O documento descreve um tiroteio entre policiais federais e policiais civis que resultou na morte de um policial federal. Um agente da polícia civil, Fabiano Ponciano da Silva, atirou e matou o policial federal Jorge Washington Cavalcanti de Albuquerque. Há indícios de que Fabiano agiu com culpa ao supor, erroneamente, que Jorge era um traficante de drogas. O Ministério Público Federal analisa se o erro de Fabiano decorreu de culpa, tornando o crime punível.
Conflito entre policiais federais e civis deixa um morto em Pernambuco
1. Procuradoria
PF
MinistérioPúblicoFederal
da República
I em Pernambuco
SENHOR DELEGADO DE POLíCIA FEDERAL PRESIDENTE DO INQUÉRITO,
PROC. N° 0002665-56.2011.4.05.8
Ref. IPL nO0013/2011
DEVOLUÇÃO PARA NOVAS DILIGÊNCIAS N° õC11 S /2012
o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, pelo procurador da República infrafirmado, no
exercício de suas atribuições constitucionais e legais, vem se manifestar nos seguintes termos:
No dia .05/.01/2.011, por volta de 1.oh.o.omin manhã, à frente da Fábrica de Tintas
da
Coral, à margem da BR 232/Curado/Recife, FABIANO PONCIANO DA SILVA, com vontade livre
e consciente (animus necandi), disparou um tiro de arma de fogo contra o peito do policial federal
JORGE WASHINGTON CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE, causando-lhe a morte em
decorrênciada lesãoprovocada, al comodescritono laudo Tanatoscópico .o1.o3í11-INC.
t nO
Há nos autos fortes indícios de que, momentos após esse primeiro fato, FABIANO
PONCIANO DA SILVA e LEANDRO BARBOSA DE SOUZA, agindo com unidade de desígnios e
mediante divisão de tarefas, subtraíram do local a arma de fogo da vítima, devolvendo-a horas
depois ao Departamento de Polícia Federal com um tiro deflagrado, a fim de simular uma
agressão perpetrada por JORGE WASHINGTON 'CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE que
respaldasse a tese da legítima defesa apresentada pelo PRIMEIRO.
A origem do trágico episódio se deu quando policiais federais lotados na Delegacia de
Repressão a Entorpecentes da SR/DPF/PE, cumprindo ordem de missão policial no Terminal
Integrado de Passageiros do Recife - TIP, prenderam WAGNER AlVES DO NASCIMENTO, que
trazia de Fortaleza/CE diversos tabletes de cocaína em forma de pasta base.
Nesse momento, o preso informou que recebera orientação de um desconhecido, por
telefone, para que apanhasse um táxi e fosse até a frente da Fábrica de Tintas Coral, à margem
da BR 232/Curado - Recife, a fim de entregar a droga transportada.
Os policiais JORGE WASHINGTON GAVAlCANTI D5 AlBUQUERQUE e SilVIO
ROMERO MOURY FERNANDES DOS SANTOS, então, permitiram que WAGNER AlVES DO
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Procuradoria
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NASCIMENTO fizesse contato com o taxista JOÃO FRANCISCO DE FARIAS que, informado
pelos policiais sobre os fatos, prontificou-se a dirigir seu veículo (FiatlPálio, WK, Attrac, 1.4 Táxi,
placa KGB 6729, ano 2010, cor branca, chassis 9BD17307MB4335511) ao local marcado para a
entrega da droga, a fim de possibilitar o flagrante do receptador.
Assim, os particulares JOÃO FRANCISCO DE FARIAS e WAGNER AlVES DO
NASCIMENTO e os policiais federais SilVIO MOURY e JORGE WASHINGTON partiram no
veículo FiatlPálio - Táxi (placa KGB 6729) para o local combinado para a entrega do
entorpecente. SilVIO MOURY e JORGE WASHINGTON foram no banco de trás do veículo,
respectivamente no lado direito e esquerdo, enquanto WAGNER AlVES DO NASCIMENTO ia no
banco de carona.
O que os policiais federais não sabiam, naquele momento, era que o traficante
WAGNER AlVES DO NASCIMENTO já vinha sendo alvo de investigação' conduzida pelo
Departamento de Investigação sobre Narcóticos da Polícia Civil do Estado de Pernambuco -
DENARC, cujos policiais também estavam se deslocando, naquele mesmo instante, para o ponto
de entrega da droga (BR 232/Curado/Recife ) em cumprimento à Ordem de Missão Policial nO
001/2011 - DENARC.
Chegando ao local da entrega do entorpecente, o veículo FiatlPálio - Táxi (placa KGB
6729) foi estacionado e os policiais federais SilVIO MOURY e JORGE WASHINGTON, abaixados
no banco de trás; passaram a aguardar o aparecimento do receptador da droga.
Em dado momento, um veículo, marca gol, modelo G5, placa KVI 8401, quatro portas,
foi estacionado logo a frente do táxi onde se encontravam os policiais federais e voltou alguns
metros de marcha a ré.
Em seguida, ROBERTO CARLOS DE OLIVEIRA, policial civil, saiu do veículo gol e
passou caminhando pela lateral direita do táxi, onde estava sentado o policial SilVIO ROMERO
MOURY,e se posicionou alguns metros atrás do veículo.
Após isso, veio do gol em direção ao táxi um outro homem, o agente de polícia civil
FABIANO PONCIANO DA SILVA, o qual foi visto pelos policiais federais.
Os agentes de Polícia Federal suspeitaram que ROBERTO CARLOS DE OLIVEIRA e
FABIANO PONCIANO DA SILVA seriam os receptadores da droga. Os policiais federais não
tinham visto um terceiro policial civil, LEANDRO BARBOSA DE SOUZA, que estava posicionado
a vários metros de distância atrás do táxi, em uma parada de ônibus situatta à frente da Fá~rica
de Tintas Coral na via local da BR 232.
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Pernambuco
Diante da suspeita e após curta conversa, os policiaisfederais SilVIO MOURY e
JORGEWASHINGTON resolveramque era a hora de iniciara abordagem daqueles dois homens
(ROBERTO e FABIANO).
Entretanto, no momento em que o Policial Federal JORGE WASHINGTONabriu a
porta e tentou sair do veículo para iniciar a abordagem, deu-se início a um tiroteio no local e o
agente de Polícia CivilFABIANOPONCIANC;>
DASilVA, que estava posicionado à frente do táxi,
alvejou mortalmente o policial JORGE WASHINGTON na altura do peito, o qual caiu na porta
traseira esquerda do veículo FiatlPálio - Táxi (placa KGB 6729).
A dinâmica desses acontecimentos foi reconstituída por meio de Scanner laser 3D
modelo Z+F Imaaer 5006i, a fim de se obter um croqui em três dimensões (Croqui 3D) do local e
encontra-se reproduzida nas seguintes imaaens:
Nesse sentido, o laudo Tanatoscópico nO0103/11 -INC informa que a causa morte do
Policial Federal JORGE WASHINGTON foi exatamente o choque decorrente de ferimento
enetrante no tronco. oor meio de instrumento oerfuro contundente. mais esoecificamente
um oroiétil de arma de foao (fls. 133/136).
A autoria do disparo é certa. O laudo de Perícia Criminal Federal (balística
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caracterização física de materiais) nO 176/2011 - INC/DITEC/DPF (tis. 384/388) informa que: "(...)
O oroiétil oericiado. retirado do coroo aue em vida oertencia a Jorae Washinaton
Cavalcanti de Albu uei" ue conforme o oficio C.I. n° 0013/2011-IMLAPC - ADM de
05/01/2011.foi exoelido Delo cano da oistola Taurus calibre .40 de n° de série SBY36007.
(. ..)".
Segundo a C.I DENARC/PCPE nO009/2011 - S.A, de 07 dejaneirode 2011,a Distola
Taurus .40 de n° de série SBY36007, estava na posse de agente de Polícia Civil FABIANO
PONCIANO DA SilVA (tis. 105/106) durante a operação referida na Ordem de Missão Policial nO
001/2011 - DENARC (fls. 218).
Ao mesmo tempo, o agente de Polícia Federal SilVIO ROMERO MOURY, já alvejado
por uma bala que veio de trás do veículo, conseguiu sair do táxi e trocou tiros contra os policiais
civis FABIANO PONCIANO DA SilVA (POSICIONADO À FRENTE DO TÁXI), ROBERTO
CARlOS DE OLIVEIRA e lEANDRO BARBOSA DE SOUZA (POSICIONADOS ATRÁS DO TÁXI).
Após um longo tiroteio, membros das duas equipes contendentes, especificamente o
APF José Jacobs leitão e o Policial Civil Leandro Barbosa de Souza, conseguiram se identificar
como agentes policiais e avisar tal condição aos demais, o que veio a fazer cessar o combate.
Neste momento, foi possível socorrer o policial federal SilVIO ROMERO MOURY que
foi levado ao Hospital. No entanto, o Agente Federal JORGE WASHINGTON estava ferido
mortalmente.
Em síntese, não há dúvida que FABIANO PONCIANO DA SilVA, com vontade livre e
consciente e animus necandi, desfechou um tiro de arma de fogo contra o peito do policial federal
JORGE WASHINGTON, causando-lhe a morte em decorrência da lesão pravocada.
É muito provável que o policial FABIANO PONCIANO DA SilVA, no momento do
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disparo, tenha visto a arma da vítima JORGE WASHINGTON CAVALCANTI DE
ALBUQUERQUE. Embora a arma.não estivesse apontada em seu sentido (o que se percebe pelo
ferimento a bala no pulso da vítima), também é óbvio que FABIANO PONCIANO DA SILVA não
precisaria esperar por isso para reagir legitimamente.
Assim, forçoso reconhecer que, no momento do disparo, FABIANO PONCIANO DA
SILVA supôs uma situação de fato que, se existisse, tornaria a sua ação legítima.
Houve erro sobre a situacão justificadora. uma vez que JORGE WASHINGTON
não era o traficante que iria receptar a droga, mas um outro policial.
A grande dúvida, ainda não dirimida, é se a suposição de FABIANO PONCIANO DA
SILVA decorreu de um erro que derivou de culpa.
A culpa consiste na infracão do dever de cuidado ou na criacão de um risco
proibido relevante penalmente. Para tanto é preciso demonstrar a existência de imprudência
(deixar de fazer alguma coisa exigida como dever de cuidado) , ne91iaência (fazer alguma
coisa que não deveria segundo o dever de cuidado) ou imperícia (não possuir o
conhecimento necessário para se fazer o que fez). Além disso, é necessário verjficar a
exigibilidade de um comportamento diferente do praticad01. Por fim, é preciso demonstrar a
previsibilidade objetiva (possibilidade de se prever o resultado).
Para tudo isso, faz-se necessário ter uma visão do quadro geral dos acontecimentos
desde a prisão do Traficante WAGNER ALVES DO NASCIMENTO no Terminal Integrado de
Passageiros do Recife - TIP.
Isso pode determinar a aplicação de uma ou outra hipótese do § 1°, do art. 20 do
CPB:
.
"é isento de pena quem, por erro plenamente justificado pelas circunstâncias, supõe
situação de fato que, se existisse, tornaria a ação legítima. Não há isenção de pena
quando o erro deriva de culpa e o fato é punível como crime culposo" (ênfase
acrescida).
Alguns pontos podem esclarecer essa dúvida:
(1) FABIANO PONCIANO DA SILVA se identificou como policial, possibilitando à
vítima a ciência da real situação que enfrentava?
1Art. 18 - Diz-se o crime:
(...) Crime culposo
11 - culposo, quando o agente deu causa ao resultado por imprudência, negligência ou imperícia.
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caso negativo, teria havido tempo suficiente para que o FABIANO
PONCIANO DA SILVA tivesse se identificado como policial?
(2) Ocorreu descumprimento, por parte de FABIANO PONCIANO DA SilVA,
ROBERTO CARlOS DE OLIVEIRA e lEANDRO BARBOSA DE SOUZA, de normas
procedimentais no planejamento elou execução da ação policial da qual participaram?
Isso redundou em um uso não progressivo da força?
Caso verificada a culpa (infracão do dever de cuidado ou na criacão de um risco
Droibido relevante) de FABIANO PONCIANO DA SilVA, ROBERTO CARlOS DE OLIVEIRA e
lEANDRO BARBOSA DE SOUZA, estes poderão, na forma do § 1°, do art. 20 do CPB, responder
por homicídio culposo, na forma do art. 121, § 3° , do CPB.
Outro fato relevante e cuja dinâmica precisa ser melhor esclarecida $ o da sUDosta
tentativa de homicídio pratrcada por LEANDRO BARBOSA DE SOUZA, no começo da troca de
tiros, ao disparar sua arma de fogo contra o motociclista JEAN SOARES E SILVA.
Toda a prova desse fato é pericial, uma vez que nem a própria vítima o percebeu,
certamente por estar em fuga da cena do conflito quando o tiro em sua direção foi deflagrado.
Em face de todo o exposto e com base no art. 16 do CPP2, devolve os autos
investigatórios à Polícia Federal para que:
(1) - Seja realizada a reDroducão simulada dos fatos na forma do art. 7° do
CPP3; (é de fundamental importância que se oportunize a participação de todos os
envolvidos);
(2) Sejam obtidos todos os normativos e orientacões no âmbito SDS elou da
Polí,çia Civil do Estado de Pernambuco que disciDlinem o uso Drogressivo da
forca, cautelas exiaidas a fim de se evitar a letalidade dos próprios policiais ou de
.
terceiros decorrentes de atuações de policiais civis no Estado de Pernambuco,
execucão de oDeracões e Drisões pelo Departamento de Investigação sobre
Narcóticos da Polícia Civil do Estado de Pernambuco - DENARC.
(2.1) Caso não existam tais normativos, é fundamental que se ouça o
Correaedor Geral da Polícia Civil do Estado de Pernambuco e a
2Art. 16. O Ministério Público não poderá requerer a devolução do inquérito à autoridade policial, senão
para novas diligências, imprescindíveis ao oferecimento da denúncia.
3Art.72 Para verificar a possibilidade de haver a infração sido praticada de deteFmmadomodo, a autoridade
policial poderá proceder à reprodução simulada dos fatos, desde que esta não contrarie a moralidade ôu a
ordem pública.
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7. Procura'daria
PF
Ministério Público Federal
I
da República
em Pernambuco
Chefia do DENARC para que se apure eventual descumprimento de
diretrizes internas da Polícia Civil e/ou do DENARC na ação policial
que resultou na morte do policial federal JORGE WASHINGTON
CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE;
(2.2) Verificar se os policiais civis FABIANO PONCIANO DA SILVA,
ROBERTO CARLOS DE OLIVEIRA e LEANDRO BARBOSA DE
SOUZA tiveram treinamento sobre tais orientações.
(3) Solicito que, quando da reprodução simulada dos fatos, seja dada ciência ao
MPF para a participação na diligência.
Recife/PE, 09 de maio de 2012
A- L Jv li
ANDERSON VAGNER GOlS DOS SANTOS
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PROCURADORDAREPÚBUCA
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