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Pode a honra e a vergonha fazer-te pagar os impostos?
Redes Complexas
Carina Antunes and Diogo Nicolau,
Instituto Superior T´ecnico
Abstract. Desde o in´ıcio dos tempos a coopera¸c˜ao entre indiv´ıduos existe e ´e necess´aria `a manuten¸c˜ao
de popula¸c˜oes, de forma a sobreviverem e crescerem. No entanto explicar como a coopera¸c˜ao emerge e
se mant´em ´e ainda hoje uma quest˜ao em aberto. Muitas teorias e provas existem, para explicar como
um indiv´ıduo pode gastar um bem pr´oprio em prol de outro, desde Kin Selection at´e Group Selection,
passando por Direct, Indirect e Network Reciprocity e neste relat´orio apresentaremos outra solu¸c˜ao: como
a honra e vergonha podem ser um factor importante para a emergˆencia e manuten¸c˜ao da coopera¸c˜ao numa
popula¸c˜ao.
Keywords: coopera¸c˜ao; honra; vergonha; teoria dos jogos;
1 Coopera¸c˜ao em Jogos de Bens P´ublicos
Neste estudo focamo-nos em Jogos de Bens P´ublicos para testar o impacto na coopera¸c˜ao. Jogos de bens
P´ublicos s˜ao um padr˜ao de economia experimental em que indiv´ıduos contribuem parte dos seus tokens privados
para um bem comum. Estes individuos escolhem secretamente quanto dos seus oferecem e o total de todas as
contribui¸c˜oes ´e multiplicado por um fator (maior do que um e menor do que o n´umero de jogadores, N) e esta
recompensa de ”bem p´ublico” ´e dividida uniformemente entre os jogadores (independentemente de contribuirem
ou n˜ao). Cada jogador mant´em tamb´em os tokens que n˜ao contribuiu. Para o ˆambito deste projecto os tokens
foram modelados como um espa¸co cont´ınuo entre 0 e 1.
Desta forma, tal como no Dilema do Prisioneiro, um jogador pode cooperar ou n˜ao, sendo que contribuir
com 0 pode ser visto como n˜ao cooperar e qualquer valor entre 0.1 e 1 ´e visto como coopera¸c˜ao.
Ao longo de diversas simula¸c˜oes iremos comprovar o que foi conclu´ıdo com a Teoria dos Jogos[1], ramo
da matem´atica aplicada que estuda situa¸c˜oes estrat´egicas onde jogadores escolhem diferentes a¸c˜oes na tentativa
de melhorar o seu retorno. Quando confrontados com a escolha de cooperar ou desertar, e apesar de ser mais
proveitoso para uma popula¸c˜ao que todos os elementos cooperem, os individuos tendem sempre a desertarem,
caindo na Trag´edia dos Comuns[2] - situa¸c˜ao em que indiv´ıduos agindo de forma independente e racional, de
acordo com seus pr´oprios interesses, se comportam em contrariedade aos melhores interesses de uma comunidade,
esgotando algum recurso comum.
2 Teoria Evolutiva dos Jogos e a emergˆencia de coopera¸c˜ao
A teoria evolutiva dos jogos[3] difere da teoria cl´assica dos jogos, concentrando-se mais na dinˆamica da
mudan¸ca de estrat´egia, influenciada n˜ao apenas pela qualidade das v´arias estrat´egias concorrentes, mas pelo
efeito da frequˆencia com que essas diferentes estrat´egias concorrentes s˜ao encontradas na popula¸c˜ao. Baseia-se
no facto que n˜ao exige que os jogadores ajam racionalmente, mas que tenham uma estrat´egia. Os resultados do
jogo v˜ao testar o qu˜ao boa ´e essa estrat´egia.
Em biologia, as estrat´egias s˜ao tra¸cos geneticamente herdados que controlam a a¸c˜ao de um indiv´ıduo. O
ponto-chave do modelo da teoria evolutiva dos jogos ´e que o sucesso de uma estrat´egia n˜ao ´e determinado apenas
pelo qu˜ao boa ´e a estrat´egia em si mesma, ´e uma quest˜ao de qu˜ao boa ela ´e na presen¸ca de outras estrat´egias
alternativas e da frequˆencia com que outras estrat´egias s˜ao empregadas dentro de uma popula¸c˜ao concorrente.
´E tamb´em uma quest˜ao de qu˜ao boa uma estrat´egia joga contra si mesma, porque no mundo biol´ogico uma
estrat´egia bem-sucedida acabar´a por dominar uma popula¸c˜ao e indiv´ıduos concorrentes nela acabam enfrentando
estrat´egias idˆenticas `as suas.
Os participantes no jogo evolutivo visam tornar-se mais aptos(fit) do que os concorrentes - para produzir
tantas r´eplicas de si mesmo como poss´ıvel, e a recompensa ´e em unidades de fitness (valor relativo em poder
reproduzir). ´E sempre um jogo multi-jogador com uma popula¸c˜ao muito grande de concorrentes. As regras
descrevem o jogo como na Teoria dos Jogos cl´assica, mas para as regras dos jogos evolucion´arios incluem o
elemento da dinˆamica do replicador, ou seja, as regras gerais dizem exatamente como os jogadores mais aptos
v˜ao gerar mais r´eplicas de si mesmos na popula¸c˜ao e como os menos aptos ser˜ao eliminados. A dinˆamica do
replicador na essˆencia modela o mecanismo da hereditariedade, mas para a simplicidade deixa para fora a
muta¸c˜ao.
Alguns modelos para emergˆencia de coopera¸c˜ao s˜ao:
– Kin Selection: Afirma que qu˜ao mais relacionados os indiv´ıduos estiverem, mais probabilidade de coopera¸c˜ao
existe.
– Direct reciprocity: Afirma que a coopera¸c˜ao emerge com uma probabilidade maior, qu˜ao maior for a proba-
bilidade de voltar a jogar com o mesmo jogador.
– Indirect reciprocity: Baseia-se na ideia que se um indiv´ıduo tiver uma melhor reputa¸c˜ao leva a que mais
indiv´ıduos cooperem com ele, e que quanto mais cooperarem melhor ser´a a sua reputa¸c˜ao. A coopera¸c˜ao
emerge de forma a que mais tarde cooperem consigo.
– Group Selection: Baseia-se na ideia que indiv´ıduos tendem a cooperar mais dentro do seu meio e a desertarem
quando interagem com individuos de outros meios.
– Network Reciprocity: Foca-se no facto que popula¸c˜oes reais n˜ao s˜ao bem misturadas, mas tˆem estruturas
espaciais ou redes sociais que implicam que alguns indiv´ıduos interagem mais frequentemente do que outros.
Uma abordagem para captar esse efeito ´e a teoria do gr´afico evolucion´ario, na qual os indiv´ıduos ocupam
os v´ertices de um gr´afico. As arestas determinam quem interage com quem. Se um cooperador paga um
custo, c, para cada vizinho receber um benef´ıcio, b, e os n˜ao-cooperadores n˜ao tˆem custos, e seus vizinhos
n˜ao recebem benef´ıcios e a reciprocidade da rede pode favorecer a coopera¸c˜ao.
3 Simula¸c˜ao
Para este estudo utilizamos uma simula¸c˜ao em Java e an´alise dos dados estat´ısticos em R. A escolha da
linguagem de programa¸c˜ao Java deve-se ao facto da familiaridade e experiˆencia com esta, munido do facto de
apresentar uma boa performance. J´a os motivos que levaram `a escolha da linguagem R caiem sobre a espe-
cializa¸c˜ao desta poderosa ferramenta na produ¸c˜ao de gr´aficos de qualidade e outras componentes matem´aticas
(regress˜ao linear).
O ˆambito do problema implica a cria¸c˜ao e manuten¸c˜ao de uma popula¸c˜ao. Para isto criamos as seguintes
espec´ıfica¸c˜oes, que s˜ao fixas durante todo o trabalho de pesquisa:
- Tamanho da popula¸c˜ao: 600 indiv´ıduos
- N´umero de Jogadores: 6 elementos
- N´umero de gera¸c˜oes: 10.000
- N´umero de jogos: 600 jogos
Para a dinˆamica do replicador utilizamos uma forma simples de aprendizagem social: imitar um vizinho
aleat´orio com uma probabilidade que aumenta com a diferen¸ca de fitness entre os dois, como pode ser visto na
figura 1. Isto levar´a a que quanto maior for o fitness de um ind´ıviduo maior ser´a a probabilidade de ser imitadoe
e mais r´eplicas dele, mais especificamente da sua estrat´egia, existir˜ao. Como podemos ver na figura 2 valores
a partir de 1 tornam a aprendizagem pr´oxima de determin´ıstica e o valor 0 torna a aprendizagem aleat´oria.
Este facto foi comprovado atrav´es da an´alise do parˆametro beta numa simula¸c˜ao, em que fixamos o Factor
multiplicador em 3 (metade de N). Estes resultados podem ser vistos na figura 3.
Para estudarmos o impacto do Factor multiplicador, fixamos beta=0,8. Os resultados, na figura 4,
Fig. 1: Regra de aprendizagem
comprovam que quando o F ´e maior que N(n´umero de jogadores), a coopera¸c˜ao emerge. Isto deve-se ao facto
2
Fig. 2: Impacto do factor beta na probabilidade de imita¸c˜ao
que contribuir leva sempre a um aumento do payoff. Para valores inferiores a N, a popula¸c˜ao evolui de forma a
que as ofertas tendam para 0. Para F igual a N a coopera¸c˜ao ´e mantida mas n˜ao emerge mais.
Desta forma concluimos que em jogos de bens p´ublicos a procura de cada individuo em ter o melhor fitness
individual leva `a ausˆencia de coopera¸c˜ao, tal como previsto.
Fig. 3: Impacto do beta na coopera¸c˜ao.
3
Fig. 4: Impacto do factor Multiplicador na coopera¸c˜ao.
4 Honra e Vergonha
Para estudarmos o impacto da honra e vergonha, inicialmente fixamos beta=0,8 e factor=3. Assumimos
que tanto a honra como a vergonha s˜ao uma percentagem entre 0 e 100%, que implica um desconto ou uma
bonifica¸c˜ao relativamente a uma parte do lucro colectivo do jogo.
Assumimos que no caso em que v´arios jogadores dˆeem a melhor contribui¸c˜ao simultaneamente, a bonifica¸c˜ao
´e distribu´ıda entre eles e o mesmo acontece com a vergonha.
Como se pode observar na figura 5 conclu´ımos que a honra tem efeito na coopera¸c˜ao para valores a partir de
50% o valor do lucro do jogo. J´a na figura 6 pode ver-se a vergonha a ter impacto a partir de 70%. Finalmente
na figura 7 podemos ver o impacto na coopera¸c˜ao quando ambos os factores s˜ao aplicados em conjunto.
Estud´amos tamb´em o impacto de diferentes regras de atribui¸c˜ao de honra e vergonha.
Para al´em da regra anterior podemos ver o que acontece quando o factor ´e atribu´ıdo uniformemente, ou seja,
quando um jogador ´e simultaneamente o mais ego´ısta ao mesmo tempo que outros, todos levam a penaliza¸c˜ao por
inteiro. O mesmo acontece com a honra, (figura 8). Podemos tamb´em ver o que acontece quando a bonifica¸c˜ao ou
penaliza¸c˜ao ´e dada aleat´oriamente a 1 dos jogadores que deram simultaneamente a melhor/pior contribui¸c˜oes
(figura 9). Estes resultados apesar de n˜ao mostrarem um impacto forte na coopera¸c˜ao, apresentam algumas
consequˆencias interessantes: especialmente no caso em que a bonifica¸c˜ao ´e dada aleat´oriamente o impacto da
honra desvanece-se significativamente. Estes resultados poderiam ter um impacto significativo por exemplo
quando um governo para estimular as contribui¸c˜oes ao estado, tivesse de escolher entre atribuir um beneficio
fiscal na forma de dinheiro distribuido entre todos os melhores contribuidores ou entregar um s´o beneficio
aleat´oriamente a um dos melhores.
Na sequˆencia deste tema, uma outra experiˆencia interessante seria modelar o que acontece quando o beneficio
´e entregue aleat´oriamente a qualquer um dos individuos em jogo, desde que estes cooperem, ou seja desde que
contribuam com qualquer valor acima de 0. Este modelo ´e uma analogia `a pr´atica realizada pelo Fisco Portuguˆes,
que sortea um carro aos contribuintes para assim estimular a declara¸c˜ao de faturas (coopera¸c˜oes). Seria assim
interessante verificar se este modelo de honra seria mais vantajoso para estimular a coopera¸c˜ao do que os
anteriores.
Podemos concluir que os resultados observados at´e ao momento foram bastante positivos. No entanto, num
contexto real, nem sempre `a meios suficientes para multiplicar as contribui¸c˜oes totais por um factor t˜ao grande
F=3. Assim, fixamos F=1.5 e observamos os resultados na figura 10, constatando um desvanecimento acentuado
na coopera¸c˜ao em geral.
4
Fig. 5: Impacto da Honra na coopera¸c˜ao.
Fig. 6: Impacto da Vergonha na coopera¸c˜ao.
Para melhor entendermos a ”velocidade” com que uma configura¸c˜ao Honra/Vergonha caminha em direc¸c˜ao
aos m´aximos ou m´ınimos, podemos visualizar na figura 11 o declive das rectas destas configura¸c˜oes. Fazendo uso
de regress˜ao linear conseguimos obter este declive, que para valores negativos apresenta tons de azul enquanto
para valores positivos tons de verde. Nas primeiras 1000 gera¸c˜oes a utiliza¸c˜ao de valores Honra e Vergonha
altos aceleram a coopera¸c˜ao. Com o passar das gera¸c˜oes esta acelera¸c˜ao faz um shift, fazendo com que valores
medianos de Honra e Vergonha procurem mais ”avidamente” chegar a offers mais altas enquanto valores altos
de Honra e Vergonha descansam tranquilos nas suas offers j´a alcan¸cadas.
5
Fig. 7: Impacto da Vergonha e da Honra em conjunto na coopera¸c˜ao.
Fig. 8: Impacto da Vergonha e da Honra em conjunto na coopera¸c˜ao, quando estes factores s˜ao aplicados uniformemente.
6
Fig. 9: Impacto da Vergonha e da Honra em conjunto na coopera¸c˜ao, quando estes factores s˜ao aplicados aleatoriamente.
Fig. 10: Impacto da Vergonha e da Honra em conjunto na coopera¸c˜ao quando F=1.5
7
Fig. 11: Aproxima¸c˜ao ao declive das diferentes curvas nas primeiras 1000 gera¸c˜oes seguido das gera¸c˜oes entre 4000 e 6000
5 Conclus˜ao
N˜ao existem d´uvidas sobre os resultados obtidos em simula¸c˜ao. A Honra e Vergonha tˆem de facto
um papel importante na coopera¸c˜ao. Se nos abstra´ırmos das assump¸c˜oes necess´arias `a simula¸c˜ao, conseguimos
recolher um impacto semelhante entre a Honra e Vergonha, sempre que aplicados estes ajudam a coopera¸c˜ao
a emergir. Naturalmente estas duas caracter´ısticas muito humanas podem ser modeladas de diversas maneiras.
Como consequˆencia dessas modela¸c˜oes os resultados podem ser bastante diferentes, visto muito sucintamente
na simples forma de distribui¸c˜ao de Honra aquando empate entre os melhores contribuidores.
Serve ent˜ao este projecto como catapulta para um enorme mundo de possibilidades naquilo a que bati-
zamos como Engenharia da Coopera¸c˜ao. A arquitectura da nossa solu¸c˜ao poder´a servir como base a futuros
trabalhos de pesquisa na ´area, assim como os resultados e experiˆencia adquirida.
References
1. Binmore, K. G, “Game Theory and the Social Contract Vol. 1, Playing Fair (MIT Press, Cambridge, MA, 1994).”
2. Hardin, G, “The tragedy of the commons. Science 162, 1243–1248 (1968).”
3. Hofbauer, J. - Sigmund, K, “Evolutionary Games and Population Dynamics (Cambridge Univ. Press, Cambridge,
1998).”
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  • 1. Pode a honra e a vergonha fazer-te pagar os impostos? Redes Complexas Carina Antunes and Diogo Nicolau, Instituto Superior T´ecnico Abstract. Desde o in´ıcio dos tempos a coopera¸c˜ao entre indiv´ıduos existe e ´e necess´aria `a manuten¸c˜ao de popula¸c˜oes, de forma a sobreviverem e crescerem. No entanto explicar como a coopera¸c˜ao emerge e se mant´em ´e ainda hoje uma quest˜ao em aberto. Muitas teorias e provas existem, para explicar como um indiv´ıduo pode gastar um bem pr´oprio em prol de outro, desde Kin Selection at´e Group Selection, passando por Direct, Indirect e Network Reciprocity e neste relat´orio apresentaremos outra solu¸c˜ao: como a honra e vergonha podem ser um factor importante para a emergˆencia e manuten¸c˜ao da coopera¸c˜ao numa popula¸c˜ao. Keywords: coopera¸c˜ao; honra; vergonha; teoria dos jogos; 1 Coopera¸c˜ao em Jogos de Bens P´ublicos Neste estudo focamo-nos em Jogos de Bens P´ublicos para testar o impacto na coopera¸c˜ao. Jogos de bens P´ublicos s˜ao um padr˜ao de economia experimental em que indiv´ıduos contribuem parte dos seus tokens privados para um bem comum. Estes individuos escolhem secretamente quanto dos seus oferecem e o total de todas as contribui¸c˜oes ´e multiplicado por um fator (maior do que um e menor do que o n´umero de jogadores, N) e esta recompensa de ”bem p´ublico” ´e dividida uniformemente entre os jogadores (independentemente de contribuirem ou n˜ao). Cada jogador mant´em tamb´em os tokens que n˜ao contribuiu. Para o ˆambito deste projecto os tokens foram modelados como um espa¸co cont´ınuo entre 0 e 1. Desta forma, tal como no Dilema do Prisioneiro, um jogador pode cooperar ou n˜ao, sendo que contribuir com 0 pode ser visto como n˜ao cooperar e qualquer valor entre 0.1 e 1 ´e visto como coopera¸c˜ao. Ao longo de diversas simula¸c˜oes iremos comprovar o que foi conclu´ıdo com a Teoria dos Jogos[1], ramo da matem´atica aplicada que estuda situa¸c˜oes estrat´egicas onde jogadores escolhem diferentes a¸c˜oes na tentativa de melhorar o seu retorno. Quando confrontados com a escolha de cooperar ou desertar, e apesar de ser mais proveitoso para uma popula¸c˜ao que todos os elementos cooperem, os individuos tendem sempre a desertarem, caindo na Trag´edia dos Comuns[2] - situa¸c˜ao em que indiv´ıduos agindo de forma independente e racional, de acordo com seus pr´oprios interesses, se comportam em contrariedade aos melhores interesses de uma comunidade, esgotando algum recurso comum. 2 Teoria Evolutiva dos Jogos e a emergˆencia de coopera¸c˜ao A teoria evolutiva dos jogos[3] difere da teoria cl´assica dos jogos, concentrando-se mais na dinˆamica da mudan¸ca de estrat´egia, influenciada n˜ao apenas pela qualidade das v´arias estrat´egias concorrentes, mas pelo efeito da frequˆencia com que essas diferentes estrat´egias concorrentes s˜ao encontradas na popula¸c˜ao. Baseia-se no facto que n˜ao exige que os jogadores ajam racionalmente, mas que tenham uma estrat´egia. Os resultados do jogo v˜ao testar o qu˜ao boa ´e essa estrat´egia. Em biologia, as estrat´egias s˜ao tra¸cos geneticamente herdados que controlam a a¸c˜ao de um indiv´ıduo. O ponto-chave do modelo da teoria evolutiva dos jogos ´e que o sucesso de uma estrat´egia n˜ao ´e determinado apenas pelo qu˜ao boa ´e a estrat´egia em si mesma, ´e uma quest˜ao de qu˜ao boa ela ´e na presen¸ca de outras estrat´egias alternativas e da frequˆencia com que outras estrat´egias s˜ao empregadas dentro de uma popula¸c˜ao concorrente. ´E tamb´em uma quest˜ao de qu˜ao boa uma estrat´egia joga contra si mesma, porque no mundo biol´ogico uma estrat´egia bem-sucedida acabar´a por dominar uma popula¸c˜ao e indiv´ıduos concorrentes nela acabam enfrentando estrat´egias idˆenticas `as suas. Os participantes no jogo evolutivo visam tornar-se mais aptos(fit) do que os concorrentes - para produzir tantas r´eplicas de si mesmo como poss´ıvel, e a recompensa ´e em unidades de fitness (valor relativo em poder
  • 2. reproduzir). ´E sempre um jogo multi-jogador com uma popula¸c˜ao muito grande de concorrentes. As regras descrevem o jogo como na Teoria dos Jogos cl´assica, mas para as regras dos jogos evolucion´arios incluem o elemento da dinˆamica do replicador, ou seja, as regras gerais dizem exatamente como os jogadores mais aptos v˜ao gerar mais r´eplicas de si mesmos na popula¸c˜ao e como os menos aptos ser˜ao eliminados. A dinˆamica do replicador na essˆencia modela o mecanismo da hereditariedade, mas para a simplicidade deixa para fora a muta¸c˜ao. Alguns modelos para emergˆencia de coopera¸c˜ao s˜ao: – Kin Selection: Afirma que qu˜ao mais relacionados os indiv´ıduos estiverem, mais probabilidade de coopera¸c˜ao existe. – Direct reciprocity: Afirma que a coopera¸c˜ao emerge com uma probabilidade maior, qu˜ao maior for a proba- bilidade de voltar a jogar com o mesmo jogador. – Indirect reciprocity: Baseia-se na ideia que se um indiv´ıduo tiver uma melhor reputa¸c˜ao leva a que mais indiv´ıduos cooperem com ele, e que quanto mais cooperarem melhor ser´a a sua reputa¸c˜ao. A coopera¸c˜ao emerge de forma a que mais tarde cooperem consigo. – Group Selection: Baseia-se na ideia que indiv´ıduos tendem a cooperar mais dentro do seu meio e a desertarem quando interagem com individuos de outros meios. – Network Reciprocity: Foca-se no facto que popula¸c˜oes reais n˜ao s˜ao bem misturadas, mas tˆem estruturas espaciais ou redes sociais que implicam que alguns indiv´ıduos interagem mais frequentemente do que outros. Uma abordagem para captar esse efeito ´e a teoria do gr´afico evolucion´ario, na qual os indiv´ıduos ocupam os v´ertices de um gr´afico. As arestas determinam quem interage com quem. Se um cooperador paga um custo, c, para cada vizinho receber um benef´ıcio, b, e os n˜ao-cooperadores n˜ao tˆem custos, e seus vizinhos n˜ao recebem benef´ıcios e a reciprocidade da rede pode favorecer a coopera¸c˜ao. 3 Simula¸c˜ao Para este estudo utilizamos uma simula¸c˜ao em Java e an´alise dos dados estat´ısticos em R. A escolha da linguagem de programa¸c˜ao Java deve-se ao facto da familiaridade e experiˆencia com esta, munido do facto de apresentar uma boa performance. J´a os motivos que levaram `a escolha da linguagem R caiem sobre a espe- cializa¸c˜ao desta poderosa ferramenta na produ¸c˜ao de gr´aficos de qualidade e outras componentes matem´aticas (regress˜ao linear). O ˆambito do problema implica a cria¸c˜ao e manuten¸c˜ao de uma popula¸c˜ao. Para isto criamos as seguintes espec´ıfica¸c˜oes, que s˜ao fixas durante todo o trabalho de pesquisa: - Tamanho da popula¸c˜ao: 600 indiv´ıduos - N´umero de Jogadores: 6 elementos - N´umero de gera¸c˜oes: 10.000 - N´umero de jogos: 600 jogos Para a dinˆamica do replicador utilizamos uma forma simples de aprendizagem social: imitar um vizinho aleat´orio com uma probabilidade que aumenta com a diferen¸ca de fitness entre os dois, como pode ser visto na figura 1. Isto levar´a a que quanto maior for o fitness de um ind´ıviduo maior ser´a a probabilidade de ser imitadoe e mais r´eplicas dele, mais especificamente da sua estrat´egia, existir˜ao. Como podemos ver na figura 2 valores a partir de 1 tornam a aprendizagem pr´oxima de determin´ıstica e o valor 0 torna a aprendizagem aleat´oria. Este facto foi comprovado atrav´es da an´alise do parˆametro beta numa simula¸c˜ao, em que fixamos o Factor multiplicador em 3 (metade de N). Estes resultados podem ser vistos na figura 3. Para estudarmos o impacto do Factor multiplicador, fixamos beta=0,8. Os resultados, na figura 4, Fig. 1: Regra de aprendizagem comprovam que quando o F ´e maior que N(n´umero de jogadores), a coopera¸c˜ao emerge. Isto deve-se ao facto 2
  • 3. Fig. 2: Impacto do factor beta na probabilidade de imita¸c˜ao que contribuir leva sempre a um aumento do payoff. Para valores inferiores a N, a popula¸c˜ao evolui de forma a que as ofertas tendam para 0. Para F igual a N a coopera¸c˜ao ´e mantida mas n˜ao emerge mais. Desta forma concluimos que em jogos de bens p´ublicos a procura de cada individuo em ter o melhor fitness individual leva `a ausˆencia de coopera¸c˜ao, tal como previsto. Fig. 3: Impacto do beta na coopera¸c˜ao. 3
  • 4. Fig. 4: Impacto do factor Multiplicador na coopera¸c˜ao. 4 Honra e Vergonha Para estudarmos o impacto da honra e vergonha, inicialmente fixamos beta=0,8 e factor=3. Assumimos que tanto a honra como a vergonha s˜ao uma percentagem entre 0 e 100%, que implica um desconto ou uma bonifica¸c˜ao relativamente a uma parte do lucro colectivo do jogo. Assumimos que no caso em que v´arios jogadores dˆeem a melhor contribui¸c˜ao simultaneamente, a bonifica¸c˜ao ´e distribu´ıda entre eles e o mesmo acontece com a vergonha. Como se pode observar na figura 5 conclu´ımos que a honra tem efeito na coopera¸c˜ao para valores a partir de 50% o valor do lucro do jogo. J´a na figura 6 pode ver-se a vergonha a ter impacto a partir de 70%. Finalmente na figura 7 podemos ver o impacto na coopera¸c˜ao quando ambos os factores s˜ao aplicados em conjunto. Estud´amos tamb´em o impacto de diferentes regras de atribui¸c˜ao de honra e vergonha. Para al´em da regra anterior podemos ver o que acontece quando o factor ´e atribu´ıdo uniformemente, ou seja, quando um jogador ´e simultaneamente o mais ego´ısta ao mesmo tempo que outros, todos levam a penaliza¸c˜ao por inteiro. O mesmo acontece com a honra, (figura 8). Podemos tamb´em ver o que acontece quando a bonifica¸c˜ao ou penaliza¸c˜ao ´e dada aleat´oriamente a 1 dos jogadores que deram simultaneamente a melhor/pior contribui¸c˜oes (figura 9). Estes resultados apesar de n˜ao mostrarem um impacto forte na coopera¸c˜ao, apresentam algumas consequˆencias interessantes: especialmente no caso em que a bonifica¸c˜ao ´e dada aleat´oriamente o impacto da honra desvanece-se significativamente. Estes resultados poderiam ter um impacto significativo por exemplo quando um governo para estimular as contribui¸c˜oes ao estado, tivesse de escolher entre atribuir um beneficio fiscal na forma de dinheiro distribuido entre todos os melhores contribuidores ou entregar um s´o beneficio aleat´oriamente a um dos melhores. Na sequˆencia deste tema, uma outra experiˆencia interessante seria modelar o que acontece quando o beneficio ´e entregue aleat´oriamente a qualquer um dos individuos em jogo, desde que estes cooperem, ou seja desde que contribuam com qualquer valor acima de 0. Este modelo ´e uma analogia `a pr´atica realizada pelo Fisco Portuguˆes, que sortea um carro aos contribuintes para assim estimular a declara¸c˜ao de faturas (coopera¸c˜oes). Seria assim interessante verificar se este modelo de honra seria mais vantajoso para estimular a coopera¸c˜ao do que os anteriores. Podemos concluir que os resultados observados at´e ao momento foram bastante positivos. No entanto, num contexto real, nem sempre `a meios suficientes para multiplicar as contribui¸c˜oes totais por um factor t˜ao grande F=3. Assim, fixamos F=1.5 e observamos os resultados na figura 10, constatando um desvanecimento acentuado na coopera¸c˜ao em geral. 4
  • 5. Fig. 5: Impacto da Honra na coopera¸c˜ao. Fig. 6: Impacto da Vergonha na coopera¸c˜ao. Para melhor entendermos a ”velocidade” com que uma configura¸c˜ao Honra/Vergonha caminha em direc¸c˜ao aos m´aximos ou m´ınimos, podemos visualizar na figura 11 o declive das rectas destas configura¸c˜oes. Fazendo uso de regress˜ao linear conseguimos obter este declive, que para valores negativos apresenta tons de azul enquanto para valores positivos tons de verde. Nas primeiras 1000 gera¸c˜oes a utiliza¸c˜ao de valores Honra e Vergonha altos aceleram a coopera¸c˜ao. Com o passar das gera¸c˜oes esta acelera¸c˜ao faz um shift, fazendo com que valores medianos de Honra e Vergonha procurem mais ”avidamente” chegar a offers mais altas enquanto valores altos de Honra e Vergonha descansam tranquilos nas suas offers j´a alcan¸cadas. 5
  • 6. Fig. 7: Impacto da Vergonha e da Honra em conjunto na coopera¸c˜ao. Fig. 8: Impacto da Vergonha e da Honra em conjunto na coopera¸c˜ao, quando estes factores s˜ao aplicados uniformemente. 6
  • 7. Fig. 9: Impacto da Vergonha e da Honra em conjunto na coopera¸c˜ao, quando estes factores s˜ao aplicados aleatoriamente. Fig. 10: Impacto da Vergonha e da Honra em conjunto na coopera¸c˜ao quando F=1.5 7
  • 8. Fig. 11: Aproxima¸c˜ao ao declive das diferentes curvas nas primeiras 1000 gera¸c˜oes seguido das gera¸c˜oes entre 4000 e 6000 5 Conclus˜ao N˜ao existem d´uvidas sobre os resultados obtidos em simula¸c˜ao. A Honra e Vergonha tˆem de facto um papel importante na coopera¸c˜ao. Se nos abstra´ırmos das assump¸c˜oes necess´arias `a simula¸c˜ao, conseguimos recolher um impacto semelhante entre a Honra e Vergonha, sempre que aplicados estes ajudam a coopera¸c˜ao a emergir. Naturalmente estas duas caracter´ısticas muito humanas podem ser modeladas de diversas maneiras. Como consequˆencia dessas modela¸c˜oes os resultados podem ser bastante diferentes, visto muito sucintamente na simples forma de distribui¸c˜ao de Honra aquando empate entre os melhores contribuidores. Serve ent˜ao este projecto como catapulta para um enorme mundo de possibilidades naquilo a que bati- zamos como Engenharia da Coopera¸c˜ao. A arquitectura da nossa solu¸c˜ao poder´a servir como base a futuros trabalhos de pesquisa na ´area, assim como os resultados e experiˆencia adquirida. References 1. Binmore, K. G, “Game Theory and the Social Contract Vol. 1, Playing Fair (MIT Press, Cambridge, MA, 1994).” 2. Hardin, G, “The tragedy of the commons. Science 162, 1243–1248 (1968).” 3. Hofbauer, J. - Sigmund, K, “Evolutionary Games and Population Dynamics (Cambridge Univ. Press, Cambridge, 1998).” 8