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MOLEIROS E
                   CARVOEIROS
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  No tempo em que as velas dos moinhos rodavam ao
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Carvoeiros e moleiros pararam na estrada, enfrentando-
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pediam paz como os que faziam guerra. Então um velho de
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acudira à contenda, falou assim:
   – Tão tolos são os filhos como os pais. Vejam-se agora,
reparem nos nossos fatos e digam se não estão mais sujos
do que estavam?
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carvoeiro.
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resultado teria sido o mesmo – continuou o velho. – E,
realmente, porque se não hão-de abraçar estes trabal-
hadores honrados, orgulhosos da profissão que escolheram
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   Os garotos, um pouco reticentes, abraçaram-se. Os
homens, um pouco contravontade, abraçaram-se.
   – Ena, que sujo que eu estou! – riu-se o filho do
carvoeiro.

                            2
– Não estás menos do que eu – riu-se o filho do moleiro.
  Riram-se os filhos. Riram-se os pais. Toda a gente riu
com gosto e a história acaba aqui. E bem.


   FIM




                                              3
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01.01 moleiros & carvoeiros

  • 1. MOLEIROS E CARVOEIROS 1 de Janeiro Dia Mundial da Paz No tempo em que as velas dos moinhos rodavam ao vento, um moleiro, todo enfarinhado de carregar com sacas de farinha, cruzou-se, na estrada, com um carvoeiro todo enfarruscado de carregar com sacas de carvão. Esquecemo-nos de dizer que ao lado do moleiro ia o filho do moleiro e ao lado do carvoeiro, o filho do carvoeiro. Nesse tempo também, os filhos dos moleiros não tinham outro destino senão ser moleiros e os filhos dos carvoeiros não podiam ambicionar outra vida senão ser carvoeiros. – Ó pai, já viste aqueles dois tão sujos que ali vão? – disse o filho do moleiro para o moleiro. O filho do carvoeiro ouviu o comentário e não gostou. Aliás, o pai também não gostou. – Sujos vão eles – lançou o garoto do carvoeiro. 1
  • 2. Carvoeiros e moleiros pararam na estrada, enfrentando- -se com ar de poucos amigos. Quem está sujo, quem não está sujo, o certo é que, depois de algumas más palavras trocadas em despique, os dois miúdos engalfinharam-se à zaragata. E os pais atrás deles. Mãos que ameaçam, murros que se cruzam, joelhadas que fervem, e os que estavam brancos ficaram manchados de preto e os que estavam pretos ficaram manchados de branco. De mistura com o pó da estrada, uma nuvem cinzenta – cinzenta de carvão e farinha – rodeou os contendores. Correu gente dos campos próximos a apartá-los. Não foi sem custo que os separaram, magoando-se tanto os que pediam paz como os que faziam guerra. Então um velho de respeitáveis barbas, que com os outros camponeses acudira à contenda, falou assim: – Tão tolos são os filhos como os pais. Vejam-se agora, reparem nos nossos fatos e digam se não estão mais sujos do que estavam? Realmente já se não distinguia qual o moleiro e qual o carvoeiro. – Se tivessem dado um abraço, em vez de bulharem, o resultado teria sido o mesmo – continuou o velho. – E, realmente, porque se não hão-de abraçar estes trabal- hadores honrados, orgulhosos da profissão que escolheram e dos fatos de trabalho que envergam? Vá, dêem um abraço, rapazes! Os garotos, um pouco reticentes, abraçaram-se. Os homens, um pouco contravontade, abraçaram-se. – Ena, que sujo que eu estou! – riu-se o filho do carvoeiro. 2
  • 3. – Não estás menos do que eu – riu-se o filho do moleiro. Riram-se os filhos. Riram-se os pais. Toda a gente riu com gosto e a história acaba aqui. E bem. FIM 3 © APENA - APDD – Cofinanciado pelo POSI e pela Presidência do Conselho de Ministros