1. OBRA POÉTICA DE FERNANDO PESSOA
O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.
Fernando Pessoa; Autopsicografia.
Considera-se que a grande criação estética de Pessoa foi a invenção heteronímica que
atravessa toda a sua obra. Os heterónimos, diferentemente dos pseudónimos, são
personalidades poéticas completas: identidades que, em princípio falsas, se tornam
verdadeiras através da sua manifestação artística própria e diversa do autor original.
Entre os heterónimos, o próprio Fernando Pessoa passou a ser chamado ortónimo,
porquanto era a personalidade original. Entretanto, com o amadurecimento de cada
uma das outras personalidades, o próprio ortónimo tornou-se apenas mais um
heterónimo entre os outros. Os três heterónimos mais conhecidos (e também aqueles
com maior obra poética) foram Álvaro de Campos, Ricardo Reis e Alberto Caeiro. Um
quarto heterónimo de grande importância na obra de Pessoa é Bernardo Soares, autor
do Livro do Desassossego, importante obra literária do século XX. Bernardo é
considerado um semi-heterónimo por ter muitas semelhanças com Fernando Pessoa e
não possuir uma personalidade muito característica, ao contrário dos três primeiros,
que possuem até mesmo data de nascimento e morte (excepção para Ricardo Reis,
que não possui data de falecimento). Por essa razão, José Saramago, laureado com o
Prémio Nobel, escreveu o livro O ano da morte de Ricardo Reis.
Através dos heterónimos, Pessoa conduziu uma profunda reflexão sobre a relação
entre verdade, existência e identidade. Este último factor possui grande notabilidade
na famosa misteriosidade do poeta.
Com uma tal falta de gente coexistível, como há hoje, que pode um
homem de sensibilidade fazer senão inventar os seus amigos, ou quando
menos, os seus companheiros de espírito[11]
Entre pseudónimos, heterónimos, semi-heterónimos, personagens fictícias e poetas
mediúnicos, contam-se 72 nomes.
Heterónimos:
ÁLVARO DE CAMPOS
Entre todos os heterónimos, Campos foi o único a manifestar fases poéticas diferentes
ao longo de sua obra. Houve três fases distintas na sua obra:
1ª Fase – Decadentista:
Nesta fase o poeta exprime o tédio, o cansaço e a necessidade de novas sensações.
2ª Fase – Futurista/Sensacionista:
Nesta fase, Álvaro de Campos celebra o triunfo da máquina e da civilização moderna.
3ª Fase – Intimista/Pessimista:
2. A fase intimista é aquela em que, perante a incapacidade das realizações, traz de
volta o abatimento.
Como temáticas destacam-se: a solidão interior, a incapacidade de amar, a descrença
em relação a tudo, a nostalgia da infância, a dor de ser lúcido, a estranheza e a
perplexidade, a oposição sonho/realidade – frustração.
Expressividade da linguagem
Nível fónico
a) Poemas muito extensos e poemas curtos; b) Versos brancos e versos rimados; c)
Assonâncias, onomatopeias exageradas, aliterações ousadas; d) Ritmo
crescente/decrescente ou lento nos poemas pessimistas.
Nível morfo - sintáctico
a) Na fase futurista, excesso de expressão: enumerações exageradas, exclamações,
interjeições variadas, versos formados apenas com verbos, mistura de níveis de
língua, estrangeirismos, neologismos, desvios sintácticos; b) Na fase intimista,
modera o nível de expressão, mas não abandona a tendência para o exagero.
Nível semântico
a) Apóstrofes, anáforas, personificações, hipérboles, oximoros, metáforas ousadas,
polissíndetos.
RICARDO REIS
Ricardo Reis procura atingir a paz e o equilíbrio sem sofrer, através da
autodisciplina e das seguintes doutrinas gregas: o epicurismo, que procura a
tranquilidade da alma; e o estoicismo, que pretende alcançar a felicidade.
Porém, Reis admite a limitação e a fatalidade desta condição humana, e pretende
chegar à morte de mãos vazias de modo a não ter nada a perder; e inspirado na
mitologia clássica, considera a vida como uma viagem cujo fluir e fim é inevitável.
Estilo
Poesia com muitas alusões mitológicas, com uma linguagem culta e precisa, sem
qualquer espontaneidade. Estilo neoclássico influenciado pelo poeta latino Horácio,
com utilização frequente da ode. Uso de um vocábulo culto e alatinado com O principal
recurso ao hipérbato. Emprego do gerúndio e do imperativo (ou conjuntivo com valor
de imperativo) com carácter exortativo, ao serviço do tom sentencioso e do carácter
moralista presentes nos seus poemas.
3. Aspectos temáticos Aspectos formais
Uso de vocabulário erudito e
Harmonia entre o epicurismo e o estoicismo;
preciso;
Autodisciplina, renunciando às fortes emoções; Recurso a arcaísmos;
Formas estróficas e métricas de
Procura da tranquilidade;
influência clássica – Ode.
Renúncia da vida através da recusa do amor e da Influência latina através da
consciência da inutilidade do esforço de mudança; anástrofe e do hipérbato;
Elogio do carpe diem; Predomínio da subordinação;
Uso frequente de advérbios de
Elogio da vida campestre;
modo;
Fatalismo – o destino é força superior ao homem; Recurso ao gerúndio;
Aceitação calma do destino; Uso do imperativo;
Diálogo permanente com um
Obsessão da efemeridade da vida;
"tu" – coloquialidade.
Consciência da velocidade do tempo;
Aparente tranquilidade, na qual se reconhece a
angústia existencial do ortónimo;
Os deuses também estão sujeitos ao Fado e
alusões mitológicas.
ALBERTO CAEIRO
Temas
Foi um poeta ligado à natureza, que despreza e repreende qualquer tipo de
pensamento filosófico, afirmando que pensar obstrui a visão ("pensar é estar doente
dos olhos").
Os seguintes temas são os mais abordados ao longo da sua poesia e os seus
respectivos chavões de identificação.
Objectivismo:
o atitude antilírica;
o atenção à eterna novidade do mundo;
o poeta da Natureza;
Sensacionismo:
o poeta das sensações verdadeiras;
o poeta do olhar;
o predomínio das sensações visuais e auditivas;
Antimetafísico:
o recusa do pensamento e da compreensão (pensar é estar doente dos
olhos)
o recusa do mistério e do misticismo;
4. Panteísmo naturalista:
o Deus está na simplicidade e em todas as coisas.
Estilo
Estilo discursivo.
Pendor argumentativo.
Transformação do abstracto no concreto, frequentemente através da
comparação.
Predomínio do substantivo concreto sobre o adjectivo.
Linguagem simples e familiar.
Liberdade estrófica e métrica e ausência de rima.
Predomínio do Presente do Indicativo.
Raro uso de metáforas.