More than Just Lines on a Map: Best Practices for U.S Bike Routes
Contemporânea número 01 - julho de 2012
1. CONTEMPORÂNEA
NÚ MERO
Uma quase Revista do Núcleo de Estudos e Pesquisas Educação e Sociedade Contemporânea
01
JULHO
2012
1
CONTEMPORÂNEA - UMA (QUASE) REVISTA
Contemporânea (uma quase revista) é uma publicação Núcleo de Estudos e Pesquisas Educação e Sociedade Contemporânea.
Destina-se, de forma dinâmica, a veicular textos mais breves. Uma (quase) revista para conversarmos sobre temas diversos,
buscando atualidade, polêmica, mas também a reflexão de fundo.
Ela recebe os textos de membros do Núcleo e de pessoas dispostas a dialogar conosco e, depois de avalia-los, publica-os em duas
entradas por mês, reunindo-os em um número concluído ao final do período. Apesar de já estarmos em agosto, este é o número
de julho, que parcialmente já estava no ar desde meados do mês passado.
Contemporânea larga com quatro seções: Arte e Crítica, Cultura do Futebol, Política e Sociedade, Educação. Apresentamos
quatro textos na seção Cultura do Futebol. Um deles é de Michelle Gonçalves, sobre o nacionalismo alemão na Copa Europeia de
Seleções de Futebol, realizada na Ucrânia e na Polônia. Os outros três, tomando como situação exemplar o mesmo evento, são de
Detlev Claussen, com tradução minha. Estes se originam da coluna que Detlev assina no portal Faust (www.faustkultur.de),
sugestivamente intitulada de Escola de Frankfurt do Futebol. Na seção Educação aparecem uma colaboração de Wagner Xavier
Camargo, sobre as tensões entre Antropologia e Educação, e outra de Edgardo Castro, uma proposta de como escrever trabalhos
acadêmicos breves. Em Arte e Crítica publicamos dois comentários meus sobre filmes, o último de Woody Allen, Para Roma com
amor e, de Francis Ford Coppola, Tetro. Em Política e Sociedade aparece outra contribuição de Wagner, uma reflexão sobre a
condição política da atleta Woroud Swalha, que logo representaria a Palestina nos 800 metros rasos dos Jogos Olímpicos de
Londres.
Enviem textos, debatam, critiquem os já publicados!
Ilha de Santa Catarina, 9 de agosto de 2012.
Alexandre Fernandez Vaz
Nesta edição:
Cultura do Futebol
EURO 2012: FUTEBOL E NACIONALISMO NA ALEMANHA
Michelle Carreirão Gonçalves
JOGADO COM A CABEÇA
Detlev Claussen
O CLUBE DE OSKAR
Detlev Claussen
DIFAMAÇÃO
Detlev Claussen
Educação
PARA UMA EDUCAÇÃO ANTROPOLÓGICA
Wagner Xavier de Camargo
¿CÓMO ESCRIBIR UN TRABAJO ACADÉMICO BREVE?
ALGUNAS INDICACIONES PARA LA COMPOSICIÓN DE MONOGRAFÍAS Y TRABAJOS DE SEMINARIOS.
Edgardo Castro
Arte e Crítica
DOS AMORES, DE ROMA: WOODY ALLEN
Alexandre Fernandez Vaz
EM NOME DO PAI: TETRO, DE COPPOLA
Alexandre Fernandez Vaz
Política e Sociedade
MULHER, ESPORTISTA E PALESTINA: UMA QUESTÃO DE ESTADO!
Wagner Xavier de Camargo
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2. CONTEMPORÂNEA
NÚ MERO
Uma quase Revista do Núcleo de Estudos e Pesquisas Educação e Sociedade Contemporânea
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JULHO
2012
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CULTURA DO FUTEBOL
EURO 2012:
FUTEBOL E NACIONALISMO NA ALEMANHA
Michelle Carreirão Gonçalves
Doutoranda do Programa de Pós-Graduação
em Educação /UFSC
Muitas vezes acho que o fato de ter nascido no apesar de alguma decepção, não foi incomum ver pessoas
“país do futebol” fez com que eu me afastasse dele. O correndo pelas ruas, com suas bandeiras, gritando
bombardeio diário de notícias, fatos, imagens e jogos, Deutschland, ou ainda cantando músicas de incentivo à
sempre me irritou um pouco. Queria ver outras coisas seleção. Um ou dois dias depois da derrota, no retorno da
além de gols e impedimentos, de debates e mesas equipe, vi pela televisão a recepção que o técnico Joachim
redondas sobre o tema. Mas o tempo tem me feito menos Löw teve durante o voo, bem como em seu desembarque.
impaciente e (quem sabe?) menos injusta com o futebol. Pessoas o cumprimentando pela bela atuação na
Cada vez mais tenho me inteirado do mundo competição.
futebolístico, sem grande fervor, mas com certa atenção É claro que houve lances polêmicos, muito mais
(apesar de manter ainda alguma implicância com ele, fora de campo do que dentro, eu diria, como comentários
Sobre a autora acredito que por pura diversão). Por isso não pude ficar racistas em redes sociais contra o jogador alemão Mesut
indiferente aos jogos da Eurocopa realizados neste ano de Özil, de origem turca, ou ainda, a presença um tanto
Michelle Carreirão Gonçalves é 2012. Ainda mais porque, morando em Berlim, não havia quanto provocadora da primeira ministra alemã, Angela
Licenciada em Educação como esse evento passar em branco. Merkel, na partida contra a Grécia, em meio à grande
Física/UFSC; Mestre em Uma das primeiras coisas que pude constatar é tensão derivada da crise econômica na zona do euro. Por
Educação/UFSC; Graduanda do que a Alemanha também é um “país do futebol”. Um dos outro lado, pude ver com alguma frequência, nas ruas de
curso de Filosofia/UFSC; esportes mais populares do país, se não o mais, o futebol Berlim, a ostentação de outras cores e bandeiras, além da
Doutoranda do Programa de Pós- mobiliza todos por aqui. Foi só se aproximar o início do alemã. No local preparado para ser o ponto de encontro
Graduação em Educação/UFSC; grande evento do continente e milhares de bandeiras com dos donos da casa, em frente ao Portão de Brandemburgo,
Bolsista CNPq (UFSC/Leibniz suas listras preta-vermelha-amarela encheram, de uma era possível ouvir diferentes línguas, distintas torcidas.
Universität Hannover); Membro do hora para outra, as janelas e sacadas dos apartamentos, os No dia da derrota, um grupo de italianos vibrava,
Núcleo de Estudos e Pesquisas capôs e vidros dos carros, as vitrines das lojas. As cores enrolado em suas bandeiras, vestindo suas camisas azuis,
Educação e Sociedade também estampavam os rostos e corpos em dia de jogo, a cada gol de Balotelli. E os alemães? Simplesmente
Contemporânea. nas pinturas e nas roupas dos torcedores, que iam e respeitaram a torcida adversária, bem como as jogadas da
vinham pela cidade de Berlim, carregando suas seleção nacional, batendo palmas em tom de
http://buscatextual.cnpq.br/buscat bandeiras, suas cervejas e sua motivação para agradecimento, como também fazem efusivamente e
extual/visualizacv.do?id=K4770696 “impulsionar” a seleção à vitória. O Portão de incansavelmente ao fim de uma ópera, de uma peça de
U7 Brandemburgo, importante monumento e cartão postal teatro ou de um balé. Bateram palmas ainda para Özil,
da cidade, era destino (quase) certo de dezenas de quando este diminuiu a diferença no finalzinho do jogo,
milhares de pessoas, onde se montou uma arena especial enquanto muitos já iam retornando para suas casas, um
Contato: para as transmissões de todos os jogos da Euro, com pouco cabisbaixos.
michelle_carreirao@yahoo.com.br vários telões ao longo da Strasse des 17. Juni, uma das Ao final da experiência, sobrou a impressão de
principais avenidas da capital alemã. que essa nova geração alemã se orgulha, sim, de seu
Durante esse período de quase um mês, futebol e que isso, talvez, seja um elemento a compor um
especulações sobre o nascimento de um possível novo novo sentimento sobre a nação, já não marcado apenas
nacionalismo alemão surgiram, fruto da euforia pela culpa em relação às atrocidades ocorridas durante a
proporcionada pela experiência futebolística. E é claro Segunda Guerra, ou ainda, pelo trauma de um país
que soou o alarme: nacionalismo alemão equivale a cortado ao meio. Daí, me parece, é possível que vá se
perigo eminente. Bom, para quem participou da festa “de configurando uma nova identidade nacional, de um povo
dentro”, posso dizer que minha percepção é um pouco que não esquece seu passado (por isso tantos
avessa a essa opinião. Assisti a todos os jogos da monumentos e memoriais mantidos e construídos para
Alemanha, alguns no Portão de Brandemburgo, inclusive não deixar esquecer), nem descuida de sua
a semifinal, em que a seleção foi vencida pela Itália. O que responsabilidade histórica, mas que junto a isso também
pude ver foi mesmo uma grande satisfação e algum se orgulha da Alemanha, nem que seja aquela dentro das
orgulho de ser alemão, por conta, justamente, do futebol quatro linhas, com seus onze jogadores, durante 90
alemão, algo que também se passa conosco quando a minutos.
seleção brasileira sai bem sucedida de suas contendas.
Mas esse orgulho permanece mesmo depois da derrota, o
que dificilmente ocorre em terras brazucas, já que ela
parece nos lembrar sempre de nosso complexo de vira-lata,
como já dizia Nelson Rodrigues. Ao fim da semifinal,
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3. CONTEMPORÂNEA
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Uma quase Revista do Núcleo de Estudos e Pesquisas Educação e Sociedade Contemporânea
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CULTURA DO FUTEBOL
JOGADO COM A CABEÇA
Detlev Claussen
Professor Emérito da Leibniz Universität Hannover
Do futebol se fala melhor quando de fato se
entende o jogo. Lamentavelmente, também sobre o futebol
se escreve muita tolice, já que muita gente que sobre ele
escreve não tem qualquer interesse no jogo. A partida
entre Grécia e Alemanha, pelas quartas de final da Copa
da Europa, foi erigida à condição de guerra pelo Euro, foi
"superesterilizada", se podemos retomar o que disse certa
vez de maneira feliz, ainda que equivocada, Bruno
Labbadia*. O jogo parecia ter se transformado em um
combate pela rejeição aos "tanques" alemães, enquanto o
Sobre o futebol se diz muita bobagem. Martin BILD** depreciava os gregos chamando-os de taverneiros
Walser certa vez afirmou que haveria algo ainda mais em azul e branco. O que se viu foi uma batalha épica entre
Sobre o autor
estúpido que o futebol: refletir sobre ele. Lothar Baier um eficiente jogo defensivo e outro que se mostrou
certa vez asseverou que Martin Walser pensa com o ofensivo e cheio de riscos. Os que torcem pelo "schönen
Detlev Claussen é Professor
coração e sente com a cabeça. Ele tinha razão. O desprezo Spiel", o jogo bonito, como se diz no Brasil, venceram por 4
Emérito da Leibniz Universität
intelectual pelo futebol pertence àquela parte pouco x 2. Eis um motivo para celebrar.
Hannover, um dos maiores
aventurada da formação cultural burguesa na Alemanha,
representantes da tradição da Teoria *Ex-jogador e atual treinador de futebol alemão (Nota do
que considera um privilégio desconhecer as coisas
Crítica da Sociedade. Analista Tradutor).
práticas. Um preconceito oriundo da desinformação.
profícuo, ensaísta e autor de **O Bild (www.bild.de) é jornal diário sensacionalista, em
Mulheres orgulhosas de que nada sabem sobre futebol
dezenas de livros, Claussen escreve formato tabloide, cuja ênfase recai especialmente em
são a última fortaleza desse desprezo. Mas elas são cada
para o Faustkultur uma coluna em assuntos de futebol, crimes e escândalos diversos (Nota
vez em menor número. O futebol de fato tomou as massas
que analisa o futebol do Tradutor).
em todo o mundo no final do século vinte...E isso é muito
contemporâneo. Ela será publicada
bom. Afinal, ele é um belo e apaixonante jogo em que
regularmente em português, com
todos podem participar, jogando ou assistindo. Não é
tradução de Alexandre Fernandez
preciso ter tido o privilégio de frequentar boas escolas Tradução de Alexandre Fernandez Vaz
Vaz.
para alegra-se no jogo, mas se desfruta mais dele se Originalmente publicada em
também a cabeça é posta em uso. http://faustkultur.de/kategorie/gesellschaft/fussballkol
http://nucleodeestudosepesquisas.b
logspot.com.br/2011/08/professor- umne-von-detlev-claussen.html
convidado.html
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CULTURA DO FUTEBOL
O CLUBE DE OSKAR
Detlev Claussen
Professor Emérito da Leibniz Universität Hannover
Sobre o futebol se diz muita bobagem. Também é De fato, ao longo do século vinte o futebol
o caso dos intelectuais, ou talvez principalmente o deles, transformou-se em mercadoria. Mas, como a cultura, o
quando se referem ao futebol sem de fato analisarem o futebol é uma "mercadoria paradoxal". Se os bens
que se passa no gramado. Isso só alimenta o enorme anti- culturais da sociedade burguesa do século dezenove não
intelectualismo do mundo dos negócios futebolísticos. O houvessem se transformado em mercadoria, os artistas
tradicional slogan de Adi Preissler, constantemente citado nunca teriam se emancipado da tutela aristocrática, assim
por Otto Rehhagel, "A verdade aí está", sugere algo contra como jamais teria sido possível sequer imaginar a arte
o lugar comum, a falação de quem ainda não viu o jogo, o autônoma. Sem a profissionalização do futebol, não
discurso de autoridade. Não é nada agradável ver gente haveria possibilidade real para proletários, migrantes e
Sobre o autor inteligente que, ao invés de analisar o futebol como ele é outsiders participarem, de forma ampla, da vida pública.
jogado, se limita a se expressar como espectador. Desde que a Federação Alemã de Futebol reconheceu que
Detlev Claussen é Professor Quem esquentou o banco de reservas na todos os que atuam no país são potencialmente jogadores
Emérito da Leibniz Universität Universidade de Frankfurt nos anos 1950 e 1960, quando para a seleção, a organização social do futebol alemão
Hannover, um dos maiores a Faculdade de Filosofia não tinha ainda se tornado uma passa a corresponder, de forma firme, a uma sociedade
representantes da tradição da Teoria sala de ginástica linguística, deve ter aprendido que a que se reconhece etnicamente heterogênea. Aqueles que
Crítica da Sociedade. Analista crítica perde seu alvo quando não se desenvolve a partir chamam as equipes nacionais de "mistura colorida de
profícuo, ensaísta e autor de da coisa mesma, quando o crítico evita o objeto. Pertence povos" não apenas não entenderam o futebol, como
dezenas de livros, Claussen escreve às raízes da Teoria Crítica a afirmação demolidora de também não mais compreendem a sociedade em que ele é
para o Faustkultur uma coluna em Adorno sobre a fracassada tentativa de Kracauer, seu jogado.
que analisa o futebol mentor, de escrever uma "biografia social" de Jacques
contemporâneo. Ela será publicada Offfenbach: "Offenbach sem [falar de] música é *Die Tageszeitung (www.taz.de), jornal moderadamente
regularmente em português, com impossível!" de esquerda (Nota do Tradutor).
tradução de Alexandre Fernandez Na edição do último final de semana do TAZ*, **Um dos principais representantes da tradição da Teoria
Vaz. Oskar Negt**, colocando-se como um "intelectual Crítica da Sociedade, Professor Emérito de Filosofia Social
político", declara, por sua própria conta e risco, que o da Leibniz Universität Hannover. Autor, entre dezenas de
http://nucleodeestudosepesquisas.b Campeonato Europeu de Seleções seria uma forma de livros, de O que de político na política? (São Paulo:
logspot.com.br/2011/08/professor- "entretenimento repressivo". Criticar o "pão e circo" não UNESP, 1999), uma de suas parcerias com Alexander
convidado.html significa dizer que não se deva comer o pão, nem que não Kluge. (Nota do Tradutor).
possa haver divertimento com o circo. Sem a análise do
jogo, a teorização sobre a sociedade regride a um
pessimismo cultural que vê a competição entre nações Tradução de Alexandre Fernandez Vaz
como meramente uma guerra sem armas, e denuncia o
processo de comercialização do futebol como operação Originalmente publicada em
demoníaca a serviço da destruição da sociedade. http://faustkultur.de/kategorie/gesellschaft/fussballkol
Simplesmente depreciar a comercialização é rebaixar a umne-von-detlev-claussen.html
crítica da indústria cultural a uma forma de ressentimento
contra as excitações baratas, prática comum entre
intelectuais, como Oskar, que caçoam das pessoas que
querem se divertir ao invés de se ocuparem das coisas
sérias da alta cultura. Esse movimento é um subproduto
do preconceito do burguês instruído contra os english
sports.
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CULTURA DO FUTEBOL
DIFAMAÇÃO
Detlev Claussen
Professor Emérito da Leibniz Universität Hannover
Venceu o melhor. Esta é a melhor das copiadas dos imigrantes italianos e turcos, o BILD não se
experiências para quem gosta de futebol. A grande final furtou em promover uma agitação patriótica e em sugerir
celebrou o reinado do futebol. E foi como o Imperador que aquela forma de jogo era uma confirmação do que
Napoleão. A Espanha, campeã da Europa, coroou-se a si dizia seu fundador, o profeta Axel Springer. Quando a
mesma com quatro gols. O futebol não é uma religião Alemanha perde, só pode ser por falta de patriotismo,
compensatória, mas um culto cuja experiência se dá no pela presença de traidores infiltrados. O traidor da pátria
momento de sua consumação. Nem sempre os melhores novamente volta para nos seduzir e enganar.
vencem, e é por isso que é tão bom quando isso acontece - A crônica fraqueza em cantar o hino segue sendo
é o instante mágico. "Demora-te, és tão belo..."* Vai lembrada. Um dia depois da partida final da Copa da
passar. No próximo outono terão início as conversas Europa, o BILD fala de uma "agitação gigante em torno de
sobre as eliminatórias da Copa, quando a Espanha nosso hino nacional" que, aliás, é perpetrada exatamente
começa a defender o título conquistado em 2010. Cada por ele. "Políticos exigem" a obrigação de cantá-
triunfo traz em si a semente de uma derrota futura. lo...podemos dar uma olhada nesses heróis do
O futebol é um jogo do presente; glórias passadas patriotismo. Os nomes falam por si: Volker Bouffier, Uwe
não contam entre as quatro linhas, são matéria para a Schünemann, Joachim Herrmann, Hans-Peter Uhl – todos
Sobre o autor imprensa. O pior do piores: o diário BILD. Depois da do banco de reservas da coalizão CDU/CSU, gente que
partida semifinal, quando a Alemanha foi eliminada pela jamais poderia entrar em campo. A falsa lição segue ao rés
Detlev Claussen é Professor Itália, faltou o reconhecimento da exitosa maneira de do chão: "Outras nações se relacionam muito bem com seu
Emérito da Leibniz Universität jogar dos italianos, assim como a análise cuidadosa dos hino..." Outra nações tem outras histórias de constituição...
Hannover, um dos maiores alemães. Em lugar disso, a baixaria chauvinista com Os Aliados fizeram algo digno de nota para a democrática
representantes da tradição da Teoria cheiro podre: jogadores que ficam passivos, ao invés de Alemanha, ao permitirem, depois de tanta súplica, que a
Crítica da Sociedade. Analista reagirem; fracotes que ficam chorando, em lugar de lutar terceira estrofe do hino seguisse sendo entoada:
profícuo, ensaísta e autor de como os italianos; imigrantes e seus filhos que querem o "Alemanha, Alemanha, sobre tudo...". A canção de
dezenas de livros, Claussen escreve passaporte alemão, mas não colaborar com a nação: gente Hoffmann von Fallerslebens vem daquele período prévio
para o Faustkultur uma coluna em que recusa integrar-se. Essa propaganda populista não à Revolução de março de 1948, assim como é também
que analisa o futebol tem qualquer serventia se o objetivo for saber algo sobre o "Fratelli d´ Italia" tão celebrado por Buffon. Ambos têm o
contemporâneo. Ela será publicada futebol, mas é bastante útil para a promoção de uma mesmo e questionadíssimo potencial que no nacional-
regularmente em português, com sensibilidade popular doentia e para a canalização socialismo alemão e no fascismo italiano produziram um
tradução de Alexandre Fernandez daquela fúria que lhe corresponde. Não são os gols que sentimento de unidade popular. Cada um é livre para
Vaz. veículos como BILD, BamS, WamS procuram, mas os cantar o hino ou simplesmente recusar o ritual. A equipe
índices de audiência. Para eles o futebol é não é mais que italiana esmerou-se em cantar o "Fratelli" antes dos jogos
http://nucleodeestudosepesquisas.b o caldeirão de bruxa em que se deixam ferve os contra Alemanha e Espanha. Na final, derrota por 0:4, sem
logspot.com.br/2011/08/professor- sentimentos, assim como a televisão é a vassoura que os cantoria ou contestação. Os espanhóis nunca cantam antes
convidado.html varre para a fervura. das partidas, a "Marcha Real" é só melodia. Logo aquele
Mas nem tudo é porcaria na mídia, assim como time tão entrosado já realizava seu glorioso trabalho.
tampouco no campo nem tudo foi tão ruim, como aliás Finalmente puderam bradar juntos e a plenos pulmões,
nós todos vimos. Pelo contrário: na fase de grupos houve com bandeiras catalãs, bascas e andaluzes, cada qual com
jogos emocionantes e de alto nível, os mata-mata foram a sua preferida: "Campeónes, Campeónes.." "We are the
todos pelo menos razoáveis, o nível médio do futebol Champions" – eis o hino mundial do futebol.
europeu mostra-se mais alto do que quatro anos, assim
como os melhores jogos de hoje são superiores aos *Trata-se de uma citação de Fausto: uma Tragédia, de Johann
daquele tempo. Quem se interessa pelo futebol alemão Wolfgang Goethe. É uma fala de Mefisto (Nota do Tradutor).
pode dar-se por feliz. Desde a revolução promovida por
Jürgen Klismann em 2006, a Alemanha tem jogado entre Tradução de Alexandre Fernandez Vaz
as melhores seleções, sempre animada por um espírito
Originalmente publicada em
ofensivo. O jornal BILD, manifestando o papel de
http://faustkultur.de/kategorie/gesellschaft/fussballkol
Ministério Alemão da Propaganda que seus editores
umne-von-detlev-claussen.html
exercem, colocou-se desde o princípio radicalmente
contra tal transformação. Quando o futebol agressivo de
Klismann gerou, durante a Copa, uma onda de animação
vermelha, preta e dourada, cujas festivos formas
foram
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EDUCAÇÃO
PARA UMA EDUCAÇÃO ANTROPOLÓGICA
Wagner Xavier de Camargo
Doutor em Ciências Humanas pela Universidade
Federal de Santa Catarina
Defendida a tese de doutorado, a “oportunidade” Algo de importante emergiu e isso tem relação
de prestar concursos públicos para a carreira docente se estreita com a Educação: há saberes sistematizados pelo
apresenta, via de regra, como única e arrebatadora corpo “oficial” do conhecimento acumulado pela
alternativa. O momento em que se ingressa é similar, humanidade e há saberes não sistematizados, provindos
porém distinto dos anteriores: mesclando sentimentos das experiências cotidianas do homem comum. O respeito
paradoxais de incerteza e orgulho pela titulação às culturas tradicionais dos chamados “povos primitivos”
conquistada, ele abre brechas para, de fato, estabelecer as e a tais saberes passou a ser um totem antropológico,
bases do que se quer pesquisar no futuro – agora tornado relíquia guardada a sete chaves, como um dos cânones da
presente. então novata ciência.
Foi nesse momento que, não fechando Ter proposto aquele tema para a aula didática me
Sobre o autor possibilidades e fazendo uma verdadeira ginástica para fez procurar uma base (diria até um substrato ideológico)
pensar a adequação de meu currículo e título de Doutor comum entre Antropologia e Educação. Trazer à baila
Wagner Xavier de Camargo é uma problemática candente para dentro das salas de aula
em Ciências Humanas ao “mercado acadêmico”, inscrevi-
cientista social com mestrado em me num processo seletivo para uma vaga dentro de uma – como é, em tempos atuais, a presença de travestis,
Educação Física. Doutor em Ciências conceituada Faculdade de Educação. Até ali, nada de transexuais e transgêneros na escola – nada mais é do que
Humanas pela Universidade Federal novo ou estranho, a não ser pelo fato de o concurso ter pensar a questão da diferença no conjunto humano. Não é
de Santa Catarina (UFSC), foi apenas algo que diga respeito genericamente a culturas ou
sido para a disciplina “Escola e Cultura” e meu tema de
bolsista da Deutscher Akademischer pesquisa no doutorado ter versado sobre “Esporte, saberes, mas se relaciona ao outro e à alteridade,
Austausch-Dienst (DAAD) em componentes fundamentais da postura antropológica.
Relações de Gênero e Sexualidades”. A prova didática
estágio internacional na Freie ministrada por mim (“Questões de Gênero e Travestismos Não tenho dúvidas de que o cruzamento entre
Universität Berlin (FU Berlin), no Espaço Escolar”) foi elogiada, tanto pela problemática Antropologia e Educação já está iniciado – encontramos
Alemanha. Insere-se no campo dos endereçada, quanto pela conexão entre minhas facilmente no Google Acadêmico uma quantidade
estudos antropológicos das práticas preocupações de investigação e a “hábil” (segundo a razoável de artigos e papers que pretendem pensar tal
esportivas e dedica-se, com especial banca avaliadora) adequação e atual relevância do tema. interação. Também não é nova a existência de uma
destaque, à investigação das Apesar do desempenho, restou-me um segundo lugar na subárea específica intitulada “Antropologia da Educação”.
relações de gênero entre No entanto, como aspirante a (talvez) docente em
classificação geral. Como tal processo trouxe-me questões,
masculinidades nos esportes de gostaria de refletir mais sobre meu background de uma área de conhecimento distinta de minha formação de
competição. antropólogo e uma possível inserção na área de Educação. antropólogo, penso que o respeito ao processo de
Ora, a Antropologia é talvez a mais novata (e aprendizado, ao tempo do outro, ao relativismo entre
http://buscatextual.cnpq.br/buscat saberes instituídos ou não, enfim, um exercício
última) das ciências, originada ainda nos estertores do
extual/visualizacv.do?id=B195056 século XIX. Nasceu filiada aos discursos colonialistas e, permanente de deslocamento (distanciamento) entre as
portanto, signatária de um etnocentrismo, à época, posições de professor/a e estudante, num jogo sempre
Contato: instável de posições, estaria na base de construção de uma
marcadamente europeu. Atribuir maior valor à dita
wxcamargo@gmail.com educação antropológica, a qual traria ganhos para todas as
“cultura ocidental” gestada e produzida na Europa
daqueles tempos, em detrimento dos exóticos e partes envolvidas, amenizaria preconceitos (diretos e
exuberantes (porém ditos “pobres e primitivos”) povos inversos) e promoveria formações não tão estanques e
do novo e novíssimo mundos, era uma prática pretensamente corretas.
sistemática. Contudo, não demorou muito para a Se a Antropologia e a Educação já estão em
Antropologia pensar-se a si mesma como Ciência e, a contato e se até uma subárea se formou, talvez estejamos
partir de uma (ainda incipiente) “crise de paradigmas”, em um momento de pensar não mais por polos ou
reinventar-se. Em que pese o relativismo cultural – uma extremos, e sim considerarmos que o estar-em-relação
de suas primeiras armas – ter sido criticado destas Ciências constitui uma nova etapa, nem científica
posteriormente, foi ele que tirou a Antropologia do nem comum, mas de uma natureza singular, amálgama
emparelhamento com saberes comuns da época. Afinal, crítico para os desafios do novo milênio.
antropólogos não podiam sustentar discursos
semelhantes aos dos viajantes!
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EDUCAÇÃO
¿CÓMO ESCRIBIR UN TRABAJO ACADÉMICO BREVE?
Algunas indicaciones para la composición de monografías
y trabajos de seminarios
Edgardo Castro
Professor da Universidad Nacional de San Martín
Las siguientes indicaciones parten de dos supuestos:
1. que, como ya sostenían los lógicos medievales, hay que 6. Con el material que hemos acumulado en los puntos 3,
distinguir entre el camino que la mente recorre cuando 4 y 5, realizar una nueva lectura conceptual de nuestro
busca algo (el llamado método de la invención) y el que texto y comparar con los resultados obtenidos en la
sigue cuando trata de comunicar o enseñar lo que primera lectura. Ello nos permitirá extraer nuestras
encontró (el camino de la exposición); y propias conclusiones con cierto fundamento, al menos
bibliográfico.
2. que lo que se debe escribir es un trabajo de índole
hermenéutica, sin datos empíricos de campo (encuestas,
etc.). En palabras llanas, se trata de analizar un tema en En cuanto al recorrido de la exposición, el orden que
relación con los escritos de un determinado autor. hemos seguido se altera. A nuestro de ver, de la siguiente
manera:
Teniendo en cuenta estos dos supuestos, procederíamos
de la siguiente manera en el camino que recorremos 1. Debemos comenzar por lo que hemos aprendido en el
Sobre o autor cuando buscamos algo, es decir, la invención. punto 5 de nuestro reccorido, es decir, el context general.
Edgardo Castro é doutor em 1. Escoger un texto. Dos indicaciones son necesarias: 1.1. 2. Luego vendría el material que surgió del punto 4: situar
Filosofia pela Universidade de Recorrer el menú de las posibilidades (se aprende mucho: nuestro texto-tema-problema en la obra del autor.
Freiburg, na Suíça. É professor na cuánto escribió un autor, acerca de qué, que otros
Universidad Nacional de San escribieron sobre la misma cuestión…). 1.2. Una vez 3. En tercer lugar vendría la exposición del análisis del
Martín (UNSAM) e já lecionou em elegido el texto, un capítulo por ejemplo, ser fieles con la texto (punto 2), teniendo en cuenta además, sobre todo, lo
muitas Universidades argentinas elección. que aprendido en los punto 3, 4 y 5.
(Universidad Nacional de La Plata e
Rosario). Entre suas obras, 2. Análisis conceptual del texto: qué conceptos 4. En cuarto lugar, presentaríamos nuestras conclusiones,
constam Pensar a Foucault (Biblos, intervienen, cómo se relacionan entre sí, cómo pasa el obtenidas, al menos en germen, en la etapa 6 de la
Buenos Aires, 1995); Penser l’homme autor de unos conceptos a otros. Hay que descubrir de invención.
et la science. Betrachtungen zum qué se habla, pero también la racionalidad del texto: cómo
Thema Mensch und unas cosas se siguen de otras, porqué. Hay que anotar los Todas estas fases de la exposición pueden ser precedidas
Wissenschaft (Friburgo, Presses conceptos, las dificultades que encontramos, lo que nos de una breve exposición de las razones que nos llevaron a
Univesitaires, 1996); El vocabulario parece consecuente, lo que encontramos inconsecuente. elegir ese texto (el interés en relación con nuestra
de Michel Foucault (Unqui, investigación doctoral, por ejemplo). Si valió la pena, es
Prometeo, 2004), traduzido 3. Si existen, recurrir a los diccionarios especializados (del algo que pude decirse a manera de conclusión de todo el
como Vocabulário de Foucault (BH, autor, de la disciplina), par ver qué dicen acerca de los desarrollo.
Autêntica, 2004), com nova edição conceptos que intervienen en nuestro texto.
(Buenos Aires, Siglo XXI, 2011), um En conclusión, el camino de la invención va de lo menor
poderoso guia em forma de 4. Servirse de una buena introducción al autor (buena= (nuestro texto) a lo mayor (el contexto). El de la
dicionário alfabético para conhecer breve + clara + precisa). La finalidad de esta lectura es, exposición, en cambio, va de lo mayor a lo menor.
os caminhos e pensamentos do sobre todo, ubicar nuestro texto, sus temas y problemas,
teórico e Lecturas foucaulteanas. Una en la producción del autor.
historia conceptual de la biopolítica.
(Ed. UNIPE, 2012). 5. Consultar obras más amplias (historias de la disciplina,
enciclopedias, etc.) sobre el tema o los temas de nuestro
texto. La idea es situarse en un contexto más amplio que
las obras de nuestro autor.
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8. CONTEMPORÂNEA
NÚ MERO
01
Uma quase Revista do Núcleo de Estudos e Pesquisas Educação e Sociedade Contemporânea JULHO
2012
1
ARTE E CRÍTICA
DOS AMORES, DE ROMA: WOODY ALLEN
Alexandre Fernandez Vaz
Professor da UFSC
Para Roma, com amor. Seria muito difícil O encontro nem sempre harmônico das duas
encontrar um título mais sugestivo para o recente filme famílias é apenas uma das tramas que vão se sucedendo
de Woody Allen, em cartaz em Santa Catarina. São as idas sem que haja, propriamente, um encontro entre elas.
e vindas do amor, essa afecção da alma e do corpo, seu Como os episódios de Decamerão, de Giovanni
enredo; e a cidade aberta, como a chamou Rosselini, está Boccaccio, obra em que Allen se inspira, o filme vai
na tela, ensolarada, caótica, antiga e contemporânea. Não mostrando várias transições, nem tanto de uma época
apenas como palco, mas como personagem a deixar-se para a outra (o fim do medievo e o início dos tempos
amar. Os planos abertos bem construídos não deixam modernos, como foi para o grande escritor italiano), mas
dúvida de que o verão é a melhor estação para os as da vida de cada um dos envolvidos nas paralelas
visitantes em busca da fantasia do velho mundo e suas histórias. É assim com o jovem casal de norte-americanos
ruelas, comidas, praças, monumentos, paixões que se que recebe a sedutora amiga, especialista em desfiar
pretendem eternas. lugares-comuns e impressionar com sua atrevida beleza.
O pitoresco está em toda parte, principalmente Ou com outro jovem casal, vindo do interior do país, ela
para os turistas norte-americanos, costumeiramente em professora, ele um pequeno gerente em que se aposta
Sobre o autor
apuros ao enfrentarem as diferenças culturais e se como futuro executivo, desestabilizado pelo acaso e pelos
depararem com qualquer idioma que não seja o próprio. temores dele, pelo acaso e pelo sonho dela, vivido em um
Alexandre Fernandez Vaz é Doutor
Estranhamento que o próprio Allen, longe de Nova York, set de filmagem. O sonho é também do espectador,
pela Leibniz Universität Hannover.
compartilha. O quinto filme em menos de uma década lançado a ele pela aparição de Ornella Muti, diva italiana
Professor dos Programas de Pós-
que o diretor realiza na Europa é uma nova comédia a muito bela a caminho dos sessenta anos, trazida por
graduação em Educação e
homenagear uma de suas grandes cidades, como foram Allen, atriz interpretando uma atriz, depois de cinco anos
Interdisciplinar em Ciências
Vicky Cristina Barcelona (2008) e Meia-noite em Paris sem aparecer em qualquer filme.
Humanas da Universidade Federal
(2011), assim como talvez Match Point (2005) e Scoop - O Não é diferente com o personagem vivido por
de Santa Catarina (UFSC).
Grande Furo (2006), ambientados em Londres. Roberto Benigni, cidadão de classe média, medíocre e
Coordenador do Núcleo de Estudos
A fórmula de Para Roma, com amor, é a tantas convencional, que se vê, de um momento a outro,
e Pesquisas Educação e Sociedade
vezes vista em filmes de Allen: personagens às voltas com transformado em celebridade. Sem entender o motivo de
Contemporânea (UFSC/CNPq).
seus desejos e os desatinos do acaso, as advertências da tão larga oferta de prazeres, mas não se furtando de
Pesquisador CNPq.
razão que felizmente não são levadas tão a sério, o irônico desfrutá-los, Leopoldo vive por alguns dias a fantasia
desprezo com a pseudointelectualidade, o vocabulário infantil da ausência de regras e restrições, um mundo
http://buscatextual.cnpq.br/buscat
psicanalítico popularizado em conclusões toscas e inteiro à disposição de seus caprichos. Todo gozo e toda
extual/visualizacv.do?id=B295957
absurdas, o marido neurótico e sua esposa analista. angústia daí advindos são representados com vigor pelo
O próprio diretor forma, com Judy Davis, o casal ator italiano. Dois grandes atores e diretores, Allen e
Contato:
dominado pelas pequenas loucuras do marido. Eles Benigni fazem de Leopoldo um personagem sincrônico e
alexfvaz@uol.com.br
viajam à Roma para conhecer o noivo da filha, jovem e complexo, entre o drama e a comédia.
simpático advogado envolvido em causas sociais, com Jovens sonhadores, a moça sedutora, a voz da
quem o futuro sogro passa a maior parte do tempo em razão, o tipo médionorte-americano centrado em sua
conflagração de ideias. O pai do moço, agente funerário cultura e nada mais, sem entender o que passa ao seu
dado a cantar óperas no chuveiro, torna-se uma obsessão redor. São muitos os clichês e o diretor está, obviamente,
para o norte-americano que, como ex-maestro e ex-diretor ciente de todos ao abusar de cada um. É por isso que os
artístico de uma gravadora, pretende torná-lo, para subverte com ironia, caçoando deles e um pouco de si
horror inicial do filho e apreensão da mulher dona de mesmo, estranho no paraíso. Woody Allen domina, como
casa, uma estrela. poucos, a linguagem do cinema.
"Ele tem o cinema nas mãos"
Versão integral do texo publicado no DC Cultura
(30.06.2012, n. 484, p. 3).
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9. CONTEMPORÂNEA
NÚ MERO
Uma quase Revista do Núcleo de Estudos e Pesquisas Educação e Sociedade Contemporânea
01
JULHO
2012
1
ARTE E CRÍTICA
EM NOME DO PAI: TETRO, DE COPPOLA
Alexandre Fernandez Vaz
Professor da UFSC
O cinema, assim como a literatura, está repleto de A força da imagem paterna é hoje ainda, no
tramas em que a figura do pai é determinante na entanto, enorme. Não é casual que cada governante com
narrativa, mesmo que muitas vezes pareça ausente mas um (ou os dois) pés no populismo se anuncie como “pai
permaneça, de forma latente, como objeto demandado. É do povo”, nem que a derrocada do pai em tempos de
caso de Tetro (2009), filme de Francis Ford Coppola. O crise seja responsabilizada pelo apego a personagens em
fato de logo se comemorar o dia dos pais oferece um que projetamos fantasias de força e proteção, a quem
pretexto para se voltar a fazer um comentário sobre ele *. entregamos nosso futuro, mesmo ao custo de nossa
A trama começa com a chegada de um jovem autonomia e liberdade. É o caso das ditaduras e também
marinheiro inglês a Buenos Aires, onde encontrará o de suas versões ainda mais extremadas, as experiências
irmão por parte de pai, que já não vê há uma década. totalitárias, que parecem, para muitos, responder a um
Este, Tetro, é um dramaturgo frustrado, em peremptória e clamor por segurança que reforça a infantilização e
obstinada e permanente recusa: em recordar, em concluir decepa a participação na vida pública.
um texto, em falar espanhol. Saído de uma clínica Mas não é Deus, nem política, que Tetro busca
psiquiátrica, mostra-se temeroso e reticente em relação ao nessa belíssima película que é também sobre uma cidade-
encontro com o indesejado visitante, visto como um refúgio, vista nostalgicamente, quase sempre de um
ameaçador retorno do passado, a trazer velhas cartas e ponto de vista do apartamento antigo de primeiro piso e
perguntas embaraçosas. Tetro é casado com uma médica das ruas próximas do bairro, escuras, mesmo durante o
que o atendera quando da internação, esta é a mediadora dia. A fotografia reduzida ao preto e branco (as imagens
Sobre o autor dos conflitos gerados pela incômoda presença do irmão – foram captadas em cor), a câmera constantemente fixa e
que se revelará depois mais que isso – e com todo o seus planos fechados, levam a uma intimidade levemente
Alexandre Fernandez Vaz é Doutor entorno que, mesmo tornado familiar com os anos, segue triste que faz encontrar os personagens, o que o tom algo
pela Leibniz Universität Hannover. sendo-lhe comodamente distante. A bela homenagem de bizarro de algumas sequências apenas potencializa. Os
Professor dos Programas de Pós- Coppola à cidade de Buenos Aires, em especial ao bairro diálogos entrecortados entre os irmãos vão sendo
graduação em Educação e La Boca, apresenta-se em constante tensão com o espírito povoados pela recordação, aos trancos, das angústias de
Interdisciplinar em Ciências do inglês que encontra na cidade um paradoxal refúgio. uma família que não pôde segurar a si mesma ao
Humanas da Universidade Federal Inadaptado, parece encontrar a distância segura para marcada, em especial na memória de Tetro, por um
de Santa Catarina (UFSC). seguir vivendo sua interminável loucura. violento trauma.
Coordenador do Núcleo de Estudos Enclausurado em seu quarto e em seu passado, É tremendo o esforço por parte de Tetro e do
e Pesquisas Educação e Sociedade com eventuais deslocamentos para a sala e a varanda, ou irmão, mesmo que nem sempre reconhecido, de
Contemporânea (UFSC/CNPq). encontrando seus amigos derrotados nos arredores do conciliação, em tentar encontrar um fio que ainda pudesse
Pesquisador CNPq. velho apartamento, Tetro passa os recusando – já no oferecer expectativa a uma vida dilacerada pela
próprio nome, feito de um fragmento do sobrenome e irresponsabilidade paterna. Logo no início do filme lê-se
http://buscatextual.cnpq.br/buscat referência à Tragédia – a figura do pai, maestro de em um muro escuro da noite bonairense: “No sueltes la
extual/visualizacv.do?id=B295957 renome internacional, ególatra empedernido, àquelas soga que me ata a tu alma”. Não é fácil dar-se conta de
alturas à beira da morte. É a tremenda presença paterna, que a felicidade, ou pelo menos a esperança de que ela
Contato: quase sempre em perturbadora lembrança, já que distante seja possível, vai se dar apenas com a morte simbólica do
alexfvaz@uol.com.br no tempo e no espaço, que dá tom à narrativa. Cinema pai.
sobre a família, como já fora O selvagem da motocicleta e a Se a evocação do passado aparece de forma
trilogia O poderoso chefão, também de Coppola, Tetro metanarrativa no texto que não pôde ser escrito até o fim,
oferece uma súmula dessa questão tão ardente que é o o que será feito por aquele que o espectador supõe ser o
conflito com a paternidade. irmão de Tetro, é apenas ao vê-lo concluído que a
Não é para menos. Costumamos ouvir que “Deus” é nada Tragédia encontrará seu momento catártico, tanto no
menos que “pai”. Daí a pensar que ser pai é operar como festival distante de Buenos Aires, na longínqua Patagônia,
Deus, não falta muito, e é ele, então, que aparece como quanto no enterro do pai. Em movimento elíptico, emerge
figura imaginária ou real a refazer constantemente as a revelada traição paterna, esta mesma que mantém Tetro
balizas do poder e da censura civilizadora, contra as preso ao passado e à eternidade da infância. A violenta
quais, aliás, há que se rebelar em algum momento. inversão da cena edípica é insuportável para ele, como
Patriarcado que já não parece inquebrantável em nossa seria para qualquer filho. Talvez seja demais pedi-lo, mas
contemporaneidade, colocado sob risco em novas eis aí tudo o que um pai não pode fazer: permitir que um
configurações familiares, talvez menos ortodoxas, mais filho se sinta abandonado por ele.
plurais e, quem sabe, menos pesadas. Há que se ver, com
atenção, para onde se deslocam os dispositivos de *Uma versão deste texto foi publicada no Caderno Ideias, do
interdição que seguem regendo a cultura em nossa Jornal A Notícia, de Joinville, em 14 de agosto de 2011.
tradição.
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10. CONTEMPORÂNEA
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Uma quase Revista do Núcleo de Estudos e Pesquisas Educação e Sociedade Contemporânea JULHO
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POLÍTICA E SOCIEDADE
MULHER, ESPORTISTA E PALESTINA: UMA QUESTÃO DE
ESTADO!
Wagner Xavier de Camargo
Doutor em Ciências Humanas pela Universidade
Federal de Santa Catarina
Pode ser que quem assistiu a entrada do mundo se redimia da perseguição aos judeus pelo
aglomerado palestino na abertura das Olimpíadas de Holocausto, conferindo-lhes um porto seguro junto à terra
Londres, há poucos dias, não tenha notado o número de de seus descendentes, de outro, instaurava um estado
mulheres compondo a delegação. Numa delegação de permanente de guerra, que se estende por anos. O
aproximadamente 60 pessoas, elas são apenas duas, uma momento mais crucial desta história foi a Guerra dos Seis
no atletismo e outra na natação. Woroud Swalha chama Dias, em 1967, quando uma ofensiva militar vitoriosa
atenção não apenas por ser a única corredora do time de (apoiada pelos norte-americanos), Israel ocupou porções
atletismo e por se manter fiel ao uso do véu islâmico, vitais e estratégicas na região, garantindo sua subsistência.
como por querer ser exemplo de superação para suas As reações foram adversas, como os boicotes militares e
conterrâneas. Se a Palestina participa desde Atlanta-1996 conflitos armados, a criação de exército de resistência da
dos Jogos, a primeira mulher veio a juntar-se ao grupo terrorista Organização para Libertação da Palestina (OLP),
Sobre o autor
apenas em Sydney-2000. que nos idos dos anos 1990 transforma-se em Autoridade
Swalha compete em Londres nos 800 metros Nacional Palestina (ANP) e passa a administrar os parcos
Wagner Xavier de Camargo é
rasos. Acostumada a treinar no sobe-e-desce das colinas territórios de maioria árabe-muçulmana, notadamente,
cientista social com mestrado em
da Cisjordânia, nos arredores de sua cidade natal, Asira Cisjordânia e Faixa de Gaza.
Educação Física. Doutor em Ciências
ash-Shamaliya, ela conheceu uma pista oficial de A história é complexa e não sairemos daqui
Humanas pela Universidade Federal
atletismo apenas quando participou, em março de 2012, plenamente versados na questão israelo-palestina (ou
de Santa Catarina (UFSC), foi
do Mundial Indoor de Istambul, na Turquia. Esperar uma árabe-judaica). No entanto, algo é sintomático e merece
bolsista da Deutscher Akademischer
medalha de Swalha em Londres pode ser algo demasiado, ser sublinhado: se a ONU não reconhece a existência da
Austausch-Dienst (DAAD) em
tendo em vista que sua participação só foi possível Palestina enquanto país, participar das Olimpíadas sob
estágio internacional na Freie
mediante convite do COI (Comitê Olímpico esta bandeira (e a convite do COI) como Swalha o faz,
Universität Berlin (FU Berlin),
Internacional). Mas, não é impossível a conquista, visto pode trazer um estado de ambivalência política, por assim
Alemanha. Insere-se no campo dos
que os resultados de uma prova são sempre a conjunção dizer — quero sublimar que tudo isso pode ser,
estudos antropológicos das práticas
de vários fatores. Entretanto, sua figura é enigmática igualmente, um engodo “oficial” e “politicamente
esportivas e dedica-se, com especial
porque traz à tona três símbolos, que aqui merecem ser correto”, neste mundo de fachada políticas. De qualquer
destaque, à investigação das
comentados. forma, a participação da corredora palestina é uma
relações de gênero entre
O primeiro deles é a condição feminina. Num “questão de Estado” porque evoca a própria condição de
masculinidades nos esportes de
lugar em que guerrear é “coisa para machos” (e, portanto, existência enquanto atleta, representante de um território
competição.
para eles seria também a arte do esporte), e o “ser soberano desprovido de fronteiras legítimas, mas também
mulher” é quase sinônimo de vergonha, Swalha lança-se é uma “questão do Estado” o direito de reivindicação de
http://buscatextual.cnpq.br/buscat
como atleta corredora, mesmo tendo desvantagem em equidade de participação de mulheres (não apenas
extual/visualizacv.do?id=B195056
relação à indumentária que utiliza, o véu muçulmano. palestinas) no esporte de competição, nos mesmos moldes
Esse é o segundo símbolo a ser considerado, o véu — e em que ocorre, há anos, para os homens. O direito à
Contato:
tomemos, agora, a questão religiosa apenas participação e à igualdade de chances no esporte deve ser
wxcamargo@gmail.com
superficialmente! Correr vestida como uma mulher garantido a todos os sujeitos (masculinos, femininos,
comum do Islamismo (e assim respeitando a regra básica transgêneros/as) por Estados Democráticos de fato.
da crença à que pertence) traz uma afronta sem O mundo não deve esperar que Swalha ganhe
precedentes a tudo e a todos, qual seja, a do respeito à uma medalha de ouro para a Palestina nas Olimpíadas de
diferença (proporcionada pela presença do véu). Londres-2012, mas se o fizer, tanto melhor; tampouco
Basicamente o que Woroud quer dizer é: “respeitem o deve se almejar que ela quebre recordes ou faça algo
meu direito de estar como quero estar” (ou de ser como inusitado no auge de seus vinte anos. Se tudo correr
quero ser, em outra leitura). Acresça-se a isso a questão dentro do script programado, a simples participação desta
do Estado, o terceiro pilar que a torna legitimamente garota muçulmana, com seu véu ao vento e sua condição
representativa de toda uma ordem simbólica. E, neste identitária palestina, pode irromper reflexos
ponto, permito-me um exercício de memória geopolítica, verdadeiramente revolucionários nos espaços masculinos,
daquela que provém de meus profícuos anos colegiais. forçadamente “homogêneos”, brancos e ocidentalizantes.
Swalha treina em um território que não possui Simples assim! Por tudo isso já pode disferir “três vivas”
fronteiras definidas e reconhecidas. Palestinos compõem para Woroud Swalha: esportista, palestina e mulher!
uma “nação sem Estado”, na definição geopolítica mais
clássica. A briga vem de 1948, quando a criação do Estado
de Israel pela Organização das Nações Unidas (ONU)
provocou a ira dos palestinos da região. De um lado o
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