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O que diz a Ciência sobre o jogo às cegas?


         O psicólogo francês Alfred Binet tornou-se mundialmente
famoso por ter criado os testes de inteligência que posteriormente
deram origem aos testes de QI. Em fevereiro de 1891, depois de
assistir a uma exibição de simultâneas às cegas, realizada em Paris
_ mais precisamente no Café de La Régénce _, Binet ficou tão
impressionado que decidiu realizar um estudo minucioso a esse
respeito. Depois de cerca de dois anos e meio de trabalho, em
junho de 1893, Binet publicou um artigo em que resumia suas
impressões sobre o jogo às cegas. Ao longo desses 28 meses,
Binet entrevistou dezenas de grandes jogadores, como o aspirante
ao título mundial Siegbert Tarrasch e o ex-recordista mundial de
simultâneas às cegas Joseph Henry Blackburne. Muitos desses
enxadristas chegaram a prestar extensos depoimentos no
laboratório de Sorbone, em que descreveram pormenorizadamente
o processo de visualização, de memorização, de cálculo etc. Isso
permitiu a Binet reunir um vasto material sobre o assunto, a partir
do qual pode compreender muitos aspectos sobre a mente do
jogador às cegas em particular e a mente humana de modo geral.
         Entre outras coisas, Binet constatou que praticamente todo
jogador de primeira categoria consegue jogar uma ou mais partidas
às cegas (a exceção mais curiosa parece ser o caso do ex-
campeão mundial Dr. Max Euwe, que se dizia incapaz de jogar uma
partida às cegas).
          Verificou-se também que a força de jogo não é
necessariamente proporcional à capacidade de jogar um grande
número de partidas às cegas. Por outro lado, em se tratando da
força de jogo tático e combinativo, a correlação parece ser muito
boa: quanto maior o número de partidas às cegas que um jogador é
capaz de conduzir simultaneamente, tanto maior é sua força no jogo
de combinação.
        Binet, Taine e outros pesquisadores do assunto, chegaram à
conclusão de que para jogar às cegas _ sobretudo para jogar um
número elevado de simultâneas às cegas _, era imprescindível
possuir uma excelente memória, muita imaginação, um profundo
conhecimento de Xadrez, boa concentração e uma prodigiosa
capacidade de abstração. Além disso, o vigor físico e diversas
outras faculdades mentais são de grande importância. Sobre o vigor
físico, se faz notar sua necessidade principalmente nas simultâneas
às cegas de grandes proporções _ contra 6 ou mais oponentes _,
em que o simultanista permanece 5, 6 ou até 20 horas seguidas
numa posição quase fixa, muitas vezes com a musculatura tensa.
Em seu artigo, Binet expressa muito bem que durante uma
simultânea às cegas não basta memorizar todos os lances de todas
as partidas, o que não exigiria muito mais do que memorizar um
número com 800 ou 1000 algarismos. Para jogar uma simultânea às
cegas é necessário memorizar cada um dos diagramas que se
sucedem no decorrer das partidas, pois a avaliação e o cálculo não
são possíveis tomando-se por base unicamente a notação dos
lances; é preciso “enxergar” os diagramas, com o tabuleiro e todas
as peças (não necessariamente num quadriculado, mas é preciso
saber todos os pormenores sobre como as peças estão
interagindo). Isso corresponderia a memorizar um número com
10.000 ou 15.000 algarismos. É importante ter em mente que essa
estimativa está considerando apenas os lances efetivamente
executados, sem levar em conta as variantes e sub-variantes que
afloram e desaparecem na mente do simultanista durante as
partidas, muitas das quais permanecem na memória até algumas
semanas depois de concluída a exibição, mas não aparecem
concretamente e por isso quase poderiam deixar de serem
computadas nesse cálculo. Sob esse ponto de vista, pode-se dizer
que jogar uma simultânea às cegas contra 8 ou 10 oponentes
equivale a memorizar um número com cerca de 1.000.000 ou
2.000.000 algarismos.
        Mas essa não é uma comparação fiel, já que os números
aleatórios são mais difíceis de serem retidos na memória do que os
lances e diagramas de Xadrez. Uma analogia mais próxima seria o
equivalente a aprender idiomas. Uma simultânea às cegas como a
de Najdorf, jogada em 1947, foi equivalente a aprender três idiomas
inteiros e fluentes em um só dia! Isso proporciona uma idéia mais
próxima do real grau de dificuldade, pois aprender idiomas, do
mesmo modo que jogar às cegas, é mais fácil que memorizar
números aleatórios. Convém esclarecer que jogar às cegas e
aprender idiomas envolvem habilidades distintas, portanto se uma
pessoa aprende um idioma em um dia, não significa que será capaz
de jogar 15 simultâneas às cegas, do mesmo modo que uma
pessoa que joga 15 simultâneas às cegas não será
necessariamente capaz de aprender um idioma em um dia.
        Aprender três idiomas num dia ou jogar 45 simultâneas às
cegas é mais fácil que memorizar 12.000.000 de algarismos
aleatórios, mesmo assim, é indiscutível que essas três realizações
constituem proezas extraordinárias e situam-se no limiar da
capacidade humana. Prova disso é que já se considera
extraordinário jogar uma partida às cegas, aprender um idioma
fluente em um mês ou memorizar um número de 1.000 algarismos
aleatórios, e apenas três pessoas na história da humanidade
(Miguel Najdorf, George Koltanowski e Janos Flesh) foram capazes
de jogar 45 ou mais simultâneas às cegas, somente uma pessoa
teve a capacidade de aprender um idioma em um dia (William
James Sidis) e somente uma pessoa foi capaz de memorizar mais
de 40.000 algarismos aleatórios (Hiroyuki Goto).
 voltar ao índice



         O que dizem os grandes intelectuais sobre o jogo às
cegas?


       Na Europa do século XVIII, período em que se começava a
fomentar as idéias que culminariam com a Revolução Francesa,
viveu um dos maiores gênios de todos os tempos: François André
Danican Philidor. Philidor nasceu em 7 de setembro de 1726, em
Dreux, na França. Foi um menino prodígio que se destacou na
Música e no Xadrez. Quando adulto, tornou-se um dos maiores
compositores da França e o maior jogador de Xadrez do século
XVIII. Na música foi elogiado por Mozart e outras autoridades de
grande envergadura. No Xadrez era ele próprio a maior autoridade
do mundo.

        Philidor foi a primeira pessoa a jogar uma simultânea de
Xadrez às cegas perante um público consideravelmente numeroso,
sob condições controladas e cujos resultados foram devidamente
registrados.
         Sua primeira apresentação aconteceu em 1746, no Old
Slaughter’s Coffee, em Londres. Desde então, até o fim de sua
vida, fez exibições por toda a Europa, mantendo o pleno vigor de
suas faculdades mentais até os 69 anos de idade. Entre os que
assistiam às suas simultâneas ‘sans voir’, havia renomadas
personalidades das ciências e das artes, inclusive grandes
celebridades históricas, como Voltaire, Robespierre, Rousseau,
Diderot, D’Alembert, Conde Brühl e vários outros membros da
nobreza, vários estadistas, cientistas e artistas (possivelmente
Franklin e Napoleão, que eram freqüentadores do Café de La
Régénce, também assistiram e participaram de simultâneas às
cegas com Philidor).
        As proezas de Philidor causaram tão grande impressão aos
eruditos europeus, que chegaram ser incluídas na famosa
Encyclopédie de Diderot e D’Alembert, no verbete relativo ao
Xadrez, onde o jogo às cegas foi considerado “Uma das mais
fenomenais manifestações da mente humana.”
Philidor também foi citado em jornais de toda a Europa. O
periódico inglês World (de 28 de maio de 1783), depois de relatar
uma de suas apresentações às cegas, finalizou com os seguintes
dizeres: “O ato de Philidor deverá manter-se para sempre nos
compêndios históricos, como um dos melhores exemplos de até
que ponto pode chegar a mente humana.”
         Um cronista que presenciou uma das simultâneas de
Philidor, não conteve sua admiração e declarou que assistira a algo
que bem podia ser qualificado como “um milagre”. E prosseguiu
afirmando que tal proeza situava-se no limiar da capacidade
humana, e que seria “impossível” a um ser humano jogar muito
mais que 2 simultâneas às cegas.



 Nota: é importante esclarecer que passados cerca de 100 anos
 desde a primeira apresentação de Philidor, o mestre Ludwig-
 Louis Paulsen encarregou-se de refutar o gentil comentário
 desse jornalista, tornando-se assim o primeiro simultanista às
 cegas de grandes proporções. A partir de 1854, em diversas
 cidades dos EUA, Paulsen enfrentou entre 4 e 15 oponentes.
 Tendo em conta o espanto causado por Philidor, por ter jogado
 às cegas contra 2 oponentes, parece-nos justo admitir que a
 realização de Paulsen é algo verdadeiramente fenomenal,
 mesmo para os padrões atuais, porque depois das mortes de
 Janos Flesch (1983), Miguel Najdorf (1997) e Jens Enedvolsen
 (1980), possivelmente há apenas três pessoas vivas que já
 jogaram mais de 15 simultâneas às cegas. São o mestre
 dinamarquês Jacob Oest Hasen, que em 1985 jogou às cegas
 contra 25 tabuleiros, e os mestres canadenses Hans Rudolf
 Jung e Leo Williams, que jogaram respectivamente contra 26 e
 27 tabuleiros em 1993 e 1986. Portanto o evento a ser realizado
 no final desse ano não será apenas um recorde brasileiro, mas
 também o maior evento dessa natureza realizado no mundo nos
 últimos 9 anos.

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O Que Diz A CiêNcia Sobre O Jogo àS Cegas

  • 1. O que diz a Ciência sobre o jogo às cegas? O psicólogo francês Alfred Binet tornou-se mundialmente famoso por ter criado os testes de inteligência que posteriormente deram origem aos testes de QI. Em fevereiro de 1891, depois de assistir a uma exibição de simultâneas às cegas, realizada em Paris _ mais precisamente no Café de La Régénce _, Binet ficou tão impressionado que decidiu realizar um estudo minucioso a esse respeito. Depois de cerca de dois anos e meio de trabalho, em junho de 1893, Binet publicou um artigo em que resumia suas impressões sobre o jogo às cegas. Ao longo desses 28 meses, Binet entrevistou dezenas de grandes jogadores, como o aspirante ao título mundial Siegbert Tarrasch e o ex-recordista mundial de simultâneas às cegas Joseph Henry Blackburne. Muitos desses enxadristas chegaram a prestar extensos depoimentos no laboratório de Sorbone, em que descreveram pormenorizadamente o processo de visualização, de memorização, de cálculo etc. Isso permitiu a Binet reunir um vasto material sobre o assunto, a partir do qual pode compreender muitos aspectos sobre a mente do jogador às cegas em particular e a mente humana de modo geral. Entre outras coisas, Binet constatou que praticamente todo jogador de primeira categoria consegue jogar uma ou mais partidas às cegas (a exceção mais curiosa parece ser o caso do ex- campeão mundial Dr. Max Euwe, que se dizia incapaz de jogar uma partida às cegas). Verificou-se também que a força de jogo não é necessariamente proporcional à capacidade de jogar um grande número de partidas às cegas. Por outro lado, em se tratando da força de jogo tático e combinativo, a correlação parece ser muito boa: quanto maior o número de partidas às cegas que um jogador é capaz de conduzir simultaneamente, tanto maior é sua força no jogo de combinação. Binet, Taine e outros pesquisadores do assunto, chegaram à conclusão de que para jogar às cegas _ sobretudo para jogar um número elevado de simultâneas às cegas _, era imprescindível possuir uma excelente memória, muita imaginação, um profundo conhecimento de Xadrez, boa concentração e uma prodigiosa capacidade de abstração. Além disso, o vigor físico e diversas outras faculdades mentais são de grande importância. Sobre o vigor físico, se faz notar sua necessidade principalmente nas simultâneas às cegas de grandes proporções _ contra 6 ou mais oponentes _, em que o simultanista permanece 5, 6 ou até 20 horas seguidas numa posição quase fixa, muitas vezes com a musculatura tensa.
  • 2. Em seu artigo, Binet expressa muito bem que durante uma simultânea às cegas não basta memorizar todos os lances de todas as partidas, o que não exigiria muito mais do que memorizar um número com 800 ou 1000 algarismos. Para jogar uma simultânea às cegas é necessário memorizar cada um dos diagramas que se sucedem no decorrer das partidas, pois a avaliação e o cálculo não são possíveis tomando-se por base unicamente a notação dos lances; é preciso “enxergar” os diagramas, com o tabuleiro e todas as peças (não necessariamente num quadriculado, mas é preciso saber todos os pormenores sobre como as peças estão interagindo). Isso corresponderia a memorizar um número com 10.000 ou 15.000 algarismos. É importante ter em mente que essa estimativa está considerando apenas os lances efetivamente executados, sem levar em conta as variantes e sub-variantes que afloram e desaparecem na mente do simultanista durante as partidas, muitas das quais permanecem na memória até algumas semanas depois de concluída a exibição, mas não aparecem concretamente e por isso quase poderiam deixar de serem computadas nesse cálculo. Sob esse ponto de vista, pode-se dizer que jogar uma simultânea às cegas contra 8 ou 10 oponentes equivale a memorizar um número com cerca de 1.000.000 ou 2.000.000 algarismos. Mas essa não é uma comparação fiel, já que os números aleatórios são mais difíceis de serem retidos na memória do que os lances e diagramas de Xadrez. Uma analogia mais próxima seria o equivalente a aprender idiomas. Uma simultânea às cegas como a de Najdorf, jogada em 1947, foi equivalente a aprender três idiomas inteiros e fluentes em um só dia! Isso proporciona uma idéia mais próxima do real grau de dificuldade, pois aprender idiomas, do mesmo modo que jogar às cegas, é mais fácil que memorizar números aleatórios. Convém esclarecer que jogar às cegas e aprender idiomas envolvem habilidades distintas, portanto se uma pessoa aprende um idioma em um dia, não significa que será capaz de jogar 15 simultâneas às cegas, do mesmo modo que uma pessoa que joga 15 simultâneas às cegas não será necessariamente capaz de aprender um idioma em um dia. Aprender três idiomas num dia ou jogar 45 simultâneas às cegas é mais fácil que memorizar 12.000.000 de algarismos aleatórios, mesmo assim, é indiscutível que essas três realizações constituem proezas extraordinárias e situam-se no limiar da capacidade humana. Prova disso é que já se considera extraordinário jogar uma partida às cegas, aprender um idioma fluente em um mês ou memorizar um número de 1.000 algarismos aleatórios, e apenas três pessoas na história da humanidade
  • 3. (Miguel Najdorf, George Koltanowski e Janos Flesh) foram capazes de jogar 45 ou mais simultâneas às cegas, somente uma pessoa teve a capacidade de aprender um idioma em um dia (William James Sidis) e somente uma pessoa foi capaz de memorizar mais de 40.000 algarismos aleatórios (Hiroyuki Goto). voltar ao índice O que dizem os grandes intelectuais sobre o jogo às cegas? Na Europa do século XVIII, período em que se começava a fomentar as idéias que culminariam com a Revolução Francesa, viveu um dos maiores gênios de todos os tempos: François André Danican Philidor. Philidor nasceu em 7 de setembro de 1726, em Dreux, na França. Foi um menino prodígio que se destacou na Música e no Xadrez. Quando adulto, tornou-se um dos maiores compositores da França e o maior jogador de Xadrez do século XVIII. Na música foi elogiado por Mozart e outras autoridades de grande envergadura. No Xadrez era ele próprio a maior autoridade do mundo. Philidor foi a primeira pessoa a jogar uma simultânea de Xadrez às cegas perante um público consideravelmente numeroso, sob condições controladas e cujos resultados foram devidamente registrados. Sua primeira apresentação aconteceu em 1746, no Old Slaughter’s Coffee, em Londres. Desde então, até o fim de sua vida, fez exibições por toda a Europa, mantendo o pleno vigor de suas faculdades mentais até os 69 anos de idade. Entre os que assistiam às suas simultâneas ‘sans voir’, havia renomadas personalidades das ciências e das artes, inclusive grandes celebridades históricas, como Voltaire, Robespierre, Rousseau, Diderot, D’Alembert, Conde Brühl e vários outros membros da nobreza, vários estadistas, cientistas e artistas (possivelmente Franklin e Napoleão, que eram freqüentadores do Café de La Régénce, também assistiram e participaram de simultâneas às cegas com Philidor). As proezas de Philidor causaram tão grande impressão aos eruditos europeus, que chegaram ser incluídas na famosa Encyclopédie de Diderot e D’Alembert, no verbete relativo ao Xadrez, onde o jogo às cegas foi considerado “Uma das mais fenomenais manifestações da mente humana.”
  • 4. Philidor também foi citado em jornais de toda a Europa. O periódico inglês World (de 28 de maio de 1783), depois de relatar uma de suas apresentações às cegas, finalizou com os seguintes dizeres: “O ato de Philidor deverá manter-se para sempre nos compêndios históricos, como um dos melhores exemplos de até que ponto pode chegar a mente humana.” Um cronista que presenciou uma das simultâneas de Philidor, não conteve sua admiração e declarou que assistira a algo que bem podia ser qualificado como “um milagre”. E prosseguiu afirmando que tal proeza situava-se no limiar da capacidade humana, e que seria “impossível” a um ser humano jogar muito mais que 2 simultâneas às cegas. Nota: é importante esclarecer que passados cerca de 100 anos desde a primeira apresentação de Philidor, o mestre Ludwig- Louis Paulsen encarregou-se de refutar o gentil comentário desse jornalista, tornando-se assim o primeiro simultanista às cegas de grandes proporções. A partir de 1854, em diversas cidades dos EUA, Paulsen enfrentou entre 4 e 15 oponentes. Tendo em conta o espanto causado por Philidor, por ter jogado às cegas contra 2 oponentes, parece-nos justo admitir que a realização de Paulsen é algo verdadeiramente fenomenal, mesmo para os padrões atuais, porque depois das mortes de Janos Flesch (1983), Miguel Najdorf (1997) e Jens Enedvolsen (1980), possivelmente há apenas três pessoas vivas que já jogaram mais de 15 simultâneas às cegas. São o mestre dinamarquês Jacob Oest Hasen, que em 1985 jogou às cegas contra 25 tabuleiros, e os mestres canadenses Hans Rudolf Jung e Leo Williams, que jogaram respectivamente contra 26 e 27 tabuleiros em 1993 e 1986. Portanto o evento a ser realizado no final desse ano não será apenas um recorde brasileiro, mas também o maior evento dessa natureza realizado no mundo nos últimos 9 anos.