O documento discute os esforços de gigantes da internet como Google e Facebook para expandir o acesso à internet para áreas remotas através de novas tecnologias como drones, balões e satélites. Essas empresas estão investindo bilhões nessas iniciativas na tentativa de conectar os bilhões de pessoas que ainda não têm acesso e capturar esse grande mercado em potencial. No entanto, especialistas apontam desafios técnicos e regulatórios nessas soluções emergentes.
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O globo 2014-05-12 - página 19 - expansão da internet por drones e balões
1. Segunda-feira 12.5.2014 O GLOBO l 19
Sociedade
CIBERESPAÇOAÉREO_
O sinal está no arGigantesdawebcomeçamadisputarbilhõesdedesconectados,expandindoaredepordronesebalões
DIVULGAÇÃO
Provedores com asas. O drone Solara, da Titan Aerospace, empresa comprada pelo Google para conexão à internet em áreas remotas: o Facebook também está na corrida para utilizar aeronaves não tripuladas com esse objetivo
Compoucomaisde44anosdeexistência,ainter-
net tem cerca de 2,7 bilhões de usuários (39% da
população mundial), alimentando um mercado
multibilionário. Os restantes 61% desconectados
estão provocando uma espécie de “corrida espa-
cial” entre os gigantes da rede. E, no mundo mó-
vel, a briga é ainda mais acirrada. Com o celular
atingindo mais de 96% dos terráqueos, uma ex-
pansão da infraestrutura da web representaria
um potencial de venda de serviços monumental.
Google e Facebook estão esfomeados, quase de-
sesperados, para engolir o próximo bilhão de in-
ternautas. E, para isso, não param de bolar novas
maneiras de levar sinal a rincões ainda virgens.
Equipamentos geoestacionários, drones e
balões estão entre os veículos por meio dos quais
os players querem conquistar territórios. Para isso,
elesterãodevencerdesconfiançasquecercamtais
tecnologias—noOrienteMédio,porexemplo,um
dos potenciais mercados a explorar, com apenas
26% da população atualmente conectada à inter-
net, drones são comumente associados pela po-
pulação a ações de contraterrorismo americanas e
percebidos como ameaças. Além disso, dizem es-
pecialistas, há o medo de que os exploradores des-
se tesouro virtual possam recolher dados de usuá-
riosindiscriminadamentedemodomuitomaisfá-
cil a partir do espaço.
Mark Zuckerberg, CEO do Facebook, lançou
em agosto de 2013 sua iniciativa “internet.org”
em parceria com seis grandes companhias de
telefonia móvel, com o objetivo de levar acesso
à internet mais barato a todos. “A população co-
nectada do mundo está crescendo apenas 9%
ao ano. Queremos acelerar esse crescimento”,
diz o documento principal da instituição, que já
fechou acordos com provedores nas Filipinas e
no Paraguai. Mas a internet.org investe também
em outras tecnologias.
No setor de satélites, para fornecer conexão à
internet,oFacebookcontemplausarequipamen-
tos geoestacionários, que orbitam a mais de 35
mil quilômetros de altitude, além de satélites não
estacionários de órbita terrestre baixa (entre 400 e
600 quilômetros). A rede social está avaliando
usaremseussatélitesatecnologiaFSO(FreeSpa-
ce Optics), baseada em laser e que exige grande
precisão na pontaria do feixe luminoso.
EMPREGABILIDADE AINDA É INCERTA
Já no departamento dos drones, o Facebook tem
planos ousados, mas levou uma rasteira de últi-
ma hora do Google, que comprou, debaixo de
seu nariz, a empresa Titan Aerospace, cortejada
há muito pela companhia de Mark Zuckerberg.
Este acabou arrematando a inglesa Ascenta,
que produz drones movidos a energia solar.
Mesmo parecendo promissores, os drones
ainda são uma tecnologia incerta para prover
conectividade.
— Drones usados para internet ainda são uma
aposta — afirma Nei Brasil, cofundador e presi-
dente da Flight Technologies, empresa brasileira
especializada nessas aeronaves. — Os custos são
altos, e a viabilidade técnica existe, mas a modela-
gem econômica ainda é um mistério. Outro fator é
a incerteza quanto à regulamentação pelas autori-
dades do setor aeronáutico, tanto no Brasil quanto
nos outros países. Os próprios americanos ainda
não têm regulamentação para drones na área pri-
vada. Mas Google e Facebook têm bala na agulha
para se dar ao luxo de queimar US$ 50 milhões ou
US$ 60 milhões em um projeto experimental de
drones para implementar conectividade.
Outra seara à vista no futuro da internet são os
balões. Desde 2008, o Google já vinha pesquisando
modelos atmosféricos para levar conectividade à
internet, mas só em junho de 2013 iniciou o Project
Loon, com um experimento na Nova Zelândia en-
volvendo 30 balões lançados em coordenação com
as autoridades locais de aviação civil. O projeto pi-
loto fornece acesso à rede a 50 usuários da região.
No início de abril passado, o Google soltou
cerca de 300 balões, que deram uma volta
completa pela Terra na latitude 40° Sul, pro-
vendo experimentalmente acesso à internet a
regiões ermas de Nova Zelândia, Austrália,
Chile e Argentina. E um dos balões — o histó-
rico I-167 — fez a volta completa em 22 dias. O
plano da empresa é espalhar milhares deles na
estratosfera, de modo a cobrir as áreas secas e
habitáveis do planeta.
O Brasil também tem uma iniciativa para pro-
ver conexão à internet por balões: o Projeto Co-
nectar, do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas
Espaciais). Mas o conceito é diferente.
— Nossos balões são ancorados, ou seja, fi-
cam presos ao solo por uma corda de aramida,
bem leve — explica José Ângelo Neri, pesquisa-
dor do Inpe e coordenador do Projeto Conectar.
— Eles pairam a cerca de 400 metros do solo,
proporcionando conexão num raio de até 100
quilômetros e funcionando como se fossem tor-
res convencionais, só que mais altas, mais bara-
tas e com alcance muito maior.
O projeto é 100% brasileiro e pode servir tam-
bém para dar apoio a regiões em caso de desas-
tres. O próximo passo é um experimento piloto
— definido em dezembro de 2013, mas ainda
aguardando autorização ministerial — na Regi-
ão Norte, que deve cobrir dez cidades num raio
de 50 quilômetros a 100 quilômetros.
— Usamos nos balões os gases hélio ou hidro-
gênio, mas a logística do projeto é complicada.
Quanto à inflamabilidade do hidrogênio, não há
problema. Já testamos nossos balões dando até
sete tiros neles. Não houve explosão, e a descida
foi suave, já que a diferença de pressão é minús-
cula, apenas um centésimo de atmosfera.
MOMENTO DE TRANSFORMAÇÃO NA REDE
Os tubarões da internet sabem que a grande rede
está num momento de transformações, e este —
além da possibilidade de grandes lucros — é um
dos motivos para a fome por novos usuários. Hu-
go Fuks, professor e diretor do Departamento de
Informática da PUC-Rio, explica que, de fato, a
web está mudando de vocação.
— Deixando de lado o bom e velho e-mail, a in-
ternetestádeixandodeserumveículodeconsumo
de informações para se tornar uma via de intera-
ções entre usuários, instituições e empresas, uma
metamorfose bem simbolizada pelo fenômeno das
redes sociais — explica. — Com a iminente “inter-
net das coisas”, essa situação se agrava ainda mais,
pois as interações passam a contemplar bilhões ou
trilhões de objetos conectados e endereçáveis pelo
protocolo IPv6, que teoricamente seria capaz de
abarcar todos os grãos de areia do planeta.
Google, Facebook e outros gigantes estão cons-
cientes desse futuro. É o que diz o analista de tec-
nologia americano Mike Elgan:
— Essas redes estão se convertendo de sites
centralizados que concentram milhões de usuá-
rios em aplicativos com funções específicas den-
tro de uma mesma plataforma, que conseguirão
captar ainda mais usuários e, é claro, juntar o má-
ximo de informações deles para, depois, dirigir-
lhes anúncios personalizados supereficientes. l
CARLOS ALBERTO TEIXEIRA
cat@oglobo.com.br
O
Projeto Loon, do Google, que quer
soltar 50 mil balões aos céus para
levar internet a regiões descober-
tas de sinal, seria temerário no pa-
ís, diz um especialista em aeronáutica brasi-
leiros que teve acesso aos detalhes técnicos
do plano e pediu para não ser identificado.
Sua visão não é nada otimista.
— Primeiramente, não são as autoridades lo-
cais que operam os balões. Isso tem implica-
ções muito sérias na segurança aérea, na segu-
rança de dados e na segurança nacional — res-
salta. — Além disso, no Brasil seria contra a lei.
Esses balões do Loon precisariam ter transpon-
ders (transmissores de rádio) para que, caso
percam altitude, e isso ocorre com muita fre-
quência,possamseresquadrinhadoseevitados
pelo tráfego aéreo. Eu vi as especificações do
Google: os balões deles não têm potência elétri-
ca para aguentar um transponder nem empuxo
vertical para sustentar a massa de um.
Ele considera ainda uma temeridade per-
mitir essa “invasão” de balões sobre o territó-
rio de qualquer país.
— Observe que, na tão alardeada “volta ao
mundo em 22 dias”, os balões do Loon voa-
ram basicamente em cima de água, pois seria
bem complicado obter autorização de dife-
rentes países para essa empreitada.
Quanto às ambições do Google e ao que
chama de subserviência brasileira, o enge-
nheiro é incisivo.
— O pessoal lá de Brasília endeusa o Goo-
gle e os “gênios” que trabalham lá, gente
que vai resolver os problemas do mundo.
Mas não vai. A solução deles neste caso não
tem razão para funcionar, pois se baseia em
um princípio furado. O enlace de dados en-
tre o balão, a infraestrutura de internet e o
usuário no solo é problemático, especial-
mente em lugares como a nossa Região
Norte, onde há muita umidade no ar. O Go-
ogle queria balões a 20 quilômetros de alti-
tude mas, diante do caso amazônico, eles
propuseram diminuí-la drasticamente.
O especialista levanta também problemas
ligados às correntes de vento, que se agravam
no Brasil em épocas do ano com pouco fluxo.
— O projeto pressupõe correntes de vento
ideais. Mas o fluxo de vento não dá a volta
certinho no planeta. Ele não segue paralelos
nem meridianos. Esse controle não existe.
Com essa maravilhosa rede de computado-
res do Google, eles esquecem que descer um
balão é fácil, mas subir é difícil — afirma. —
Além disso, seria preciso mudar toda a regu-
lamentação brasileira. No país é obrigatório
expedir um Notam, documento informativo
oficial da Aeronáutica, para cada balão, in-
formando data, hora, local e trajetória
Segundo ele, aceitar os balões do Google
sobre o Brasil seria uma ameaça à soberania
e à segurança nacionais.
— Eles vão ter que insistir muito com cada
país que se considere decente para que acei-
te esse projeto. (Carlos AlbertoTeixeira) l
Projeto Loon, do Google, seria
temerário no Brasil, diz perito
Sem transponders, balões não
poderiam ser detectados por aviões,
pondo em xeque a segurança
DIVULGAÇÃO
Balão de ‘ensaio’. Um experimento feito na Nova Zelândia para acesso à web no ano passado: dúvidas
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