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Suzana Ferreira: In Memoriam
13 Maio 2015, 17:31 por PauloPadrão
Soube tardiamente da partida da Suzana. Sabia que estava doente mas não me apercebi
do desfecho súbito da vida dela. Não fui amigo da Suzana.
Soube tardiamente da partida da Suzana. Sabia que estava doente mas não me apercebi
do desfecho súbito da vida dela. Não fui amigo da Suzana. Nem sequer posso dizer que
a conhecia bem. Talvez por isso deva pedir desculpa aos que lhe eram mais próximos
pela pretensão de lhe querer prestar uma modesta homenagem nestas tão curtas
palavras.
As primeiras recordações que tenho de ouvir falar da Suzana remontam aos tempos da
Valor. Depois disso fui acompanhando a carreira dela da mesma forma que tantos
outros da nossa geração, com uma curiosidade vaga e desprendida. Foi quando nos
tornamos concorrentes que fiquei a conhecer melhor a Suzana. Numa dimensão
exclusivamente profissional. Tenho a certeza que a sua vida foi muito mais ampla mas
foi através do trabalho que a conheci e foi pelo trabalho que a admirei.
A Suzana transformou a comunicação da CGD. Para nós que estávamos no sector
privado, era muito mais fácil. Libertos dos constrangimentos culturais que marcam um
banco público, tradicionalmente mais lento a mudar e a adoptar estratégias mais
avançadas. Sobretudo nas áreas da comunicação e da imagem. A Suzana, imagino que
num combate interno com desfecho que não era nada óbvio, conseguiu transformar a
CGD ao nível da sua comunicação institucional, posicionando-a sem vergonha entre os
seus pares da banca comercial privada. Marcou o ritmo do que melhor e mais coerente
se fazia em áreas como a literacia financeira e a política ambiental. Inusitado e difícil
para uma empresa que não era cotada. Para um banco que tinha muito poucos estímulos
a ser líder em áreas aparentemente não produtivas. Mas a verdade é que a CGD impôs-
se. Tornou-se uma referência de comunicação e imagem. A sua publicidade passou a
marcar e a afirmar-se com códigos próprios e com identidade reconhecível. E isso deve-
se ao mérito e competência de uma mulher discreta mas determinada que tem lugar num
panteão imaginário do marketing e comunicação.
Um dia jantamos. Em Genebra, na sequência de um evento sobre sustentabilidade no
sector financeiro. Um jantar longo e em que confirmei a maturidade das suas ideias e do
seu pensamento comunicacional. Da consistência com que emprestava o seu sentido
feminino e empenhado na concretização de objetivos difíceis. Falamos sobre as
dificuldades comuns em fazer valer políticas de sustentabilidade em organizações que
estavam essencialmente formatadas para outro tipo de métricas, outras fórmulas de
medir performance.
Depois acompanhei à distância a sua saída da CGD e o seu regresso. Percebi que as
coisas não lhe tinham corrido bem. Fechado no meu quotidiano egoísta de um momento
profissional agitado, para não dizer atormentado, pouco ou nada soube pela própria
Suzana.
Voltei a falar com ela no ano passado a propósito da BESIDE - Bright Side of Life.
Explicou-me por palavras simples e directas que valia a pena não deixar que a vida não
nos mudasse. Na altura senti-me inspirado pela motivação dela para fazer diferente
numa altura em que o reconhecimento que lhe era devido andava arredado. Lembro-me
de ter sentido inveja dessa capacidade de alcançar os outros depois de se ter sido
coartada na amplitude da sua competência. De redirecionar energia e vontade. Sem
desperdício.
Quando soube que tinha partido, senti saudade de uma Suzana que não cheguei a
conhecer. Os elogios póstumos são previsíveis e naturais. Não é disso que este texto
trata. É uma simples e sentida vénia a uma profissional que soube ser maior que as
funções que lhe cabiam.

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Homenagem a Suzana Ferreira, comunicadora exemplar

  • 1. Suzana Ferreira: In Memoriam 13 Maio 2015, 17:31 por PauloPadrão Soube tardiamente da partida da Suzana. Sabia que estava doente mas não me apercebi do desfecho súbito da vida dela. Não fui amigo da Suzana. Soube tardiamente da partida da Suzana. Sabia que estava doente mas não me apercebi do desfecho súbito da vida dela. Não fui amigo da Suzana. Nem sequer posso dizer que a conhecia bem. Talvez por isso deva pedir desculpa aos que lhe eram mais próximos pela pretensão de lhe querer prestar uma modesta homenagem nestas tão curtas palavras. As primeiras recordações que tenho de ouvir falar da Suzana remontam aos tempos da Valor. Depois disso fui acompanhando a carreira dela da mesma forma que tantos outros da nossa geração, com uma curiosidade vaga e desprendida. Foi quando nos tornamos concorrentes que fiquei a conhecer melhor a Suzana. Numa dimensão exclusivamente profissional. Tenho a certeza que a sua vida foi muito mais ampla mas foi através do trabalho que a conheci e foi pelo trabalho que a admirei. A Suzana transformou a comunicação da CGD. Para nós que estávamos no sector privado, era muito mais fácil. Libertos dos constrangimentos culturais que marcam um banco público, tradicionalmente mais lento a mudar e a adoptar estratégias mais avançadas. Sobretudo nas áreas da comunicação e da imagem. A Suzana, imagino que num combate interno com desfecho que não era nada óbvio, conseguiu transformar a CGD ao nível da sua comunicação institucional, posicionando-a sem vergonha entre os seus pares da banca comercial privada. Marcou o ritmo do que melhor e mais coerente se fazia em áreas como a literacia financeira e a política ambiental. Inusitado e difícil para uma empresa que não era cotada. Para um banco que tinha muito poucos estímulos a ser líder em áreas aparentemente não produtivas. Mas a verdade é que a CGD impôs- se. Tornou-se uma referência de comunicação e imagem. A sua publicidade passou a marcar e a afirmar-se com códigos próprios e com identidade reconhecível. E isso deve- se ao mérito e competência de uma mulher discreta mas determinada que tem lugar num panteão imaginário do marketing e comunicação. Um dia jantamos. Em Genebra, na sequência de um evento sobre sustentabilidade no sector financeiro. Um jantar longo e em que confirmei a maturidade das suas ideias e do seu pensamento comunicacional. Da consistência com que emprestava o seu sentido feminino e empenhado na concretização de objetivos difíceis. Falamos sobre as dificuldades comuns em fazer valer políticas de sustentabilidade em organizações que estavam essencialmente formatadas para outro tipo de métricas, outras fórmulas de medir performance. Depois acompanhei à distância a sua saída da CGD e o seu regresso. Percebi que as coisas não lhe tinham corrido bem. Fechado no meu quotidiano egoísta de um momento profissional agitado, para não dizer atormentado, pouco ou nada soube pela própria Suzana. Voltei a falar com ela no ano passado a propósito da BESIDE - Bright Side of Life. Explicou-me por palavras simples e directas que valia a pena não deixar que a vida não
  • 2. nos mudasse. Na altura senti-me inspirado pela motivação dela para fazer diferente numa altura em que o reconhecimento que lhe era devido andava arredado. Lembro-me de ter sentido inveja dessa capacidade de alcançar os outros depois de se ter sido coartada na amplitude da sua competência. De redirecionar energia e vontade. Sem desperdício. Quando soube que tinha partido, senti saudade de uma Suzana que não cheguei a conhecer. Os elogios póstumos são previsíveis e naturais. Não é disso que este texto trata. É uma simples e sentida vénia a uma profissional que soube ser maior que as funções que lhe cabiam.