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CONTEMPORÂNEA
                                                                                                                                       NÚ MERO




Uma quase Revista do Núcleo de Estudos e Pesquisas Educação e Sociedade Contemporânea
                                                                                                                                        01
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                                                                                                                                          2012




                                                                                                                                        1

                                    CONTEMPORÂNEA - UMA (QUASE) REVISTA

          Contemporânea (uma quase revista) é uma publicação Núcleo de Estudos e Pesquisas Educação e Sociedade Contemporânea.
          Destina-se, de forma dinâmica, a veicular textos mais breves. Uma (quase) revista para conversarmos sobre temas diversos,
          buscando atualidade, polêmica, mas também a reflexão de fundo.
          Ela recebe os textos de membros do Núcleo e de pessoas dispostas a dialogar conosco e, depois de avalia-los, publica-os em duas
          entradas por mês, reunindo-os em um número concluído ao final do período. Apesar de já estarmos em agosto, este é o número
          de julho, que parcialmente já estava no ar desde meados do mês passado.
          Contemporânea larga com quatro seções: Arte e Crítica, Cultura do Futebol, Política e Sociedade, Educação. Apresentamos
          quatro textos na seção Cultura do Futebol. Um deles é de Michelle Gonçalves, sobre o nacionalismo alemão na Copa Europeia de
          Seleções de Futebol, realizada na Ucrânia e na Polônia. Os outros três, tomando como situação exemplar o mesmo evento, são de
          Detlev Claussen, com tradução minha. Estes se originam da coluna que Detlev assina no portal Faust (www.faustkultur.de),
          sugestivamente intitulada de Escola de Frankfurt do Futebol. Na seção Educação aparecem uma colaboração de Wagner Xavier
          Camargo, sobre as tensões entre Antropologia e Educação, e outra de Edgardo Castro, uma proposta de como escrever trabalhos
          acadêmicos breves. Em Arte e Crítica publicamos dois comentários meus sobre filmes, o último de Woody Allen, Para Roma com
          amor e, de Francis Ford Coppola, Tetro. Em Política e Sociedade aparece outra contribuição de Wagner, uma reflexão sobre a
          condição política da atleta Woroud Swalha, que logo representaria a Palestina nos 800 metros rasos dos Jogos Olímpicos de
          Londres.
          Enviem textos, debatam, critiquem os já publicados!
                                                                                                       Ilha de Santa Catarina, 9 de agosto de 2012.
                                                                                                                        Alexandre Fernandez Vaz

          Nesta edição:
          Cultura do Futebol
          EURO 2012: FUTEBOL E NACIONALISMO NA ALEMANHA
          Michelle Carreirão Gonçalves

          JOGADO COM A CABEÇA
          Detlev Claussen

          O CLUBE DE OSKAR
          Detlev Claussen

          DIFAMAÇÃO
          Detlev Claussen


          Educação
          PARA UMA EDUCAÇÃO ANTROPOLÓGICA
          Wagner Xavier de Camargo

          ¿CÓMO ESCRIBIR UN TRABAJO ACADÉMICO BREVE?
          ALGUNAS INDICACIONES PARA LA COMPOSICIÓN DE MONOGRAFÍAS Y TRABAJOS DE SEMINARIOS.
          Edgardo Castro


          Arte e Crítica
          DOS AMORES, DE ROMA: WOODY ALLEN
          Alexandre Fernandez Vaz

          EM NOME DO PAI: TETRO, DE COPPOLA
          Alexandre Fernandez Vaz


          Política e Sociedade
          MULHER, ESPORTISTA E PALESTINA: UMA QUESTÃO DE ESTADO!
          Wagner Xavier de Camargo




                                      h ttp : //n u c leod ees tu d os ep es qu is as . b logs p ot.c om. b r/                                   1
                                                          b lo gd on u cleo @g ma il.co m
CONTEMPORÂNEA
                                                                                                                                                                NÚ MERO




                            Uma quase Revista do Núcleo de Estudos e Pesquisas Educação e Sociedade Contemporânea
                                                                                                                                                                01
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                                                                                                                                                                  2012




                                                                                                                                                                1

                                                                CULTURA DO FUTEBOL
                                       EURO 2012:
                                       FUTEBOL E NACIONALISMO NA ALEMANHA
                                                                                                                             Michelle Carreirão Gonçalves
                                                                                                                   Doutoranda do Programa de Pós-Graduação
                                                                                                                                        em Educação /UFSC


                                               Muitas vezes acho que o fato de ter nascido no                apesar de alguma decepção, não foi incomum ver pessoas
                                       “país do futebol” fez com que eu me afastasse dele. O                 correndo pelas ruas, com suas bandeiras, gritando
                                       bombardeio diário de notícias, fatos, imagens e jogos,                Deutschland, ou ainda cantando músicas de incentivo à
                                       sempre me irritou um pouco. Queria ver outras coisas                  seleção. Um ou dois dias depois da derrota, no retorno da
                                       além de gols e impedimentos, de debates e mesas                       equipe, vi pela televisão a recepção que o técnico Joachim
                                       redondas sobre o tema. Mas o tempo tem me feito menos                 Löw teve durante o voo, bem como em seu desembarque.
                                       impaciente e (quem sabe?) menos injusta com o futebol.                Pessoas o cumprimentando pela bela atuação na
                                       Cada vez mais tenho me inteirado do mundo                             competição.
                                       futebolístico, sem grande fervor, mas com certa atenção                        É claro que houve lances polêmicos, muito mais
                                       (apesar de manter ainda alguma implicância com ele,                   fora de campo do que dentro, eu diria, como comentários
Sobre a autora                         acredito que por pura diversão). Por isso não pude ficar              racistas em redes sociais contra o jogador alemão Mesut
                                       indiferente aos jogos da Eurocopa realizados neste ano de             Özil, de origem turca, ou ainda, a presença um tanto
Michelle Carreirão Gonçalves é         2012. Ainda mais porque, morando em Berlim, não havia                 quanto provocadora da primeira ministra alemã, Angela
Licenciada      em        Educação     como esse evento passar em branco.                                    Merkel, na partida contra a Grécia, em meio à grande
Física/UFSC;      Mestre        em             Uma das primeiras coisas que pude constatar é                 tensão derivada da crise econômica na zona do euro. Por
Educação/UFSC; Graduanda do            que a Alemanha também é um “país do futebol”. Um dos                  outro lado, pude ver com alguma frequência, nas ruas de
curso       de     Filosofia/UFSC;     esportes mais populares do país, se não o mais, o futebol             Berlim, a ostentação de outras cores e bandeiras, além da
Doutoranda do Programa de Pós-         mobiliza todos por aqui. Foi só se aproximar o início do              alemã. No local preparado para ser o ponto de encontro
Graduação em Educação/UFSC;            grande evento do continente e milhares de bandeiras com               dos donos da casa, em frente ao Portão de Brandemburgo,
Bolsista   CNPq     (UFSC/Leibniz      suas listras preta-vermelha-amarela encheram, de uma                  era possível ouvir diferentes línguas, distintas torcidas.
Universität Hannover); Membro do       hora para outra, as janelas e sacadas dos apartamentos, os            No dia da derrota, um grupo de italianos vibrava,
Núcleo de Estudos e Pesquisas          capôs e vidros dos carros, as vitrines das lojas. As cores            enrolado em suas bandeiras, vestindo suas camisas azuis,
Educação        e        Sociedade     também estampavam os rostos e corpos em dia de jogo,                  a cada gol de Balotelli. E os alemães? Simplesmente
Contemporânea.                         nas pinturas e nas roupas dos torcedores, que iam e                   respeitaram a torcida adversária, bem como as jogadas da
                                       vinham pela cidade de Berlim, carregando suas                         seleção nacional, batendo palmas em tom de
http://buscatextual.cnpq.br/buscat     bandeiras, suas cervejas e sua motivação para                         agradecimento, como também fazem efusivamente e
extual/visualizacv.do?id=K4770696      “impulsionar” a seleção à vitória. O Portão de                        incansavelmente ao fim de uma ópera, de uma peça de
U7                                     Brandemburgo, importante monumento e cartão postal                    teatro ou de um balé. Bateram palmas ainda para Özil,
                                       da cidade, era destino (quase) certo de dezenas de                    quando este diminuiu a diferença no finalzinho do jogo,
                                       milhares de pessoas, onde se montou uma arena especial                enquanto muitos já iam retornando para suas casas, um
Contato:                               para as transmissões de todos os jogos da Euro, com                   pouco cabisbaixos.
michelle_carreirao@yahoo.com.br        vários telões ao longo da Strasse des 17. Juni, uma das                        Ao final da experiência, sobrou a impressão de
                                       principais avenidas da capital alemã.                                 que essa nova geração alemã se orgulha, sim, de seu
                                               Durante esse período de quase um mês,                         futebol e que isso, talvez, seja um elemento a compor um
                                       especulações sobre o nascimento de um possível novo                   novo sentimento sobre a nação, já não marcado apenas
                                       nacionalismo alemão surgiram, fruto da euforia                        pela culpa em relação às atrocidades ocorridas durante a
                                       proporcionada pela experiência futebolística. E é claro               Segunda Guerra, ou ainda, pelo trauma de um país
                                       que soou o alarme: nacionalismo alemão equivale a                     cortado ao meio. Daí, me parece, é possível que vá se
                                       perigo eminente. Bom, para quem participou da festa “de               configurando uma nova identidade nacional, de um povo
                                       dentro”, posso dizer que minha percepção é um pouco                   que não esquece seu passado (por isso tantos
                                       avessa a essa opinião. Assisti a todos os jogos da                    monumentos e memoriais mantidos e construídos para
                                       Alemanha, alguns no Portão de Brandemburgo, inclusive                 não deixar esquecer), nem descuida de sua
                                       a semifinal, em que a seleção foi vencida pela Itália. O que          responsabilidade histórica, mas que junto a isso também
                                       pude ver foi mesmo uma grande satisfação e algum                      se orgulha da Alemanha, nem que seja aquela dentro das
                                       orgulho de ser alemão, por conta, justamente, do futebol              quatro linhas, com seus onze jogadores, durante 90
                                       alemão, algo que também se passa conosco quando a                     minutos.
                                       seleção brasileira sai bem sucedida de suas contendas.
                                       Mas esse orgulho permanece mesmo depois da derrota, o
                                       que dificilmente ocorre em terras brazucas, já que ela
                                       parece nos lembrar sempre de nosso complexo de vira-lata,
                                       como já dizia Nelson Rodrigues. Ao fim da semifinal,




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CONTEMPORÂNEA
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                              Uma quase Revista do Núcleo de Estudos e Pesquisas Educação e Sociedade Contemporânea
                                                                                                                                                                  01
                                                                                                                                                                  JULHO
                                                                                                                                                                   2012




                                                                                                                                                                  1


                                                                    CULTURA DO FUTEBOL
                                       JOGADO COM A CABEÇA

                                                                                                                                       Detlev Claussen
                                                                                                       Professor Emérito da Leibniz Universität Hannover




                                                                                                                    Do futebol se fala melhor quando de fato se
                                                                                                           entende o jogo. Lamentavelmente, também sobre o futebol
                                                                                                           se escreve muita tolice, já que muita gente que sobre ele
                                                                                                           escreve não tem qualquer interesse no jogo. A partida
                                                                                                           entre Grécia e Alemanha, pelas quartas de final da Copa
                                                                                                           da Europa, foi erigida à condição de guerra pelo Euro, foi
                                                                                                           "superesterilizada", se podemos retomar o que disse certa
                                                                                                           vez de maneira feliz, ainda que equivocada, Bruno
                                                                                                           Labbadia*. O jogo parecia ter se transformado em um
                                                                                                           combate pela rejeição aos "tanques" alemães, enquanto o
                                                 Sobre o futebol se diz muita bobagem. Martin              BILD** depreciava os gregos chamando-os de taverneiros
                                        Walser certa vez afirmou que haveria algo ainda mais               em azul e branco. O que se viu foi uma batalha épica entre
Sobre o autor
                                        estúpido que o futebol: refletir sobre ele. Lothar Baier           um eficiente jogo defensivo e outro que se mostrou
                                        certa vez asseverou que Martin Walser pensa com o                  ofensivo e cheio de riscos. Os que torcem pelo "schönen
Detlev    Claussen     é Professor
                                        coração e sente com a cabeça. Ele tinha razão. O desprezo          Spiel", o jogo bonito, como se diz no Brasil, venceram por 4
Emérito da Leibniz Universität
                                        intelectual pelo futebol pertence àquela parte pouco               x 2. Eis um motivo para celebrar.
Hannover,     um     dos    maiores
                                        aventurada da formação cultural burguesa na Alemanha,
representantes da tradição da Teoria                                                                       *Ex-jogador e atual treinador de futebol alemão (Nota do
                                        que considera um privilégio desconhecer as coisas
Crítica da Sociedade. Analista                                                                             Tradutor).
                                        práticas. Um preconceito oriundo da desinformação.
profícuo, ensaísta e autor de                                                                              **O Bild (www.bild.de) é jornal diário sensacionalista, em
                                        Mulheres orgulhosas de que nada sabem sobre futebol
dezenas de livros, Claussen escreve                                                                        formato tabloide, cuja ênfase recai especialmente em
                                        são a última fortaleza desse desprezo. Mas elas são cada
para o Faustkultur uma coluna em                                                                           assuntos de futebol, crimes e escândalos diversos (Nota
                                        vez em menor número. O futebol de fato tomou as massas
que      analisa      o      futebol                                                                       do Tradutor).
                                        em todo o mundo no final do século vinte...E isso é muito
contemporâneo. Ela será publicada
                                        bom. Afinal, ele é um belo e apaixonante jogo em que
regularmente em português, com
                                        todos podem participar, jogando ou assistindo. Não é
tradução de Alexandre Fernandez
                                        preciso ter tido o privilégio de frequentar boas escolas           Tradução de Alexandre Fernandez Vaz
Vaz.
                                        para alegra-se no jogo, mas se desfruta mais dele se               Originalmente publicada em
                                        também a cabeça é posta em uso.                                    http://faustkultur.de/kategorie/gesellschaft/fussballkol
http://nucleodeestudosepesquisas.b
logspot.com.br/2011/08/professor-                                                                          umne-von-detlev-claussen.html
convidado.html




                                                                        h ttp : //n u c leod ees tu d os ep es qu is as . b logs p ot.c om. b r/
                                                                                            b lo gd on u cleo @g ma il.co m                                               3
CONTEMPORÂNEA
                                                                                                                                                               NÚ MERO




                             Uma quase Revista do Núcleo de Estudos e Pesquisas Educação e Sociedade Contemporânea
                                                                                                                                                               01
                                                                                                                                                               JULHO
                                                                                                                                                                2012




                                                                                                                                                               1


                                                                   CULTURA DO FUTEBOL

                                        O CLUBE DE OSKAR
                                                                                                                                                 Detlev Claussen
                                                                                                        Professor Emérito da Leibniz Universität Hannover




                                                 Sobre o futebol se diz muita bobagem. Também é                     De fato, ao longo do século vinte o futebol
                                        o caso dos intelectuais, ou talvez principalmente o deles,          transformou-se em mercadoria. Mas, como a cultura, o
                                        quando se referem ao futebol sem de fato analisarem o               futebol é uma "mercadoria paradoxal". Se os bens
                                        que se passa no gramado. Isso só alimenta o enorme anti-            culturais da sociedade burguesa do século dezenove não
                                        intelectualismo do mundo dos negócios futebolísticos. O             houvessem se transformado em mercadoria, os artistas
                                        tradicional slogan de Adi Preissler, constantemente citado          nunca teriam se emancipado da tutela aristocrática, assim
                                        por Otto Rehhagel, "A verdade aí está", sugere algo contra          como jamais teria sido possível sequer imaginar a arte
                                        o lugar comum, a falação de quem ainda não viu o jogo, o            autônoma. Sem a profissionalização do futebol, não
                                        discurso de autoridade. Não é nada agradável ver gente              haveria possibilidade real para proletários, migrantes e
Sobre o autor                           inteligente que, ao invés de analisar o futebol como ele é          outsiders participarem, de forma ampla, da vida pública.
                                        jogado, se limita a se expressar como espectador.                   Desde que a Federação Alemã de Futebol reconheceu que
Detlev    Claussen     é Professor               Quem esquentou o banco de reservas na                      todos os que atuam no país são potencialmente jogadores
Emérito da Leibniz Universität          Universidade de Frankfurt nos anos 1950 e 1960, quando              para a seleção, a organização social do futebol alemão
Hannover,     um     dos    maiores     a Faculdade de Filosofia não tinha ainda se tornado uma             passa a corresponder, de forma firme, a uma sociedade
representantes da tradição da Teoria    sala de ginástica linguística, deve ter aprendido que a             que se reconhece etnicamente heterogênea. Aqueles que
Crítica da Sociedade. Analista          crítica perde seu alvo quando não se desenvolve a partir            chamam as equipes nacionais de "mistura colorida de
profícuo, ensaísta e autor de           da coisa mesma, quando o crítico evita o objeto. Pertence           povos" não apenas não entenderam o futebol, como
dezenas de livros, Claussen escreve     às raízes da Teoria Crítica a afirmação demolidora de               também não mais compreendem a sociedade em que ele é
para o Faustkultur uma coluna em        Adorno sobre a fracassada tentativa de Kracauer, seu                jogado.
que      analisa      o      futebol    mentor, de escrever uma "biografia social" de Jacques
contemporâneo. Ela será publicada       Offfenbach: "Offenbach sem [falar de] música é                      *Die Tageszeitung (www.taz.de), jornal moderadamente
regularmente em português, com          impossível!"                                                        de esquerda (Nota do Tradutor).
tradução de Alexandre Fernandez                  Na edição do último final de semana do TAZ*,               **Um dos principais representantes da tradição da Teoria
Vaz.                                    Oskar Negt**, colocando-se como um "intelectual                     Crítica da Sociedade, Professor Emérito de Filosofia Social
                                        político", declara, por sua própria conta e risco, que o            da Leibniz Universität Hannover. Autor, entre dezenas de
http://nucleodeestudosepesquisas.b      Campeonato Europeu de Seleções seria uma forma de                   livros, de O que de político na política? (São Paulo:
logspot.com.br/2011/08/professor-       "entretenimento repressivo". Criticar o "pão e circo" não           UNESP, 1999), uma de suas parcerias com Alexander
convidado.html                          significa dizer que não se deva comer o pão, nem que não            Kluge. (Nota do Tradutor).
                                        possa haver divertimento com o circo. Sem a análise do
                                        jogo, a teorização sobre a sociedade regride a um
                                        pessimismo cultural que vê a competição entre nações                Tradução de Alexandre Fernandez Vaz
                                        como meramente uma guerra sem armas, e denuncia o
                                        processo de comercialização do futebol como operação                Originalmente publicada em
                                        demoníaca a serviço da destruição da sociedade.                     http://faustkultur.de/kategorie/gesellschaft/fussballkol
                                        Simplesmente depreciar a comercialização é rebaixar a               umne-von-detlev-claussen.html
                                        crítica da indústria cultural a uma forma de ressentimento
                                        contra as excitações baratas, prática comum entre
                                        intelectuais, como Oskar, que caçoam das pessoas que
                                        querem se divertir ao invés de se ocuparem das coisas
                                        sérias da alta cultura. Esse movimento é um subproduto
                                        do preconceito do burguês instruído contra os english
                                        sports.




                                                                    h ttp : //n u c leod ees tu d os ep es qu is as . b logs p ot.c om. b r/
                                                                                                                                                                       4
                                                                                        b lo gd on u cleo @g ma il.co m
CONTEMPORÂNEA
                                                                                                                                                                  NÚ MERO




                            Uma quase Revista do Núcleo de Estudos e Pesquisas Educação e Sociedade Contemporânea
                                                                                                                                                                  01
                                                                                                                                                                  JULHO
                                                                                                                                                                   2012




                                                                                                                                                                  1


                                                                 CULTURA DO FUTEBOL

                                       DIFAMAÇÃO
                                                                                                                                                  Detlev Claussen
                                                                                                       Professor Emérito da Leibniz Universität Hannover


                                                Venceu o melhor. Esta é a melhor das                       copiadas dos imigrantes italianos e turcos, o BILD não se
                                       experiências para quem gosta de futebol. A grande final             furtou em promover uma agitação patriótica e em sugerir
                                       celebrou o reinado do futebol. E foi como o Imperador               que aquela forma de jogo era uma confirmação do que
                                       Napoleão. A Espanha, campeã da Europa, coroou-se a si               dizia seu fundador, o profeta Axel Springer. Quando a
                                       mesma com quatro gols. O futebol não é uma religião                 Alemanha perde, só pode ser por falta de patriotismo,
                                       compensatória, mas um culto cuja experiência se dá no               pela presença de traidores infiltrados. O traidor da pátria
                                       momento de sua consumação. Nem sempre os melhores                   novamente volta para nos seduzir e enganar.
                                       vencem, e é por isso que é tão bom quando isso acontece -                    A crônica fraqueza em cantar o hino segue sendo
                                       é o instante mágico. "Demora-te, és tão belo..."* Vai               lembrada. Um dia depois da partida final da Copa da
                                       passar. No próximo outono terão início as conversas                 Europa, o BILD fala de uma "agitação gigante em torno de
                                       sobre as eliminatórias da Copa, quando a Espanha                    nosso hino nacional" que, aliás, é perpetrada exatamente
                                       começa a defender o título conquistado em 2010. Cada                por ele. "Políticos exigem" a obrigação de cantá-
                                       triunfo traz em si a semente de uma derrota futura.                 lo...podemos dar uma olhada nesses heróis do
                                                O futebol é um jogo do presente; glórias passadas          patriotismo. Os nomes falam por si: Volker Bouffier, Uwe
                                       não contam entre as quatro linhas, são matéria para a               Schünemann, Joachim Herrmann, Hans-Peter Uhl – todos
Sobre o autor                          imprensa. O pior do piores: o diário BILD. Depois da                do banco de reservas da coalizão CDU/CSU, gente que
                                       partida semifinal, quando a Alemanha foi eliminada pela             jamais poderia entrar em campo. A falsa lição segue ao rés
Detlev    Claussen     é Professor     Itália, faltou o reconhecimento da exitosa maneira de               do chão: "Outras nações se relacionam muito bem com seu
Emérito da Leibniz Universität         jogar dos italianos, assim como a análise cuidadosa dos             hino..." Outra nações tem outras histórias de constituição...
Hannover,     um     dos    maiores    alemães. Em lugar disso, a baixaria chauvinista com                 Os Aliados fizeram algo digno de nota para a democrática
representantes da tradição da Teoria   cheiro podre: jogadores que ficam passivos, ao invés de             Alemanha, ao permitirem, depois de tanta súplica, que a
Crítica da Sociedade. Analista         reagirem; fracotes que ficam chorando, em lugar de lutar            terceira estrofe do hino seguisse sendo entoada:
profícuo, ensaísta e autor de          como os italianos; imigrantes e seus filhos que querem o            "Alemanha, Alemanha, sobre tudo...". A canção de
dezenas de livros, Claussen escreve    passaporte alemão, mas não colaborar com a nação: gente             Hoffmann von Fallerslebens vem daquele período prévio
para o Faustkultur uma coluna em       que recusa integrar-se. Essa propaganda populista não               à Revolução de março de 1948, assim como é também
que      analisa      o      futebol   tem qualquer serventia se o objetivo for saber algo sobre o         "Fratelli d´ Italia" tão celebrado por Buffon. Ambos têm o
contemporâneo. Ela será publicada      futebol, mas é bastante útil para a promoção de uma                 mesmo e questionadíssimo potencial que no nacional-
regularmente em português, com         sensibilidade popular doentia e para a canalização                  socialismo alemão e no fascismo italiano produziram um
tradução de Alexandre Fernandez        daquela fúria que lhe corresponde. Não são os gols que              sentimento de unidade popular. Cada um é livre para
Vaz.                                   veículos como BILD, BamS, WamS procuram, mas os                     cantar o hino ou simplesmente recusar o ritual. A equipe
                                       índices de audiência. Para eles o futebol é não é mais que          italiana esmerou-se em cantar o "Fratelli" antes dos jogos
http://nucleodeestudosepesquisas.b     o caldeirão de bruxa em que se deixam ferve os                      contra Alemanha e Espanha. Na final, derrota por 0:4, sem
logspot.com.br/2011/08/professor-      sentimentos, assim como a televisão é a vassoura que os             cantoria ou contestação. Os espanhóis nunca cantam antes
convidado.html                         varre para a fervura.                                               das partidas, a "Marcha Real" é só melodia. Logo aquele
                                                Mas nem tudo é porcaria na mídia, assim como               time tão entrosado já realizava seu glorioso trabalho.
                                       tampouco no campo nem tudo foi tão ruim, como aliás                 Finalmente puderam bradar juntos e a plenos pulmões,
                                       nós todos vimos. Pelo contrário: na fase de grupos houve            com bandeiras catalãs, bascas e andaluzes, cada qual com
                                       jogos emocionantes e de alto nível, os mata-mata foram              a sua preferida: "Campeónes, Campeónes.." "We are the
                                       todos pelo menos razoáveis, o nível médio do futebol                Champions" – eis o hino mundial do futebol.
                                       europeu mostra-se mais alto do que quatro anos, assim
                                       como os melhores jogos de hoje são superiores aos                   *Trata-se de uma citação de Fausto: uma Tragédia, de Johann
                                       daquele tempo. Quem se interessa pelo futebol alemão                Wolfgang Goethe. É uma fala de Mefisto (Nota do Tradutor).
                                       pode dar-se por feliz. Desde a revolução promovida por
                                       Jürgen Klismann em 2006, a Alemanha tem jogado entre                Tradução de Alexandre Fernandez Vaz
                                       as melhores seleções, sempre animada por um espírito
                                                                                                           Originalmente publicada em
                                       ofensivo. O jornal BILD, manifestando o papel de
                                                                                                           http://faustkultur.de/kategorie/gesellschaft/fussballkol
                                       Ministério Alemão da Propaganda que seus editores
                                                                                                           umne-von-detlev-claussen.html
                                       exercem, colocou-se desde o princípio radicalmente
                                       contra tal transformação. Quando o futebol agressivo de
                                       Klismann gerou, durante a Copa, uma onda de animação
                                       vermelha, preta e dourada, cujas festivos formas
                                       foram




                                                                   h ttp : //n u c leod ees tu d os ep es qu is as . b logs p ot.c om. b r/                                5
                                                                                       b lo gd on u cleo @g ma il.co m
CONTEMPORÂNEA
                                                                                                                                                                NÚ MERO


                                                                                                                                                                01
                             Uma quase Revista do Núcleo de Estudos e Pesquisas Educação e Sociedade Contemporânea                                               JULHO
                                                                                                                                                                  2012




                                                                                                                                                                1


                                                                                     EDUCAÇÃO
                                       PARA UMA EDUCAÇÃO ANTROPOLÓGICA
                                                                                                                                 Wagner Xavier de Camargo
                                                                                                                Doutor em Ciências Humanas pela Universidade
                                                                                                                                     Federal de Santa Catarina



                                                   Defendida a tese de doutorado, a “oportunidade”                       Algo de importante emergiu e isso tem relação
                                          de prestar concursos públicos para a carreira docente se              estreita com a Educação: há saberes sistematizados pelo
                                          apresenta, via de regra, como única e arrebatadora                    corpo “oficial” do conhecimento acumulado pela
                                          alternativa. O momento em que se ingressa é similar,                  humanidade e há saberes não sistematizados, provindos
                                          porém distinto dos anteriores: mesclando sentimentos                  das experiências cotidianas do homem comum. O respeito
                                          paradoxais de incerteza e orgulho pela titulação                      às culturas tradicionais dos chamados “povos primitivos”
                                          conquistada, ele abre brechas para, de fato, estabelecer as           e a tais saberes passou a ser um totem antropológico,
                                          bases do que se quer pesquisar no futuro – agora tornado              relíquia guardada a sete chaves, como um dos cânones da
                                          presente.                                                             então novata ciência.
                                                   Foi nesse momento que, não fechando                                   Ter proposto aquele tema para a aula didática me
Sobre o autor                             possibilidades e fazendo uma verdadeira ginástica para                fez procurar uma base (diria até um substrato ideológico)
                                          pensar a adequação de meu currículo e título de Doutor                comum entre Antropologia e Educação. Trazer à baila
Wagner Xavier de Camargo é                                                                                      uma problemática candente para dentro das salas de aula
                                          em Ciências Humanas ao “mercado acadêmico”, inscrevi-
cientista social com mestrado em          me num processo seletivo para uma vaga dentro de uma                  – como é, em tempos atuais, a presença de travestis,
Educação Física. Doutor em Ciências       conceituada Faculdade de Educação. Até ali, nada de                   transexuais e transgêneros na escola – nada mais é do que
Humanas pela Universidade Federal         novo ou estranho, a não ser pelo fato de o concurso ter               pensar a questão da diferença no conjunto humano. Não é
de Santa Catarina (UFSC), foi                                                                                   apenas algo que diga respeito genericamente a culturas ou
                                          sido para a disciplina “Escola e Cultura” e meu tema de
bolsista da Deutscher Akademischer        pesquisa no doutorado ter versado sobre “Esporte,                     saberes, mas se relaciona ao outro e à alteridade,
Austausch-Dienst     (DAAD)      em                                                                             componentes fundamentais da postura antropológica.
                                          Relações de Gênero e Sexualidades”. A prova didática
estágio internacional na Freie            ministrada por mim (“Questões de Gênero e Travestismos                         Não tenho dúvidas de que o cruzamento entre
Universität Berlin (FU Berlin),           no Espaço Escolar”) foi elogiada, tanto pela problemática             Antropologia e Educação já está iniciado – encontramos
Alemanha. Insere-se no campo dos          endereçada, quanto pela conexão entre minhas                          facilmente no Google Acadêmico uma quantidade
estudos antropológicos das práticas       preocupações de investigação e a “hábil” (segundo a                   razoável de artigos e papers que pretendem pensar tal
esportivas e dedica-se, com especial      banca avaliadora) adequação e atual relevância do tema.               interação. Também não é nova a existência de uma
destaque,    à   investigação   das       Apesar do desempenho, restou-me um segundo lugar na                   subárea específica intitulada “Antropologia da Educação”.
relações     de     gênero     entre                                                                                     No entanto, como aspirante a (talvez) docente em
                                          classificação geral. Como tal processo trouxe-me questões,
masculinidades nos esportes de            gostaria de refletir mais sobre meu background de                     uma área de conhecimento distinta de minha formação de
competição.                               antropólogo e uma possível inserção na área de Educação.              antropólogo, penso que o respeito ao processo de
                                                   Ora, a Antropologia é talvez a mais novata (e                aprendizado, ao tempo do outro, ao relativismo entre
http://buscatextual.cnpq.br/buscat                                                                              saberes instituídos ou não, enfim, um exercício
                                          última) das ciências, originada ainda nos estertores do
extual/visualizacv.do?id=B195056          século XIX. Nasceu filiada aos discursos colonialistas e,             permanente de deslocamento (distanciamento) entre as
                                          portanto, signatária de um etnocentrismo, à época,                    posições de professor/a e estudante, num jogo sempre
Contato:                                                                                                        instável de posições, estaria na base de construção de uma
                                          marcadamente europeu. Atribuir maior valor à dita
wxcamargo@gmail.com                                                                                             educação antropológica, a qual traria ganhos para todas as
                                          “cultura ocidental” gestada e produzida na Europa
                                          daqueles tempos, em detrimento dos exóticos e                         partes envolvidas, amenizaria preconceitos (diretos e
                                          exuberantes (porém ditos “pobres e primitivos”) povos                 inversos) e promoveria formações não tão estanques e
                                          do novo e novíssimo mundos, era uma prática                           pretensamente corretas.
                                          sistemática. Contudo, não demorou muito para a                                 Se a Antropologia e a Educação já estão em
                                          Antropologia pensar-se a si mesma como Ciência e, a                   contato e se até uma subárea se formou, talvez estejamos
                                          partir de uma (ainda incipiente) “crise de paradigmas”,               em um momento de pensar não mais por polos ou
                                          reinventar-se. Em que pese o relativismo cultural – uma               extremos, e sim considerarmos que o estar-em-relação
                                          de suas primeiras armas – ter sido criticado                          destas Ciências constitui uma nova etapa, nem científica
                                          posteriormente, foi ele que tirou a Antropologia do                   nem comum, mas de uma natureza singular, amálgama
                                          emparelhamento com saberes comuns da época. Afinal,                   crítico para os desafios do novo milênio.
                                          antropólogos      não    podiam      sustentar   discursos
                                          semelhantes aos dos viajantes!




                                                                      h ttp : //n u c leod ees tu d os ep es qu is as . b logs p ot.c om. b r/                        6
                                                                                          b lo gd on u cleo @g ma il.co m
CONTEMPORÂNEA
                                                                                                                                                                     NÚ MERO




                              Uma quase Revista do Núcleo de Estudos e Pesquisas Educação e Sociedade Contemporânea
                                                                                                                                                                     01
                                                                                                                                                                      JULHO
                                                                                                                                                                       2012




                                                                                                                                                                     1


                                                                                           EDUCAÇÃO
                                         ¿CÓMO ESCRIBIR UN TRABAJO ACADÉMICO BREVE?
                                         Algunas indicaciones para la composición de monografías
                                         y trabajos de seminarios
                                                                                                                                                Edgardo Castro
                                                                                                                  Professor da Universidad Nacional de San Martín


                                          Las siguientes indicaciones parten de dos supuestos:

                                          1. que, como ya sostenían los lógicos medievales, hay que              6. Con el material que hemos acumulado en los puntos 3,
                                          distinguir entre el camino que la mente recorre cuando                 4 y 5, realizar una nueva lectura conceptual de nuestro
                                          busca algo (el llamado método de la invención) y el que                texto y comparar con los resultados obtenidos en la
                                          sigue cuando trata de comunicar o enseñar lo que                       primera lectura. Ello nos permitirá extraer nuestras
                                          encontró (el camino de la exposición); y                               propias conclusiones con cierto fundamento, al menos
                                                                                                                 bibliográfico.
                                          2. que lo que se debe escribir es un trabajo de índole
                                          hermenéutica, sin datos empíricos de campo (encuestas,
                                          etc.). En palabras llanas, se trata de analizar un tema en             En cuanto al recorrido de la exposición, el orden que
                                          relación con los escritos de un determinado autor.                     hemos seguido se altera. A nuestro de ver, de la siguiente
                                                                                                                 manera:
                                          Teniendo en cuenta estos dos supuestos, procederíamos
                                          de la siguiente manera en el camino que recorremos                     1. Debemos comenzar por lo que hemos aprendido en el
Sobre o autor                             cuando buscamos algo, es decir, la invención.                          punto 5 de nuestro reccorido, es decir, el context general.

Edgardo Castro é doutor em                1. Escoger un texto. Dos indicaciones son necesarias: 1.1.             2. Luego vendría el material que surgió del punto 4: situar
Filosofia pela Universidade de            Recorrer el menú de las posibilidades (se aprende mucho:               nuestro texto-tema-problema en la obra del autor.
Freiburg, na Suíça. É professor na        cuánto escribió un autor, acerca de qué, que otros
Universidad Nacional de San               escribieron sobre la misma cuestión…). 1.2. Una vez                    3. En tercer lugar vendría la exposición del análisis del
Martín (UNSAM) e já lecionou em           elegido el texto, un capítulo por ejemplo, ser fieles con la           texto (punto 2), teniendo en cuenta además, sobre todo, lo
muitas Universidades argentinas           elección.                                                              que aprendido en los punto 3, 4 y 5.
(Universidad Nacional de La Plata e
Rosario).    Entre     suas     obras,    2. Análisis conceptual del texto: qué conceptos                        4. En cuarto lugar, presentaríamos nuestras conclusiones,
constam Pensar a Foucault (Biblos,        intervienen, cómo se relacionan entre sí, cómo pasa el                 obtenidas, al menos en germen, en la etapa 6 de la
Buenos Aires, 1995); Penser l’homme       autor de unos conceptos a otros. Hay que descubrir de                  invención.
et la science. Betrachtungen zum          qué se habla, pero también la racionalidad del texto: cómo
Thema           Mensch            und     unas cosas se siguen de otras, porqué. Hay que anotar los              Todas estas fases de la exposición pueden ser precedidas
Wissenschaft (Friburgo,        Presses    conceptos, las dificultades que encontramos, lo que nos                de una breve exposición de las razones que nos llevaron a
Univesitaires, 1996); El vocabulario      parece consecuente, lo que encontramos inconsecuente.                  elegir ese texto (el interés en relación con nuestra
de       Michel      Foucault (Unqui,                                                                            investigación doctoral, por ejemplo). Si valió la pena, es
Prometeo,       2004),      traduzido     3. Si existen, recurrir a los diccionarios especializados (del         algo que pude decirse a manera de conclusión de todo el
como Vocabulário de Foucault (BH,         autor, de la disciplina), par ver qué dicen acerca de los              desarrollo.
Autêntica, 2004), com nova edição         conceptos que intervienen en nuestro texto.
(Buenos Aires, Siglo XXI, 2011), um                                                                              En conclusión, el camino de la invención va de lo menor
poderoso guia em forma de                 4. Servirse de una buena introducción al autor (buena=                 (nuestro texto) a lo mayor (el contexto). El de la
dicionário alfabético para conhecer       breve + clara + precisa). La finalidad de esta lectura es,             exposición, en cambio, va de lo mayor a lo menor.
os caminhos e pensamentos do              sobre todo, ubicar nuestro texto, sus temas y problemas,
teórico e Lecturas foucaulteanas. Una     en la producción del autor.
historia conceptual de la biopolítica.
(Ed. UNIPE, 2012).                        5. Consultar obras más amplias (historias de la disciplina,
                                          enciclopedias, etc.) sobre el tema o los temas de nuestro
                                          texto. La idea es situarse en un contexto más amplio que
                                          las obras de nuestro autor.




                                                                        h ttp : //n u c leod ees tu d os ep es qu is as . b logs p ot.c om. b r/                           7
                                                                                            b lo gd on u cleo @g ma il.co m
CONTEMPORÂNEA
                                                                                                                                                               NÚ MERO


                                                                                                                                                               01
                            Uma quase Revista do Núcleo de Estudos e Pesquisas Educação e Sociedade Contemporânea                                              JULHO
                                                                                                                                                                2012




                                                                                                                                                               1


                                                                              ARTE E CRÍTICA

                                         DOS AMORES, DE ROMA: WOODY ALLEN

                                                                                                                                      Alexandre Fernandez Vaz
                                                                                                                                           Professor da UFSC



                                                  Para Roma, com amor. Seria muito difícil                             O encontro nem sempre harmônico das duas
                                         encontrar um título mais sugestivo para o recente filme             famílias é apenas uma das tramas que vão se sucedendo
                                         de Woody Allen, em cartaz em Santa Catarina. São as idas            sem que haja, propriamente, um encontro entre elas.
                                         e vindas do amor, essa afecção da alma e do corpo, seu               Como os episódios de Decamerão, de Giovanni
                                         enredo; e a cidade aberta, como a chamou Rosselini, está            Boccaccio, obra em que Allen se inspira, o filme vai
                                         na tela, ensolarada, caótica, antiga e contemporânea. Não           mostrando várias transições, nem tanto de uma época
                                         apenas como palco, mas como personagem a deixar-se                  para a outra (o fim do medievo e o início dos tempos
                                         amar. Os planos abertos bem construídos não deixam                  modernos, como foi para o grande escritor italiano), mas
                                         dúvida de que o verão é a melhor estação para os                    as da vida de cada um dos envolvidos nas paralelas
                                         visitantes em busca da fantasia do velho mundo e suas               histórias. É assim com o jovem casal de norte-americanos
                                         ruelas, comidas, praças, monumentos, paixões que se                 que recebe a sedutora amiga, especialista em desfiar
                                         pretendem eternas.                                                  lugares-comuns e impressionar com sua atrevida beleza.
                                                  O pitoresco está em toda parte, principalmente             Ou com outro jovem casal, vindo do interior do país, ela
                                         para os turistas norte-americanos, costumeiramente em               professora, ele um pequeno gerente em que se aposta
Sobre o autor
                                         apuros ao enfrentarem as diferenças culturais e se                  como futuro executivo, desestabilizado pelo acaso e pelos
                                         depararem com qualquer idioma que não seja o próprio.               temores dele, pelo acaso e pelo sonho dela, vivido em um
Alexandre Fernandez Vaz é Doutor
                                         Estranhamento que o próprio Allen, longe de Nova York,              set de filmagem. O sonho é também do espectador,
pela Leibniz Universität Hannover.
                                         compartilha. O quinto filme em menos de uma década                  lançado a ele pela aparição de Ornella Muti, diva italiana
Professor dos Programas de Pós-
                                         que o diretor realiza na Europa é uma nova comédia a                muito bela a caminho dos sessenta anos, trazida por
graduação      em     Educação    e
                                         homenagear uma de suas grandes cidades, como foram                  Allen, atriz interpretando uma atriz, depois de cinco anos
Interdisciplinar     em    Ciências
                                         Vicky Cristina Barcelona (2008) e Meia-noite em Paris               sem aparecer em qualquer filme.
Humanas da Universidade Federal
                                         (2011), assim como talvez Match Point (2005) e Scoop - O                     Não é diferente com o personagem vivido por
de     Santa     Catarina   (UFSC).
                                         Grande Furo (2006), ambientados em Londres.                         Roberto Benigni, cidadão de classe média, medíocre e
Coordenador do Núcleo de Estudos
                                                  A fórmula de Para Roma, com amor, é a tantas               convencional, que se vê, de um momento a outro,
e Pesquisas Educação e Sociedade
                                         vezes vista em filmes de Allen: personagens às voltas com           transformado em celebridade. Sem entender o motivo de
Contemporânea         (UFSC/CNPq).
                                         seus desejos e os desatinos do acaso, as advertências da            tão larga oferta de prazeres, mas não se furtando de
Pesquisador CNPq.
                                         razão que felizmente não são levadas tão a sério, o irônico         desfrutá-los, Leopoldo vive por alguns dias a fantasia
                                         desprezo com a pseudointelectualidade, o vocabulário                infantil da ausência de regras e restrições, um mundo
http://buscatextual.cnpq.br/buscat
                                         psicanalítico popularizado em conclusões toscas e                   inteiro à disposição de seus caprichos. Todo gozo e toda
extual/visualizacv.do?id=B295957
                                         absurdas, o marido neurótico e sua esposa analista.                 angústia daí advindos são representados com vigor pelo
                                                  O próprio diretor forma, com Judy Davis, o casal           ator italiano. Dois grandes atores e diretores, Allen e
Contato:
                                         dominado pelas pequenas loucuras do marido. Eles                    Benigni fazem de Leopoldo um personagem sincrônico e
alexfvaz@uol.com.br
                                         viajam à Roma para conhecer o noivo da filha, jovem e               complexo, entre o drama e a comédia.
                                         simpático advogado envolvido em causas sociais, com                          Jovens sonhadores, a moça sedutora, a voz da
                                         quem o futuro sogro passa a maior parte do tempo em                 razão, o tipo médionorte-americano centrado em sua
                                         conflagração de ideias. O pai do moço, agente funerário             cultura e nada mais, sem entender o que passa ao seu
                                         dado a cantar óperas no chuveiro, torna-se uma obsessão             redor. São muitos os clichês e o diretor está, obviamente,
                                         para o norte-americano que, como ex-maestro e ex-diretor            ciente de todos ao abusar de cada um. É por isso que os
                                         artístico de uma gravadora, pretende torná-lo, para                 subverte com ironia, caçoando deles e um pouco de si
                                         horror inicial do filho e apreensão da mulher dona de               mesmo, estranho no paraíso. Woody Allen domina, como
                                         casa, uma estrela.                                                  poucos, a linguagem do cinema.

                                                                                                             "Ele tem o cinema nas mãos"
                                                                                                             Versão integral do texo publicado no DC Cultura
                                                                                                             (30.06.2012, n. 484, p. 3).




                                                                      h ttp : //n u c leod ees tu d os ep es qu is as . b logs p ot.c om. b r/                       8
                                                                                          b lo gd on u cleo @g ma il.co m
CONTEMPORÂNEA
                                                                                                                                                               NÚ MERO




                           Uma quase Revista do Núcleo de Estudos e Pesquisas Educação e Sociedade Contemporânea
                                                                                                                                                               01
                                                                                                                                                                JULHO
                                                                                                                                                                 2012




                                                                                                                                                               1


                                                                               ARTE E CRÍTICA
                                      EM NOME DO PAI: TETRO, DE COPPOLA
                                                                                                                                        Alexandre Fernandez Vaz
                                                                                                                                             Professor da UFSC


                                                 O cinema, assim como a literatura, está repleto de                  A força da imagem paterna é hoje ainda, no
                                        tramas em que a figura do pai é determinante na                     entanto, enorme. Não é casual que cada governante com
                                        narrativa, mesmo que muitas vezes pareça ausente mas                um (ou os dois) pés no populismo se anuncie como “pai
                                        permaneça, de forma latente, como objeto demandado. É               do povo”, nem que a derrocada do pai em tempos de
                                        caso de Tetro (2009), filme de Francis Ford Coppola. O              crise seja responsabilizada pelo apego a personagens em
                                        fato de logo se comemorar o dia dos pais oferece um                 que projetamos fantasias de força e proteção, a quem
                                        pretexto para se voltar a fazer um comentário sobre ele *.          entregamos nosso futuro, mesmo ao custo de nossa
                                                 A trama começa com a chegada de um jovem                   autonomia e liberdade. É o caso das ditaduras e também
                                        marinheiro inglês a Buenos Aires, onde encontrará o                 de suas versões ainda mais extremadas, as experiências
                                        irmão por parte de pai, que já não vê há uma década.                totalitárias, que parecem, para muitos, responder a um
                                        Este, Tetro, é um dramaturgo frustrado, em peremptória e            clamor por segurança que reforça a infantilização e
                                        obstinada e permanente recusa: em recordar, em concluir             decepa a participação na vida pública.
                                        um texto, em falar espanhol. Saído de uma clínica                            Mas não é Deus, nem política, que Tetro busca
                                        psiquiátrica, mostra-se temeroso e reticente em relação ao          nessa belíssima película que é também sobre uma cidade-
                                        encontro com o indesejado visitante, visto como um                  refúgio, vista nostalgicamente, quase sempre de um
                                        ameaçador retorno do passado, a trazer velhas cartas e              ponto de vista do apartamento antigo de primeiro piso e
                                        perguntas embaraçosas. Tetro é casado com uma médica                das ruas próximas do bairro, escuras, mesmo durante o
                                        que o atendera quando da internação, esta é a mediadora             dia. A fotografia reduzida ao preto e branco (as imagens
Sobre o autor                           dos conflitos gerados pela incômoda presença do irmão –             foram captadas em cor), a câmera constantemente fixa e
                                        que se revelará depois mais que isso – e com todo o                 seus planos fechados, levam a uma intimidade levemente
Alexandre Fernandez Vaz é Doutor        entorno que, mesmo tornado familiar com os anos, segue              triste que faz encontrar os personagens, o que o tom algo
pela Leibniz Universität Hannover.      sendo-lhe comodamente distante. A bela homenagem de                 bizarro de algumas sequências apenas potencializa. Os
Professor dos Programas de Pós-         Coppola à cidade de Buenos Aires, em especial ao bairro             diálogos entrecortados entre os irmãos vão sendo
graduação      em     Educação    e     La Boca, apresenta-se em constante tensão com o espírito            povoados pela recordação, aos trancos, das angústias de
Interdisciplinar     em    Ciências     do inglês que encontra na cidade um paradoxal refúgio.              uma família que não pôde segurar a si mesma ao
Humanas da Universidade Federal         Inadaptado, parece encontrar a distância segura para                marcada, em especial na memória de Tetro, por um
de     Santa     Catarina   (UFSC).     seguir vivendo sua interminável loucura.                            violento trauma.
Coordenador do Núcleo de Estudos                 Enclausurado em seu quarto e em seu passado,                        É tremendo o esforço por parte de Tetro e do
e Pesquisas Educação e Sociedade        com eventuais deslocamentos para a sala e a varanda, ou             irmão, mesmo que nem sempre reconhecido, de
Contemporânea         (UFSC/CNPq).      encontrando seus amigos derrotados nos arredores do                 conciliação, em tentar encontrar um fio que ainda pudesse
Pesquisador CNPq.                       velho apartamento, Tetro passa os recusando – já no                 oferecer expectativa a uma vida dilacerada pela
                                        próprio nome, feito de um fragmento do sobrenome e                  irresponsabilidade paterna. Logo no início do filme lê-se
http://buscatextual.cnpq.br/buscat      referência à Tragédia – a figura do pai, maestro de                 em um muro escuro da noite bonairense: “No sueltes la
extual/visualizacv.do?id=B295957        renome internacional, ególatra empedernido, àquelas                 soga que me ata a tu alma”. Não é fácil dar-se conta de
                                        alturas à beira da morte. É a tremenda presença paterna,            que a felicidade, ou pelo menos a esperança de que ela
Contato:                                quase sempre em perturbadora lembrança, já que distante             seja possível, vai se dar apenas com a morte simbólica do
alexfvaz@uol.com.br                     no tempo e no espaço, que dá tom à narrativa. Cinema                pai.
                                        sobre a família, como já fora O selvagem da motocicleta e a                  Se a evocação do passado aparece de forma
                                        trilogia O poderoso chefão, também de Coppola, Tetro                metanarrativa no texto que não pôde ser escrito até o fim,
                                        oferece uma súmula dessa questão tão ardente que é o                o que será feito por aquele que o espectador supõe ser o
                                        conflito com a paternidade.                                         irmão de Tetro, é apenas ao vê-lo concluído que a
                                        Não é para menos. Costumamos ouvir que “Deus” é nada                Tragédia encontrará seu momento catártico, tanto no
                                        menos que “pai”. Daí a pensar que ser pai é operar como             festival distante de Buenos Aires, na longínqua Patagônia,
                                        Deus, não falta muito, e é ele, então, que aparece como             quanto no enterro do pai. Em movimento elíptico, emerge
                                        figura imaginária ou real a refazer constantemente as               a revelada traição paterna, esta mesma que mantém Tetro
                                        balizas do poder e da censura civilizadora, contra as               preso ao passado e à eternidade da infância. A violenta
                                        quais, aliás, há que se rebelar em algum momento.                   inversão da cena edípica é insuportável para ele, como
                                        Patriarcado que já não parece inquebrantável em nossa               seria para qualquer filho. Talvez seja demais pedi-lo, mas
                                        contemporaneidade, colocado sob risco em novas                      eis aí tudo o que um pai não pode fazer: permitir que um
                                        configurações familiares, talvez menos ortodoxas, mais              filho se sinta abandonado por ele.
                                        plurais e, quem sabe, menos pesadas. Há que se ver, com
                                        atenção, para onde se deslocam os dispositivos de                   *Uma versão deste texto foi publicada no Caderno Ideias, do
                                        interdição que seguem regendo a cultura em nossa                    Jornal A Notícia, de Joinville, em 14 de agosto de 2011.
                                        tradição.




                                                                    h ttp : //n u c leod ees tu d os ep es q u is as . b logs p ot.c om. b r/                        9
                                                                                        b lo gd on u cleo @g ma il.co m
CONTEMPORÂNEA
                                                                                                                                                                NÚ MERO


                                                                                                                                                                01
                            Uma quase Revista do Núcleo de Estudos e Pesquisas Educação e Sociedade Contemporânea                                               JULHO
                                                                                                                                                                 2012




                                                                                                                                                                1


                                                                    POLÍTICA E SOCIEDADE
                                       MULHER, ESPORTISTA E PALESTINA: UMA QUESTÃO DE
                                       ESTADO!
                                                                                                                           Wagner Xavier de Camargo
                                                                                                          Doutor em Ciências Humanas pela Universidade
                                                                                                                               Federal de Santa Catarina


                                                  Pode ser que quem assistiu a entrada do                    mundo se redimia da perseguição aos judeus pelo
                                         aglomerado palestino na abertura das Olimpíadas de                  Holocausto, conferindo-lhes um porto seguro junto à terra
                                         Londres, há poucos dias, não tenha notado o número de               de seus descendentes, de outro, instaurava um estado
                                         mulheres compondo a delegação. Numa delegação de                    permanente de guerra, que se estende por anos. O
                                         aproximadamente 60 pessoas, elas são apenas duas, uma               momento mais crucial desta história foi a Guerra dos Seis
                                         no atletismo e outra na natação. Woroud Swalha chama                Dias, em 1967, quando uma ofensiva militar vitoriosa
                                         atenção não apenas por ser a única corredora do time de             (apoiada pelos norte-americanos), Israel ocupou porções
                                         atletismo e por se manter fiel ao uso do véu islâmico,              vitais e estratégicas na região, garantindo sua subsistência.
                                         como por querer ser exemplo de superação para suas                  As reações foram adversas, como os boicotes militares e
                                         conterrâneas. Se a Palestina participa desde Atlanta-1996           conflitos armados, a criação de exército de resistência da
                                         dos Jogos, a primeira mulher veio a juntar-se ao grupo              terrorista Organização para Libertação da Palestina (OLP),
Sobre o autor
                                         apenas em Sydney-2000.                                              que nos idos dos anos 1990 transforma-se em Autoridade
                                                  Swalha compete em Londres nos 800 metros                   Nacional Palestina (ANP) e passa a administrar os parcos
Wagner Xavier de Camargo é
                                         rasos. Acostumada a treinar no sobe-e-desce das colinas             territórios de maioria árabe-muçulmana, notadamente,
cientista social com mestrado em
                                         da Cisjordânia, nos arredores de sua cidade natal, Asira            Cisjordânia e Faixa de Gaza.
Educação Física. Doutor em Ciências
                                         ash-Shamaliya, ela conheceu uma pista oficial de                             A história é complexa e não sairemos daqui
Humanas pela Universidade Federal
                                         atletismo apenas quando participou, em março de 2012,               plenamente versados na questão israelo-palestina (ou
de Santa Catarina (UFSC), foi
                                         do Mundial Indoor de Istambul, na Turquia. Esperar uma              árabe-judaica). No entanto, algo é sintomático e merece
bolsista da Deutscher Akademischer
                                         medalha de Swalha em Londres pode ser algo demasiado,               ser sublinhado: se a ONU não reconhece a existência da
Austausch-Dienst     (DAAD)      em
                                         tendo em vista que sua participação só foi possível                 Palestina enquanto país, participar das Olimpíadas sob
estágio internacional na Freie
                                         mediante convite        do    COI    (Comitê Olímpico               esta bandeira (e a convite do COI) como Swalha o faz,
Universität Berlin (FU Berlin),
                                         Internacional). Mas, não é impossível a conquista, visto            pode trazer um estado de ambivalência política, por assim
Alemanha. Insere-se no campo dos
                                         que os resultados de uma prova são sempre a conjunção               dizer — quero sublimar que tudo isso pode ser,
estudos antropológicos das práticas
                                         de vários fatores. Entretanto, sua figura é enigmática              igualmente, um engodo “oficial” e “politicamente
esportivas e dedica-se, com especial
                                         porque traz à tona três símbolos, que aqui merecem ser              correto”, neste mundo de fachada políticas. De qualquer
destaque,    à   investigação   das
                                         comentados.                                                         forma, a participação da corredora palestina é uma
relações     de     gênero     entre
                                                  O primeiro deles é a condição feminina. Num                “questão de Estado” porque evoca a própria condição de
masculinidades nos esportes de
                                         lugar em que guerrear é “coisa para machos” (e, portanto,           existência enquanto atleta, representante de um território
competição.
                                         para eles seria também a arte do esporte), e o “ser                 soberano desprovido de fronteiras legítimas, mas também
                                         mulher” é quase sinônimo de vergonha, Swalha lança-se               é uma “questão do Estado” o direito de reivindicação de
http://buscatextual.cnpq.br/buscat
                                         como atleta corredora, mesmo tendo desvantagem em                   equidade de participação de mulheres (não apenas
extual/visualizacv.do?id=B195056
                                         relação à indumentária que utiliza, o véu muçulmano.                palestinas) no esporte de competição, nos mesmos moldes
                                         Esse é o segundo símbolo a ser considerado, o véu — e               em que ocorre, há anos, para os homens. O direito à
Contato:
                                         tomemos,      agora,   a    questão    religiosa   apenas           participação e à igualdade de chances no esporte deve ser
wxcamargo@gmail.com
                                         superficialmente! Correr vestida como uma mulher                    garantido a todos os sujeitos (masculinos, femininos,
                                         comum do Islamismo (e assim respeitando a regra básica              transgêneros/as) por Estados Democráticos de fato.
                                         da crença à que pertence) traz uma afronta sem                               O mundo não deve esperar que Swalha ganhe
                                         precedentes a tudo e a todos, qual seja, a do respeito à            uma medalha de ouro para a Palestina nas Olimpíadas de
                                         diferença (proporcionada pela presença do véu).                     Londres-2012, mas se o fizer, tanto melhor; tampouco
                                         Basicamente o que Woroud quer dizer é: “respeitem o                 deve se almejar que ela quebre recordes ou faça algo
                                         meu direito de estar como quero estar” (ou de ser como              inusitado no auge de seus vinte anos. Se tudo correr
                                         quero ser, em outra leitura). Acresça-se a isso a questão           dentro do script programado, a simples participação desta
                                         do Estado, o terceiro pilar que a torna legitimamente               garota muçulmana, com seu véu ao vento e sua condição
                                         representativa de toda uma ordem simbólica. E, neste                identitária     palestina,    pode      irromper    reflexos
                                         ponto, permito-me um exercício de memória geopolítica,              verdadeiramente revolucionários nos espaços masculinos,
                                         daquela que provém de meus profícuos anos colegiais.                forçadamente “homogêneos”, brancos e ocidentalizantes.
                                                  Swalha treina em um território que não possui              Simples assim! Por tudo isso já pode disferir “três vivas”
                                         fronteiras definidas e reconhecidas. Palestinos compõem             para Woroud Swalha: esportista, palestina e mulher!
                                         uma “nação sem Estado”, na definição geopolítica mais
                                         clássica. A briga vem de 1948, quando a criação do Estado
                                         de Israel pela Organização das Nações Unidas (ONU)
                                         provocou a ira dos palestinos da região. De um lado o




                                                                                                                                                                     10
                                                                       h ttp : //n u c leod ees tu d os ep es qu is as . b logs p ot.c om. b r/
                                                                                           b lo gd on u cleo @g ma il.co m

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Contemporânea número 01 - julho de 2012

  • 1. CONTEMPORÂNEA NÚ MERO Uma quase Revista do Núcleo de Estudos e Pesquisas Educação e Sociedade Contemporânea 01 JULHO 2012 1 CONTEMPORÂNEA - UMA (QUASE) REVISTA Contemporânea (uma quase revista) é uma publicação Núcleo de Estudos e Pesquisas Educação e Sociedade Contemporânea. Destina-se, de forma dinâmica, a veicular textos mais breves. Uma (quase) revista para conversarmos sobre temas diversos, buscando atualidade, polêmica, mas também a reflexão de fundo. Ela recebe os textos de membros do Núcleo e de pessoas dispostas a dialogar conosco e, depois de avalia-los, publica-os em duas entradas por mês, reunindo-os em um número concluído ao final do período. Apesar de já estarmos em agosto, este é o número de julho, que parcialmente já estava no ar desde meados do mês passado. Contemporânea larga com quatro seções: Arte e Crítica, Cultura do Futebol, Política e Sociedade, Educação. Apresentamos quatro textos na seção Cultura do Futebol. Um deles é de Michelle Gonçalves, sobre o nacionalismo alemão na Copa Europeia de Seleções de Futebol, realizada na Ucrânia e na Polônia. Os outros três, tomando como situação exemplar o mesmo evento, são de Detlev Claussen, com tradução minha. Estes se originam da coluna que Detlev assina no portal Faust (www.faustkultur.de), sugestivamente intitulada de Escola de Frankfurt do Futebol. Na seção Educação aparecem uma colaboração de Wagner Xavier Camargo, sobre as tensões entre Antropologia e Educação, e outra de Edgardo Castro, uma proposta de como escrever trabalhos acadêmicos breves. Em Arte e Crítica publicamos dois comentários meus sobre filmes, o último de Woody Allen, Para Roma com amor e, de Francis Ford Coppola, Tetro. Em Política e Sociedade aparece outra contribuição de Wagner, uma reflexão sobre a condição política da atleta Woroud Swalha, que logo representaria a Palestina nos 800 metros rasos dos Jogos Olímpicos de Londres. Enviem textos, debatam, critiquem os já publicados! Ilha de Santa Catarina, 9 de agosto de 2012. Alexandre Fernandez Vaz Nesta edição: Cultura do Futebol EURO 2012: FUTEBOL E NACIONALISMO NA ALEMANHA Michelle Carreirão Gonçalves JOGADO COM A CABEÇA Detlev Claussen O CLUBE DE OSKAR Detlev Claussen DIFAMAÇÃO Detlev Claussen Educação PARA UMA EDUCAÇÃO ANTROPOLÓGICA Wagner Xavier de Camargo ¿CÓMO ESCRIBIR UN TRABAJO ACADÉMICO BREVE? ALGUNAS INDICACIONES PARA LA COMPOSICIÓN DE MONOGRAFÍAS Y TRABAJOS DE SEMINARIOS. Edgardo Castro Arte e Crítica DOS AMORES, DE ROMA: WOODY ALLEN Alexandre Fernandez Vaz EM NOME DO PAI: TETRO, DE COPPOLA Alexandre Fernandez Vaz Política e Sociedade MULHER, ESPORTISTA E PALESTINA: UMA QUESTÃO DE ESTADO! Wagner Xavier de Camargo h ttp : //n u c leod ees tu d os ep es qu is as . b logs p ot.c om. b r/ 1 b lo gd on u cleo @g ma il.co m
  • 2. CONTEMPORÂNEA NÚ MERO Uma quase Revista do Núcleo de Estudos e Pesquisas Educação e Sociedade Contemporânea 01 JULHO 2012 1 CULTURA DO FUTEBOL EURO 2012: FUTEBOL E NACIONALISMO NA ALEMANHA Michelle Carreirão Gonçalves Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Educação /UFSC Muitas vezes acho que o fato de ter nascido no apesar de alguma decepção, não foi incomum ver pessoas “país do futebol” fez com que eu me afastasse dele. O correndo pelas ruas, com suas bandeiras, gritando bombardeio diário de notícias, fatos, imagens e jogos, Deutschland, ou ainda cantando músicas de incentivo à sempre me irritou um pouco. Queria ver outras coisas seleção. Um ou dois dias depois da derrota, no retorno da além de gols e impedimentos, de debates e mesas equipe, vi pela televisão a recepção que o técnico Joachim redondas sobre o tema. Mas o tempo tem me feito menos Löw teve durante o voo, bem como em seu desembarque. impaciente e (quem sabe?) menos injusta com o futebol. Pessoas o cumprimentando pela bela atuação na Cada vez mais tenho me inteirado do mundo competição. futebolístico, sem grande fervor, mas com certa atenção É claro que houve lances polêmicos, muito mais (apesar de manter ainda alguma implicância com ele, fora de campo do que dentro, eu diria, como comentários Sobre a autora acredito que por pura diversão). Por isso não pude ficar racistas em redes sociais contra o jogador alemão Mesut indiferente aos jogos da Eurocopa realizados neste ano de Özil, de origem turca, ou ainda, a presença um tanto Michelle Carreirão Gonçalves é 2012. Ainda mais porque, morando em Berlim, não havia quanto provocadora da primeira ministra alemã, Angela Licenciada em Educação como esse evento passar em branco. Merkel, na partida contra a Grécia, em meio à grande Física/UFSC; Mestre em Uma das primeiras coisas que pude constatar é tensão derivada da crise econômica na zona do euro. Por Educação/UFSC; Graduanda do que a Alemanha também é um “país do futebol”. Um dos outro lado, pude ver com alguma frequência, nas ruas de curso de Filosofia/UFSC; esportes mais populares do país, se não o mais, o futebol Berlim, a ostentação de outras cores e bandeiras, além da Doutoranda do Programa de Pós- mobiliza todos por aqui. Foi só se aproximar o início do alemã. No local preparado para ser o ponto de encontro Graduação em Educação/UFSC; grande evento do continente e milhares de bandeiras com dos donos da casa, em frente ao Portão de Brandemburgo, Bolsista CNPq (UFSC/Leibniz suas listras preta-vermelha-amarela encheram, de uma era possível ouvir diferentes línguas, distintas torcidas. Universität Hannover); Membro do hora para outra, as janelas e sacadas dos apartamentos, os No dia da derrota, um grupo de italianos vibrava, Núcleo de Estudos e Pesquisas capôs e vidros dos carros, as vitrines das lojas. As cores enrolado em suas bandeiras, vestindo suas camisas azuis, Educação e Sociedade também estampavam os rostos e corpos em dia de jogo, a cada gol de Balotelli. E os alemães? Simplesmente Contemporânea. nas pinturas e nas roupas dos torcedores, que iam e respeitaram a torcida adversária, bem como as jogadas da vinham pela cidade de Berlim, carregando suas seleção nacional, batendo palmas em tom de http://buscatextual.cnpq.br/buscat bandeiras, suas cervejas e sua motivação para agradecimento, como também fazem efusivamente e extual/visualizacv.do?id=K4770696 “impulsionar” a seleção à vitória. O Portão de incansavelmente ao fim de uma ópera, de uma peça de U7 Brandemburgo, importante monumento e cartão postal teatro ou de um balé. Bateram palmas ainda para Özil, da cidade, era destino (quase) certo de dezenas de quando este diminuiu a diferença no finalzinho do jogo, milhares de pessoas, onde se montou uma arena especial enquanto muitos já iam retornando para suas casas, um Contato: para as transmissões de todos os jogos da Euro, com pouco cabisbaixos. michelle_carreirao@yahoo.com.br vários telões ao longo da Strasse des 17. Juni, uma das Ao final da experiência, sobrou a impressão de principais avenidas da capital alemã. que essa nova geração alemã se orgulha, sim, de seu Durante esse período de quase um mês, futebol e que isso, talvez, seja um elemento a compor um especulações sobre o nascimento de um possível novo novo sentimento sobre a nação, já não marcado apenas nacionalismo alemão surgiram, fruto da euforia pela culpa em relação às atrocidades ocorridas durante a proporcionada pela experiência futebolística. E é claro Segunda Guerra, ou ainda, pelo trauma de um país que soou o alarme: nacionalismo alemão equivale a cortado ao meio. Daí, me parece, é possível que vá se perigo eminente. Bom, para quem participou da festa “de configurando uma nova identidade nacional, de um povo dentro”, posso dizer que minha percepção é um pouco que não esquece seu passado (por isso tantos avessa a essa opinião. Assisti a todos os jogos da monumentos e memoriais mantidos e construídos para Alemanha, alguns no Portão de Brandemburgo, inclusive não deixar esquecer), nem descuida de sua a semifinal, em que a seleção foi vencida pela Itália. O que responsabilidade histórica, mas que junto a isso também pude ver foi mesmo uma grande satisfação e algum se orgulha da Alemanha, nem que seja aquela dentro das orgulho de ser alemão, por conta, justamente, do futebol quatro linhas, com seus onze jogadores, durante 90 alemão, algo que também se passa conosco quando a minutos. seleção brasileira sai bem sucedida de suas contendas. Mas esse orgulho permanece mesmo depois da derrota, o que dificilmente ocorre em terras brazucas, já que ela parece nos lembrar sempre de nosso complexo de vira-lata, como já dizia Nelson Rodrigues. Ao fim da semifinal, h ttp : //n u c leod ees tu d os ep es qu is as . b logs p ot.c om. b r/ 2 b lo gd on u cleo @g ma il.co m
  • 3. CONTEMPORÂNEA NÚ MERO Uma quase Revista do Núcleo de Estudos e Pesquisas Educação e Sociedade Contemporânea 01 JULHO 2012 1 CULTURA DO FUTEBOL JOGADO COM A CABEÇA Detlev Claussen Professor Emérito da Leibniz Universität Hannover Do futebol se fala melhor quando de fato se entende o jogo. Lamentavelmente, também sobre o futebol se escreve muita tolice, já que muita gente que sobre ele escreve não tem qualquer interesse no jogo. A partida entre Grécia e Alemanha, pelas quartas de final da Copa da Europa, foi erigida à condição de guerra pelo Euro, foi "superesterilizada", se podemos retomar o que disse certa vez de maneira feliz, ainda que equivocada, Bruno Labbadia*. O jogo parecia ter se transformado em um combate pela rejeição aos "tanques" alemães, enquanto o Sobre o futebol se diz muita bobagem. Martin BILD** depreciava os gregos chamando-os de taverneiros Walser certa vez afirmou que haveria algo ainda mais em azul e branco. O que se viu foi uma batalha épica entre Sobre o autor estúpido que o futebol: refletir sobre ele. Lothar Baier um eficiente jogo defensivo e outro que se mostrou certa vez asseverou que Martin Walser pensa com o ofensivo e cheio de riscos. Os que torcem pelo "schönen Detlev Claussen é Professor coração e sente com a cabeça. Ele tinha razão. O desprezo Spiel", o jogo bonito, como se diz no Brasil, venceram por 4 Emérito da Leibniz Universität intelectual pelo futebol pertence àquela parte pouco x 2. Eis um motivo para celebrar. Hannover, um dos maiores aventurada da formação cultural burguesa na Alemanha, representantes da tradição da Teoria *Ex-jogador e atual treinador de futebol alemão (Nota do que considera um privilégio desconhecer as coisas Crítica da Sociedade. Analista Tradutor). práticas. Um preconceito oriundo da desinformação. profícuo, ensaísta e autor de **O Bild (www.bild.de) é jornal diário sensacionalista, em Mulheres orgulhosas de que nada sabem sobre futebol dezenas de livros, Claussen escreve formato tabloide, cuja ênfase recai especialmente em são a última fortaleza desse desprezo. Mas elas são cada para o Faustkultur uma coluna em assuntos de futebol, crimes e escândalos diversos (Nota vez em menor número. O futebol de fato tomou as massas que analisa o futebol do Tradutor). em todo o mundo no final do século vinte...E isso é muito contemporâneo. Ela será publicada bom. Afinal, ele é um belo e apaixonante jogo em que regularmente em português, com todos podem participar, jogando ou assistindo. Não é tradução de Alexandre Fernandez preciso ter tido o privilégio de frequentar boas escolas Tradução de Alexandre Fernandez Vaz Vaz. para alegra-se no jogo, mas se desfruta mais dele se Originalmente publicada em também a cabeça é posta em uso. http://faustkultur.de/kategorie/gesellschaft/fussballkol http://nucleodeestudosepesquisas.b logspot.com.br/2011/08/professor- umne-von-detlev-claussen.html convidado.html h ttp : //n u c leod ees tu d os ep es qu is as . b logs p ot.c om. b r/ b lo gd on u cleo @g ma il.co m 3
  • 4. CONTEMPORÂNEA NÚ MERO Uma quase Revista do Núcleo de Estudos e Pesquisas Educação e Sociedade Contemporânea 01 JULHO 2012 1 CULTURA DO FUTEBOL O CLUBE DE OSKAR Detlev Claussen Professor Emérito da Leibniz Universität Hannover Sobre o futebol se diz muita bobagem. Também é De fato, ao longo do século vinte o futebol o caso dos intelectuais, ou talvez principalmente o deles, transformou-se em mercadoria. Mas, como a cultura, o quando se referem ao futebol sem de fato analisarem o futebol é uma "mercadoria paradoxal". Se os bens que se passa no gramado. Isso só alimenta o enorme anti- culturais da sociedade burguesa do século dezenove não intelectualismo do mundo dos negócios futebolísticos. O houvessem se transformado em mercadoria, os artistas tradicional slogan de Adi Preissler, constantemente citado nunca teriam se emancipado da tutela aristocrática, assim por Otto Rehhagel, "A verdade aí está", sugere algo contra como jamais teria sido possível sequer imaginar a arte o lugar comum, a falação de quem ainda não viu o jogo, o autônoma. Sem a profissionalização do futebol, não discurso de autoridade. Não é nada agradável ver gente haveria possibilidade real para proletários, migrantes e Sobre o autor inteligente que, ao invés de analisar o futebol como ele é outsiders participarem, de forma ampla, da vida pública. jogado, se limita a se expressar como espectador. Desde que a Federação Alemã de Futebol reconheceu que Detlev Claussen é Professor Quem esquentou o banco de reservas na todos os que atuam no país são potencialmente jogadores Emérito da Leibniz Universität Universidade de Frankfurt nos anos 1950 e 1960, quando para a seleção, a organização social do futebol alemão Hannover, um dos maiores a Faculdade de Filosofia não tinha ainda se tornado uma passa a corresponder, de forma firme, a uma sociedade representantes da tradição da Teoria sala de ginástica linguística, deve ter aprendido que a que se reconhece etnicamente heterogênea. Aqueles que Crítica da Sociedade. Analista crítica perde seu alvo quando não se desenvolve a partir chamam as equipes nacionais de "mistura colorida de profícuo, ensaísta e autor de da coisa mesma, quando o crítico evita o objeto. Pertence povos" não apenas não entenderam o futebol, como dezenas de livros, Claussen escreve às raízes da Teoria Crítica a afirmação demolidora de também não mais compreendem a sociedade em que ele é para o Faustkultur uma coluna em Adorno sobre a fracassada tentativa de Kracauer, seu jogado. que analisa o futebol mentor, de escrever uma "biografia social" de Jacques contemporâneo. Ela será publicada Offfenbach: "Offenbach sem [falar de] música é *Die Tageszeitung (www.taz.de), jornal moderadamente regularmente em português, com impossível!" de esquerda (Nota do Tradutor). tradução de Alexandre Fernandez Na edição do último final de semana do TAZ*, **Um dos principais representantes da tradição da Teoria Vaz. Oskar Negt**, colocando-se como um "intelectual Crítica da Sociedade, Professor Emérito de Filosofia Social político", declara, por sua própria conta e risco, que o da Leibniz Universität Hannover. Autor, entre dezenas de http://nucleodeestudosepesquisas.b Campeonato Europeu de Seleções seria uma forma de livros, de O que de político na política? (São Paulo: logspot.com.br/2011/08/professor- "entretenimento repressivo". Criticar o "pão e circo" não UNESP, 1999), uma de suas parcerias com Alexander convidado.html significa dizer que não se deva comer o pão, nem que não Kluge. (Nota do Tradutor). possa haver divertimento com o circo. Sem a análise do jogo, a teorização sobre a sociedade regride a um pessimismo cultural que vê a competição entre nações Tradução de Alexandre Fernandez Vaz como meramente uma guerra sem armas, e denuncia o processo de comercialização do futebol como operação Originalmente publicada em demoníaca a serviço da destruição da sociedade. http://faustkultur.de/kategorie/gesellschaft/fussballkol Simplesmente depreciar a comercialização é rebaixar a umne-von-detlev-claussen.html crítica da indústria cultural a uma forma de ressentimento contra as excitações baratas, prática comum entre intelectuais, como Oskar, que caçoam das pessoas que querem se divertir ao invés de se ocuparem das coisas sérias da alta cultura. Esse movimento é um subproduto do preconceito do burguês instruído contra os english sports. h ttp : //n u c leod ees tu d os ep es qu is as . b logs p ot.c om. b r/ 4 b lo gd on u cleo @g ma il.co m
  • 5. CONTEMPORÂNEA NÚ MERO Uma quase Revista do Núcleo de Estudos e Pesquisas Educação e Sociedade Contemporânea 01 JULHO 2012 1 CULTURA DO FUTEBOL DIFAMAÇÃO Detlev Claussen Professor Emérito da Leibniz Universität Hannover Venceu o melhor. Esta é a melhor das copiadas dos imigrantes italianos e turcos, o BILD não se experiências para quem gosta de futebol. A grande final furtou em promover uma agitação patriótica e em sugerir celebrou o reinado do futebol. E foi como o Imperador que aquela forma de jogo era uma confirmação do que Napoleão. A Espanha, campeã da Europa, coroou-se a si dizia seu fundador, o profeta Axel Springer. Quando a mesma com quatro gols. O futebol não é uma religião Alemanha perde, só pode ser por falta de patriotismo, compensatória, mas um culto cuja experiência se dá no pela presença de traidores infiltrados. O traidor da pátria momento de sua consumação. Nem sempre os melhores novamente volta para nos seduzir e enganar. vencem, e é por isso que é tão bom quando isso acontece - A crônica fraqueza em cantar o hino segue sendo é o instante mágico. "Demora-te, és tão belo..."* Vai lembrada. Um dia depois da partida final da Copa da passar. No próximo outono terão início as conversas Europa, o BILD fala de uma "agitação gigante em torno de sobre as eliminatórias da Copa, quando a Espanha nosso hino nacional" que, aliás, é perpetrada exatamente começa a defender o título conquistado em 2010. Cada por ele. "Políticos exigem" a obrigação de cantá- triunfo traz em si a semente de uma derrota futura. lo...podemos dar uma olhada nesses heróis do O futebol é um jogo do presente; glórias passadas patriotismo. Os nomes falam por si: Volker Bouffier, Uwe não contam entre as quatro linhas, são matéria para a Schünemann, Joachim Herrmann, Hans-Peter Uhl – todos Sobre o autor imprensa. O pior do piores: o diário BILD. Depois da do banco de reservas da coalizão CDU/CSU, gente que partida semifinal, quando a Alemanha foi eliminada pela jamais poderia entrar em campo. A falsa lição segue ao rés Detlev Claussen é Professor Itália, faltou o reconhecimento da exitosa maneira de do chão: "Outras nações se relacionam muito bem com seu Emérito da Leibniz Universität jogar dos italianos, assim como a análise cuidadosa dos hino..." Outra nações tem outras histórias de constituição... Hannover, um dos maiores alemães. Em lugar disso, a baixaria chauvinista com Os Aliados fizeram algo digno de nota para a democrática representantes da tradição da Teoria cheiro podre: jogadores que ficam passivos, ao invés de Alemanha, ao permitirem, depois de tanta súplica, que a Crítica da Sociedade. Analista reagirem; fracotes que ficam chorando, em lugar de lutar terceira estrofe do hino seguisse sendo entoada: profícuo, ensaísta e autor de como os italianos; imigrantes e seus filhos que querem o "Alemanha, Alemanha, sobre tudo...". A canção de dezenas de livros, Claussen escreve passaporte alemão, mas não colaborar com a nação: gente Hoffmann von Fallerslebens vem daquele período prévio para o Faustkultur uma coluna em que recusa integrar-se. Essa propaganda populista não à Revolução de março de 1948, assim como é também que analisa o futebol tem qualquer serventia se o objetivo for saber algo sobre o "Fratelli d´ Italia" tão celebrado por Buffon. Ambos têm o contemporâneo. Ela será publicada futebol, mas é bastante útil para a promoção de uma mesmo e questionadíssimo potencial que no nacional- regularmente em português, com sensibilidade popular doentia e para a canalização socialismo alemão e no fascismo italiano produziram um tradução de Alexandre Fernandez daquela fúria que lhe corresponde. Não são os gols que sentimento de unidade popular. Cada um é livre para Vaz. veículos como BILD, BamS, WamS procuram, mas os cantar o hino ou simplesmente recusar o ritual. A equipe índices de audiência. Para eles o futebol é não é mais que italiana esmerou-se em cantar o "Fratelli" antes dos jogos http://nucleodeestudosepesquisas.b o caldeirão de bruxa em que se deixam ferve os contra Alemanha e Espanha. Na final, derrota por 0:4, sem logspot.com.br/2011/08/professor- sentimentos, assim como a televisão é a vassoura que os cantoria ou contestação. Os espanhóis nunca cantam antes convidado.html varre para a fervura. das partidas, a "Marcha Real" é só melodia. Logo aquele Mas nem tudo é porcaria na mídia, assim como time tão entrosado já realizava seu glorioso trabalho. tampouco no campo nem tudo foi tão ruim, como aliás Finalmente puderam bradar juntos e a plenos pulmões, nós todos vimos. Pelo contrário: na fase de grupos houve com bandeiras catalãs, bascas e andaluzes, cada qual com jogos emocionantes e de alto nível, os mata-mata foram a sua preferida: "Campeónes, Campeónes.." "We are the todos pelo menos razoáveis, o nível médio do futebol Champions" – eis o hino mundial do futebol. europeu mostra-se mais alto do que quatro anos, assim como os melhores jogos de hoje são superiores aos *Trata-se de uma citação de Fausto: uma Tragédia, de Johann daquele tempo. Quem se interessa pelo futebol alemão Wolfgang Goethe. É uma fala de Mefisto (Nota do Tradutor). pode dar-se por feliz. Desde a revolução promovida por Jürgen Klismann em 2006, a Alemanha tem jogado entre Tradução de Alexandre Fernandez Vaz as melhores seleções, sempre animada por um espírito Originalmente publicada em ofensivo. O jornal BILD, manifestando o papel de http://faustkultur.de/kategorie/gesellschaft/fussballkol Ministério Alemão da Propaganda que seus editores umne-von-detlev-claussen.html exercem, colocou-se desde o princípio radicalmente contra tal transformação. Quando o futebol agressivo de Klismann gerou, durante a Copa, uma onda de animação vermelha, preta e dourada, cujas festivos formas foram h ttp : //n u c leod ees tu d os ep es qu is as . b logs p ot.c om. b r/ 5 b lo gd on u cleo @g ma il.co m
  • 6. CONTEMPORÂNEA NÚ MERO 01 Uma quase Revista do Núcleo de Estudos e Pesquisas Educação e Sociedade Contemporânea JULHO 2012 1 EDUCAÇÃO PARA UMA EDUCAÇÃO ANTROPOLÓGICA Wagner Xavier de Camargo Doutor em Ciências Humanas pela Universidade Federal de Santa Catarina Defendida a tese de doutorado, a “oportunidade” Algo de importante emergiu e isso tem relação de prestar concursos públicos para a carreira docente se estreita com a Educação: há saberes sistematizados pelo apresenta, via de regra, como única e arrebatadora corpo “oficial” do conhecimento acumulado pela alternativa. O momento em que se ingressa é similar, humanidade e há saberes não sistematizados, provindos porém distinto dos anteriores: mesclando sentimentos das experiências cotidianas do homem comum. O respeito paradoxais de incerteza e orgulho pela titulação às culturas tradicionais dos chamados “povos primitivos” conquistada, ele abre brechas para, de fato, estabelecer as e a tais saberes passou a ser um totem antropológico, bases do que se quer pesquisar no futuro – agora tornado relíquia guardada a sete chaves, como um dos cânones da presente. então novata ciência. Foi nesse momento que, não fechando Ter proposto aquele tema para a aula didática me Sobre o autor possibilidades e fazendo uma verdadeira ginástica para fez procurar uma base (diria até um substrato ideológico) pensar a adequação de meu currículo e título de Doutor comum entre Antropologia e Educação. Trazer à baila Wagner Xavier de Camargo é uma problemática candente para dentro das salas de aula em Ciências Humanas ao “mercado acadêmico”, inscrevi- cientista social com mestrado em me num processo seletivo para uma vaga dentro de uma – como é, em tempos atuais, a presença de travestis, Educação Física. Doutor em Ciências conceituada Faculdade de Educação. Até ali, nada de transexuais e transgêneros na escola – nada mais é do que Humanas pela Universidade Federal novo ou estranho, a não ser pelo fato de o concurso ter pensar a questão da diferença no conjunto humano. Não é de Santa Catarina (UFSC), foi apenas algo que diga respeito genericamente a culturas ou sido para a disciplina “Escola e Cultura” e meu tema de bolsista da Deutscher Akademischer pesquisa no doutorado ter versado sobre “Esporte, saberes, mas se relaciona ao outro e à alteridade, Austausch-Dienst (DAAD) em componentes fundamentais da postura antropológica. Relações de Gênero e Sexualidades”. A prova didática estágio internacional na Freie ministrada por mim (“Questões de Gênero e Travestismos Não tenho dúvidas de que o cruzamento entre Universität Berlin (FU Berlin), no Espaço Escolar”) foi elogiada, tanto pela problemática Antropologia e Educação já está iniciado – encontramos Alemanha. Insere-se no campo dos endereçada, quanto pela conexão entre minhas facilmente no Google Acadêmico uma quantidade estudos antropológicos das práticas preocupações de investigação e a “hábil” (segundo a razoável de artigos e papers que pretendem pensar tal esportivas e dedica-se, com especial banca avaliadora) adequação e atual relevância do tema. interação. Também não é nova a existência de uma destaque, à investigação das Apesar do desempenho, restou-me um segundo lugar na subárea específica intitulada “Antropologia da Educação”. relações de gênero entre No entanto, como aspirante a (talvez) docente em classificação geral. Como tal processo trouxe-me questões, masculinidades nos esportes de gostaria de refletir mais sobre meu background de uma área de conhecimento distinta de minha formação de competição. antropólogo e uma possível inserção na área de Educação. antropólogo, penso que o respeito ao processo de Ora, a Antropologia é talvez a mais novata (e aprendizado, ao tempo do outro, ao relativismo entre http://buscatextual.cnpq.br/buscat saberes instituídos ou não, enfim, um exercício última) das ciências, originada ainda nos estertores do extual/visualizacv.do?id=B195056 século XIX. Nasceu filiada aos discursos colonialistas e, permanente de deslocamento (distanciamento) entre as portanto, signatária de um etnocentrismo, à época, posições de professor/a e estudante, num jogo sempre Contato: instável de posições, estaria na base de construção de uma marcadamente europeu. Atribuir maior valor à dita wxcamargo@gmail.com educação antropológica, a qual traria ganhos para todas as “cultura ocidental” gestada e produzida na Europa daqueles tempos, em detrimento dos exóticos e partes envolvidas, amenizaria preconceitos (diretos e exuberantes (porém ditos “pobres e primitivos”) povos inversos) e promoveria formações não tão estanques e do novo e novíssimo mundos, era uma prática pretensamente corretas. sistemática. Contudo, não demorou muito para a Se a Antropologia e a Educação já estão em Antropologia pensar-se a si mesma como Ciência e, a contato e se até uma subárea se formou, talvez estejamos partir de uma (ainda incipiente) “crise de paradigmas”, em um momento de pensar não mais por polos ou reinventar-se. Em que pese o relativismo cultural – uma extremos, e sim considerarmos que o estar-em-relação de suas primeiras armas – ter sido criticado destas Ciências constitui uma nova etapa, nem científica posteriormente, foi ele que tirou a Antropologia do nem comum, mas de uma natureza singular, amálgama emparelhamento com saberes comuns da época. Afinal, crítico para os desafios do novo milênio. antropólogos não podiam sustentar discursos semelhantes aos dos viajantes! h ttp : //n u c leod ees tu d os ep es qu is as . b logs p ot.c om. b r/ 6 b lo gd on u cleo @g ma il.co m
  • 7. CONTEMPORÂNEA NÚ MERO Uma quase Revista do Núcleo de Estudos e Pesquisas Educação e Sociedade Contemporânea 01 JULHO 2012 1 EDUCAÇÃO ¿CÓMO ESCRIBIR UN TRABAJO ACADÉMICO BREVE? Algunas indicaciones para la composición de monografías y trabajos de seminarios Edgardo Castro Professor da Universidad Nacional de San Martín Las siguientes indicaciones parten de dos supuestos: 1. que, como ya sostenían los lógicos medievales, hay que 6. Con el material que hemos acumulado en los puntos 3, distinguir entre el camino que la mente recorre cuando 4 y 5, realizar una nueva lectura conceptual de nuestro busca algo (el llamado método de la invención) y el que texto y comparar con los resultados obtenidos en la sigue cuando trata de comunicar o enseñar lo que primera lectura. Ello nos permitirá extraer nuestras encontró (el camino de la exposición); y propias conclusiones con cierto fundamento, al menos bibliográfico. 2. que lo que se debe escribir es un trabajo de índole hermenéutica, sin datos empíricos de campo (encuestas, etc.). En palabras llanas, se trata de analizar un tema en En cuanto al recorrido de la exposición, el orden que relación con los escritos de un determinado autor. hemos seguido se altera. A nuestro de ver, de la siguiente manera: Teniendo en cuenta estos dos supuestos, procederíamos de la siguiente manera en el camino que recorremos 1. Debemos comenzar por lo que hemos aprendido en el Sobre o autor cuando buscamos algo, es decir, la invención. punto 5 de nuestro reccorido, es decir, el context general. Edgardo Castro é doutor em 1. Escoger un texto. Dos indicaciones son necesarias: 1.1. 2. Luego vendría el material que surgió del punto 4: situar Filosofia pela Universidade de Recorrer el menú de las posibilidades (se aprende mucho: nuestro texto-tema-problema en la obra del autor. Freiburg, na Suíça. É professor na cuánto escribió un autor, acerca de qué, que otros Universidad Nacional de San escribieron sobre la misma cuestión…). 1.2. Una vez 3. En tercer lugar vendría la exposición del análisis del Martín (UNSAM) e já lecionou em elegido el texto, un capítulo por ejemplo, ser fieles con la texto (punto 2), teniendo en cuenta además, sobre todo, lo muitas Universidades argentinas elección. que aprendido en los punto 3, 4 y 5. (Universidad Nacional de La Plata e Rosario). Entre suas obras, 2. Análisis conceptual del texto: qué conceptos 4. En cuarto lugar, presentaríamos nuestras conclusiones, constam Pensar a Foucault (Biblos, intervienen, cómo se relacionan entre sí, cómo pasa el obtenidas, al menos en germen, en la etapa 6 de la Buenos Aires, 1995); Penser l’homme autor de unos conceptos a otros. Hay que descubrir de invención. et la science. Betrachtungen zum qué se habla, pero también la racionalidad del texto: cómo Thema Mensch und unas cosas se siguen de otras, porqué. Hay que anotar los Todas estas fases de la exposición pueden ser precedidas Wissenschaft (Friburgo, Presses conceptos, las dificultades que encontramos, lo que nos de una breve exposición de las razones que nos llevaron a Univesitaires, 1996); El vocabulario parece consecuente, lo que encontramos inconsecuente. elegir ese texto (el interés en relación con nuestra de Michel Foucault (Unqui, investigación doctoral, por ejemplo). Si valió la pena, es Prometeo, 2004), traduzido 3. Si existen, recurrir a los diccionarios especializados (del algo que pude decirse a manera de conclusión de todo el como Vocabulário de Foucault (BH, autor, de la disciplina), par ver qué dicen acerca de los desarrollo. Autêntica, 2004), com nova edição conceptos que intervienen en nuestro texto. (Buenos Aires, Siglo XXI, 2011), um En conclusión, el camino de la invención va de lo menor poderoso guia em forma de 4. Servirse de una buena introducción al autor (buena= (nuestro texto) a lo mayor (el contexto). El de la dicionário alfabético para conhecer breve + clara + precisa). La finalidad de esta lectura es, exposición, en cambio, va de lo mayor a lo menor. os caminhos e pensamentos do sobre todo, ubicar nuestro texto, sus temas y problemas, teórico e Lecturas foucaulteanas. Una en la producción del autor. historia conceptual de la biopolítica. (Ed. UNIPE, 2012). 5. Consultar obras más amplias (historias de la disciplina, enciclopedias, etc.) sobre el tema o los temas de nuestro texto. La idea es situarse en un contexto más amplio que las obras de nuestro autor. h ttp : //n u c leod ees tu d os ep es qu is as . b logs p ot.c om. b r/ 7 b lo gd on u cleo @g ma il.co m
  • 8. CONTEMPORÂNEA NÚ MERO 01 Uma quase Revista do Núcleo de Estudos e Pesquisas Educação e Sociedade Contemporânea JULHO 2012 1 ARTE E CRÍTICA DOS AMORES, DE ROMA: WOODY ALLEN Alexandre Fernandez Vaz Professor da UFSC Para Roma, com amor. Seria muito difícil O encontro nem sempre harmônico das duas encontrar um título mais sugestivo para o recente filme famílias é apenas uma das tramas que vão se sucedendo de Woody Allen, em cartaz em Santa Catarina. São as idas sem que haja, propriamente, um encontro entre elas. e vindas do amor, essa afecção da alma e do corpo, seu Como os episódios de Decamerão, de Giovanni enredo; e a cidade aberta, como a chamou Rosselini, está Boccaccio, obra em que Allen se inspira, o filme vai na tela, ensolarada, caótica, antiga e contemporânea. Não mostrando várias transições, nem tanto de uma época apenas como palco, mas como personagem a deixar-se para a outra (o fim do medievo e o início dos tempos amar. Os planos abertos bem construídos não deixam modernos, como foi para o grande escritor italiano), mas dúvida de que o verão é a melhor estação para os as da vida de cada um dos envolvidos nas paralelas visitantes em busca da fantasia do velho mundo e suas histórias. É assim com o jovem casal de norte-americanos ruelas, comidas, praças, monumentos, paixões que se que recebe a sedutora amiga, especialista em desfiar pretendem eternas. lugares-comuns e impressionar com sua atrevida beleza. O pitoresco está em toda parte, principalmente Ou com outro jovem casal, vindo do interior do país, ela para os turistas norte-americanos, costumeiramente em professora, ele um pequeno gerente em que se aposta Sobre o autor apuros ao enfrentarem as diferenças culturais e se como futuro executivo, desestabilizado pelo acaso e pelos depararem com qualquer idioma que não seja o próprio. temores dele, pelo acaso e pelo sonho dela, vivido em um Alexandre Fernandez Vaz é Doutor Estranhamento que o próprio Allen, longe de Nova York, set de filmagem. O sonho é também do espectador, pela Leibniz Universität Hannover. compartilha. O quinto filme em menos de uma década lançado a ele pela aparição de Ornella Muti, diva italiana Professor dos Programas de Pós- que o diretor realiza na Europa é uma nova comédia a muito bela a caminho dos sessenta anos, trazida por graduação em Educação e homenagear uma de suas grandes cidades, como foram Allen, atriz interpretando uma atriz, depois de cinco anos Interdisciplinar em Ciências Vicky Cristina Barcelona (2008) e Meia-noite em Paris sem aparecer em qualquer filme. Humanas da Universidade Federal (2011), assim como talvez Match Point (2005) e Scoop - O Não é diferente com o personagem vivido por de Santa Catarina (UFSC). Grande Furo (2006), ambientados em Londres. Roberto Benigni, cidadão de classe média, medíocre e Coordenador do Núcleo de Estudos A fórmula de Para Roma, com amor, é a tantas convencional, que se vê, de um momento a outro, e Pesquisas Educação e Sociedade vezes vista em filmes de Allen: personagens às voltas com transformado em celebridade. Sem entender o motivo de Contemporânea (UFSC/CNPq). seus desejos e os desatinos do acaso, as advertências da tão larga oferta de prazeres, mas não se furtando de Pesquisador CNPq. razão que felizmente não são levadas tão a sério, o irônico desfrutá-los, Leopoldo vive por alguns dias a fantasia desprezo com a pseudointelectualidade, o vocabulário infantil da ausência de regras e restrições, um mundo http://buscatextual.cnpq.br/buscat psicanalítico popularizado em conclusões toscas e inteiro à disposição de seus caprichos. Todo gozo e toda extual/visualizacv.do?id=B295957 absurdas, o marido neurótico e sua esposa analista. angústia daí advindos são representados com vigor pelo O próprio diretor forma, com Judy Davis, o casal ator italiano. Dois grandes atores e diretores, Allen e Contato: dominado pelas pequenas loucuras do marido. Eles Benigni fazem de Leopoldo um personagem sincrônico e alexfvaz@uol.com.br viajam à Roma para conhecer o noivo da filha, jovem e complexo, entre o drama e a comédia. simpático advogado envolvido em causas sociais, com Jovens sonhadores, a moça sedutora, a voz da quem o futuro sogro passa a maior parte do tempo em razão, o tipo médionorte-americano centrado em sua conflagração de ideias. O pai do moço, agente funerário cultura e nada mais, sem entender o que passa ao seu dado a cantar óperas no chuveiro, torna-se uma obsessão redor. São muitos os clichês e o diretor está, obviamente, para o norte-americano que, como ex-maestro e ex-diretor ciente de todos ao abusar de cada um. É por isso que os artístico de uma gravadora, pretende torná-lo, para subverte com ironia, caçoando deles e um pouco de si horror inicial do filho e apreensão da mulher dona de mesmo, estranho no paraíso. Woody Allen domina, como casa, uma estrela. poucos, a linguagem do cinema. "Ele tem o cinema nas mãos" Versão integral do texo publicado no DC Cultura (30.06.2012, n. 484, p. 3). h ttp : //n u c leod ees tu d os ep es qu is as . b logs p ot.c om. b r/ 8 b lo gd on u cleo @g ma il.co m
  • 9. CONTEMPORÂNEA NÚ MERO Uma quase Revista do Núcleo de Estudos e Pesquisas Educação e Sociedade Contemporânea 01 JULHO 2012 1 ARTE E CRÍTICA EM NOME DO PAI: TETRO, DE COPPOLA Alexandre Fernandez Vaz Professor da UFSC O cinema, assim como a literatura, está repleto de A força da imagem paterna é hoje ainda, no tramas em que a figura do pai é determinante na entanto, enorme. Não é casual que cada governante com narrativa, mesmo que muitas vezes pareça ausente mas um (ou os dois) pés no populismo se anuncie como “pai permaneça, de forma latente, como objeto demandado. É do povo”, nem que a derrocada do pai em tempos de caso de Tetro (2009), filme de Francis Ford Coppola. O crise seja responsabilizada pelo apego a personagens em fato de logo se comemorar o dia dos pais oferece um que projetamos fantasias de força e proteção, a quem pretexto para se voltar a fazer um comentário sobre ele *. entregamos nosso futuro, mesmo ao custo de nossa A trama começa com a chegada de um jovem autonomia e liberdade. É o caso das ditaduras e também marinheiro inglês a Buenos Aires, onde encontrará o de suas versões ainda mais extremadas, as experiências irmão por parte de pai, que já não vê há uma década. totalitárias, que parecem, para muitos, responder a um Este, Tetro, é um dramaturgo frustrado, em peremptória e clamor por segurança que reforça a infantilização e obstinada e permanente recusa: em recordar, em concluir decepa a participação na vida pública. um texto, em falar espanhol. Saído de uma clínica Mas não é Deus, nem política, que Tetro busca psiquiátrica, mostra-se temeroso e reticente em relação ao nessa belíssima película que é também sobre uma cidade- encontro com o indesejado visitante, visto como um refúgio, vista nostalgicamente, quase sempre de um ameaçador retorno do passado, a trazer velhas cartas e ponto de vista do apartamento antigo de primeiro piso e perguntas embaraçosas. Tetro é casado com uma médica das ruas próximas do bairro, escuras, mesmo durante o que o atendera quando da internação, esta é a mediadora dia. A fotografia reduzida ao preto e branco (as imagens Sobre o autor dos conflitos gerados pela incômoda presença do irmão – foram captadas em cor), a câmera constantemente fixa e que se revelará depois mais que isso – e com todo o seus planos fechados, levam a uma intimidade levemente Alexandre Fernandez Vaz é Doutor entorno que, mesmo tornado familiar com os anos, segue triste que faz encontrar os personagens, o que o tom algo pela Leibniz Universität Hannover. sendo-lhe comodamente distante. A bela homenagem de bizarro de algumas sequências apenas potencializa. Os Professor dos Programas de Pós- Coppola à cidade de Buenos Aires, em especial ao bairro diálogos entrecortados entre os irmãos vão sendo graduação em Educação e La Boca, apresenta-se em constante tensão com o espírito povoados pela recordação, aos trancos, das angústias de Interdisciplinar em Ciências do inglês que encontra na cidade um paradoxal refúgio. uma família que não pôde segurar a si mesma ao Humanas da Universidade Federal Inadaptado, parece encontrar a distância segura para marcada, em especial na memória de Tetro, por um de Santa Catarina (UFSC). seguir vivendo sua interminável loucura. violento trauma. Coordenador do Núcleo de Estudos Enclausurado em seu quarto e em seu passado, É tremendo o esforço por parte de Tetro e do e Pesquisas Educação e Sociedade com eventuais deslocamentos para a sala e a varanda, ou irmão, mesmo que nem sempre reconhecido, de Contemporânea (UFSC/CNPq). encontrando seus amigos derrotados nos arredores do conciliação, em tentar encontrar um fio que ainda pudesse Pesquisador CNPq. velho apartamento, Tetro passa os recusando – já no oferecer expectativa a uma vida dilacerada pela próprio nome, feito de um fragmento do sobrenome e irresponsabilidade paterna. Logo no início do filme lê-se http://buscatextual.cnpq.br/buscat referência à Tragédia – a figura do pai, maestro de em um muro escuro da noite bonairense: “No sueltes la extual/visualizacv.do?id=B295957 renome internacional, ególatra empedernido, àquelas soga que me ata a tu alma”. Não é fácil dar-se conta de alturas à beira da morte. É a tremenda presença paterna, que a felicidade, ou pelo menos a esperança de que ela Contato: quase sempre em perturbadora lembrança, já que distante seja possível, vai se dar apenas com a morte simbólica do alexfvaz@uol.com.br no tempo e no espaço, que dá tom à narrativa. Cinema pai. sobre a família, como já fora O selvagem da motocicleta e a Se a evocação do passado aparece de forma trilogia O poderoso chefão, também de Coppola, Tetro metanarrativa no texto que não pôde ser escrito até o fim, oferece uma súmula dessa questão tão ardente que é o o que será feito por aquele que o espectador supõe ser o conflito com a paternidade. irmão de Tetro, é apenas ao vê-lo concluído que a Não é para menos. Costumamos ouvir que “Deus” é nada Tragédia encontrará seu momento catártico, tanto no menos que “pai”. Daí a pensar que ser pai é operar como festival distante de Buenos Aires, na longínqua Patagônia, Deus, não falta muito, e é ele, então, que aparece como quanto no enterro do pai. Em movimento elíptico, emerge figura imaginária ou real a refazer constantemente as a revelada traição paterna, esta mesma que mantém Tetro balizas do poder e da censura civilizadora, contra as preso ao passado e à eternidade da infância. A violenta quais, aliás, há que se rebelar em algum momento. inversão da cena edípica é insuportável para ele, como Patriarcado que já não parece inquebrantável em nossa seria para qualquer filho. Talvez seja demais pedi-lo, mas contemporaneidade, colocado sob risco em novas eis aí tudo o que um pai não pode fazer: permitir que um configurações familiares, talvez menos ortodoxas, mais filho se sinta abandonado por ele. plurais e, quem sabe, menos pesadas. Há que se ver, com atenção, para onde se deslocam os dispositivos de *Uma versão deste texto foi publicada no Caderno Ideias, do interdição que seguem regendo a cultura em nossa Jornal A Notícia, de Joinville, em 14 de agosto de 2011. tradição. h ttp : //n u c leod ees tu d os ep es q u is as . b logs p ot.c om. b r/ 9 b lo gd on u cleo @g ma il.co m
  • 10. CONTEMPORÂNEA NÚ MERO 01 Uma quase Revista do Núcleo de Estudos e Pesquisas Educação e Sociedade Contemporânea JULHO 2012 1 POLÍTICA E SOCIEDADE MULHER, ESPORTISTA E PALESTINA: UMA QUESTÃO DE ESTADO! Wagner Xavier de Camargo Doutor em Ciências Humanas pela Universidade Federal de Santa Catarina Pode ser que quem assistiu a entrada do mundo se redimia da perseguição aos judeus pelo aglomerado palestino na abertura das Olimpíadas de Holocausto, conferindo-lhes um porto seguro junto à terra Londres, há poucos dias, não tenha notado o número de de seus descendentes, de outro, instaurava um estado mulheres compondo a delegação. Numa delegação de permanente de guerra, que se estende por anos. O aproximadamente 60 pessoas, elas são apenas duas, uma momento mais crucial desta história foi a Guerra dos Seis no atletismo e outra na natação. Woroud Swalha chama Dias, em 1967, quando uma ofensiva militar vitoriosa atenção não apenas por ser a única corredora do time de (apoiada pelos norte-americanos), Israel ocupou porções atletismo e por se manter fiel ao uso do véu islâmico, vitais e estratégicas na região, garantindo sua subsistência. como por querer ser exemplo de superação para suas As reações foram adversas, como os boicotes militares e conterrâneas. Se a Palestina participa desde Atlanta-1996 conflitos armados, a criação de exército de resistência da dos Jogos, a primeira mulher veio a juntar-se ao grupo terrorista Organização para Libertação da Palestina (OLP), Sobre o autor apenas em Sydney-2000. que nos idos dos anos 1990 transforma-se em Autoridade Swalha compete em Londres nos 800 metros Nacional Palestina (ANP) e passa a administrar os parcos Wagner Xavier de Camargo é rasos. Acostumada a treinar no sobe-e-desce das colinas territórios de maioria árabe-muçulmana, notadamente, cientista social com mestrado em da Cisjordânia, nos arredores de sua cidade natal, Asira Cisjordânia e Faixa de Gaza. Educação Física. Doutor em Ciências ash-Shamaliya, ela conheceu uma pista oficial de A história é complexa e não sairemos daqui Humanas pela Universidade Federal atletismo apenas quando participou, em março de 2012, plenamente versados na questão israelo-palestina (ou de Santa Catarina (UFSC), foi do Mundial Indoor de Istambul, na Turquia. Esperar uma árabe-judaica). No entanto, algo é sintomático e merece bolsista da Deutscher Akademischer medalha de Swalha em Londres pode ser algo demasiado, ser sublinhado: se a ONU não reconhece a existência da Austausch-Dienst (DAAD) em tendo em vista que sua participação só foi possível Palestina enquanto país, participar das Olimpíadas sob estágio internacional na Freie mediante convite do COI (Comitê Olímpico esta bandeira (e a convite do COI) como Swalha o faz, Universität Berlin (FU Berlin), Internacional). Mas, não é impossível a conquista, visto pode trazer um estado de ambivalência política, por assim Alemanha. Insere-se no campo dos que os resultados de uma prova são sempre a conjunção dizer — quero sublimar que tudo isso pode ser, estudos antropológicos das práticas de vários fatores. Entretanto, sua figura é enigmática igualmente, um engodo “oficial” e “politicamente esportivas e dedica-se, com especial porque traz à tona três símbolos, que aqui merecem ser correto”, neste mundo de fachada políticas. De qualquer destaque, à investigação das comentados. forma, a participação da corredora palestina é uma relações de gênero entre O primeiro deles é a condição feminina. Num “questão de Estado” porque evoca a própria condição de masculinidades nos esportes de lugar em que guerrear é “coisa para machos” (e, portanto, existência enquanto atleta, representante de um território competição. para eles seria também a arte do esporte), e o “ser soberano desprovido de fronteiras legítimas, mas também mulher” é quase sinônimo de vergonha, Swalha lança-se é uma “questão do Estado” o direito de reivindicação de http://buscatextual.cnpq.br/buscat como atleta corredora, mesmo tendo desvantagem em equidade de participação de mulheres (não apenas extual/visualizacv.do?id=B195056 relação à indumentária que utiliza, o véu muçulmano. palestinas) no esporte de competição, nos mesmos moldes Esse é o segundo símbolo a ser considerado, o véu — e em que ocorre, há anos, para os homens. O direito à Contato: tomemos, agora, a questão religiosa apenas participação e à igualdade de chances no esporte deve ser wxcamargo@gmail.com superficialmente! Correr vestida como uma mulher garantido a todos os sujeitos (masculinos, femininos, comum do Islamismo (e assim respeitando a regra básica transgêneros/as) por Estados Democráticos de fato. da crença à que pertence) traz uma afronta sem O mundo não deve esperar que Swalha ganhe precedentes a tudo e a todos, qual seja, a do respeito à uma medalha de ouro para a Palestina nas Olimpíadas de diferença (proporcionada pela presença do véu). Londres-2012, mas se o fizer, tanto melhor; tampouco Basicamente o que Woroud quer dizer é: “respeitem o deve se almejar que ela quebre recordes ou faça algo meu direito de estar como quero estar” (ou de ser como inusitado no auge de seus vinte anos. Se tudo correr quero ser, em outra leitura). Acresça-se a isso a questão dentro do script programado, a simples participação desta do Estado, o terceiro pilar que a torna legitimamente garota muçulmana, com seu véu ao vento e sua condição representativa de toda uma ordem simbólica. E, neste identitária palestina, pode irromper reflexos ponto, permito-me um exercício de memória geopolítica, verdadeiramente revolucionários nos espaços masculinos, daquela que provém de meus profícuos anos colegiais. forçadamente “homogêneos”, brancos e ocidentalizantes. Swalha treina em um território que não possui Simples assim! Por tudo isso já pode disferir “três vivas” fronteiras definidas e reconhecidas. Palestinos compõem para Woroud Swalha: esportista, palestina e mulher! uma “nação sem Estado”, na definição geopolítica mais clássica. A briga vem de 1948, quando a criação do Estado de Israel pela Organização das Nações Unidas (ONU) provocou a ira dos palestinos da região. De um lado o 10 h ttp : //n u c leod ees tu d os ep es qu is as . b logs p ot.c om. b r/ b lo gd on u cleo @g ma il.co m