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por João Aníbal Henriques
Um dos piores flagelos que afectou Portugal ao longo da
sua História, foi a guerra civil, decorrida entre 1828 e 1834,
que opôs os reis e irmãos D. Miguel e D. Pedro IV numa
luta fratricida que quase destruiu o País.
D. Pedro de Alcântara de Bragança, filho primogénito do Rei
Português D. João VI, recebeu em 1820 a incumbência do
seu pai de ficar no Brasil em seu nome, com a função de
príncipe regente. Devia, durante a ausência do pai na
metrópole para tratar dos assuntos relacionados com a
Revolução Liberal, representar a Coroa de Portugal nas
terras de além-mar. Mas, pressionado pelos liberais
Portugueses a regressar à metrópole e a fazer regredir o
estatuto autonómico do Reino do Brasil, o príncipe cede aos
interesses da antiga colónia e, num acto de traição da
Portugal, é aclamado Imperador do Brasil, no dia 12 de
Outubro de 1822, depois de ter proclamado a
independência do novo reino num episódio que passou a
designar-se como o “Grito do Ipiranga”.
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3. A solução de governabilidade e sucessão encontrada depois da morte de Dom João VI, passava pela
colocação no trono Português da sua neta D. Maria da Glória, filha primogénita do seu filho brasileiro,
que deveria desposar, para garantir o sustento jurídico do seu vínculo Real, o seu tio Dom Miguel de
Bragança. Dado que a legislação em vigor não permitia que um só monarca acumulasse dois tronos e
a praxis jurídica Portuguesa determinava o ‘Grito do Ipiranga’ como um acto de traição à Pátria fazendo
cessar quaisquer direitos sucessórios que o seu promotor pudesse ter, este acordo adaptava-se às
circunstância e selava-se assim um pacto que garantia a soberania de Portugal e do Brasil, ao mesmo
tempo que se acautelavam os interesses das duas Nações no xadrez político que estava a definir
novas fronteiras no Mundo de então.
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4. Mas, como nem sempre a linearidade dos acontecimentos se compadece com as
necessidades do dia-a-dia, os interesses específicos do Brasil, de França e da Inglaterra,
misturados ainda com o clima de tensão que nunca se diluiu relativamente à presença
Holandesa em terras de Vera Cruz, acabaram por determinar uma alteração substancial nos
compromissos políticos assumidos. O Imperador do Brasil, com o apoio dos liberais ingleses,
cujos interesses eram muitos e muito variados em Portugal, recebeu a incumbência de
recuperar a Coroa Nacional, alegando que o seu irmão, entretanto aclamado Rei pelo povo
português, havia quebrado o pacto e o juramento feito à Carta Liberal.
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Dom Miguel, de espírito
vivo e de coração
profundamente vincado
pelos interesses da
Nação Portuguesa, não
acatou as ordens do
irmão brasileiro e recu-
sou responder de forma
cabal aos interesses
ingleses. E o resultado,
de todos bem conhecido,
foi uma guerra civil
terrível que dividiu o País
em dois e que teve como
principal consequência
um estado de perma-
nente dependência relati-
vamente a Inglaterra.
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nos Açores
6. O regresso à política municipalista, recuperando
práticas antigas do Portugal de antanho, foi uma
das medidas mais populares tomadas pelo novo
Rei. Dando um passo atrás e recuperando
valores associados ao absolutismo, renegando
políticas estrangeiradas que haviam entrado em
Portugal através de organizações de índole
sobretudo inglesa e francesa e que nada tinham
a ver com a tradição local, Dom Miguel alcança
o apoio incondicional do povo, da nobreza
tradicional e da Igreja. Mas o esforço
diplomático internacional levado a cabo pela
Coroa, querendo fazer reconhecer o rei, apenas
consegue o apoio dos recém-nascidos Estados
Unidos da América e do Vaticano, tendo-se
debatido com o firme silêncio das restantes
nações europeias.
O seu irmão, Imperador Dom Pedro I do Brasil,
por seu turno, desenvolve contactos no mesmo
sentido com os mais importantes movimentos
liberais e para-maçónicos da Europa. Tendo
conseguido o seu apoio, que tinha como
principal objectivo o recuperar desses valores
políticos liberais, acaba por abdicar do trono
brasileiro, onde deixou o seu filho mais velho
que foi aclamado como Imperador Dom Pedro II
do Brasil, e regressa a Portugal com o objectivo
de usurpar o trono.
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A guerra civil entre absolutistas e liberais, apoiantes de Dom Miguel e de Dom Pedro, começa assim a
dilacerar o País, impondo um clima de terror absoluto que vai mudar durante muitos anos a existência
dos Portugueses. Começando por ser favorável aos miguelistas, que contavam com o apoio da maior
parte dos Portugueses, o rumo da guerra mudou de forma inexorável quando Dom Pedro recebe o
apoio dos ingleses. Depois de desembarcar nos Açores, onde transformou a Ilha Terceira e a Cidade de
Angra no seu quartel-general, Dom Pedro lança uma série de ofensivas bem conseguidas contra o
exército Português, alcançando vitórias que acabarão por ser vitais para o controle efectivo de
Portugal.
A dureza das batalhas, bem documentada através da longevidade que a sua memória alcançou, teve o
seu apogeu precisamente no Arquipélago dos Açores, que serviu de cenário para alguns dos seus mais
ensanguentados episódios.
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No Alto da Memória, num flanco sobranceiro à cidade de Angra do
Heroísmo, existe ainda hoje um estranho obelisco de forma piramidal,
conhecido como o “Obelisco da Memória” que recorda essas batalhas.
Erigido em 1856, foi feito com pedras retiradas do antigo Castelo dos
Moinhos e integrando uma pedra trazida do porto da cidade, que teria
sido lendariamente a primeira pedra pisada pelo Rei Dom Pedro IV
quando chegou à Ilha Terceira.
A sua estética profundamente maçónica, com a sua estrutura piramidal
que não nega a sua origem estrangeira, assenta numa vasta e
complexa estrutura simbólica que traduz de forma muito assertiva o
conjunto de valores e princípios que determinaram o apoio europeu ao
Rei Dom Pedro. É essa influência, aliás, que melhor explica a
dicotomia entre um país que genericamente apoiava o seu rei
absoluto, Dom Miguel, e que se confrontou com as movimentações
liberalizantes que pouco ou nada tinham a ver com as práticas reais
em Portugal.
Mais do que a evolução das mentalidades que sustentavam a Coroa
de Portugal, o obelisco piramidal do Alto da Memória, em Angra do
Heroísmo, é a chave que permite interpretar as muitas mudanças que
o País conheceu daí em diante e que, na sua generalidade, se
prolongam até hoje no devir quotidiano dos Portugueses.
Deve ser visitado e conhecido, num esforço de interpretação que deixa
antever aquilo que outrora foi Portugal.
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