O documento discute a transferência do Teatro da OSPA para um novo local. O autor argumenta que o projeto parece ter sido iniciado sem planejamento adequado e que deveria ter havido um concurso público de arquitetura para garantir que o novo teatro seja integrado à cidade de forma elegante e eficiente. Ele deseja que a OSPA tenha um lar digno e respeitoso.
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IranRosa artigo OSPA-revista-aplauso-2003
1. » BISTURIS, BATUTAS E URBANIDADE | Iran Rosa (1) | 2003
O Teatro da OSPA será transferido de local(2). Recebemos esta notícia como uma
sucessão ruidosa de movimentos descompassados e arrítmicos. Um novo projeto brota
assim, do nada, com a forma de uma caixa de sapatos, de acordo com as mais
modernas tecnologias(!), junto ao conjunto de prédios tombados da Antiga Cervejaria
Brahma (ex-Irmãos Bopp), inserido em um contexto urbano já complicado e
trombótico, prestes a se romper.
De profundo conteúdo e atual, urbanidade refere-se não somente às questões urbanas
em si, mas às relações humanas, conforme consta nos dicionários: delicadeza;
civilidade; cortesia; afabilidade. Comparar o trabalho de um urbanista com o de um
médico cirurgião é bem plausível. De um lado a lapiseira, do outro o bisturi. Aqui o
paciente chamado cidade, ali um indivíduo. Devemos supor que um bisturi será usado
com delicadeza, afinal o corpo humano é sensível; com civilidade e cortesia, já que
não desejamos ser trucidados numa mesa cirúrgica; e, estando como pacientes nesta
situação, que nos tratem com afabilidade, afinal, somos humanos. O urbanista, ao
traçar por sobre a cidade, o faz com o mesmo sentimento e habilidade.
A partir do corte realizado por um cirurgião, sua equipe move-se em diversas tarefas
que têm um objetivo comum: salvar aquela vida. Diante do maestro, os músicos
executam, compasso a compasso, toda a sua habilidade e conhecimento,
acompanhando o movimento da batuta também com um objetivo comum: executar a
peça musical com a precisão, fidelidade e beleza esperadas. Não imaginaríamos
diferente. Nem sequer cogitamos que uma cirurgia possa ser realizada tendo na equipe
violinistas, flautistas e pianistas. Tampouco que uma orquestra será composta por
enfermeiras, anestesistas e cirurgiões. Também não acreditaríamos que uma operação
cirúrgica iniciasse pelo corte sem antes o paciente ter sido preparado, anestesiado,
enfim; sabemos que para atingir ótimos resultados em tudo o que fazemos é
necessário o conhecimento das etapas a serem cumpridas e sua ordenação.
Para desfrutarmos dos mágicos momentos proporcionados pela execução de uma peça
musical são necessários, além de anos de estudo e treinamento, horas e horas de
ensaio pelos integrantes da complexa equipe que faz uma orquestra sinfônica.
Pergunto-me por que, ao ser tratado de um espaço em que se preza a organização - a
orquestração de diversos agentes dos diversos setores da sociedade -, o ensaio não
aconteceu! Notadamente faltaram os arranjos, a batuta foi substituída por um bisturi,
os ensaios não existiram, a cortina se abriu por encanto, a estréia já aconteceu, mas
havia ninguém em cena. A partitura está inacabada, talvez mal começada.
Sim. Desejo, como muitos, que Porto Alegre tenha um adequado espaço para sediar
sua Orquestra Sinfônica, a nossa OSPA! Tão famosa, tão querida, tão protagonista de
históricos momentos, tão realizadora de memoriais encantos que hão de existir e
perdurar na memória e corações de tantos amantes das artes. Principalmente neste
caso, da execução ao vivo de peças musicais - sonatas, concertos, sinfonias, balés e
óperas sublimes - produto inigualável da criação humana. E também desejo que sua
sede seja a mais elegante e eficiente do mundo! Que esteja corretamente inserida no
contexto urbano e ambiental da cidade e, mais ainda, que esteja efetivamente
identificada com a cultura. Desejo que o novo Teatro da OSPA tenha o respaldo da
2. Lei, do Estado, dos cidadãos e da comunidade das artes e da arquitetura e, para isso,
desejo que a nova sede da OSPA nasça através de um Concurso Público Nacional de
Arquitetura, atendendo a legislação federal vigente e legitimando-se junto à
sociedade. Tenho a clara convicção de que todos os esforços empreendidos pela
presidência deste órgão do Estado serão devidamente recompensados pela afabilidade,
civilidade e delicadeza com que o bisturi será deixado de lado, proporcionando aos
arquitetos que ergam suas lapiseiras antes de tudo, a fim de que a população deste
Estado tenha a oportunidade de, num futuro próximo, assistir o maestro alçar sua
batuta dando início ao primeiro movimento com dignidade, respeito e ética.
(1) Artigo Publicado na Revista APLAUSO nº 52, de dezembro de 2003, pág. 35. A Versão
Integral pode ser obtida em: www.iab-rs.org.br/artigo/?art=331
(2) Revista APLAUSO, ano 6, Nº 51, 2003, pág.20: "O novo teatro da Ospa"; e Jornal Zero
Hora (20/nov/2003), Segundo Caderno, Contracapa: "Casa Nova".
Iran Rosa
iranrosa@gmail.com
artista gráfico, arquiteto e urbanista
Vice-Presidente IAB-RS
Instituto de Arquitetos do Brasil
Departamento do Rio Grande do Sul
Conselheiro de Estado da Cultura - CEC-RS 2002/2003.