impressivos, aumentaram até 2010.4
Sabe-se que os principais factores sócio-económicos susceptíveis de afectar a saúde e o futuro das pessoas e famílias são
o rendimento económico individual e familiar, a educação e o
emprego, os quais constituem os chamados “determinantes
sociais da saúde”. Assim, o ambiente hostil resultante da precariedade e desemprego colocarão crianças, jovens e famílias
em situação de risco de pobreza com consequências penosas
num ciclo vicioso de eventos: estresse, estilos de vida não
saudáveis, desigualdades sociais, comportamentos de risco,
alimentação inadequada, insucesso educativo, morbilidade
diversa, etc.5-7
Para minorar o problema da pobreza e precariedade torna-se,
pois, crucial, a intervenção dos diversos Organismos de Solidariedade Social, dos Serviços de Educação, assim como dos
Serviços de Saúde integrando diversos agentes (incluindo,
claro está, os pediatras, quer exercendo a profissão livre, quer
integrados em instituições privadas ou estatais, quer ainda
como membros de associações e sociedades científicas).5,6,8
No nosso País e neste contexto, múltiplos organismos de
solidariedade social, perseguindo objectivos específicos e
actuando em obediência a estratégias muito diversificadas,
têm desempenhado papel de grande relevância para minorar
o panorama vigente. Jorge Luís Borges, grande figura da literatura argentina e do mundo global, disse a propósito de citações que, quando referimos nomes de pessoas ou instituições, existe a contingência de serem cometidas injustiças
em relação a outros. Contudo, embora correndo tal risco,
seria injusto se não mencionasse o papel da Caritas Portuguesa, do Banco Alimentar contra a Fome, das Misericórdias, do Alto Comissariado da Saúde e do Instituto de Apoio
à Criança (IAC). No âmbito destes organismos, e de muitos
outros, cabe realçar múltiplas acções pedagógicas de advocacia em prol da Criança e Jovem, assim como a intervenção
junto dos órgãos competentes e da sociedade civil, alertando
para a necessidade de revisão de políticas sociais e económicas para garantir uma redistribuição de rendimentos mais
justa e equilibrada.1,3,4,9,10
Em que medida, então, o pediatra poderá actuar na luta contra
a pobreza e exclusão social? A este propósito, será importante
dizer que, para além da competência técnica, o mesmo deverá
ter formação humanista sólida englobando conhecimentos,
atitudes e aptidões que ultrapassam o campo exclusivamente
biomédico e que o capacitem para a defesa dos direitos e
superiores interesses de crianças e jovens. Na área que nos
ocupa, a sua intervenção de cidadania, em espírito de solidariedade, poderá concretizar-se em diversos cenários de
acordo com as circunstâncias do exercício profissional:
colaborando em instituições de solidariedade social, em instituições na área da saúde, em associações e sociedades científicas, intervindo como cidadão de pleno direito em meios de
comunicação social, etc.11
Na prática haverá, pois, oportunidades para o desempenho
de múltiplas tarefas para além da prestação de cuidados:
fundamentalmente, apoio educativo e aconselhamento de
pais, jovens e famílias com vista à estimulação da resiliência na tentativa de minorar os efeitos da adversidade criada
pelo momento crítico; e, não sendo possível eliminar a totalidade das situações comportando risco, haverá que exercer
pedagogia no sentido de criação de um estado de espírito
que permita o convívio com o risco e a precariedade. O
objectivo será, tanto quanto possível, minorar o défice da
qualidade de vida.8,11
Correspondência:
João M Videira Amaral
jmvamaral@fcm.unl.pt
LXXIX
8. Acta Pediatr Port 2010:41(5):LXXIX-LXXX
Mas, para que seja obtido tal desiderato, torna-se fundamental que os vários intervenientes no processo (o pediatra, e
outros profissionais de saúde) estejam preparados para o exercício efectivo da solidariedade, um atributo que, fazendo parte
do chamado profissionalismo, não é necessariamente instintivo. Também se aprende.12
Ao concluir este escrito, que aborda questões de Pediatria
Social, é de elementar justiça citar Pediatras Ilustres que foram
verdadeiros pioneiros duma área da Pediatria que valoriza de
modo especial os chamados determinantes sociais da Saúde
Infantil e Juvenil. Os mesmos contribuíram decisivamente para
a criação da Secção de Pediatria Social da Sociedade Portuguesa de Pediatria em 1978, referindo-nos de modo especial a
Maria de Lourdes Levy, Nuno Cordeiro Ferreira, Carmona da
Mota, Norberto Santos, Celsa Afonso, Heloísa Santos e Luiz
Espinosa. Após anos áureos de intenso labor sob os auspícios
de ulteriores direcções, a que se seguiu período de certa latência, eis que a referida secção foi reactivada no decurso do
último Congresso Nacional de Pediatria em Outubro de 2010,
com eleições.13,14 Entendemos que tal facto constitui motivo de
júbilo para a Pediatria Portuguesa, havendo seguramente oportunidades para ser debatida a questão da solidariedade, a propósito dos tempos que se vivem actualmente.
E, neste mundo de grande tecnicismo, é importante recordar a
definição que aprendemos com Robert Debré, citada numa
obra de referência:15 “Pediatria Social é mais um estado de
espírito do que um programa; é uma abordagem da criança e
jovem, saudável ou doente, em função do grupo humano de
que faz parte e do meio no qual se desenvolve”.
LXXX
Amaral JMV – Editorial
Referências
1. www.ecclesia.pt [acessível em 10 de Outubro de 2010].
2. Ferreira AB. Só a Europa de Leste tem crianças mais pobres que
Portugal. [30 de Agosto 2010] Acessível em: http://dn.sapo.pt
3. www.iac.pt [acessível em 10 de Outubro de 2010].
4. www.ine.pt [acessível em 10 de Outubro de 2010].
5. Amaral L. Economia Portuguesa, As Últimas Décadas. Lisboa: Fundação Francisco Manuel dos Santos/Relógio d’Água; 2010; 66-92.
6. Pita-Barros P. Análises da Saúde. Coimbra: MinervaCoimbra; 2007; 13-6.
7. Blas E, Kurup AS. Equity, social determinants and public health programmes. Geneva: World Health Organization; 2010.
8. Cordeiro MJC. A Criança em Meio Urbano. Lisboa: Alter / European
Society for Social Pediatrics;1991; 15-28.
9. www.acs.min-saude.pt [acessível em 10 de Outubro de 2010].
10. Dinis da Fonseca C. História e Actualidade das Misericórdias. Mem
Martins: Editorial Inquérito; 1996.
11. Gomes-Pedro J, Nugent JK, Young JG, Brazelton TB. A Criança e a
Família no Século XXI. Lisboa: Dinalivro; 2005; 23-48.
12. Gomes-Pedro J. Solidariedade pediátrica. Acta Pediatr Port 2004;
35: 3-6.
13. Levy ML. Contribuição para a História da Pediatria Social em Portugal. Acta Pediatr Port 2002; 33: 229-34.
14. 11º Congresso Nacional de Pediatria/Funchal, 6-8 de Outubro de
2010. Eleições para a Secção de Pediatria Social da SPP. Acta
Pediatr Port 2010; 41 Supl I: S VI
15. Mande R, Masse N, Manciaux M. Pédiatrie Sociale. Paris: 1995;
27-8.
9. 0873-9781/10/41-5/LXXXI
Acta Pediátrica Portuguesa
Sociedade Portuguesa de Pediatria
OPINIÃO
Guinea-kids
Henrique Carmona da Mota
A Guiné-Bissau e a tristeza do costume
As primeiras notícias davam conta de um golpe de Estado na
Guiné-Bissau. Mas para haver golpe de Estado é preciso
haver Estado - e não é seguro, antes pelo contrário, que a
Guiné-Bissau o tenha1.
Um dos elementos centrais deste drama é o narcotráfico. Na
última década, aproveitando a instabilidade política da Guiné-Bissau, os traficantes colombianos constituíram nesta parte
de África uma plataforma na circulação de droga entre a
América do Sul e a Europa2.
months, and this has been adopted as government policy in
more than 60 countries worldwide.”7
In 2008, WHO commissioned a meta-analysis of these trials
and convened an expert advisory group to consider whether
neonatal vitamin A supplementation should be adopted as
policy. The meta-analysis found no survival benefit, but significant heterogeneity existed, with evidence of benefit from
Asian trials and evidence of no effect (or harm) in two African
trials. One of the African trials that showed a trend towards
increased mortality after neonatal vitamin A supplementation
was conducted by Benn and colleagues in Guinea-Bissau.7-8
A Guiné-Bissau e a estranheza de ensaios clínicos
Amostras de inconveniência
“Guinea-Bissau has an infant mortality rate of 117 per 1000
live births, the fifth highest rate in the world. The best hope for
substantial improvements in child health comes from public
health interventions, including effective vaccine programmes.”3
“Infant mortality has risen 80% since 2000. Malaria, acute
respiratory infections, diarrhoea and malnutrition remain the
major killers of children.”4
“More than a third of the world’s population lacks basic sanitation. 884 million people in the world did not get their drinking water from safe sources. Almost all of these people lived
in poor countries, most (84%) in rural areas.”5
A. Neonatal vitamin A supplementation
“A meta-analysis indicated that this cheap and simple intervention reduces child mortality by 30% in countries with evidence of at least marginal vitamin A deficiency.6,7
Vitamin A supplements are associated with a significant
reduction in mortality when given periodically to children at
the community level. Factors that affect the bioavailability of
large doses of Vitamin A need to be studied further6.
The WHO subsequently recommended a protocol for universal vitamin A supplementation of children aged six to 60
Recebido:
Aceite:
18.08.2010
07.09.2010
Estudo A
We conducted a trial of neonatal vitamin A supplementation
trial in Guinea-Bissau in 2002-2005, in which we randomly
assigned newborns of normal birth weight to receive 50 000
IU vitamin A or placebo together with the BCG vaccine.8 A
total of 27% of the children in this trial were vitamin A deficient at 6 weeks of age and 9% were deficient at 4 months of
age. One mother (<1%) was deficient.9
Conclusions: Vitamin A supplementation (50.000 IU)
given with BCG vaccine at birth had no significant benefit
in this African setting. Although little doubt exists that vitamin A supplementation reduces mortality in older children, a
global recommendation of supplementation for all newborn
infants may not contribute to better survival.8
It has been suggested that the lack of benefit of vitamin A in
our trial could potentially be the result of the exclusion of low
birthweight newborns, because such children would be more
likely be deficient in vitamin A than children of normal birth
weight. However, this exclusion criterion would not explain
the sex differential effects in boys and girls.9
Such a result was obviously unpalatable to the international
vitamin A community, which had saved many thousands of
lives through their advocacy and implementation of universal
vitamin A supplementation. The finger was pointed at the fact
that the Guinea-Bissau trial had intentionally excluded low
birthweight babies. Surely the trial would have shown benefit if
these most vulnerable neonates had been included.... Sadly not.7
Correspondência:
Henrique Carmona da Mota
hcmota@ci.uc.pt
LXXXI
10. Acta Pediatr Port 2010:41(5):LXXXI-III
Estudo B
Objective: To investigate the effect of vitamin A supplementation (25 000 IU vitamin A) and BCG vaccination at birth in
low birthweight neonates.9
Other groups, including our own, have found no justification
for initiating neonatal vitamin A supplementation.
The population of Guinea-Bissau is classified by the World Health
Organization as having moderate to severe vitamin A deficiency.
Since 2001, Guinea-Bissau has conducted regular national vitamin A campaigns during which children between 6 months and 5
years of age were offered vitamin A supplementation.
The trial was approved by the Danish central ethics committee
and the Guinean Ministry of Health’s research coordination
committee.
Conclusions: The combined results of this trial and the complementary trial among normal birthweight neonates have
now shown that, overall, it would not be beneficial to implement a neonatal vitamin A supplementation policy in GuineaBissau. Worryingly, the trials show that vitamin A supplementation at birth can be harmful in girls.
(Bandim Health Project, Statens Serum Institut, Artillerivej 5,
2300 Copenhagen S, Denmark, Bandim Health Project,
Indepth Network, Apartado 861, Bissau, Guinea-Bissau).
The authors have a reputation for challenging dogma in relation to vaccine and micronutrient supplementation policies.
Through retrospective analysis of numerous datasets (their
own and those of others) they have shown repeated examples
of how vaccines, micronutrients, and exposure to infections
can strongly affect all cause mortality in regions with a high
burden of infection. In relation to the present context, Benn
and colleagues have previously reported that vitamin A and
DTP (possibly all killed vaccines) can have malign effects in
girls that may be potentiated when the two are combined.10
Sceptics have argued that their evidence has been based on
“unintended experiments,” and that the trends are often non-significant in isolation. The emergence of supporting evidence from
prospective randomised controlled trials now cannot be ignored.7
B. BCG revaccination
The World Health Organization (WHO) does not recommend BCG
revaccination11, but several countries still revaccinate teenagers.
Only one study has reported overall mortality after revaccination with BCG. In 1930-50 the Pasteur Institute in Alger conducted a large study with alternate allocation of 41 000 children. They found that vaccination at birth and revaccination
with oral BCG at age 1 and 3 years was associated with a 27%
reduction in mortality (95% confidence interval 22% to 31%)
between 1 and 11 years.12
Estudo C
Objective: To determine whether BCG revaccination at 19 months
of age reduces overall child mortality. (Bandim Health Project,
Indepth Network, Apartado 861, Bissau, Guinea-Bissau). (12)
LXXXII
Mota HC – Guinea-kids
The trial was approved by the Danish central ethics committee and the Guinean Ministry of Health’s research coordination committee.
Design: Randomised trial, with follow-up to age 5.
Settings: A health project in Bissau, Guinea-Bissau, which
maintains a health and demographic surveillance system in an
urban area with 90 000 inhabitants.
The trial was stopped prematurely because of a cluster of
deaths in the BCG arm of the study.
Conclusions: There was no overall beneficial effect of being
revaccinated with BCG. The effect of BCG revaccination on
mortality might depend on other health interventions.13
Aconselho a ler o excelente editorial7 e os comentários.13-14
Comentário
Um grupo de médicos coopera em Bissau onde “maintains a
health and demographic surveillance system in an urban area
with 90 000 inhabitants.”
Participaram num projecto internacional que pretendia confirmar a eficácia da administração neonatal de vitamina. A
na mortalidade infantil. Não o confirmou, pelo contrário:
“One of the African trials showed a trend towards increased
mortality after neonatal vitamin A supplementation.”
a) “The population of Guinea-Bissau is classified by the
World Health Organization as having moderate to severe
vitamin A deficiency (WHO)“; assim, seria de esperar que
planeassem uma estratégia integrada que se não interrompesse quando terminasse a colaboração desse grupo cooperante. Uma dieta adequada, a começar pelas grávidas e lactantes. Se parece não estar provada a eficácia da prevenção
da carência de vitamina A pela suplementação das lactantes
(estranho) seria de esperar que os autores que (have a
reputation for challenging dogma) aproveitassem a oportunidade de provar a eficácia de uma administração fraccionada de suplementos de vitamina A (“given periodically”6)
tanto mais que a vigilância parecia estar assegurada
(“maintains a health and demographic surveillance system”). Dá-la na forma de “choque” neonatal não foi sensato
e levanta a suspeita que se replicou a estratégia de outros
para a confirmar ou infirmar sem a questionar e que se privilegiou a futura extrapolação dos resultados para comunidades de insuficiente colaboração - a que estas crianças
teriam servido de amostra.
Quando os resultados do primeiro trabalho (choque de vitamina A a recém-nascidos (RN) de peso normal) não mostraram eficácia tendo até mostrado resultados nocivos nas
raparigas, não se esperaria que os autores repetissem este
ensaio em RN de baixo peso, tanto mais que os autores afirmam “have found no justification for initiating neonatal vitamin A supplementation”. Parece discutível administrar doses
altas (25000 IU) de vitamina A, e de uma vez, a RN tão susceptíveis; aqui é ainda mais estranho não se ter fraccionado a
administração dos suplementos.
11. Acta Pediatr Port 2010:41(5):LXXXI-III
Infelizmente os resultados confirmaram os resultados do
ensaio anterior incluindo maior mortalidade nas rapariguitas.
Mais parece que os autores projectaram este segundo estudo
para responder à críticas de terem excluído (sensatamente) os
RN de baixo peso no primeiro trabalho. Foi pena que tivessem
cedido à tentação de responder a essas críticas metodológicas
e usado os RN de baixo peso de Bissau como instrumentos de
discussão. Aceitaram fazer correr riscos sérios (menor sobrevida) aos RN que os autores tinham a seu cargo.
Esta crítica não põe em causa o muito que os pequenitos de
Bissau terão beneficiado com esta cooperação; o que se critica
é a atitude subjacente a estes projectos de investigação. Será
preferível dizer que os RN submetidos ao choque neonatal de
vitamina A não beneficiaram tanto quanto os outros e que
foram as meninas as mais prejudicadas.
É estranho que tenham esperado uma melhoria da mortalidade
infantil com uma administração de vitamina A em doses altas
e de uma só vez, à nascença, em crianças de comunidades cuja
alta mortalidade depende de tantos factores concomitantes baixo peso neonatal, água potável, nutrição, mosquitos, infecção, crenças nefastas...
Mais, será lógico esperar resultados de uma administração
isolada de altas doses de retinol nos primeiros dias de vida?
Não será a consequência da adopção do paradigma farmacológico que vem corrompendo a Medicina ocidental (reduzir
a terapia à farmácia) pior ainda quando transferida para o 3º
Mundo? Porquê retinol em vez do beta-caroteno dos alimentos correntes? Haverá razões para suspeitar de alguma
deficiente metabolização da pró-vitamina?
Porquê deixar estes povos dependentes da Farmácia e dos
seus fornecedores quando terminar o Bandim Health Project
dos dinamarqueses?
Mota HC – Guinea-kids
Os teus olhos, negros, negros;
são gentios, são gentios da Guiné.
Ai da Guiné por serem negros,
da Guiné, por serem negros,
gentios por não terem fé.
Mas não ter fé, ou melhor, actuar como se não acreditasse, não
é a base de qualquer crítica?
“E sabe-se mais:
… já ultrapassa seguramente mais de dez anos que assentei a
cifra 540 como sendo o número, só na Europa, de laboratórios e instituições focados unicamente sobre o desenvolvimento. Quanto a publicações, saíam no mundo inteiro mais
de mil livros e artigos sobre o assunto. E o consenso já era
que os programas de desenvolvimento ... perturbam tudo à
sua passagem e conduzem ... mais a efeitos perversos do que
a benefícios; que os casos de sucesso de desenvolvimento sustentado são raros ...; e que as populações locais, atacadas de
todos os lados, se vêem implicadas em projectos que visam
mais obter resultados em função dos objectivos dos planeadores do que dos seus próprios objectivos.”
Ruy Duarte de Carvalho, Actas da Maianga. Cotovia 2003
Referências
1. http://jornal.publico.pt/noticia/02-04-2010/aventuras-no-pais-submarino-19112393.htm
2. http://dn.sapo.pt/inicio/globo/Interior.aspx?content_id=1534471&seccao=CPLP
3. Weijer C. Ethics in conduct of trials in developing countries; Br Med
J 2010; 340:c1373
4. At a glance: Guinea-Bissau. http://www.unicef.org/infobycountry/guineabissau.html
No choque neonatal de vitamina A (como da vitamina K)
adoptou-se o pior tanto da Medicina (a farmacolização) como
da Cirurgia (resolver tudo de uma vez e “à bruta”) de que a
circuncisão ritual dos RN é um exemplo.
5. Unicef /WHO. Br Med J 2010;340:c1520.
b) Mas mais incompreensível é o 3º estudo - a avaliação da
eventual eficácia da revacinação com BCG aos 19 meses na
mortalidade dessas crianças.
8. Benn CS, Diness BR, Roth A, Nante E, Fisker AB, Lisse IM, et al.
Effect of 50 000 IU vitamin A given with BCG vaccine on mortality
in infants in Guinea-Bissau: randomised placebo controlled trial. Br
Med J 2008; 336:1416-20.
A OMS não recomenda revacinar com BCG. Segundo os
autores, o único estudo em que se baseiam é um dos anos
30-50, em Argel que terá tido resultados fantásticos.
Esperar resultados desta natureza com uma revacinação com
BCG em Bissau é da ordem da crença; uma vez mais, os pequenitos da Guiné terão sido usados como cobaias - guinea-kids.
Parece-me estranho que estes ensaios tenham tido o beneplácito de Comissões de ética (“The trial was approved by the
Danish central ethics committee and the Guinean Ministry of
Health’s research coordination committee.”) e tenham sido
aceites e publicados numa revista médica de referência.
Provavelmente estarei a ver mal e ter-me-ei enganado; provavelmente os olhitos negros dos pretitos da Guiné, que nunca
vi, ter-me-ão inspirado um piedoso sentimento romântico pós
colonial que me ofuscou a isenção.
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LXXXIII
12. 0873-9781/10/41-5/195
Acta Pediátrica Portuguesa
Sociedade Portuguesa de Pediatria
ARTIGO ORIGINAL
Factores associados ao não cumprimento do Programa Nacional de Vacinação
e das vacinas pneumocócica conjugada heptavalente e contra o rotavírus
Ruben Rocha1, Maria João Sampaio2, Clara Alves Pereira2, Isabel Liberal3
1 - Hospital S. João, Porto
2 - Hospital Padre Américo, Penafiel
3 - Centro de Saúde de Campanha, Porto
Resumo
Introdução. A identificação de factores associados ao incumprimento vacinal é um aspecto fundamental na avaliação e
monitorização do estado vacinal das populações.
Factors associated with noncompliance with
Portuguese National Immunization Program, the
heptavalent pneumococcal conjugate vaccine and
rotavirus vaccine
Objectivo. Identificar os factores associados ao não cumprimento do Programa Nacional de Vacinação e das vacinas
pneumocócica conjugada heptavalente (Pn7) e contra o rotavírus (Rota) em crianças com menos de dois anos seguidas
numa consulta de Pediatria.
Abstract
Material e métodos. Procedeu-se à revisão das características sócio-demográficas e o estado vacinal das crianças, com
idades compreendidas entre um e 25 meses, acompanhadas
em consulta de Pediatria em Cuidados Primários.
Objective. To identify factors associated with noncompliance
with Portuguese Immunization Program (NIP) and the heptavalent pneumococcal conjugate vaccine (Pn7) and rotavirus
vaccine (Rota) in children under two years old followed in a
Health Center in Oporto, Portugal.
Resultados. Das 418 crianças avaliadas verificou-se o cumprimento do PNV em 95,7% dos casos. Completaram o
esquema da Pn7 44% das crianças com mais de 18 meses. Das
crianças com mais de seis meses, 28% completaram a vacinação com Rota. As classes de Graffar IV e V, a etnia cigana, o
menor número de consultas realizadas e a menor escolaridade
dos pais foram factores que se associaram ao não cumprimento do PNV e à não vacinação com Pn7 ou Rota, o que
também foi mais frequente nas crianças de pais desempregados e mães adolescentes. Verificou-se que a probabilidade de
uma criança ser vacinada com Rota estava associada à probabilidade de ter realizado vacinação com Pn7 (p<0.001).
Conclusão. Identificaram-se factores associados ao não cumprimento vacinal: classe social desfavorecida, etnia cigana, filhos
de pais desempregados ou mães adolescentes, pais com escolaridade mais baixa e crianças com menor número de consultas
efectuadas. O seu conhecimento contribui para o planeamento
ajustado aos grupos de risco de medidas de promoção vacinal.
Palavras-chave: programa nacional de vacinação, vacina pneumocócica conjugada heptavalente, vacina contra o rotavírus
Acta Pediatr Port 2010;41(5):195-200
Recebido:
Aceite:
31.10.2009
28.10.2010
Introduction. The identification of factors associated with
vaccine noncompliance is a essential aspect in the evaluation
and monitoring of vaccination status of populations.
Material and methods. The authors reviewed the sociodemographic characteristics and vaccination status of 418
children aged between one and 25 months, followed in outpatient pediatrics.
Results. The NIP was updated on 95.7% of cases. Forty-four
per cent of children older than 18 months completed Pn7 vaccine and 28% of children older than six months have been
fully vaccinated with Rota. Graffar classes IV and V, the gipsy
children, the lowest number of consultations and lower
parental education were factors that were associated with noncompliance with the NIP, Pn7 or Rota. The noncompliance
with Pn7 or Rota was also associated with the fact that the
parents were unemployed and mothers were adolescents.
It was found that children vaccinated with Rota were more
likely to have been also vaccinated with PN7 (p <0.001).
Conclusion. We identified some factors associated with vaccine noncomplaince (lower social classes, gipsy children,
children of teenage mothers or unemployed parents, parents
with lower education and children with lower number of consultations), which may assist the targeting of campaigns to
promote vaccination in specific groups.
Correspondência:
Ruben Rocha
Rua Nossa Sra. da Ponte, nº 60
4445-152 Alfena
rubenrocha@gmail.com
195
13. Acta Pediatr Port 2010:41(5):195-200
Key words: Portuguese National Immunization Program,
heptavalent pneumococcal conjugate vaccine, rotavirus vaccine
Acta Pediatr Port 2010;41(5):195-200
Introdução
A vacinação é uma das medidas preventivas mais benéfica e eficaz1. A introdução de um programa de vacinação contribui de
modo significativo para a diminuição da incidência das doenças
contempladas nesse programa. O Programa Nacional de
Vacinação (PNV)1 Português tem sido um êxito, como fica evidente pelo elevado grau de imunização da população portuguesa
verificado no 2º inquérito serológico nacional (2001-2002)2, bem
como pela eliminação da poliomielite no nosso país. O PNV tem
sofrido actualizações ao longo dos anos, acompanhando a disponibilidade de novas vacinas e a epidemiologia das doenças.
Existem, contudo, vacinas, não incluídas no PNV, disponíveis
para vacinação individual. É o caso actual da vacina pneumocócica conjugada heptavalente (Pn7) e a vacina contra o
rotavírus (Rota).
A Pn7 está disponível em Portugal desde 2001 e a sua administração universal é recomendada pela Sociedade Portuguesa
de Pediatria (SPP).3 Relativamente à Rota, esta foi introduzida
no nosso país em 2006, e em 2009 a secção de Infecciologia
da SPP publicou as recomendações para a sua utilização4.
Um dos objectivos inscritos nas orientações técnicas da
Direcção Geral de Saúde para as consultas de saúde infantil é
a monitorização e o incentivo vacinal5. É importante vigiar a
adesão vacinal de modo a conseguir perceber o seu impacto
na saúde das populações e a identificar factores associados ao
incumprimento vacinal.
Com o presente estudo os autores pretendem identificar os
factores associados ao não cumprimento do PNV e da Pn7 e
Rota em crianças com menos de dois anos seguidas numa
consulta de Pediatria.
Material e Métodos
Procedeu-se à revisão dos dados clínicos das crianças nascidas nos anos 2007 e 2008, e seguidas em consulta de
Pediatria num Centro de Saúde urbano do Porto.
Os dados foram obtidos, em Fevereiro de 2009, a partir da
análise dos processos clínicos e da base de dados do programa
informático SINUS® (Sistema de Informação para as Unidades de Saúde - Instituto de Gestão Informática e Financeira
da Saúde, Lisboa).
Foram colhidos dados relativos às características sócio-demográficas das crianças e pais e dados relativos ao número de
consultas de saúde infantil efectuadas, cumprimento do PNV
e doses da Pn7 e Rota.
Foi considerado não cumprimento do PNV quando, um mês
após a data prevista para a realização das vacinas, de acordo
com a calendarização regular, estas não tivessem sido efectuadas. As crianças que não cumprissem este critério foram
classificadas como tendo o PNV cumprido.
196
Rocha R et al. – Factores de não cumprimento do PNV
O número de consultas de saúde infantil foi categorizado de
acordo a idade da criança e número de consultas previstas
pela DGS. Foi considerado um número de consultas adequado, quando o número de consultas igualou ou ultrapassou o
número de consultas descrito no calendário de saúde infantil
publicado pela DGS5.
A idade materna e idade paterna foram definidas como a idade
em anos à data de nascimento da criança. A idade materna
inferior a 18 anos permitiu a criação do subgrupo - mães
adolescentes.
A escolaridade dos pais foi registada em anos de escolaridade
completos. A escolaridade média dos pais foi determinada
pela média aritmética da escolaridade de ambos os pais.
Relativamente à vacina Pn7 e à vacina Rota, as crianças foram
classificadas como tendo realizado a vacinação se tinham
registo vacinal de pelo menos uma dose, ou classificadas como
não tendo realizado, se não tinham registo de qualquer dose.
O esquema vacinal da Pn7 foi categorizado em: esquema
completo, se a criança tivesse completado a totalidade do
esquema recomendado pelo fabricante da vacina (4 doses até
aos 18 meses); primovacinação, se a criança tivesse efectuado
3 doses no 1º ano de vida; incompleto, se tivesse sido administrada alguma dose, mas não suficiente para ser incluída nas
categorias anteriores; não realizado, se a criança não tivesse
nenhuma dose de Pn7.
O esquema vacinal da Rota foi categorizado em: esquema
completo, se a criança tivesse efectuado o esquema recomendado pelo fabricante da vacina; incompleto, se a criança
tivesse iniciado, mas não completado o esquema; não realizado, se a criança não tivesse nenhuma dose de Rota.
Os dados foram introduzidos e analisados com recurso ao programa Statistical Package for the Social Sciences (SPSS®,
Chicago, IL, EUA), versão 16.0 para Microsoft Windows®. As
variáveis foram estratificadas de acordo com o cumprimento do
PNV e a administração e número de doses da Pn7 e Rota. Os
testes estatísticos utilizados foram o teste Qui Quadrado (X2) e
o teste de Fisher para comparação entre as variáveis categóricas
e o teste t e Anova para comparação de variáveis contínuas com
distribuição normal. Foram consideradas diferenças estatisticamente significativas para um valor de prova (p) <0.05.
Resultados
A análise estatística englobou as 418 crianças seguidas em
consulta de Pediatria. Tinham idades compreendidas entre um
e 25 meses com uma mediana para a idade de doze meses. As
características gerais da amostra estão descritas no Quadro I.
Verificou-se o cumprimento do PNV em 95,7% das crianças.
O não cumprimento do PNV foi superior no grupo de crianças pertencentes às classes Graffar IV e V (p=0.001, Quadro
II), em crianças de etnia cigana (p=0.003, Quadro II) e naquelas cujos pais tinham uma escolaridade menor (p=0.001,
Figura 1). No grupo de crianças que não cumpriram o PNV, a
percentagem de crianças com um número de consultas adequado foi inferior comparativamente às crianças com o PNV
cumprido (67% vs 35%, p=0.008)
14. Acta Pediatr Port 2010:41(5):195-200
Rocha R et al. – Factores de não cumprimento do PNV
Quadro I – Características sócio-demográficas da amostra
n
%
Ano de nascimento
2007
2008
191
227
45,7%
54,3%
Sexo
Masculino
213
51%
Etnia
Cigana
50
12%
Classificação Graffar
Classe II
Classe III
Classe IV
Classe V
25
82
230
76
6%
20%
55%
18%
Mães adolescentes
23
5,5%
Pais desempregados
Os dois desempregados
Um desempregado
Nenhum desempregado
Sem informação
74
149
182
13
18,3%
35,6%
43,5%
0,03%
Analfabetismo
Mães
Pais
19
14
4,8%
3,8%
264
63,6%
Média
27,1
29,8
8,1
7,7
Desvio padrão
±6,5
±7,6
±3,9
±3,6
Número de consultas igual
ou superior ao número
de consultas previstas
Idade materna (anos)
Idade paterna (anos)
Escolaridade materna (anos)
Escolaridade paterna (anos)
A vacinação com Pn7 foi efectuada em 68,8% das crianças.
Completaram o esquema vacinal da Pn7 44% das crianças
com mais de 18 meses (Figura 2). Das crianças com idade
compreendida entre os 7 e 12 meses 44,7% completaram a
primovacinação,
Figura 1 – Médias e intervalos de confiança a 95% para a escolaridade média dos pais no grupo em que se verificou cumprimento do
PNV (n=355) e no grupo no qual não se verificou o cumprimento do
PNV (n=15) (Teste de t, p=0.001); PNV- Plano Nacional de Vacinação
Figura 2 – Número de doses de Pn7 em função do grupo etário (n[06 meses]=97; n[7-12 meses]=118; n[13-18 meses]=100; n[>18
meses]=100); Pn7 - vacina pneumocócica conjugada heptavalente;
Quadro II – Factores associados ao não cumprimento do Programa Nacional de Vacinação e das vacinas pneumocócica conjugada heptavalente e contra o rotavírus
PNV
Não Cumprido
Etnia (n=414)
Cigana
Não cigana
Escala de Graffar (n=413)
II
III
IV
V
Pais desempregados (n=403)
Dois
Um
Nenhum
Mães (n=415)
Adolescentes
Adultas
Valor p
Pn7
Não Realizada
Valor p
Rota
Não Realizada
Valor p
7/50 (14%)
11/364 (3%)
0.003
36/50 (72%)
93/362 (26%)
<0.001
7/50 (14%)
160/357 (45%)
<0.001
0/25 (0%)
0/82 (0%)
8/230 (4%)
9/76 (12%)
0.001
0/25 (0%)
8/80 (10%)
73/230 (32%)
48/76 (63%)
<0.001
9/25 (36%)
34/80 (42%)
135/229 (59%)
63/76 (83%)
<0.001
38/74 (51%)
55/149 (37%)
35/180 (19%)
<0.001
53/74 (72%)
85/145 (59%)
94/179 (52%)
0.020
13/23 (56%)
116/392 (30%)
0.008
20/23 (87%)
221/387 (57%)
0.003
Os dados referem-se às frequências relativas, sendo o valor p calculado com base nos testes de X2 e teste de Fisher. PNV- Plano Nacional de Vacinação; Pn7 vacina pneumocócica conjugada heptavalente; Rota – vacina contra o rotavírus
197
15. Acta Pediatr Port 2010:41(5):195-200
Rocha R et al. – Factores de não cumprimento do PNV
não foi administrada a Pn7, a média da escolaridade dos pais
foi inferior à média da escolaridade dos pais no grupo de
crianças que foram vacinadas (p <0.001) (Figura 4). Também
no grupo das crianças não vacinadas com Pn7, a percentagem
de crianças com um número de consultas adequado foi inferior comparativamente às crianças que realizaram Pn7 (55%
vs 28%, p <0.001).
A Rota foi realizada em 41,2% do total das crianças. Verificou-se um aumento da vacinação com Rota de 32% em 2007
para 48% em 2008 (p=0,001). Tinham o esquema completo da
Rota, 28,2% das crianças com mais de seis meses (Figura 3).
Figura 3 – Número de doses de vacina contra o rotavírus em crianças com idade superior a 6 meses (n=319)
Os grupos de crianças associados a uma menor vacinação
com Rota foram os mesmos associados a menor frequência de
Pn7: classes Graffar IV e V, etnia cigana, filhos de pais
desempregados ou mães adolescentes, pais com escolaridade
mais baixa e crianças com menor número de consultas
(Quadro II, Figura 4 e 5).
A probabilidade de uma criança ter sido vacinada com Rota
estava associada à probabilidade de ter recebido a Pn7
(p<0.001). Da totalidade das crianças, 37,6% receberam
ambas as vacinas (Pn7 e Rota).
Onze crianças com mais de três meses realizaram vacinação
apenas com Rota, e não com a Pn7. Nessas crianças, a média
da escolaridade dos pais e o número de consultas realizadas
foi inferior ao das crianças que só tinham recebido a Pn7 ou
que tinham realizado as duas vacinas (Figuras 4 e 5).
Discussão
Figura 4 – Média e intervalos de confiança a 95% para a escolaridade
média dos pais de acordo com a administração de Pn7 e Rota (Teste
ANOVA, p<0.001); n[Pn7 e Rota]=142; n[Pn7]=113; n[Rota]=13;
n[Nenhuma vacina]=98; PNV- Plano Nacional de Vacinação; Pn7 - vacina
pneumocócica conjugada heptavalente; Rota – vacina contra o rotavírus
Figura 5 – Adequação do número de consultas de acordo com as
recomendações da Direcção Geral de Saúde nos grupos de crianças
com Pn7 e Rota, só Pn7, só Rota e sem Pn7 ou Rota (X2, p<0.001); *os
números apresentados representam o número absoluto de crianças
em cada grupo; PNV- Plano Nacional de Vacinação; Pn7 - vacina pneumocócica conjugada heptavalente; Rota – vacina contra o rotavírus
A Pn7 foi administrada com menor frequência nas crianças
pertencentes às classes Graffar IV e V (p<0.001), em crianças
de etnia cigana (p<0.001), nas crianças cujos pais se encontravam desempregados (p<0.001) ou cujas mães eram adolescentes (p=0.008)(Quadro II). No grupo de crianças a quem
198
Estudos anteriores realizados em Portugal referem valores
elevados de cobertura vacinal para o PNV, nomeadamente
quando comparados com outros países europeus6. O presente
estudo apresenta resultados que vão de encontro aos anteriores, apesar das diferenças entre as amostras envolvidas. Para
as coortes de crianças nascidas em Portugal no norte do país,
Gonçalves G et al.6 relataram taxas de cobertura vacinal para
as vacinas do PNV que variaram, conforme a vacina em
causa, entre 83 e 97%.
No que se refere à vacinação com Pn7, os estudos anteriores
referem coberturas vacinais variáveis. Neves JF et al.6, descrevem percentagens de administração da Pn7 inferiores às
encontradas no presente estudo (23% vs 68,8%). Este facto
poderá resultar da introdução recente da Pn7 aquando da realização desse estudo e da faixa etária envolvida (0-16 anos). Por
sua vez, De Carvalho Gomes H et al.8, apresentam uma percentagem de vacinação completa de Pn7 de cerca de 60%, ou seja,
superior aos resultados apresentados (vacinação completa em
crianças com >18 meses – 44%). No entanto, o valor apresentado por De Carvalho Gomes H et al. corresponde a uma
estimativa calculada a partir do número de doses vendidas
(disponibilizado pelo laboratório) e do número de crianças do
respectivo grupo etário (baseado no Eurostat- Statistical Office
of the European Communities). Como os próprios autores
referem, os números atingidos correspondem provavelmente a
uma sobre-estimativa dos números reais. Por sua vez, Queirós
et al.8, relatam uma cobertura vacinal de 51% para 3 doses aos
12 meses (na coorte de 2005) e 43% para 4 doses aos 24 meses
16. Acta Pediatr Port 2010:41(5):195-200
Rocha R et al. – Factores de não cumprimento do PNV
(na coorte de 2005), resultados semelhantes aos encontrados
neste estudo. Os resultados encontrados para a Pn7 assumem
ainda maior relevo se considerarmos a classe social da maioria
das famílias de onde estas crianças provêm.
ção das vacinas Pn7 e Rota. Os pais podem ver a sua motivação para a vacinação inviabilizada pela situação económica.
Estes factos constituem, na nossa análise, factores importantes
a considerar em estratégias de adesão ao PNV, à Pn7 e à Rota.
A comparação com outros países europeus torna-se complexa
devido às diferentes políticas adoptadas relativamente à Pn710.
A utilidade das consultas infantis na adesão ao PNV, Pn7 e
Rota fica mais uma vez reforçada ao constatarmos um maior
número de consultas de saúde infantil nas crianças vacinadas.
Relativamente à vacinação com Rota, apesar das recomendações da Sociedade Portuguesa de Pediatria4, não encontramos, até à data, nenhum estudo português publicado que
descrevesse a cobertura vacinal ou a percentagem de administração nacional relativamente à Rota. Nos Estados Unidos da
América, num estudo publicado pelo Center of Disease Control and Prevention (CDC)11 com dados relativos ao período
compreendido entre Fevereiro de 2006 - Maio de 2007, a percentagem de iniciação de Rota aos 3 meses foi de cerca 50%.
No presente estudo, foram encontrados valores próximos dos
referidos pelo CDC, nomeadamente no ano de 2008, altura
em que se verificou um incremento significativo do número
de vacinados. Este incremento poderá estar relacionado com
o aumento do conhecimento da vacina pelos profissionais de
saúde e pais, desde a sua entrada no mercado em 2006.
De referir que, tal como foi também verificado para a Pn7,
algumas crianças apesar de iniciarem a vacinação com Rota
não completaram o esquema vacinal. Será importante investigar futuramente o que poderá estar na base desta atitude.
Tal como acontecia com a associação positiva entre a probabilidade de administração da Pn7 e a probabilidade de
administração da vacina anti-meningocócica (antes da sua
introdução no PNV) descrita por Queiros L et al.12, foi possível verificar uma associação positiva entre a probabilidade de
administração da Pn7 e a Rota. A disponibilidade económica
e a consciência para a saúde dos pais poderão ser factores que
fomentam esta associação.
Importa, também, analisar o pequeno número de crianças que
apenas iniciou Rota. É comummente aceite a maior importância
atribuída à Pn7 face à Rota na hora de optar, devido à diferente
mortalidade verificada no nosso país, relativamente às patologias preveníveis por cada vacina. Assim, julgamos que o
menor conhecimento sobre as vacinas (a menor escolaridade
dos pais, o menor número de consultas efectuadas), o preço
inferior e o rigor temporal imposto pelo esquema vacinal da
Rota possam ter contribuído para a decisão de vacinar com Rota
e não Pn7. Interessa esclarecer os pais, de forma clara, acerca da
importância relativa das diferentes vacinas e orientá-los quando
é necessário optar. A decisão deve ser conjunta (médico/pais),
consciente e não recriminatória, permitindo aos pais expressarem as possíveis limitações económicas e orientando-os na optimização do investimento económico e adaptando-o às necessidades e disponibilidades individuais.
Verificou-se um mais frequente incumprimento do PNV e não
realização de Pn7 e Rota nas classes sociais mais desfavorecidas (Graffar IV eV), nas crianças de etnia cigana e nas crianças cuja escolaridade dos pais era mais baixa. Neves JF6 et al.
no seu trabalho também referem associações entre a baixa
escolaridade dos pais, a etnia cigana, e a menor probabilidade
de cumprimento vacinal do PNV. A importância dos pais se
encontrarem empregados também ficou patente na administra-
Em suma, a constante monitorização da adesão populacional
às campanhas preventivas é essencial para as tornar eficazes.
É também importante compreender o impacto da informação
individual e individualizada no cumprimento das mesmas.
O presente estudo envolveu um grupo populacional não representativo da população em geral, mas importante para a compreensão da problemática da implementação de medidas
preventivas, nomeadamente a vacinação. Devido às características próprias da população infantil do Centro de Saúde de
onde provêm as crianças, qualquer comparação ou extrapolação dos dados para uma população mais alargada como a
nacional ou com características diferentes é imprudente, não
sendo portanto essa a pretensão dos autores. Este estudo permite, no entanto, sugerir tendências que deverão ser estudadas
em amostras representativas e assinalar particularidades
encontradas neste grupo característico de indivíduos, devendo
servir como base para novos estudos e mesmo intervenções.
Acrescenta-se, ainda, que atendendo à natureza retrospectiva
deste trabalho os possíveis erros de registo foram minimizados pela comparação entre o registo no processo clínico e o
registo no Sinus®.
Conclusão
Apesar do baixo nível socio-económico da população em
causa, a cobertura vacinal do PNV e a frequência de administração da Pn7 foram sobreponíveis à de outros estudos. Os
dados relativos à Rota são novos no nosso país.
Foram identificados alguns factores associados ao incumprimento vacinal que poderão auxiliar a focalização das campanhas de promoção vacinal em grupos mais específicos.
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18. 0873-9781/10/41-5/201
Acta Pediátrica Portuguesa
Sociedade Portuguesa de Pediatria
ARTIGO ORIGINAL
Sensibilização a ácaros num grupo de crianças atópicas do interior norte
de Portugal
Susana Sousa, José Fraga, Vânia Martins, Márcia Quaresma
Serviço de Pediatria, Centro Hospitalar de Trás os Montes e Alto Douro, Vila Real
Resumo
Introdução. Os ácaros constituem uma causa importante de
sensibilização alergénica a nível mundial, existindo, contudo,
diferenças geográficas, tanto na sua distribuição como no perfil de sensibilização.
Objectivos e Metodologia. Estudar e definir o perfil de sensibilização a ácaros num grupo de crianças atópicas com idade
≥3 anos, que foram referenciadas à Consulta de Pediatria por
queixas alergológicas e que realizaram prick-testes incluindo,
entre outros, extractos comerciais de ácaros domésticos e de
armazenamento.
Resultados. Das 644 crianças observadas, verificou-se atopia
em 365 (56,7%), sendo a prevalência de sensibilização a ácaros de 73%, crescente com o grupo etário. A sensibilização
mais frequente foi a Dermatophagoides pteronyssinus
(50,4%), Dermatophagoides farinae (49,9%) e Lepidoglyphus destructor (35,3%). A maioria dos doentes sensibilizados a ácaros, estava sensibilizada a mais do que uma espécie de ácaro (em 77% dos casos).
Discussão. O Dermatophagoides pteronyssinus foi o ácaro
mais frequente, tal como referido nas diversas séries publicadas. Destaca-se a prevalência de sensibilização a Lepidoglyphus destructor, um ácaro de armazenamento também encontrado no pó doméstico das habitações, cujo significado clínico
tem merecido cada vez mais interesse.
Palavras-Chave: sensibilização, ácaros, atopia, crianças
Acta Pediatr Port 2010;41(5):201-4
Mite sensitization in a group of atopic children
from the north interior of Portugal
Abstract
Introduction. Mites are a major cause of allergy all over the
world, but there are geographic differences in distribution of
mites and in the prevalence of mite sensitization.
Recebido:
Aceite:
13.07.2009
21.10.2010
Aims and Methodology. The aim was to determine mite sensitization in a group of atopic children three years of age or
older. All of these children had been referred to our Pediatric
out-patient clinic because of allergy symptoms and had done
skin prick-tests, which included commercial extract for house
dust and storage mites.
Results. A total of 644 children were observed. Of these children, 365 (56,7%) were atopic, and, within this group, the prevalence of mite sensitization was 73%. The predominant sensitization was to Dermatophagoides pteronyssinus (50,4%),
Dermatophagoides farinae (49,9%) and Lepidoglyphus
destructor (35,3%), and 77% of the sensitized patients were
sensitized to more than one mite specie.
Discussion. Sensitization to Dermatophagoides pteronyssinus was the most frequently found, as referred in various
published articles. Sensitization to Lepidoglyphus destructor,
which is a storage mite also found in house dust and whose
clinical significance has earned an increasing interest, was the
third most prevalent.
Key-Words: sensitization, mites, atopy, children
Acta Pediatr Port 2010;41(5):201-4
Introdução
A patologia alergológica é uma das principais causas de
doença crónica na infância1. Acarreta elevada morbilidade e
pode ter um grande impacto na qualidade de vida dos doentes
e suas famílias.
Entre os factores etiopatogénicos relacionados com o desenvolvimento de doença alérgica, os ácaros assumem um papel
muito relevante.2
Além dos ácaros do pó doméstico, pertencentes à família
Pyroglyphidae (Dermatophagoides pteronyssinus e Dermatophagoides farinae), outros ácaros, tais como os pertencentes às
famílias Glycyphagidae (que inclui o Glycyphagus domesticus
e o Lepidoglyphus destructor) e Acaridae (incluindo Tyropha-
Correspondência:
Susana Sousa
Urbanização Aleu, lote 36
5000-054 Vila Real
susanasous@hotmail.com
201
19. Acta Pediatr Port 2010:41(5):201-4
gus putrescentiae), podem causar manifestações alérgicas.
Estes últimos denominam-se ácaros de armazenamento, porque inicialmente foram relacionados com a asma ocupacional
de agricultores e trabalhadores em armazéns de farinhas e
grãos. Contudo, verificou-se que os ácaros de armazenamento
também se encontram no pó doméstico de habitações rurais e
urbanas, o que expandiu o seu significado clínico.3,4
Existem grandes diferenças geográficas na distribuição das
diferentes espécies de ácaros e na prevalência de sensibilização.
O presente estudo teve como objectivo avaliar a prevalência
de sensibilização a ácaros num grupo de crianças atópicas,
bem como procurar definir o perfil de sensibilização.
Material e Métodos
A amostra incluiu todas as crianças com idade igual ou superior a três anos que foram referenciadas à Consulta de Pediatria por queixas alergológicas, entre Abril de 2004 e Dezembro de 2008 e que realizaram testes cutâneos em picada
(prick-teste), com uma bateria de extractos comerciais de alergénios que incluía ácaros domésticos e de armazenamento.
O grupo de estudo foi constituído pelas crianças atópicas,
definindo-se a atopia pela positividade dos prick-teste a pelo
menos um dos alergénios. As variáveis analisadas foram:
sexo, idade, parâmetros ambientais e clínicos e padrão de sensibilização a ácaros.
Sousa S et al. – Sensibilização a ácaros e atopia
positivo quando a média era pelo menos 3mm maior do que a
do controlo negativo5-7.
Resultados
No período de tempo referido, foram incluídas 644 crianças,
377 (58,5%) do sexo masculino e com idade média na 1ª consulta de 6,9 anos. Efectuaram-se 11464 prick-testes, o que
corresponde a uma média de 17,8 prick/criança. Foi identificada atopia em 56,7% (365/644) das crianças.
Das 365 crianças atópicas, a maioria era do sexo masculino
(60,8%, 222/365), com uma idade média de 7,7 anos e um
desvio padrão de 3,5 anos. Em relação às variáveis ambientais, 64,6% (236/365) residiam em meio rural e na maioria a
habitação não tinha alcatifa (89,6%, 327/365) nem humidade
(65,8%, 240/365). Verificou-se que 55,6% (203/365) tinham
animais domésticos e que 45% (165/365) estavam expostas a
tabagismo passivo. A existência de história familiar de alergia
foi constatada em 74,8% (273/365) das crianças. Quanto às
manifestações de doença alérgica, apresentavam clínica compatível com o diagnóstico de rinite 87,7% (320/365), de asma
74,5% (272/365), de conjuntivite 50,7% (185/365) e de
eczema 20,8% (76/365). As características da população atópica do estudo estão resumidas no Quadro I.
Quadro I – Características das crianças atópicas do estudo (n=365)
%
Sexo masculino
222
60,8
Variáveis ambientais: habitação com alcatifa; habitação com
humidade; localização da residência em meio urbano ou em
meio rural, definindo-se meio rural como zonas de pequenos
aglomerados populacionais, distanciados de centros metropolitanos e com zonas agrícolas, florestais ou parques naturais
adjacentes; presença de cães e/ou gatos no domicílio (animais
domésticos); exposição a tabagismo passivo.
Idade 3-5 anos
6-10 anos
>10 anos
113
167
85
31,0
45,8
23,2
236
38
125
64,6
10,4
34,2
Os testes cutâneos em picada foram realizados segundo as
normas da EAACI6. Foram colocadas sobre a face anterior do
antebraço dos doentes gotas de uma bateria de extractos
comerciais (Laboratórios Leti®, Madrid, Espanha) constituída por: solução salina fisiológica (controlo negativo),
hidrocloreto de histamina a 10mg/mL (controlo positivo),
Dermatophagoides pteronyssinus (Der p), Dermatophagoides
farinae (Der f), Glycyphagus domesticus (Gly d), Lepidoglyphus destructor (Lep d), Tyrophagus putrescentiae (Tyr p),
mistura de pólenes de gramíneas, mistura de pólenes de ervas,
parietária, oliveira, epitélio de cão, epitélio de gato e outros
alergénios (de acordo com a história clínica). Posteriormente
foi efectuada picada intra-epidérmica utilizando uma lanceta
de material sintético, com limitador de penetração a 1mm
(Stallerpoint®, Stalergenes SA, Antony, França). Após 15
minutos foi feita a leitura do teste (média entre o maior diâmetro da pápula e da sua perpendicular), considerando-se
202
Variáveis clínicas
Variáveis clínicas: história familiar de alergia, definida pela
presença de asma, rinite e/ou eczema em familiares de 1º grau;
história pessoal de asma, rinite, conjuntivite e/ou eczema.
Variáveis ambientais
Nº total
Na Primeira Consulta, foi elaborada uma história clínica detalhada, com particular atenção para os seguintes aspectos:
Habitação
Rural
Com alcatifa
Com humidade
Animais domésticos
203
55,6
Tabagismo passivo
165
45,2
Antecedentes familiares alergia
273
74,8
Patologia alergológica
Rinite
Asma
Conjuntivite
Eczema
320
272
185
76
87,7
74,5
50,7
20,8
Verificou-se uma prevalência de sensibilização a ácaros em
73% (267/365) das crianças atópicas, que foi crescente com o
grupo etário (Figura 1). O ácaro com maior prevalência de
sensibilização foi Der p (50,4%, 184/365), seguido de Der f
(49,9%, 182/365), Lep d (35,3%, 129/365), Gly d (28,2%,
103/365) e Tyr p (11%, 40/365) (Figura 2).
Foi detectada sensibilização a mais de uma espécie de ácaros
em 56,2% (205/365) dos casos, sendo as associações mais
frequentes a de Der p + Der f (21,9%, 80/365) e a de Der p +
Der f + Lep d + Gly d (9,0%, 33/365).
20. Acta Pediatr Port 2010:41(5):201-4
Sousa S et al. – Sensibilização a ácaros e atopia
200
Total
150
Sensibilização a ácaros
Nº 100
73%
69,9%
50
77,6%
0
3-5A
6-10A
>10A
Idade
Figura 1 – Prevalência de sensibilização a ácaros por grupo etário
200
50,4%
49,9%
150
O presente trabalho permitiu documentar uma prevalência de
sensibilização a ácaros de 73%, o que está de acordo com a
literatura.12-14
35,3%
Nº 100
28,2%
50
11,0%
0
Dp
Df
Ld
Gd
maior número de crianças habitantes em meio rural, dado que
a ruralidade constitui um factor protector para o desenvolvimento de atopia, nomeadamente o meio rural relacionado
com estilos de vida considerados protectores (consumo de
leite não pasteurizado, suinicultura, contacto com silagem
e/ou feno, permanência regular em armazéns agrícolas e em
estábulos).8-11 No entanto, este facto estará provavelmente
relacionado com as características demográficas próprias da
área de influência da consulta, embora, e em consonância com
as mudanças que se têm vindo a verificar nos últimos anos no
mundo rural português em geral, as crianças rurais do nosso
estudo habitam zonas onde a agricultura e a pecuária estão em
declínio, o que, a par com uma maior acessibilidade ao meio
urbano, condicionou uma profunda modificação do tradicional modo de vida da família rural.
Tp
Figura 2 – Prevalência de sensibilização aos ácaros estudados
Em relação ao padrão de sensibilização, 32% (119/365) estavam sensibilizadas apenas a ácaros domésticos, 11,5% (42/365)
apenas a ácaros de armazenamento e 29,6% (108/365) a ambos.
Em 4,6% (17/365) das crianças verificou-se sensibilização a
todos os ácaros estudados e em 17% (62/365) sensibilização a
apenas um ácaro, sendo a frequência por ordem decrescente a
seguinte: Der f, Der p = Lep d, Gly d e Tyr p (Quadro II).
Quadro II – Padrão de sensibilização a ácaros (n=365)
Nº total
%
Ácaros domésticos (AD)
119
32,6
Ácaros de armazenamento (AA)
42
11,5
AD + AA
108
29,6
Todos os ácaros
17
4,6
Um ácaro:
Df
Dp
Ld
Gd
Tp
62
22
17
17
5
1
17
6
4,6
4,6
1,4
0,3
Verificou-se sensibilização a mais de um alergéneo ambiental
(polissensibilização) em 32% (117/365) dos casos, a maioria
a ácaros e gramíneas.
Discussão
A população do estudo era constituída maioritariamente por
crianças dos 6 aos 10 anos de idade, do sexo masculino e
habitantes em meio rural. À partida não seria de esperar um
O ácaro mais prevalente do estudo foi Der p, o que está de
acordo com os estudos publicados sobre sensibilização a
aeroalergénios.15,16 Essa elevada prevalência de sensibilização
a Der p está certamente relacionada com o facto de esta espécie ser a mais frequente nas habitações da Zona Interior Norte
do país, como se constata quando se avalia o mapa acarológico de Portugal, recentemente apresentado17, à semelhança
do que acontece em vários países Europeus.15,18
Contudo, um estudo multicêntrico recente18, envolvendo 22
cidades de 10 países Europeus, que avaliou a distribuição de
Der p e Der f, concluiu que em certas regiões Der f é o ácaro
mais frequente (Pavia, Hamburgo e Barcelona). Nesse estudo
foram encontrados níveis mais elevados de Der p nos centros
espanhóis perto do Atlântico, como Huelva e Oviedo. Foi
constatado que ambos os ácaros eram mais frequentes com a
diminuição da latitude e que os níveis de Der p eram menos
elevados nas regiões de este, não sendo Der f influenciado pela
longitude. Esse estudo também revelou que as cidades com
temperaturas de Inverno mais elevadas tinham níveis superiores de Der p, não se verificando associação óbvia com Der f.
O presente trabalho revelou uma prevalência de sensibilização a Der f de 49,9%, quase tão elevada como a de Der p,
um número superior ao que se poderia esperar quando se analisa o mapa acarológico português, em que a frequência de
Der f no pó das habitações da Zona Interior Norte foi de 6,8%.
A elevada prevalência de sensibilização a Der f encontrada
poderá eventualmente ser explicada por fenómenos de reactividade cruzada. De facto, cada espécie de ácaro tem os seus
próprios alergénios e partilha determinantes antigénicos com
outras espécies. Estão identificados 21 grupos de alergénios
de ácaros, sendo os mais importantes, em termos de ligação à
IgE, os alergénios do grupo 1 (detectados nos ácaros da família Pyroglyphydae e na Blomia tropicalis (Blo t), ácaro de
armazenamento pertencente à família Echimyopodidae), e os
alergénios do grupo 2, presentes nos cinco ácaros que foram
estudados no presente trabalho19. É homóloga a sequência de
aminoácidos de 80% das proteínas dos grupos 1 e 2 dos ácaros da família Pyroglyphydae (Der p e Der f)20 e do grupo 2
dos ácaros da familia Glycyphagidae (Gly d e Lep d)21 , o que
203
21. Acta Pediatr Port 2010:41(5):201-4
explica a grande reactividade cruzada encontrada dentro destas famílias. No entanto, é de apenas 40% a homologia da
sequência de aminoácidos das proteínas do grupo 2 da família Glycyphagidae e do Der p (Der p 2) 22. Estes dados foram
corroborados por um estudo recente, de um grupo de trabalho
de Huelva15, que comparou a reactividade cruzada entre Der p
e Gly d em pacientes naturalmente expostos a ambos os ácaros. Foi detectada uma baixa reactividade cruzada entre os
dois ácaros, concluindo que o Gly d pode actuar como agente
sensibilizador primário. No entanto, no mesmo estudo, verificaram uma importante reactividade cruzada dos ácaros da
família Glycyphagidae entre si, nomeadamente Gly d e Lep d.
O terceiro ácaro mais prevalente no nosso estudo foi Lep d,
documentado por positividade do prick-teste em 35% das
crianças atópicas, e que constitui, segundo o mapa acarológico, o segundo ácaro mais frequente no pó das habitações
portuguesas.
Nas crianças com sensibilização a apenas um ácaro (23% das
crianças sensibilizadas), Der f foi o ácaro mais frequente, mas
com valores muito semelhantes aos de Der p e Lep d.
A grande maioria (77%) das crianças com sensibilização a
ácaros estava sensibilizada a mais do que um ácaro, sendo os
perfis de sensibilização mais encontrados o de Der p + Der f
e de Der p + Der f + Lep d + Gly d.
Para esclarecer o peso relativo da sensibilização múltipla e da
reactividade cruzada nos perfis de sensibilização que foram
encontrados são necessários mais estudos, tais como a inibição de immunoblotting.
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22. 0873-9781/10/41-5/205
Acta Pediátrica Portuguesa
Sociedade Portuguesa de Pediatria
CASUÍSTICA
Hospitalizações por varicela no Hospital Pediátrico de Coimbra (2000-2007)
Sofia Fernandes, Graça Rocha, Luís Januário
Hospital Pediátrico de Coimbra
Resumo
Introdução. A varicela é uma doença frequente na infância
e muito contagiosa. Geralmente apresenta evolução benigna,
embora possa cursar com complicações graves. O objectivo
deste estudo foi caracterizar os internamentos devidos à
varicela e suas complicações.
Métodos. Análise retrospectiva dos processos clínicos das
crianças internadas, entre Janeiro de 2000 e Dezembro de
2007, com diagnóstico de varicela.
Resultados. Foram observadas, no serviço de urgência,
3191 crianças com varicela, das quais 61 (1,9%) foram internadas. As crianças internadas tinham idade compreendida
entre 24 dias e nove anos, sendo 54% do sexo masculino.
Quarenta e cinco crianças foram internadas por varicela
complicada, dez por febre elevada e/ou alteração do estado
geral e seis pelo risco de desenvolverem varicela grave (um
recém-nascido e cinco crianças com doença de base). Destas
últimas 16 crianças, apenas duas desenvolveram complicações. A sobreinfecção cutânea e/ou dos tecidos moles foi
a complicação mais frequente (50,9%), incluindo casos de
impétigo, celulite, fasceíte e piomiosite. Seguiram-se as
complicações neurológicas (sete convulsões febris, quatro
cerebelites, uma encefalite e uma convulsão apirética),
respiratórias (seis pneumonias), hematológicas (uma varicela hemorrágica), osteoarticulares (uma artrite) e outras
(duas otites médias agudas, duas conjuntivites e uma varicela crónica). A duração média do internamento foi de quatro dias. Todas as crianças apresentaram boa evolução,
excepto uma criança em depressão imunológica que desenvolveu varicela crónica.
Conclusões. O número de internamentos por varicela é
baixo, ao longo de oito anos. A complicação mais
frequente foi a sobreinfecção cutânea ou dos tecidos
moles. Com excepção de uma criança, todas tiveram boa
evolução.
Palavras-Chave: varicela, complicações, hospita li zações
Varicella-related hospitalizations in Hospital
Pediátrico de Coimbra (2000-2007)
Abstract
Introduction. Varicella is a common and highly contagious
disease in childhood. It is usually a mild and self-limited
disease, although serious complications can arise. The purpose is to characterize the varicella-related hospitalizations
and its complications.
Methods. Retrospective review of the clinical files of children admitted between January 2000 and December 2007,
diagnosed with chickenpox.
Results. 3191 children with varicella were attended at the
emergency room and 61 (1,9%) were hospitalized. The
median age was 22 months (24 days to nine years); 54% were
male. Forty-five children were admitted for varicella complications, ten for high fever and/or abnormal general condition and six by the risk of severe varicella (one neonate and
five children with underlying disease). Two of these last 16
children developed complications (chronic varicella and
conjunctivitis). The skin/soft tissues infection was the most
common complication (27 children), which include impetigo,
cellulitis, fasciitis and piomiositis. Other complications were
neurological complications (seven febrile seizures, four
cerebellitis, one encephalitis and one seizure without fever),
respiratory (six pneumonias), hematological (one hemorrhagic varicella), osteoarticular (one arthritis) and others (two
acute otitis media, two conjunctivitis and one chronic varicella). The mean length of hospitalization was four days. All
children showed favourable clinical evolution, except one of
them, which was immunocompromised and developed
chronic varicella.
Conclusions. For last eight years, there has been a low rate of
varicella-related hospitalizations. The most frequent complication was skin/soft tissues infection. All children showed
favourable clinical evolution, except one of them.
Key-words: varicella, complications, hospitalizations
Acta Pediatr Port 2010;41(5):205-8
Acta Pediatr Port 2010;41(5):205-8
Recebido:
Aceite:
Correspondência:
Sofia Fernandes
Hospital Pediátrico de Coimbra
Av. Bissaya Barreto
3000-075 Coimbra
phi.fernandes@gmail.com
29.06.2008
21.10.2010
205
23. Acta Pediatr Port 2010:41(5):205-8
Introdução
A varicela, doença provocada pela primoinfecção pelo vírus
varicela-zoster (VVZ), é uma doença muito frequente, que
ocorre predominantemente na infância. De acordo com o 2º
Inquérito Serológico Nacional, 86,8% da população portuguesa
é seropositiva para o VVZ e 41,3% das crianças entre os dois e
os três anos já apresenta anticorpos específicos contra este
vírus. A percentagem de indivíduos infectados duplica no grupo
etário dos seis aos sete anos (83,6%) e vai depois aumentando
gradualmente com a idade, atingindo o valor de 99,3% nos
indivíduos com idade igual ou superior a 65 anos.1
Esta doença infecciosa, cuja transmissão ocorre por contacto pessoal, através de gotículas respiratórias ou contacto com lesões
cutâneas, é caracterizada por ser altamente contagiosa.2-4 Nos
casos de transmissão intra-familiar, a taxa de contágio dos contactos susceptíveis expostos é de 80 a 90% e a doença tem normalmente uma evolução mais grave, quando comparada com as
situações em que o contacto é menos mantido, como nos casos
escolares ou hospitalares.3-6 Nestes últimos, a taxa de transmissão
pode ser mais baixa: doze a 33%.4,5 Nas crianças, a doença geralmente é auto-limitada, com uma duração média de quatro a sete
dias, caracterizada por exantema vesicular pruriginoso, generalizado, mais exuberante no couro cabeludo, face e tronco, podendo
também afectar as mucosas (orofaringe, conjuntiva e tracto
genito-urinário). O exantema acompanha-se frequentemente de
sintomas constitucionais ligeiros como febre, mal-estar, anorexia
e cefaleias. Embora o mais frequente seja apresentar uma evolução benigna, pode cursar com complicações potencialmente graves, necessitando de internamento hospitalar.3-7 As complicações
surgem em menos de 1% das crianças previamente saudáveis,
com menos de quinze anos. São factores de risco para evolução
grave ou complicada: a depressão imunológica (infecção pelo
vírus da imunodeficiência humana (VIH), malignidade, défice
imunitário de células T, receptores de transplantes, quimioterapia, radioterapia e altas doses de corticóides sistémicos),
doenças pulmonares ou cutâneas crónicas, a gravidez, o primeiro
ano de vida (sobretudo o período neonatal), a adolescência e a
idade adulta.8,9 Contudo, o número absoluto de hospitalizações e
mortes por varicela é maior em crianças com idade inferior a dez
anos e imunocompetentes, uma vez que é nesta população que a
doença é mais frequente.8
A complicação mais frequente da varicela é a sobreinfecção
bacteriana das lesões cutâneas, cujos agentes mais frequentemente envolvidos são o Staphylococcus aureus e o Streptococcus pyogenes. A sobreinfecção pode localizar-se às camadas mais superficiais da epiderme (impétigo), atingir o tecido
celular subcutâneo (celulite), envolver todo o tecido celular
entre as fascias superficial e profunda (fasceíte necrotizante),
atingir o tecido muscular (miosite) ou apresentar-se sob a
forma de colecção purulenta (abcesso). A sobreinfecção cutânea pode funcionar como ponto de partida para o desenvolvimento de escarlatina, bacterémia ou sépsis, o que, por sua vez,
pode conduzir ao aparecimento de um segundo foco de infecção (pneumonia, artrite, osteomielite, entre outros). Segue-se o
envolvimento do sistema nervoso central (SNC) e as complicações respiratórias. O envolvimento do SNC pode variar de
meningite asséptica a encefalite, sendo o atingimento cerebelar
(cerebelite aguda), com resultante ataxia cerebelosa, a manifes206
Fernandes S et al. – Hospitalizações por varicela (2000-2007)
tação mais comum e com melhor prognóstico. A pneumonia,
com ou sem derrame pleural, é a complicação respiratória mais
comum. A pneumonia é normalmente atribuída a sobreinfecção
bacteriana, sendo os agentes responsáveis o Streptococcus
pneumoniae, o Streptococcus pyogenes e menos frequentemente o Staphylococcus aureus. Contudo, pode ser também de
origem viral, situação que é mais frequente nos indivíduos
imunocomprometidos, adultos e recém-nascidos. Menos frequentes são as complicações hematológicas, das quais a mais
comum é a púrpura trombocitopénica, que cursa com exantema
hemorrágico, equimoses, petéquias e hemorragia das mucosas
(epistaxis, hematúria e hemorragia intestinal). O Síndrome de
Reye é uma rara complicação, que ocorria quase exclusivamente em crianças medicadas com ácido acetilsalicílico
durante a doença aguda e que praticamente desapareceu desde
que o mesmo não é usado como terapêutica antipirética.
Complicações raras da varicela incluem: mielite transversa,
síndrome de Guillain-Barré, varicela hemorrágica, púrpura fulminans, glomerulonefrite, síndrome nefrótico, síndrome hemolítico urémico, miocardite, pericardite, artrite, otite média
aguda, orqueíte, uveíte, irite, hepatite e pancreatite. Pode ocorrer varicela crónica ou recorrente, surgindo continuamente
novas lesões durante meses; esta situação é mais frequente em
crianças com infecção pelo VIH.2-6,9-11 O síndrome da varicela
congénita é caracterizado por baixo peso e múltiplas anomalias
congénitas, incluindo atrofia das extremidades, atrofia muscular localizada, cicatrizes cutâneas, anomalias oculares
(corioretinite) e do SNC (encefalite, microencefalia, atrofia
cortical e atraso mental). Este síndrome ocorre em 0,4 a 2% dos
recém-nascidos, cujas mães contraíram varicela no primeiro ou
segundo trimestre de gravidez (o risco de transmissão fetal é
máximo entre a 13ª e a 20ª semana de gestação).2-6,10 A infecção
perinatal, que ocorre quando a varicela materna ocorre após a
38ª semana de gestação, principalmente cinco dias antes até 48
horas após o parto, pode resultar em infecção progressiva e
generalizada do recém-nascido, com lesões hemorrágicas
hepáticas e pulmonares. Atinge 20% dos recém-nascidos e tem
uma taxa de mortalidade, quando não tratada, tão alta como
30%, o que provavelmente se deve à exposição fetal ao VVZ,
sem a protecção veiculada pelos anticorpos maternos.2-4,6,10
A vacina contra a varicela é uma vacina de vírus vivo atenuado,
obtida da estirpe Oka do VVZ, desenvolvida no Japão, em 1970.
Após uma dose de vacina, 97% das crianças entre os doze meses
e os doze anos desenvolvem títulos de anticorpos detectáveis;
esta percentagem ultrapassa os 99%, após administração de duas
doses de vacina 2,3,6. Nos Estados Unidos da América (EUA), a
vacina foi introduzida em Março de 1995 e dois meses depois a
Academia Americana de Pediatria recomendava a vacinação
universal, de todas as crianças entre os doze e os 18 meses, bem
como das crianças susceptíveis a partir dos 19 meses, recorrendo
apenas uma dose de vacina 12. De acordo com dados mais recentes publicados pela Academia Americana de Pediatria, nos
EUA, a taxa de cobertura vacinal, em crianças entre os 19 e os
36 meses, aumentou de 27% em 1997 para 88% em 2005. Esta
elevada taxa de imunização resultou numa redução de 71% a
84% no número de casos de varicela reportados, de 88% nas
hospitalizações relacionadas com varicela e 92% nas mortes
relacionadas com varicela, nas crianças com idades compreendidas entre um e quatro anos, em comparação com a era