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Pobreza ·.urb·ana
CoLEÇ-10 MILTON SANTOS 16
Pobreza Urbana
Reitora
Vice-reitor
Diretor-presidente

UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
Suely Vilela
Franco Maria Lajolo
EDITORA DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
Plinio Martins Filho
COMISSÃO EDITORIAL
Presidente José Mindlin
Vice-presidente Carlos Alberto Barbosa Dantas
Adolpho José Melfi
Benjamin Ahdala Júnior
Maria Arminda do Nascimento Arruda
Nélio Marco Vincenzo Bizzo
Ricardo Tuledo Silva
Diretora Editorial Silvana Biral
Editoras-assistentes Marilena Vizentin
Carla Fernanda Fontana
MILTON SANTOS
Pobreza Urbana
Com uma bibliografia internacional
organizada com a colaboração de
Maria Alice Ferraz Abdala
Copyright© 1978 by Família Santos
1~ edição 1978 (Hucitec)
2~ edição 1979 (Hucitec)
3~ edição 2009 (Edusp)
Edição atualizada segundo o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa
Ficha catalográfica elaborada pelo Departamento
Técnico do Sistema Integrado de Bibliotecas da USP
Santos, Milton, 1926-2001.

Pobreza urbana I Milton Santos; com uma bibliografia interna-
cional organizada com a colaboração de Maria Alice Ferraz Abdala.
- 3.ed. -São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2009.
136 p.; 14 x 21 cm - (Coleção Milton Santos ; 16).
ISBN 978-85-314-1158-8
1. Geografia urbana. 2. Sociologia urbana. L Abdala, Maria
Alice Ferraz. II. Titulo. III. Série.
Direitos reservados à
Edusp - Editora da Universidade de São Paulo
Av. Prof. Luciano Gualberto, Travessa J, 374
6º andar - Ed. da Antiga Reitoria - Cidade Universitária
05508-010 - São Paulo - SP - Brasil
Divisão Comercial: Te!. (11) 3091-4008 / 3091-4150
SAC (l l) 3091-2911 - Fax (11) 3091 -4151
www.edusp.com.br - e-mail: edusp@usp.br
Printed in Brazil 2009
Foi feito o depósito legal
CDD 307.76
SUMÁRIO
Apresentação..........•••..••.•...•.....•••..••.......••...•••...•••.•.........•••.•......••••.•.•• 9
POBREZA URBANA
PODE-SE DEFINIR A "POBREZAii? ••••····•••••••••••••••••·••·•·•••••••••••···•••••••••··
13
'· EXPLICAÇÕES PARCIAIS DA POBREZA URBANA ··••••••••••····•••••••••••·••••·••••••
23
)-
A POBREZA URBANA NO TERCEIRO MuNDo:
MARGINALIDADE OU BIPOLARIZAÇÃO? ••••.•.•...•••••.••••••..•••..•••.•••••••.••••.••• 35
4·
Q CIRCUITO INFERIOR, CHAMADO "SETOR INFORMALii ·POR QUt? ....... . 57
S·
TEORIAS DO DESENVOLVIMENTO E DA POBREZA:
CONSUMISMO OU IGUALITARISMO? ..................................................... . 77
Bibliografia Internacional.................................................................... 87
1
APRESENTAÇÃO
O
problema da pobreza ganhou, em nossos dias, uma atualidade
incontestável por duas grandes razões: em parte pela gene-
ralidade do fenômeno que atinge a todos os países, embora
em particular aflija mais duramente os países subdesenvolvidos, mas
também pelo fato de que a urbanização galopante que estes últimos co-
nhecem _é acompanhada P~ia-e~p-~~;ã~:-;~~~~~~;ig~;i~d~~;p;~São
~a pobr~z~, ~~·s~~-q~~-e~t~·Sé'âp~esente de fúfrn~·p~rti'Zular ~especifi~a
em cada país e nas diferentes cidades de um mesmo país.
Este livro, dedicado a esse tema, compõe-se de duas partes: a primei-
ra procura colocar a questão de forma crítica, enquanto a segunda
pretende oferecer uma bibliografia internacional do assunto.
Na primeira parte retomamos a árdua questão da definição da po-
breza (Capítulo 1 - Pode-se Definir a "Pobreza"?), para indagar, em
seguida, se o problema não tem sido frequentemente colocado de modo
equívoco (Capítulo 2-Explicações Parciais da Pobreza Urbana). Mais
adiante (Capítulo 3 -A Pobreza Urbana no Terceiro Mundo: Margina-
lidade ou Bipolarização?), tentamos resumir um debate, apaixonante
na época em que se fez, sobre o problema da "marginalidade", e ao
mesmo tempo sugerimos um enfoque que leva em conta a existência,
na economia urbana, de dois circuitos interdependentes mas hierarqui-
camente organizados: o circuito superior e o circuito inferior. Este vem
sendo chamado de "setor informal", denominação que permite uma
discussão aprofundada, levando dos aspectos semânticos e filosóficos
ao lado propriamente político da questão (Capítulo 4 - O Circuito
Inferior, Chamado "Setor Informal''. Por quê?). Finalmente, discutimos
as relações entre pobreza e teoria do desenvolvimento, para avançar
algumas ideias relativas à esperada possibilidade de extinção dessa
chaga que se alastrou no mundo ao mesmo tempo em que a economia
conhecia índices de crescimento favoráveis (Capítulo 5 - Teorias do
Desenvolvimento e da Pobreza: Consumismo ou Igualitarismo).
Quanto à bibliografia, ela está long, de ser completa. Os títulos que
aí reunimos, somando cerca de oitocentos, permitirão, todavia, ao leitor
melhor situar-se, diante de um elenco de informações oriundo de diver-
sas partes do mundo e atendendo a diversas tendências do pensamento
social. Estamos certos de que muitos trabalhos de valor escaparam ao
nosso recenseamento, e nos protegemos dessa falha no triste consolo de
que tarefas desse tipo terminam sempre por cometer injustiças, ainda
que involuntárias. Nesse trabalho fui pacientemente ajudado pela geó-
grafa Maria Alice Ferraz Abdala, que se dispôs ao ingrato trabalho de
percorrer bibliotecas e completar a documentação também por outras
vias. Desejo exprimir-lhe, aqui, meu reconhecimento e minha gratidão.
A publicação deste volume foi possível graças à colaboração que nos
foi oferecida pela Universidade Federal de Pernambuco, na ocasião em
que se realiza no Recife o Seminário Nacional sobre Pobreza Urbana
e Desenvolvimento (4 a 7 de dezembro de 1978), promovido pelo
Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento Urbano (mestrado).
Um agradecimento particular é, aqui, endereçado ao professor Adalmi
Beserra Alencar, que teve a iniciativa de me sugerir esse trabalho.
MILTON SANTOS
Outubro, 1978
POBREZA URBANA
l
PODE-SE DEFINIR A "POBREZA"?
A
abordagem do problema da pobreza nos países subdesenvol-
vidos é cheia de dificuldades e ciladas. As dificuldades são
encobertas pelos deficientes instrumentos de pesquisa, tais
como estatísticas e classificações duvidosas, enquanto a confusão a
respeito dos objetivos e as formulações teóricas falsas ou incompletas
representam verdadeiras arapucas.
?1</: ~- - '
A FAL~NCIA DAS ESTATÍSTICAS 'Jt ~ t)<>J:sLu~
A maioria dos escritores queixam-se de que as estatísticas são inade-
quadas, por não serem adaptáveis ou por serem insuficientes, ou ainda
devido a problemas de interpretação - frequentemente insatisfatória
-, isso para não mencionar a manipulação (Aguilar, 1974, p. 166) que
é feita sob o pretexto de ajustá-las às condições locais, ou até mesmo
com finalidades abertamente políticas (Feder, 1973, pp. 5-6).
As perguntas essenciais se subordinam a um modelo internacional
(Santos, 1972). As pesquisas realizadas por organizações locais ou por
pesquisadores independentes para compensar as deficiências dos re-
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sultados são, infelizmente, muito poucas e pouco acessíveis. Isso coloca
problemas fundamentais e torna mesmo difícil qualquer tentativa de
comparação ou de compreensão das realidades locais. Frequentemente,
o trabalho desenvolve-se com material mal selecionado e interpretado
erroneamente, visto que a elaboração das estatísticas é feita obede-
cendo a uma transferência de conceitos elaborados para a Europa ou
América do Norte e aplicados nos países subdesenvolvidos. O peso
das ideias feitas, a lei do mínimo esforço, o prestígio do exemplo, tudo
contribui para manter um instrumento de pesquisa baseado em ideias
preconcebidas.
É evidente que não se 2ode dispensar infQ!'~Matístic~~.IJ!ªS
é preciso recusar_a essas informações .!!!!l__''.alc~..~--próprio e suficiente.
As estatísticas só expressam a reali:lade quando recolhidas através de
uma teoria válida; estatísticas e teoria se completam.
No que diz respeito às estatísticas já existentes, o problema não é
simplesmente abandoná-las sem maior consideração, e sim selecioná-las
e usá-las com aquele senso crítico agudo reivindicado por Polly Hill
(1966, p. 18). Isso poderia autorizar que fossem usadas totalmente,
em parte, ou simplesmente desprezadas. Assim, a utilização de dados
estatísticos numa estrutura de análise e interpretação suscita problemas
metodológicos, o que nos leva novamente aos problemas teóricos.
As estatísticas dependem de uma compreensão sistemática, do meca-
nismo dos fenômenos que se quer estudar. Há necessidade, portanto,
de categorias analíticas que permitam a obtenção de dados e também
a correção dos não confiáveis, o que ajudará na escolha das pesquisas
complementares necessárias. Com efeito, segundo Ch. Bettelheim
(1952), "toda medida implica na elaboração do conceito daquilo que
é medido [...] Uma medida resulta de um processo de abstração que,
desde o início, elimina totalmente certas qualidades". Seria portanto
necessário reexaminar e renovar nossos conceitos, antes mesmo de
coletar estatísticas (McGee, 1971, p. 68). Em outras palavras, são os
conceitos, ou seja, a elaboração teórica, que assumem o papel primor-
dial. A menos que o pesquisador seja consciente disso, os instrumentos
de pesquisa, e até mesmo os métodos, podem desempenhar um papel
determinante na construção teórica. Isso ocorre por exemplo com o
problema da definição de emprego, de desemprego e de subemprego.
Recentemente, Guy Caire (1971) deu uma interpretação apropria-
da das estatísticas de subemprego e desemprego, lembrando-nos que
esses conceitos
[...]quando aplicados àos países do Terceiro Mundo, exigem uma reinterpre-
tação e que as medidas estatísticas gerais ou específicas deixam muito a desejar;
por exemplo, o método da mais-valia (diferença entre a quantidade de trabalho
disponível e a quantidade de trabalho socialmente necessário, o que exige conse-
quentemente a escolha arbitrária de uma norma de produtividade) ou o método da
renda (número de trabalhadores de tempo integral, real ou potencial, que possuem
recursos abaixo de um determinado nível, o que leva a considerar o trabalho pro-
dutivo a longo prazo, curto prazo ou prazo indeterminado). Convém acrescentar
que é precária a adaptação dos coeficientes de emprego ativo, determinados pelos
recenseamentos, aos empregos tradicionais e às numerosas atividades organizadas
em torno das unidades familiares como unidades de trabalho.
A heterogeneidade das informações constitui outra dificuldade
encontrada ao se elaborar trabalhos mais meticulosos de comparação e
síntese. A pesquisa socioeconômica está interessada nos mais diferentes
temas em cada país, dependendo de seu nível econômico, da urgência
com que os problemas precisam ser resolvidos e das opções políticas e
interesses governamentais. Além do que os procedimentos adotados na
realização e execução do recenseamento variam com frequência, como
também variam os intervalos entre os recenseamentos.
Outro tipo de obstáculo é a definição dos limites urbanos. Os cri-
térios sobre o que é "urbano", quase tão numerosos quanto os países a
que se referem, sã'o tão diversos que não permitem nenhuma tentativa
de generalização. O mesmo ocorre em relação à noção de "terciário"
e "terciarização". A maioria dos trabalhos sobre o Terceiro Mundo
referem-se a uma terciarização da sociedade e da economia, e a uma
urbanização terciária. Na verdade, trata-se de uma expr.essão de
certo modo já clássica, usada para designar uma atividade nova. Por
exemplo, a população e as atividades que classificamos como sendo
o Circuito Inferior da economia urbana (Santos, 197la) não são ne-
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cessariamente terciárias, como também não o é o protoproletariado
estudado por McGee (1974). O uso de um.a ~~ectiva herdada - a
repartição tradicional da economia em setores primário, secundário e
terciário, uma divisão formal proposta por Colin Clark - é_ IJ~a
d~c.11.ldad~~.mLex.Plica.r,J)JL~lo__illffiQ§.em.avaliar_cor,r:<j;êUJ,.eJJJ:e
qs problemas.ligados.à.pob.n:za uas.çi.d<!.<k~. O aparelho estatístico é
prisioneiro de uma noção geral que não está de acordo com a reali-
dade. Outro inconveniente provém do fato de que atualrp.<o.n~e
muito mais atenção ao fenômeno das favelas do que mesmo _à situação
4ª. pobreza como um todo. Essa preferência aparece claramente nos
resultados estatísticos que frequentemente são de interesse mais antro-
pológico ou puramente econométrico que socioeconômico. Contudo,
seja qual for a motivação, o resultadA é o mesmo: o empobrecimento
da pesquisa e uma tendência para distorcer a compreensão global das
realidades do mundo "marginal".
É necessário, portanto, insistir na dificuldade de chegar a uma
comparação válida das situações nacionais. Dificilmente seria possível
uma comparação de variáveis isoladas, e isso mesmo só se poderia
obter após uma tentativa preliminar de identificação. Ademais, como
os fenômenos em questão são fatos essencialmente complexos - com-
postos portanto de variáveis múltiplas -, é preciso usar com cuidado
a estrutura estatística, e ir além dela. Do contrário, c:o_!'.!'.~-=~-..2.._risco
de apenas oferecer uma lista, que pode até ser prolífica, de variáveis
isoladas que caracterizam uma determinada situação, e ao mesmo
tempo bloquear guaisg~E!_?]uções. É imprescindível dominar o pleno
funcionamento das variáveis, sua tendência a reagir reciprocamente,
para poder então inferir leis, ou pelo menos reconhecer um comporta-
mento geral e características específicas. Isso para todos os fenômenos
sociais, inclusive a pobreza.
o QUE É POBREZA?
Certas definições, como a de Moore (1963), para quem a pobreza
é função de uma participação maior ou menor na modernização, f
restringem o problema a parâmetros de natureza puramente material.
O. Lewis (1969, p. 115) é ainda mais explícito quando afirma que se
pode obter uma descrição aproximada de pobreza definindo-a como
a incapacidade de satisfazer necessidades de tipo material.
Isso ajudaria a distinguir miséria de pobreza, como fizeram Sidney e
Beatrice Webb (1911)? Os pobres, por essa definição, seriam "aqueles
que têm um poder de compra mais reduzido que o considerado nor-
mal para o ambiente em que vivem". Os mjseráyeis estariam priY.ados
da sati~faç~o .k ·ª]ggmª>-4'!~....!lt:.C.W.idades Yitaiá._.4tunaneira que a
~~ú_d,~---~-.<l:_!o~i!~~~ª.!.9.E!!~r=~-e-iam_p~:_~~!:.i!-s__~ PºE.~º de fazer perigar
.a pfÓ!'fÍ.iLY.id.@.
Carter (1970, p. 58) introduz a noção de "relatividade" ao afirmar
que '~a riqueza só traz satisfação quando comparada com o nível de ~;, ,__, .
vida de outros". Ou seja, ~~estar satisfeito é ser suficientemente rico r..-,--{ '--.,
"-' ,-.,/
para não sofrer de inveja". Mesmo assim, permanece o problema de - ~
,...,."-"
definir em que consiste a necessidade. ()_)" "'..-
A questão da pobreza não pode, na verdade, ficar restrita a defi· ''
nições parciais. Já se tentou também estabelecer um limiar estatístico
e,xªto da pobre_Z.fu._1Qmªndo_co_mopo11to_de i;ef~rênc_i_a~ p()_r e_2'emplo,
s!'lários, e. ~()_i:a.s_.l;:. trabalhp. Mas a _n()ç~() fie "liu.ha_ d.e p.ubr.eza",
av~liada__4~~-~~~__[<;>.,i:_µi_a por órgão_~--~n-~er1:1:_~_~J?,na_i_s _i11t~r~s_§.açtQS...em iµ-
formações quantitativas, e por planejadores preocupados em oferecer
sol~es con~ªbeis, não consti~ui um parâmetr? válido e não_permite
SQmP"!.!'529· Conforme salientou J. K. Galbraith, a noção de "linha
de pobreza" nem ao menos conduz a uma medida precisa, sendo o
defeito mais grave o seu caráter estático: ~'Numa economia de cresci-
mento existe uma necessidade óbvia de definir o limiar da pobreza ou
de dar uma definição de pobreza que seja ao mesmo tempo relativa e
dinâmica" (1969, p. 252).
Os conceitos de recursos e necessidades são dinâmicos. A ideia de
escassez, um corolário dessas duas categorias, faz parte de sua própria
natureza. Qs__~'.!_çur_s_os...p_Q.fil..~~isposição ~do__Qgmem. em termos de
sua posição na escala soEi.al0JJJJ!.d.am.cQlll.O.J:~Jlll2Q _u:i..lugar, O valor
d~; r~cu;sos é igu~l;,:;en_t_e_relativo,_cjfl'f!1c!e11g9__ejl1_g,ande parte_!_a
'e
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"
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'o
estrutura daJ2!oducão e~ seus ob~tjyos f.Yru;!gmentai~. A noção de
pobreza, ligada desde o início à noção de escas.sez, não pode ser estática
nem válida em toda a parte.
A pobreza existe em toda a parte, mas sua definição érelativa a urna
determinada sociedade. Estamos lidando com uma 11oção historicarnen-
!edeterminada. É por isso que comparações de diferentes séries tem-
porais levam frequentemente à confusão. A combinação de variáveis,
assim como sua definição, mudam ao longo do tempo; a definição dos
fenômenos resultantes também muda. De que adianta afirmar que um
indivídit~~os pobre agora, em comparação à situação de dez a~os
.·;,,~ atrás, ou que é me!].q~J?~br~~~ ci~~de ell.!__c:.ompa;ação à-s~~ituaç-ão
~'!"~~ ~ ~-Q çampo se es~til!diyí_d_ttQ__pffeQ.1~~-~ftj~_<?_;~~~o.P~d--;ã~-~eVãf~~es,
inçlysjy~_.!!Q,,Q_~--~-e refere _aos bens rnftteriais? A 6.~i~~,-~~-~úd-;~d~
~-'!_atufil,_pada..~~u~á~;elati;~J~iP.(íjyíqµ9 11;1soci.~d.ade 'Lll!!_e .
pertrn_ç_e. Segundo Bachelard (1972) é mais importante compreender
um fenômeno do que medi-lo. b:!Iledi_q!l_.Ja.1?2.J:ir.e_z?-i..d..ada.'illttLde
1!.!:li~.!lê21'.Pt:J9.> 99i.<;.tix.us.q11.e a s.m;i~Jfad.f_d~tçrmino11.llªrn..s_i pxeígri;l.
É inútil procurar uma definição numérica para uma realidade cujas di-
mensões - agora e no futuro - serão definidas pela influência recíproca
dos fatores econômicos e sociais peculiares a cada país. Além do que
um indivíduo não é mais pobre ou IM.!!QU?.9.hr~~ue conso~rn
J'.()UC()E:_~'!()S ou..um pouco mais. A defill_!ção c!_e pobreza deve ir além
p ~ess<.!_12.e~"9.:1~"~--~-~~'.':_~!i~'!F.~_.~.i-~!:!~~-9. ~-º~~_p_q_;t _~95J~clª9e global à,_ 1
qy--ª· _p_~r"t~P:_.Ç~,_J2__o_~g:tJant.~ a pobr~za não é ªP.:C:::_I?:~~ u"m.fl;.~_8.tegoria eco-
nômic~2 ~as também urna categoria política acima ·de tu·d~-.-E~rãID;s
lida11do c~;. ~mproble~a socia'i. . .. ..... . .• - -
< cJ;_ r Ora, ~m fe~Ô;;;~-no tão Sf~tético e complexo não pode ser compreen-
~ E1<lido através do estudo isolado de fragmentos de informações. Somente
~ 8; Ium exame do contexto, responsável num dado momento por uma
~ : i determinada combinação, pode ser de alguma ajuda para a construção
: ~ Lde uma teoria coerente e capaz de servir como base para a ação.
•
~ Há, na verdade, diferentes tipos de pobreza, tanto a nível interna-
Oô
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cional quanto dentro de cada país. Por isso, não tem sentido procurar
uma definição matemática ou estática. Conforme acent11011 T B11chanan
(1972, p. 225) "o termo 'pobreza' não só implica um estado de privaç~o
~ateria! como também um modo de vida - e um conjunto complexo
~ duradouro de relacões e insrjrujções sociais. econômicas, culturais
~~9Jftjç·ª~ cria~~.~~a encontrar segurança dentro d~ uma situação
i~J~Y.ra". O assunto exige um tratamento dinâmico, no qual todo o
conjunto de fatores é levadç:> em conta - pois do contrário haverá ênfase
em soluções parciais que são mutuamente contraditórias. O problema
essencial e.stá na eâtrutpra analítica escolhida, ou seja, na tentativa de
urna teorização adequada. 4, fvJ.'4-.-..:.. d..o: .:::-:..-.:,.,1i...., "'"".1.r.1--...
e," J.,r ,,.,_.,_,,,: 1-''';Clf~' [i 0"'-l'l (rlVé,....., ..•
PLANEJAMENTO E ATRASO TEÓRICO
As teorias sobre o desenvolvimento - ou subdesenvolvimento - fo-
ram apresentadas como diretrizes para a correção de desigualdades
entre indivíduos, regiões ou países. O crescimento baseado no mo-
delo de países já industrializados começou - e continq.a sendo - a ser
considerado como a solução para o problema de desenvolvimento,
tend'o o planejamento corno instrumento de sua realização.
Entretanto, pode-se dizer que a própria ideia de planejamento contri-
buiu para atrasar a pesquisa das causas reais da pobreza. Pelo menos
durante os primeiros vinte anos que se seguiram à Segunda Guerra
Mundial, o planejamento era introduzido no Terceiro Mundo como uma
espécie de cavalo de Troia. O crescimento era, sem discussão, o objetivo
do planejamento, ainda que o sentido do crescimento fosse obscuro. As
teorias do crescimento especificavam necessidades que eram julgadas
essenciais, e o planejamento era aplicado para racionalizar a organização
e a utilização de recursos, sem levar ern conta as realidades locais. Ora,
como a tentativa de interpretar as realidades dos países subdesenvol-
vidos consistia principalmente em preparar uma lista de recursos para
permitir seu planejamento, aquilo que era elaborado e apresentado como
teoria podia não ajudar e, em certos casos, até mesmo trazer resultados
perniciosos, apesar do esforço que representava. As explicações estavam
intrinsecamente contaminadas, porque eram precedidas de uma definição
de objetivos: equivaliam a pôr o carro à frente dos bois.
o
N
Não é exagero, portanto, afirmar que o planejamento atrasou a
elaboração de uma adequada teoria de desenvolvimento, contribuin-
do dessa maneira, direta ou indiretamente, para criar ou agravar o
problema para o qual se devia oferecer uma solução. Devido à má
compreensão ou à compreensão incompleta de certos mecanismos, tais
como por exemplo a pobreza, foi fácil impor - de dentro ou de fora -
uma orientação ao planejamento, que tendia a desviar a pesquisa para
problemas menores, mantendo ou agravando assim o status quo.
TENTATIVAS DE EXPLICAÇÃO
Trinta anos passaram-se dessa fqrma, desde que os conceitos de
desenvolvimento e planejamento se impuseram como ideias-força, en-
quanto as desigualdades continuavam a crescer, não só a nível individual
como também a nível regional e internacional.
A extrema privação em que vivem atualmente milhões de indiví-
duos é objeto de copiosa literatura. A pobreza urbana - ou melhor, os
aspectos da pobreza vinculados à urbanização - alimentou uma ativi-
dade intelectual infatigável. Mas as explicações simplista$ ou falsas a
respeito do que é pobreza e como ela é criada, como funciona e evolui
continuam sendo o verdadeiro problema.
Devemos, talvez, insistir no fato de que há também um grupo
seleto de estudiosos cujo verbalismo rigoroso, como poderia ser cha-
mado, permite-lhes discorrer com inteligência a respeito de questões
superficiais, sem ir ao âmago do problema. E como classificar aqueles
que se satisfazem, conforme acentuam Browne e Geisse (1971, p. 17),
"em maximizar o criticismo sem o risco de se comprometerem com
a ação"?
Há muitas maneiras de esquivar-se ao problerri.a da pobreza, seja
tratando o assunto como uma questão isolada, seja ignorando que a
sociedade é dividida em classes. Existem também formas mais sutis
de encobrir a realidade. Já não se procurou fazer uma distinção entre
"favelas da esperança" e "favelas do desespero"? (Stoces, 1962). Já não
se afirmou que o pobre pode melhorar sua situação através do esforço
individual, da iniciativa pessoal ou da educação? É dessa maneira que
se alimenta a esperança da mobilidade ascendente, justificando, ao
mesmo tempo, a sociedade competitiva. Assim, a pobreza é conside-
rada apenas como uma situação transitória, um estágio necessário na
mobilidade social, evitando-se procurar ideias para mudar esse estado
de coisas. A pobreza deve'ser tolerada como "inerente às agruras do
crescimento econômico", de acordo com a atitude que McGee (1971,
p. 133) denuncia.
O problema da pobreza também pode ser abordado parcialmente.
A "crise urbana" seria o resultado da explosão demográfica, respon-
sável pelas migrações que contribuem para o agravamento dessa crise.
A falta de empregos seria a consequência da "pressão demográfica", e
responsável ao mesmo tempo pela manutenção da economia não mo-
derna ou tradicional, considerada como um obstáculo à modernização.
Entre os que apoiam essa análise encontram-se aqueles que aderiram
à teoria dualista e seus múltiplos disfarces. Há também aqueles que se
preocupam com os aspectos. políticos da pobreza, considerando-a um
perigo de explosão potencial. É fácil igualmente perder-se na discus-
são das circunstâncias que envolvem o comportamento dos pobres -
serão porventura conformistas ou não conformistas, conservadores
ou revolucionários? -, enquanto os aspectos centrais da questão são
contornados.
Essas duas abordagens - uma que procura evitar o problema da
pobreza, outra que seleciona certos aspectos da realidade - estão se
transformando em slogans multiplicados pelos meios de comunicação
de massa. E como as teorias são incoerentes, é muito mais simples
impor uma forma de planejamento que não conduz a nada. Por exem-
plo, ninguém se preocupa em verificar se existe uma contradição entre
considerar o êxodo rural pernicioso e as favelas cheias de esperança.
Impostos assim à opinião pública, os mitos tan1bém não deixam de
influenciar os investigadores sociais; e aqueles que desejam orientar-se
para uma visão mais global do fenômeno da pobreza, com freqnência
se sentem impotentes e se desiludem. Isso não significa que deixem
de procurar explicações coerentes dentro da dinâmica das condições
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atuais, solidamente apoiados no movimento geral da História. Sem esse
esforço seria impossível discernir as verdadeiras causas da pobreza e
procurar remediá-las.
REFERl:.NCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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2
EXPLICAÇÕES PARCIAIS DA POBREZA URBANA
P
or que existem pobres? Que explicação poderíamos dar a
esse problema qu~ tem suscita~o ~ma _multiplicidade de inte~­
pretações, as quais, em sua ma1or1a, nao fornecem uma expli-
cação satisfatória?
É inquietante, por exemplo, que ainda haja pesquisadores tentando
explicar o fenômeno por meio de dados climáticos! Mas A. Karmack
(1973) dá-nos uma versão renovada das ideias de Huntington, para
quem o clima estava no centro de todas as explicações. Outros, sabendo
manejar as estatísticas a seu bel-prazer, creem que a educação é um ins-
trumento indispensável para integrá-los ao processo de modernização.
Essa explicação, que confunde uma coincidência com uma relação cau-
sal, considera (C. G. Langoni, 1973, por exemplo) os pobres como se
tivessem algum poder de decisão sobre a qualidade e o tipo de educação
que lhes é destinada, e como se o processo de educação não fosse, ele
próprio, condicionado pelas necessidades da produção. Como essas
necessidades são ditadas por interesses que mudam rapidamente e cujo
epicentro é frequentemente distante, há uma defasagem permanente
no tempo e nos objetivos, e os países do Terceiro Mundo não teriam a
possibilidade de adaptar o aparelho escolar às necessidades emergentes
e tampouco aos verdadeiros interesses nacionais.
A insuficiência da produção agrícola também é indicada como uma
causa da pobreza. Como os citadinos pobres têm que destinar uma im-
portante parte da renda à alimentação e os gêneros alimentícios custam
caro, os dois fenômenos foram assimilados numa relação de causa e
efeito. Contudo, ocorre que não somente a produção agrícola não é
toda ela destinada à alimentação, como também a produção alimentar
de um país nunca é totalmente consumida dentro de suas fronteiras.
Do mesmo modo, uma parte crescente da alimentação nacional, e so-
bretudo urbana, é assegurada pelas importações que provocam uma
queda da produção alimentar, por uhn processo de causação circular
negativa (feedback).
EXPLOSÃO DEMOGRÁFICA E ÊXODO RURAL
É frequente imputar-se a pobreza, e sobretudo a pobreza urbana,
ao crescimento demográfico. Para os que gostam da construção de
gráficos, a tarefa pode ser apaixonante e muito simples: a curva da
população e a das carências aumentam simultaneamente. Usa-se,
portanto, um paralelismo para uma relação causal. Para o resto, o
problema é facilmente resolvido: basta retomar as ideias de Malthus ou
alinhar mecanicamente as cifras de evolução demográfica ao lado das do
aumento do produto. É, portanto, fácil concluir que qualquer esforço
de crescimento é finalmente absorvido pelo aumento da população. O
cálculo das rendas per capita não é feito pela posição do crescimento
demográfico em relação ao crescimento econômico?
Um raciocínio mecânico conduz a outro: a limitação do cresci-
mento demográfico é considerada como indispensável à eficácia da
manutenção do crescimento econômico. A expansão demográfica é
encarada como um verdadeiro "sinal de alarme" (Kishor e Singh,
1969, p. 241), e provocaria um verdadeiro desastre nos países subde-
senvolvidos, pela criação de um desequilíbrio no plano dos recursos.
É, como diria Polanyi, um verdadeiro caso de ostentação estatística,
baseado no fetichismo das taxas de crescimento (Lassudrie-Duchêne,
1966)1. Esquece-se que, em outras fases da história, o crescimento
demográfico foi contemporâneo do crescimento econômico, tanto
nos países desenvolvidos como nos países subdesenvolvidos. Por ou-
tro lado, o chamado "pro~lema demográfico" em geral não aparece
nos países de baixo nível de renda e de desenvolvimento. A pobreza
atual das massas do Terceiro Mundo não é explicável pela explosão
demográfica2• Urna e outra estão ligadas, direta ou indiretamente, a
influências "externas" ao país.
Ligado ao fenômeno precedente (demográfico), o êxodo rural - que
assumiu proporções importantes na década de 1950-também foi incri-
minado. Quantas vezes nos estudos das ciências humanas, assim corno
nos documentos dos planejadores, não lemos que a economia urbana
não estava em condições de acolher a grande quantidade de migrantes,
responsabilizados assim não somente por seu próprio empobrecimento
como também pelos dos centros urbanos?
Mas as migrações não podiam ser consideradas como causa direta
do processo de marginalização, diz Munoz García (1971, p. 91). Não
teriam elas suas mesmas raízes na mesma fonte de marginalidade?
Como o volume das cidades aumenta vertiginosamente e a maior
parte dos não citadinos não encontra emprego permanente na cidade,
é corrente falar-se de hiperurbanização (Friedman e Lackington, 1966),
de pseudourbanização, de urbanização caótica (Bose, 1965), de toda
uma série de qualificativos os quais procuram expressar que a cidade é
incapaz de fornecer trabalho a um grande número de seus habitantes,
considerados, portanto, excessivos.
Aqui, reencontramos a polêmica sobre o papel da urbanização. De
um lado, há aqueles que acreditaram que a cidade representava uma es-
perança de abolição da pobreza da massa (por exemplo, Hoselitz, 1957,
p. 48). Outros, impressionados pela multiplicação, no meio urbano,
L Citado por P. Kende, 1971, p. 46.
2. Ver D. F. Maza Zavala, 1970; S. Amin, 1972, p. 723; A. Quijano, 1972, p. 89; D.
Harvey, 1973.
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de chagas sociais e das carências econômicas, veem, ao contrário, no
fenômeno, a causa de todos esses males. Esta última posição tem nu-
merosas variantes: desde os que ressaltam o perigo de uma urbanização
precedendo a industrialização como consequência de um crescimento
demográfico rápido até aqueles que veem na expansão urbana uma causa
de freio na poupança, como F. Guyot (1968). Do efeito de bloqueio ao
efeito de empobrecimento há apenas um passo a ser dado. Isso foi feito
por Philip Hauser (1962), quando liga a urbanização à pauperização:
"se os ritmos elevados de urbanização persistirem nas regiões subdesen-
volvidas, terão por efeito agravar ao invés de suavizar a pobreza e a
miséria atuais das cidades". O grande erro é considerar a urbanização
como uma variável independente e nã& o que ela realmente é: um epi-
fenômeno. Com efeito, a cidade é o lugar privilegiado do impacto das
modernizações, já que estas não se instalam cegamente, mas nos pontos
do espaço que oferecem uma rentabilidade máxima. O processo é velho,
mas agravou-se recentemente. Por conseguinte, procurar as explicações e
os remédios a partir do próprio problema urbano significa simplesmente
lutar contra os sintomas do mal sem procurar suas causas.
A teoria do dualismo estrutural ou tecnológico- dualismo econômi-
co, social ou geográfico-, durante muito tempo impressionou os espí-
ritos sábios, que encontraram na fórmula uma explicação confortável
e atraente do subdesenvolvimento e da pobreza (ver notadamente
Boeke, 1953 e B. Higgins, 1959). Só recentemente estabeleceu-se uma
revisão dessa teoria (Stavenhagen, 1968; Quijano, 1971; Cardoso,
1969; Sunkel, 1969; McGee, 1971, entre outros).
Para os paladinos da tese do dualismo, a sociedade, assim como a
economia, estariam divididas em dois setores: um, moderno, aberto às
transformações baseadas na modernização, e outro, tradicional, incapaz
de assimilação e de participação. Estaríamos diante de "estruturas hí-
bridas, uma delas com a tendência de se comportar como uma economia
capitalista e, a outra, de se manter no plano das estruturas tradicionais"
(Furtado, 1966, p. 126). A sugestão de Boecke, que opunha um setor
moderno ao setor peasant~ na Indonésia, foi desenvolvida para ser
aplicada a toda a economia e a toda a sociedade no Terceiro Mundo.
Um crescimento falho, lento e retardado deveria ser imputado ao se-
tor tradicional, que desempenha o papel de freio por suas estruturas
memtais e econômicas, responsável por atos e atitudes que corroem e
minam o progresso do país (Hirschman, 1958, p. 63).
Myint (1970, p. 135) insiste na diferença de alocação de recursos
como uma causa do que ele chama de dualismo econômico. Ele imagina
que "a permanência do setor de subsistência deve-se ao fato de que
as pessoas interessadas não querem os bens e os serviços da economia
de troca e que normalmente procuram minimizar seus recursos em
função de alguns gostos e de algumas preferências". Essa explicação
subentende a noção de dualismo e supõe que o setor pobre da economia
não seja dependente do setor moderno. Essa dependência não deve
ser forçosamente procurada na escala do lugar; o setor evoluído é, ele
próprio, um território exterior do setor desenvolvido das economias
ricas, segundo D. C. Lambert (1974, p. 214).
É errado, portanto, tentar explicar o não emprego como consequên-
cia de uma situação de dualismo tecnológico, como muitos fizeram.
Ainda recentemente, Meyer (1964, p. 68) reutilizava esses argumentos e
Dasgupta (1964, pp. 177, 184 e 185) tentava explicá-los, considerando
correta a abordagem que considera "a teoria do subemprego e a do
dualismo como ligadas entre si". Esta posição baseia-se no pressupos-
to de um crescimento limitado a um só circuito econômico oposto à
estagnação do outro circuito, para o qual o crescimento demográfico
contribuiria. Como o freio do crescimento do setor moderno se devesse
ao outro setor, a solução natural seria difundir mais ainda a moderni-
zação, de modo a evitar os bloqueios.
A posição de Eckaus (1955) seria contraditória, quando, a partir de
sua teoria sobre as proporções dos fatores (factor proportions problem)
e sobre os limites à sua substituição, prega a necessidade de n1odernizar
para eliminar a pobreza. É falso explicar o subdesenvolvimento e o não
emprego, portanto também a pobreza, como consequências de uma
situação de dualismo tecnológico.
Em primeiro lugar, não há setor propriamente tradicional. Toda a
economia e toda a sociedade estão penetradas por elementos de moder-
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nização, se bem que em diferentes níveis quantitativos e qualitativos.
Em seguida, não se pode considerar os dois setores corno se fossem
separados, independentes ou autônomos. É antes a modernização, pela
forma que assume em pleno período tecnológico, que é responsável
pelo desenvolvimento do subemprego e da marginalidade.
A FALTA DE CAPITAL DOMÉSTICO
Estreitamente ligada à ideia do crescimento econômico baseado na
modernização tecnológica encontra-se a teoria que atribui o "atraso" -
e, portanto, a pobreza - dos países subdesenvolvidos à falta de capital
doméstico para ser investido na iµdústria3• Essa formação insuficiente
de capital seria, em parte, uma consequência do efeito-demonstração:
querendo consumir como as pessoas do mundo desenvolvido, as do
Terceiro Mundo não podem poupar. Mas, como disse Hagen (1962, p.
42), é melhor ser cético em relação ao que se chama de efeito-demons-
tração, que é mais fruto de uma posição etnocêntrica (dos economistas
ocidentais) que uma observação dos fatos reais. Portanto, é arriscado
atribuir-lhe um lugar tão importante na explicação.
Entretanto, essa posição de princípio, tão largamente aceita, acaba
por justificar a entrada do capital estrangeiro, o único em condições de
criar rapidamente atividades recomendadas nos planos de desenvolvi-
mento e para as quais faltaria o capital local. Essa invasão do capital
estrangeiro destinado a substituir urna poupança interna, que estaria
faltando, torna o argumento falso. De um lado, trata-se antes de um
aumento da escala e da indivisibilidade dos investimentos. Uma grande
parte dos capitais locais torna-se ociosa em vez de se tornar rentável
e isso favorece sua fuga para os países ricos onde se acumulam no~
bancos antes de serem reexportados para os países de origem, nos
quais, investidos nos ramos rentáveis, multiplicam-se para depois
retornar aos países do centro. Por outro lado, esses investimentos, por
3. Ver N. Kaldor, 1957, ou P. T. Bauer e B. S. Yamey, 1957, ou ainda]. Bognar, 1968,
entre outros.
seus efeitos econômicos e geográficos, não contribuem para melhorar
o nível de emprego, nem o nível de vida das populações, mas para
agravar a pobreza das massas. A acumulação doméstica de capital
não pode ser considerada uma solução válida (M. Frankman, 1969,
p. 2; Maza Zavala,1969, p. 59), pois é fundamental saber em que
contexto e em que direÇão são feitos os investimentos. As "barreiras
particulares" (Hagen, 1962, pp. 49-51) não se devem à falta de acu-
mulação interna do capital que é cada vez mais internacional, mas
sobretudo à estrutura de produção adotada, que torna impossível a
utilização dos capitais formados localmente, e à má distribuição dos
resultados. A propensão para consumir, as baixas taxas de poupança
e de investimento não podem ser colocadas, pois, a -despeito delas, há
a criação de atividades novas e crescimento estatístico da economia.
A estreiteza do mercado não é um fator essencial do bloqueio do
crescimento, como pensou Nurkse (1953); principalmente agora que
uma nova divisão do trabalho atribui aos países pobres a produção
de bens de consumo correntes.
A "CULTURA DA POBREZA,,
Que dizer da teoria de O. Lewis (1964, 1966) sobre a cultura dá po-
breza? Para esse autor, o meio pobre age como um verdadeiro caldo de
cultura, de modo que o indivíduo pobre está condenado a viver pobre,
salvo se houver um acidente em sua vida. Uma vez estabelecida, "a
pobreza tenderia a perpetuar-se a si própria de uma geração a outra,
devido a seus efeitos sobre as crianças" (Lewis, 1966, p. 45). A pobreza,
portanto, se autocriaria e automanteria. A teoria é atraente, se não se
for ao fundo da questão. Se é verdade que os pobres tendem a perma-
necer pobres - essa espécie de pobreza por herança (Blaut, 1973, p. 2)
-, é ainda necessário jogar a culpa sobre eles mesmos? Como Valentine
(1969, p. 65) observou, o autor de La Vida dispôs de um imponente
arsenal estatístico para tentar representar o comportamento econômico
dos habitantes dos squatter settlements como um grupo, mas ele não
se interessou pelas instituições econômicas às quais está subordinada
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a vida deles'. É por isso que O. Lewis (1966, p. 51-53) pôde chegar
à conclusão de que é mais difícil eliminar a cultura da pobreza que a
pobreza em si mesma. Ele censurava os pobres por sua pobreza, para
utilizar uma fórmula de G. Kolko (1965). Tratar-se-ia, assim, de um
grupo social marcado por uma enfermidade incurável: sua própria
cultura. Como se a chamada cultura da pobreza pudesse ser imune às
múltiplas correntes que atravessam o corpo social.
CRESCIMENTO OU DESENVOLVIMENTO?
Finalmente, afirma-se que a pobreza viria do fato de um país
passar por um crescimento sem Cfi:Ue nele haja desenvolvimento. Po-
deríamos perguntar se essa velha querela de vocabulário pintada com
um conteúdo ideológico merece ser perpetuada. O crescimento seria
o simples aumento das quantidades globais. O desenvolvimento seria
acompanhado pela transformação das estruturas sociais e mentais. A
isso acrescentou-se que seria necessário que o desenvolvimento fosse
humano (ver pe. L.]. Lebret, 1958, defensor dessa ideia). Para ele,
o crescimento seria iníquo cada vez que não viesse acompanhado de
uma maior redistribuição e de um aumento do bem-estar das massas
desamparadas. Ora, diante da realidade, que está sob nossos olhos,
não se pode pensar em crescimento que não seja acompanhado por
transformações estruturais frequentemente profundas, mas esse cresci-
mento, considerado como uma condição prévia, termina por se tornar
um obstáculo ao desenvolvimento "humano", devido aos bloqueios
de estruturas que ele provoca por toda parte.
4. A noção de subcultura da pobreza durante muito tempo esteve na moda, e foi
reproduzida, de modo mais ou menos matizado por autores co1no P. Marris (1963)
e M. Clinard (1968). É espantoso que 1. Buchanan (1972, p. 239), cuja obra sobre
Cingapura parece adotar um quadro teórico diferente, renha pratica1nente esposa-
do esse ponto de vista na conclusão de seu livro, embora a tenha considerado um
"sub-sector of security, a defense mechanism". A crítica mais aguda contra o ponto
de vista de O. Lewis foi feita por Ch. Valentine (1964), mas outros autores como
A. Portes (1972) e, mais recentemente, McGee (1974) não deixaram de fazer uma
crítica definitiva.
PROCURA DE UMA EXPLICAÇÃO SINTÉTICA E VALIDA
Enquanto regurgitam interpretações e em função delas planifica-
se e se age, a pobreza aumenta por todo lado. Dir-se-ia, assim, que o
verdadeiro problema reside nas explicações.
É necessário contenta~-se em repetir que tudo isso é apenas o resul-
tado de um excedente da população urbana, ou seja, de uma situação
em que a explosão demográfica e o êxodo rural são responsáveis pelo
subemprego? Ou ainda afirmar que as indústrias modernas são incapa-
zes de fornecer os empregos demandados, criando assim uma situação
que se agrava, à proporção que a urbanização se acelera? É necessário
crer que a crise da habitação é o resultado da transferência da pobreza
do campo para a cidade (G. Ardant, 1963), ou seja, de um êxodo ru-
ral que não encontra contrapartida no número insuficiente de novos
empregos? Ou ainda que a erosão da renda média dos citadinos é uma
consequência da invasão da cidade pelos rurais desenraizados?
Essas explicações são satisfatórias? Aceitar seria admitir que acabar
com o êxodo rural e, melhor ainda, a limitação dos nascimentos são
uma solução, e pretender que com uma população urbana estacioná-
ria ou com fraco aumento a indústria pudesse atender à demanda de
emprego; de igual modo, isso equivaleria a apresentar o crescimento
industrial como capaz, em condições de estabilidade demográfica, de
melhorar o nível de renda. Assim, as favelas, que são apenas um as-
pecto chocante entre tantos outros da cidade subdesenvolvida, seriam
suprimidas.
De fato, se há crise, trata-se de uma crise global, sendo a crise
urbana apenas um epifenômeno5• As condições nas quais os países que
comandam a economia mundial exercem sua ação sobre os países da
periferia criam uma forma de organização da economia, da sociedade e
do espaço, uma transferência de civilização, cujas bases principais não
dependem dos países atingidos. As raízes dessa "crise urbana" encon-
tram-se no sistema mundial. É, portanto, nesse nível que se podem
5. Discutimos esse problema em "Urban Crisis or Epiphenomenon" (1973).
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encontrar explicações válidas. É necessário voltar-se para as raízes do
mal, para fazer uma análise correta e estar em condições de fornecer
soluções adequadas.
Agosto, 1975
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3
A POBREZA URBANA NO TERCEIRO MUNDO:
MARGINALIDADE OU BIPOLARIZAÇÃO?
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os últimos anos, a discussão sobre os fenômenos da pobreza
tem sido tão intimamente ligada ao que é chamado de teo·
ria da marginalidade que os dois termos quase se tornaram
sinônimos. De fato, a palavra marginalidade, criada pelos sociólogos
latino-americanos com a bênção das instituições e universidades
internacionais, tornou-se um novo slogan no arsenal das ideias-força,
substituindo praticamente a palavra tradicional pobreza no vocabulário
acadêmico e oficial.
A despeito de muitos esforços, a antiga, e entretanto ativa, discus-
são desse problema não resultou na elaboração de nenhuma teoria
real. A imensa literatura sobre o assunto ainda não conseguiu ofere-
cer a inspiração necessária para a solução do problema. Serviu, sem
dúvida, para criar uma consciência do problema, mas agora é preciso
ir além das meras discussões e tentar estudar os processos, a fim de
ajudar a formular uma teoria válida para, em seguida, elaborar uma
política coerente.
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UM DEBATE SEMÂNTICO
A noção de marginalidade foi julgada inadequada na opinião de
muitos, pois mostrou-se ambígua. O uso da expressão marginalidade
e sua conceituação frequentemente permitiram que a chamada "po-
pulação marginal" de um país fosse julgada excedente, ou que, sob
o aspecto econômico, fosse considerada uma população inútil. Para
Vekemans e Fuenzalida, os marginais nem ao menos existem do ponto
de vista econô1nico e social, porque estão relegados e excluídos (1969,
p. 44). Joan Nelson não hesita em aceitar a palavra marginal como
correta (1969, p. 5). Mas pode-se porventura admitir que esses indiví-
duos "são economicamente marginai~ porque pouco contribuem para
o crescünento econômico do qual també1n pouco se beneficiam"?
A própria palavra foi condenada. Paulo Freire lembra que "os opri-
midos não são marginais" (1968, p. 61), não são homens que vivem
fora da sociedade. Assim como seria incorreto considerar a favela
um mundo autônomo, isolado e à parte (Valladares, 1970), também
é incorreto contrapor marginais à sociedade global, porque esta não
pode ser definida sem os pobres "que constituem a maioria numérica,
embora minoria sociológica" (Delgado, 1971, p. 165). Os pobres "não
são socialmente marginais, e sim rejeitados; não são economicamente
marginais, e sim explorados; não são politicamente marginais e sim
reprimidos" (Gunder, 1966, p. 1).
A discussão do problema da marginalidade reabriu o debate ini-
ciado por Marx sobre o exército in3Ustrial de reserva. Muitos autores
têm preferido usar o termo superpopulação à expressão de Marx.
Como Marx também falou de superpopulação relativa, a ambiguida-
de torna-se possível, se não intencional. A ideia de superpopulação
supõe que existe uma superabundância de pessoas e que estas devem
ser eliminadas ou responsabilizadas, social e economicamente, por sua
inutilidade. Ao contrário, a noção de superpopulação relativa leva a
discussão de volta à relação entre necessidades e recursos, definida
em certo momento da história de uma determinada localidade. Se
a relação fosse adequadamente modificada, não mais haveria pro-
blema de escassez; os recursos seriam suficientes para servir a toda
a população. Do contrário, seria como partir de Marx para chegar
a Malthus, uma abordagem pela qual muitos autores são culpados
(Harvey, 1973, p. 41).
A tese da marginalidade também tem sido criticada porque permiti-
ria ocultar um etnocentrismo' inconsciente (Coulaud, 1973, p. 9), e ao
mesmo tempo retomaria a questão da problemática ideológica (Castells,
1970), ou ainda por sua dependência do esquema dualista rural/urbano,
agro/industrial, tradicional/moderno (Niemeyer Pinheiro, 1970, p. 42).
Para Sarnir Amin, a marginalização não chega a constituir um conceito,
e sim "um caminho conveniente para descrever uma combinação de
fenômenos, decorrentes de uma lei (a da acumulação capitalista) que se
expressa numa estrutura concreta (a do capitalismo contemporâneo_},
assim como a expressão "exército industrial de reserva" corresponderia
à descrição realista dos efeitos da mesma lei dentro de outra estrutura"
(Amin, 1973, p. 320). Indubitavelmente, o tom de certos trabalhos,
nos quais o jogo conhecido das referências recíprocas entre autores
frequentemente substitui uma análise dos fatos, tem contribuído para
a perpetuação do debate, que, embora pretenda atacar o problema em
profundidade, perde-se numa guerrilha semântica confusa.
A pobreza, como muitos outros problemas, prestou-se a uma ava-
lanche de papel escrito, que, entretanto, mostrou-se incapaz de encon-
trar um tratamento eficiente para o mal. Chegou a hora de chamar a
pobreza pelo seu nome real e, respondendo ao desafio lançado a toda
a humanidade, identificar seus meca~ismos fundamentais.
A loEIA DE "MASSA MARGINAL"
Dentro do mesmo contexto, mas em outro nível, a ideia de ''massa
marginal" levou a uma discussão enfadonha e desordenada. O conceito
de José Nun de "massa marginal" (Nun, 1969, 1972) está próximo da
noção de Y. Durroux de "pobreza oficial" (Durroux, 1970), com uma
diferença essencial: enquanto este fala de "reserva da reserva" (com
relação ao exército industrial de reserva), Nun acredita que a "massa
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marginal" é "uma parte funcional ou disfuncional da superpopulação
ativa" (Nun, 1969, p. 201).
Além do mais, continua Nun, "esse conceito - assim como o do
exército industrial de reserva - está situado no nível das relações que
se estabelecem entre a população excedente e o setor produtivo hege-
mônico". E, concluindo, afirma: "o sistema que cria esse excedente
não precisa dele para continuar a funcionar".
Esse parece ser também o ponto de vista esposado num dado mo-
mento por M. Castells, quando afirma que existe uma "justaposição
da população urbana com uma grande massa de desempregados que
cresce continuamente, não tem função específica na sociedade urbana
e acima de tudo rompeu suas ligações qom a sociedade rural" (Castells,
1970, p. 103). Martinez Pio também segue a mesma linha (Martinez,
1972, p. 18).
Uma versão mais sofisticada do mesmo princípio é oferecida por
]. Friedmann e F. Sullivan quando declaram que os pobres participam
apenas parcialmente do mercado de trabalho (Friedmann e Sullivan,
1973, p. 28). Esse ponto de vista poderia levar erroneamente à con-
vicção de que a pobreza urbana não afetaria o preço da mão de obra,
nem a taxa de exploração.
Para José Nun, a ideia de superpopulação relativa pertence à teoria
geral do rnaterialismo histórico, enquanto a do exército industrial de
reserva corresponderia a certas teorias do modo de produção capita-
lista. De acordo com esse autor, a noção de marginalidade não pode
ser esclarecida sem se recorrer à teoria do materialismo histórico a
'
única propícia a uma análise das formações sociais. Segundo esse autor,
Marx apenas teria delineado essa teoria. Assim, os escritores que se
valem do marxismo para chegar a esse tipo de explicações estariam
equivocados.
Fernando Cardoso contesta veementemente essa teoria. Argumenta
que se o materialismo histórico pude!)se interpretar a história fora das
relações criadas pelos modos de produção em cada época, tudo se resu-
miria a uma questão de metafísica. Para Cardoso, o conceito sugerido
por Nun não é específico, porque "abrange indivíduos socialmente
em níveis diferentes e que têm relações heterogêneas no processo de
produção". O erro de Nun estaria principalmente no seu desejo de
elaborar "uma teoria de funcionamento da sociedade em relação aos
sistemas de produção, não levando em conta a teoria da acumulação".
Cardoso acha, portanto, que a distinção entre exército industrial de
reserva e "massa marginal" ~ão é justificada. Ele preferiria que Nun
declarasse abertamente que a teoria marxista não considera essa situa-
ção e, consequentemente, propõe outra explicação para a acumulação
(Cardoso, 1971, 1972).
José Nun responde que não se trata "nem de conceito empírico,
nem de elaboração hipotética e sim de conceito teórico" (Nun, 1972,
p. 122). Tudo não passa de uma espécie de orgia epistemológica sem
sentido.
Conforme acentua Ernesto Cohen, "um conceito explica uma
abstração da observação de um conjunto de determinados fenômenos
[...]a seleção de conceitos, na medida em que pretende explicar e prever
um fenômeno, constitui uma teoria" (Cohen, 1973, p. 3). Se a definição
de elementos dentro de uma relação impõe uma interpretação que é
externa ao objeto observado, isso não impede que o ponto de partida
seja empírico. Segundo Godelier "os objetos sem relação constituem
um sentido desprovido de existência" (Godelier, 1967, p. 254).
O erro de Nun não está tanto no fato de confundir os conceitos,
mas em dar muito pouca atenção às realidades de seu continente e do
seu tempo. D. Harvey previne contra esse tipo de explicação: "A um
certo nível, e para serem comprovadas, as ideias devem transcender o
campo da abstração e serem incorporadas na prática humana" (Har-
vey, 1973, p. 38).
Longe de ser afuncional, a "massa marginal" desempenha um papel
no processo da acumulação, não só a nível local como também a nível
nacional, mas, acima de tudo, em escala mundial. Aquilo que Salama
ainda denomina de "terciário" nos países subdesenvolvidos tem um
"papel regulador na economia mundial[...] uma causa e consequência
da reprodução da economia mundial como estrutura hierárquica" (Sa-
lama, 1972, p. 179).
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A formação do salário nas atividades modernas também coloca em
risco a tese da "massa marginal". As enormes possibilidades de trabalho
da "massa marginal" pesam fortemente sobre o mercado de trabalho
não intelectual no circuito moderno e baixam os salários. Implica, ao
mesmo tempo, um aumento do excedente do empresário, e também u1n
aumento na taxa de lucro. Portanto, não se pode concordar com Nun
quando afirma que a "massa marginal" é afuncional ou disfuncional.
Ao contrário, ela tem um papel preciso no funcionamento da fase
atual do sistema capitalista, porque facilita a acumulação no centro
e na periferia.
PARA SurEI;AR o IMPASSE
Nos países do Terceiro Mundo têm-se desenvolvido novos esforços
com o objetivo de dar seguimento à discussão das categorias expressas
por Marx no século passado. Analisemos, por exemplo, a distinção
proposta por Aníbal Quijano entre "pequena burguesia marginal" e
"assalariado marginal" (Quijano, 1972, p. 91). A "pequena burguesia
marginal" compreende os que se tornam marginais em consequência
da posição marginal de sua profissão no sistema econômico renovado:
artesãos, pequenos produtores de serviços e pequenos comerciantes.
Mas é preciso, insiste Quijano, não confundi-los com o setor médio as-
salariado, geralmente incluído na pequena burguesia, do ponto de vista
social. A pequena burguesia marginal constitui,_ sob certos aspectos,
uma extensão da pequena burguesia existente na economia e/ou um
resíduo da que existiu anteriormente.
Os assalariados marginais, por sua vez, constituem uma espécie
de extensão do restante do proletariado industrial urbano. Tendo
abandonado as atividades da pequena burguesia marginal na cidade
ou no campo, e não tendo ainda ingressado na força de trabalho, são
obrigados a procurar ocupações de salários marginais.
Em trabalho recente, T. McGee, descontente com as formulações
conhecidas, introduziu a noção de protoproletariado (McGee, 1973).
Reconhece as importantes contribuições de outros escritores, principal-
mente dos sul-americanos e africanos apoiados numa linha de pensa-
mento neomarxista, expressa, segundo o autor, no trabalho de Fanon
(1963), Gunder Frank (1969) e Worsley (1972). Esses escritores falam
principalmente de um semiproletariado, cuja presença representa um
importante elemento na estrutura de classe das zonas urbanas. Baseado
em estudos empírico-teóricos e teórico-empíricos, realizados durante
um longo período de pesquisa em grande número de cidades asiáticas,
McGee propõe a introdução de uma quarta e nova categoria, que não
se encontra na classificação marxista (burguesia, proletariado, lumpem-
proletrariado). Esse autor sugere o nascimento de uma nova classe - uma
vítima da urbanização sem industrialização, segundo Worsley (1972, p.
209). É verdade que A. M. Niemeyer (1970, pp. 19-20) também fala
de uma quarta categoria, comparável a um estamento mais baixo do
exército industrial de reserva, categoria essa que seria perdida para o
capital. McGee, porém, parte de uma posição diferente, fazendo uma
distinção entre sua própria categoria e o exército de reserva, estudando
analiticamente fatos ainda não suficientemente analisados nos países do
Terceiro Mundo, para em seguida dar-lhes uma explicação teórica.
Embora não cheguem ao mesmo resultado, tanto os trabalhos de
Quijano, na América Latina, quanto os-de McGee, na Ásia, têm um
valor inestimável:- sua teorização, não de um raciocínio a priori mas
de um estudo da experiência humana, demonstrando a unidade pro-
blemática do Terceiro Mundo.
O "protoproletariado" de McGee é também o "polo marginal" da
economia e da sociedade de que fala Quijano. O que há de novo na for-
mulação de McGee (1974, p. 15) é que ele teria rompido explicitamente
as categorias rígidas de burguesia, proletariado e lumpemproletariado,
embora aderindo às normas de método do marxismo.
Para enfrentar o problema têm sido usados adjetivos demais. Porém,
uma discussão semântica pura e simples não leva a nada - exceto se
palavras antigas ou inventadas se tornam indispensáveis para identificar
as categorias de análise que permitem identificar melhor as realidades
sociais, para estudá-las mais profundamente e descobrir, ao mesmo
tempo, a explicação e a solução dos problemas correspondentes.
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MODERNIZAÇÃO TECNOLÓGICA E OS
Dois CIRCUITOS DA ECONOMIA URBANA
A abordagem do problema da pobreza através da tese da marginalida-
de não nos parece satisfatória. Da mesma forma, não nos parece satis-
fatória qualquer outra abordagem que não leve em consideração os efeitos
da modernização, a nível internacional elocal, sobre a economia urbana
dos países pobres, ou o funcionamento da economia urbana pobre e sua
relação com a economia moderna. Ainda está por completar-se a análise
das relações entre o "exército industrial de reserva" ou "superpopulação
relativa" e a economia global; ou entre a economia moderna e a popu-
lação pobre. E é justamente aí - acr~itamos - que se encontra a chave
para a teorização e a pesquisa de sol~ções verdadeiras.
O estudo do processo de modernização facilita o seu amplo enten-
dimento em todos os níveis. O investimento de substituição, necessário
à modernização tecnológica, desloca de suas atividades urna boa parte
daqueles que aí aplicavam seu capital ou trabalho (Salama, 1972). De
acordo com a fórmula sugerida por Singer, a criação de empregos resulta
no crescimento do desemprego (1970, pp. 70-71). Isso não é um jogo
de palavras. Com efeito, onde antes dois, três ou às vezes urna dúzia
de trabalhadores dividiam o trabalho, agora basta um trabalhador. E
frequentemente esse novo cargo não caberá a nenhum daqueles que
antes desempenhavam as atividades tradicionais originais.
Há também uma "separação entre trabalhadores de um lado e os
meios de produção de outro; ambos existem, mas separados".
O mecanismo da "modernização, exclusão e marginalização"
(Tavares e Serra, 1972, p. 52) é marcado por uma dialética infernal.
Se, por um lado, a economia incorpora um certo número de pessoas
ao mercado de trabalho efetivo, atravês de empregos recém-criados,
por outro ela expulsa um número muito maior, criando de um golpe
o subemprego, o desemprego e a marginalidade. O número desses
"postergados" aumenta cada vez mais. É para esses remanescentes da
força de trabalho nos níveis mais baixos do espectro socioprofissional
que foi reservado o termo marginal.
O progresso técnico atual muda profundamente a composiç~o
técnica do capital e reduz rápida e drasticamente a demanda de mao
de obra, principalmente nos setores mais afetados pela moderniza-
ção. Se a clássica ideia de um exército industrial de rese~va não !ºr
modificada levando em conta novas realidades, perdera o senl!do
' .
quando aplicada a países subdesenvolvidos. De qualquer rn~neira~
quem permanecer fora do mundo do emprego perrnanent~ nao esta
perdido para a economia corno um todo. Assim, a economia urban.a
deve ser estudada corno um sistema único, mas composto de dois
subsistemas. Nós chamamos esses dois subsistemas de "circuito su-
perior" e "circuito inferior". A cidade não pode mais ser estudada
corno um todo maciço.
O circuito superior emana diretamente da modernização tecnológi-
ca mais bem representada atualmente nos monopólios. O essencial das
re{ações do circuito superior não é controlado dentro da cidade ou de
sua região de influência e sim dentro da estrutura do país ou de países
estrangeiros. O circuito inferior é formado de atividades de p~quena
escala, servindo, principalmente, à população pobre; ao contrario do
que ocorre no circuito superior, essas atividades estão prof~ndarnente
implantadas dentro da cidade, usufruindo de um relac10namento
privilegiado com a sua região. . .
Essa abordagem, que poderia parecer fruto da teona dualista,
tem sido objeto de uma variedade de definições na literatura do
subdesenvolvimento. Parece-nos, contudo, que assim corno a existên-
cia de um dualismo dentro da economia e da sociedade dos países em
desenvolvimento tem sido refutada, também a expressão dualismo
urbano deveria ser rejeitada.
Os contrastes, ou melhor, as contradições entre situações de de-
senvolvimento são produto de causas encadeadas; a própria existência
de dois circuitos na economia das cidades constitui um resultado desse
conjunto de causas. Portanto, não se deveria falar de urna balcanização
do mercado de trabalho, como fez Miller (1975, p. 240), nem mesmo
da existência de um mercado de trabalho duplo, pois existe apenas um
(Quijano, 1971, 1973).
Cada circuito é um sistema, ou, mais precisamente, um subsistema
urbano. Mas, apesar de sua interdependência, o circuito inferior é
dependente do circuito superior.
As análises econômicas, e os estudos sociológicos e geográficos, des-
de seus primórdios, durante muito tempo confundiram o setor moderno
da economia urbana com a cidade como um todo. O resultado é que a
maioria dos estudos não se refere à cidade inteira e sim apenas a uma
parte da cidade, tomando-a como um ponto de partida até mesmo para
a formulação de teorias de urbanização e emprego pleno.
Égrande o número de escritores que direta ou indiretamente se orien-
taram para o que chamamos de circuito inferior da economia urbana dos
países em desenvolvimento. Muitos, Porém, fizeram-no dentro da estrutura
de outros estudos, tratando o assunto como um simples aspecto de suas
considerações básicas, ou como um fenômeno isolado. Além dos trabalhos
clássicos de Boeke (1953) eGeertz (1963), foram feitas várias tentativas que
transcendem as teorias tradicionais e oferecem uma nova interpretação,
apoiada na teoria (McGee, 1971; Quijano, 1970; Santos, 1971).
Mas, como frisou Quijano (1971, p. 318), a elaboração de uma teo-
ria definitiva ainda está para ser feita: "diante desse fenômeno, a teoria
contemporânea não possui uma elaboração conceituai adequada". E,
segundo nos consta, Quijano é um dos poucos que propuseram uma
interpretação do funcionamento do que chama de "polo marginal" da
economia (Quijano, 1973).
A fim de que uma teoria da pobreza sirva como paradigma aos
estudos urbanos, ao planejamento econômico e regional, e, acima de
tudo, ao planejamento do emprego, ela deve definir a relação entre a
economia da pobreza e a economia moderna, assim como a relação
entre a população pobre e a economia pobre.
Para isso, devem ser considerados os dados gerais do fenômeno, seus
modelos operacionais e suas inter-relações com dados culturais, sociais,
econômicos e institucionais em escala mundial, nacional e local.
Foi essa a abordagem que propusemos alguns anos atrás (1966,
1971), e que recentemente elaboramos (1974). Aqui procuraremos
apresentar certas ideias e perspectivas novas a esse respeito.
A FORMAÇÃO DO CIRCUITO INFERIOR DA ECONOMIA URBANA
A modernização atual, uma consequência do modelo tecnológico, é
impulsionada pela força da grande indústria, representada pelas corpo-
rações multinacionais. É ainda motivada pelo novo peso da tecnologia
(que atribui certa autonomia à pesquisa dentro do sistema) epor elementos
de apoio, tais como as formas modernas de difusão da informação.
As repercussões desse novo período histórico sobre os países sub-
desenvolvidos são múltiplas eprofundas. Pela primeira vez na história,
variáveis elaboradas fora do país usufruem de uma difusão geral em
grande parte do território e entre a maioria da população, se bem
que em diferentes graus. A difusão da informação e novas formas de
consumo constituem dois importantes dados da explicação geográfica.
Suas repercussões, são, ao mesmo tempo, geradoras de forças de con-
centração e de dispersão. Essa dialética define as formas de organização
do espaço. A revolução na área de consumo tem sido acompanhada
de uma mutação da estrutura do consumo, incluindo novas formas de
produção e de troca (Furtado, 1968).
Considerando o progresso tecnológico atual, a indústria cria apenas
um número limitado de empregos, porquanto é "capital intensivo".
Além do mais, uma boa parte do emprego indireto é criado nos países
centrais ou a partir deles. A agricultura também se moderniza: indus-
trializando-se, expulsa sua população. Isso explica o êxodo rural e a
chamada urbanização terciária. Uma alta percentagem da população
fica sem atividade e sem salário permanente, o que por sua vez resulta
na deterioração do mercado de trabalho.
A sociedade urbana é divida entre aqueles que têm acesso às merca-
dorias e serviços numa base permanente e aqueles que, embora tendo
as mesmas necessidades, não estão em situação de satisfazê-las, devido
ao acesso esporádico ou insuficiente ao dinheiro. Isso cria diferenças
quantitativas e qualitativas de consumo.
Os pobres não têm acesso a um grande número de mercadorias
modernas. Os mais pobres só podem obter bens de consumo corrente
através de um determinado sistema de distribuição frequentemente
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complementado por um mecanismo de produção igualmente específico.
Esse sistema surge em resposta às condições de pobreza em que vive
uma grande parte da sociedade.
A população pobre é obrigada a optar entre consumir esporadica-
mente bens manufaturados e/ou diminuir o consumo desses bens,
substituindo-os por mercadorias equivalentes novas ou tradicionais
produzidas por pequenas empresas ou mesmo por artesãos. Esses pro-
dutos tendem a sobreviver mais ou menos dinamicamente, dependendo
de cada caso ou cidade em particular. O acesso a produtos n1odernos é
com frequência conseguido através do uso de formas de circulação me-
nos modernas e menos capitalistas, encarregadas de distribuir tanto os
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. 
pro utos artesanais como as mercadórias manufaturadas modernas.
Quando nos referimos aos subsistemas como circuitos, estamos
aludindo às relações criadas dentro de cada um deles. No circuito
inferior elas resultam em grande parte das relações mantidas com o
circuito superior, do qual dependem. McGee interpretou corretamente
a denominação que escolhemos: o termo circuito "demonstra melhor o
fluxo interno entre os dois subsistemas. Esse modelo reconhece os dois
subsistemas como parte de uma estrutura urbana global, e contudo
admite que é formado de partes inter-relacionadas" (McGee, 1973).
Além de permitir a distinção entre as atividades econômicas dos
dois sistemas, torna possível distinguir a população ligada a cada
circuito, embora parte da população de um circuito possa vender
temporariamente sua força de trabalho ao outro setor. Por exemplo,
não é raro em Hong Kong os vendedores ambulantes trabalharem pe-
riodicamente em fábricas para suplementar sua renda. A grande dúvida
é, naturalmente, onde se enquadram nesse modelo os empregados do
governo nos países do Terceiro Mundo, particularmente em certos
países, como a Indonésia (Santos, 1971; McGee, 1973, p. 138).
Falamos a princípio do "circuito moderno" e do "circuito tradicio-
nal" (Santos, 1970), mas não tardamos a renunciar a esses termos,
por várias razões. Antes de mais nada, qualquer discussão que vise
distinguir o que é moderno do que é tradicional resulta inevita-
velmente em etnocentrismo. Os termos constituem também uma
fonte de ambiguidades. Nem sempre é possível datar corretamente
as atividades do circuito superior em comparação com atividades
semelhantes dos países desenvolvidos, porquanto sua definição não
se baseia tanto na data de sua instalação quanto na forma de sua
organização e na sua função. Da mesma maneira, parece inadequa-
do referir-se ao circuito inferior como tradicional, visto que é um
produto da modernização e está também num constante processo
de transformação e de adaptação. Além do mais, alguns dos forne-
cimentos do circuito inferior provêm direta ou indiretamente dos
chamados setores modernos da economia. Também rejeitamos o
termo circuito informal. O circuito inferior não é informal, conforme
poderiam sugerir alguns autores; tem sua própria organização e suas
próprias leis operacionais e de evolução.
É claro que se deve fazer uma distinção entre países dotados de uma
civilização urbana antiga e os que só recentemente testemunharam o
fenômeno da modernização. Nos primeiros, a modernização cria novas
estruturas que se impõem diretamente sobre as estruturas já existen-
tes nas cidades e provocam modificações. No caso dos segundos, a
1nodernização cria, concomitantemente, as duas formas integradas de
organização econômica. Em ambos os casos está presente o fenômeno
dos dois circuitos. Mas não há dualismo nisso, os dois circuitos têm a
tnesma origem, o mesmo conjunto de causas e são interligados. Não
obstante sua interdependência aparente, o circuito inferior é de fato
dependente do circuito superior.
ÜS ELEMENTOS DOS DOIS CIRCUITOS
A definição dos dois circuitos pressupõe, antes de mais nada, uma
identificação dos elementos e das características da economia global
da cidade. Usando as peculiaridades de cada circuito como ponto de
partida, chegar-se-á à compreensão de sua dinâmica e dialética.
O circuito superior inclui bancos, comércio de exportáção e importa-
ção, indústria urbana moderna, comércio e serviços modernos, bem
como comércio atacadista e transportes. Esses dois últimos elementos
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formam os elos que ligam os dois circuitos, o atacadista operando
também no topo do circuito inferior.
O circuito inferior é formado essencialmente de diferentes tipos de
pequeno comércio, e da produção de bens manufaturados de capital
não intensivo, constituída em grande parte de artesanato e também de
toda uma gama de serviços não modernos.
Mas, os circuitos não são definidos pela inera enumeração desses
elementos. Cada circuito é explicado, primeiro, pela combinação de
atividades desempenhadas dentro de um certo contexto; e, segundo,
pelo setor da população a ele vinculado através, principalmente, da
atividade e do consumo. A definição não é rígida. Todas as classes da
sociedade podem consumir fora dofircuito ao qual estão mais ligadas,
ainda que seja apenas ocasional ou parcialmente.
Não existe um circuito intermediário. Poder-se-ia pensar que a classe
média criaria seu próprio circuito econômico mas, na verdade, ela usa
ora um, ora outro. A enumeração das atividades dos dois circuitos não
significa que todas as cidades do Terceiro Mundo dispõem de todas
elas. Se algumas possuem todos esses elementos, sua importância não
é necessariamente a mesma. Outras aglomerações possuem apenas
um número limitado de elementos ou atividades, o que depende das
condições históricas do crescimento urbano. Considerando os aspectos
quantitativos e qualitativos das diferentes atividades, encontramos
tantas variações quanto o número de cidades existentes. Todavia, à
parte dessas diferenças, praticamente todas as cidades do Terceiro
Mundo se enquadram na definição comum dos elementos que formam
os dois circuitos.
O circuito superior consiste de atividades "puras", "impuras" e
"mistas". A indústria urbana moderna, e os serviços e comércio mo-
dernos constituem elementos puros, porquanto são ao mesmo tempo
elementos específicos da cidade e do circuito superior. A indústria de
exportação e o comércio de exportação constituem atividades impuras.
Embora possam estar estabelecidas na cidade, para se aproveitarem da
localização, seus interesses essenciais estão fora da cidade, para onde
também sua produção é enviada. Os bancos poderiam ser incluídos
..________________________.
nessa classificação, pois servem para ligar as atividades modernas da
cidade com as grandes cidades do país ou do exterior. O atacadista e o
transportador têm atividades do tipo misto, devido à dualidade de sua
participação. Ambos têm uma ligação funcional tanto com o circuito
superior como com o circuito inferior da economia urbana. O ataca-
dista, que muitas vezes opera numa área restrita, encontra-se à frente
de uma cadeia de intermediários. Através desses intermediários e do
uso do crédito, o atacadista adquire um grande número de mercado-
rias que serão vendidas no circuito inferior para uma grande faixa de
consnmidores. O volume global dos negócios que realiza no circuito
inferior dá a dimensão de seus negócios bancários e indica o potencial
de sua participação no circuito superior. O atacadista está no topo do
circuito inferior, ao mesmo tempo em que integra o circuito superior.
O transportador, por sua vez, desempenha dois papéis distintos: serve
como elemento de ligação entre agentes dos dois circuitos e a região de
influência urbana, e, ao desempenhar diretamente uma atividade em
qualquer dos dois circuitos, pode também tornar-se um comerciante.
CARACTERÍSTICAS oos Dois C1Rcu1Tos
Seria difícil caracterizar os dois circuitos da economia urbana através
de variáveis isoladas. O que se deve considerar é a combinação das
variáveis que torna cada circuito um subsistema no sistema urbano.
Pode-se afirmar imediatamente que a diferença fundamental entre as
atividades dos circuitos superior e inferior está nas diferenças de capital,
tecnologia e organização, entre outras. O circuito superior usa em geral
uma tecnologia "capital intensivo" importada, ao passo que no circuito
inferior a tecnologia é, em grande parte, baseada no uso de uma mão
de obra numerosa. Enquanto a priilleira é principalmente imitativa, a
segunda oferece considerável potencial de criatividade.
O circuito superior opera com crédito bancário. Frequentemente
grandes firmas criam e controlam seus próprios bancos, um meio de
dominar e eventualmente absorver outras atividades. Uma boa parte
dessa manipulação é realizada através de papéis. As atividades do
o
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circuito inferior também se baseiam no crédito e no dinheiro corrente,
mas nesse circuito o crédito tem outra natureza. Uma grande percen-
tagem do crédito é pessoal e direto, indispensável para os que não
têm possibilidade de acumular. A obrigação de pagar ao fornecedor
periodicamente faz com que haja uma procura desenfreada de dinheiro.
Até mesmo os intermediários precisam de dinheiro para honrar seus
débitos com o banco.
As atividades do circuito superior envolvem um grande volume
de mercadorias, enquanto as do circuito inferior lidam com pequenas
quantidades. Contudo, no circuito superior, as quantidades também
podem ser limitadas, como por exemplo no caso das butiques espe-
cializadas, onde os altos preços são devid'i's à qualidade do produto,
à moda e a certo tipo de clientela. No circuito superior o capital é
geralmente volumoso, o que tem relação com a tecnologia usada. No
circuito inferior, ao contrário, as atividades "trabalho intensivo" usam
menos capital e operam sem uma organização burocrática.
O emprego oferecido pelos circuitos é o resultado de uma combina-
ção dessas variáveis. Se, por um lado, as atividades modernas originam
uma expansão do assalariado, por outro há uma diminuição absoluta
ou relativa do número de trabalhadores em relação ao volume e ao
valor da produção. Na indústria a tendência constante é para reduzir
o emprego. Se nos serviços há tendência ao aumento de emprego, isso
é devido, em grande parte, à participação do governo. Quanto aos
serviços privados ligados diretamente à atividade econômica do circuito
superior, uma grande parte do emprego é criado nas cidades ou regiões
mais desenvolvidas do país e mesmo no exterior.
No circuito superior, os preços em geral são fixos, pelo menos
oficialmente. Até mesmo nos oligopólios o limite do preço mínimo
não pode ser muito inferior ao preço de inercado sem pôr em risco o
futuro da empresa. No circuito inferior, o preço da mercadoria não é
fixo e suas variações são acentuadas. Uchendu estudou esse problema
detalhadamente (Uchendu, 1967). Enquanto no circuito superior os
preços são manipulados visando lucros a longo prazo, no inferior o
importante é o prazo curto. A ideia de lucro é diferente em cada um
dos circuitos: no superior é uma questão de acumulação de capital,
indispensável para a continuação da atividade e para sua renovação em
relação ao progresso tecnológico; no inferior, a acumulação de capital
não constitui o objetivo mais importante; na verdade, frequentemente
nem existe. A sobrevivência e a garantia de satisfação das necessidades
da família no dia a dia é a preocupação mais importante; a participa-
ção de certas formas de consumo modernas também é secundária, na
medida do possível. A relação entre o agente e a clientela é pessoal e
direta no circuito inferior, mas impessoal no circuito superior, onde é
centralizada e hierárquica (Brookfield, 1973).
Apesar do controle de preços exercido nas atividades do circuito
superior e dos elevados lucros em relação ao volume total de produ-
ção, o rendimento por unidade é baixo. No circuito inferior ocorre o
oposto. O resultado total é fraco, mas a margem de lucro por unidade
é elevada. Isso se deve ao grande número de intermediários necessá-
rios entre o fornecedor original de insumos e o eventual consumidor.
O volume desses lucros permite a subsistência da enorme população
envolvida nas atividades do circuito inferior e constitui um dos ele-
mentos principais que explicam a sobrevivência de grande parte das
aglomerações do Terceiro Mundo.
A atividade no circuito superior baseia-se principalmente na publi-
cidade, instrumento metódico de modificação de gostos e alteração do
perfil da demanda. No circuito inferior a publicidade é desnecessária
devido ao contato pessoal com a clientela; na verdade é inviável, porque
os ganhos são usados diretamente pelo agente para sua subsistência
e a de sua família. Contudo, o agente beneficia-se da publicidade do
circuito superior. Este também opera com custos fixos bastante altos,
e que normalmente aumentam com o tamanho da firma segundo o
lugar e o ramo da produção. No circuito inferior, quase não há custos
fixos e os custos diretos não são importani:es. A relação entre custos
diretos e o volume da produção é proporcional, visto ser uma atividade
"trabalho intensivo".
No circuito superior, quase não ocorre o reaproveitamento de bens
de consumo duráveis, ao contrário do que se verifica no circuito infe-
rior, onde a base das atividades é justamente a reutilização de certas
mercadorias. Isso ocorre no aproveitamento de roupas, automóveis e
máquinas e até mesmo na construção de casas com materiais usados.
As atividades do circuito superior apoiam-se direta ou indiretamente
na ajuda governamental, enquanto as do circuito inferior, ao contrário,
não contam com tal apoio; e em muitas cidades são até perseguidas,
corno é o caso dos vendedores ambulantes. Rerny e Weeks (1972) con-
sideram que o apoio do Estado constitui a distinção primordial entre os
dois circuitos (McGee, 1973; Patch, 1967; Reinoso, 1970). O Estado
poderia ser considerado um elemento do circuito superior, visto que
de sua atividade depende, em grande parte, a viabilidade de capital
social novo (overhead) suprido principalmente pelo Estado, e do qual
as atividades modernas não prescindem.Já no circuito inferior isso não
é um pré-requisito necessário à criação de atividades.
O circuito superior emprega um número considerável de estrangeiros
que varia, naturalmente, com o grau de industrialização e modernização
do país. No circuito inferior, os empregos são ocupados por nacionais
e apenas ocasionalmente há uma participação de estrangeiros.
Outra diferença essencial entre os dois circuitos é o fato de o circuito
inferior ser integrado localmente (Santos, 1971), enquanto as atividades
do circuito superior são desempenhadas localmente mas integradas
com as de outra cidade de nível mais alto, ou com as de outra parte
do país, ou ainda com as de outro país. Até mesmo a metrópole eco-
nômica de um país subdesenvolvido industrializado depende de países
estrangeiros para obtenção de tecnologia e outros insumos, tais como
capital, matéria-prima e know-how.
Comparando as características das mesmas variáveis em cada um
dos dois circuitos, nota-se entre elas uma contradição. Mas, dentro
de cada circuito, as variáveis próprias, isto é, a tecnologia, a organi-
zação, a importância da atividade, as relações de trabalho, o número
de empregos etc. constituem um verdadeiro sistema dotado de uma
lógica interna.
Quando suas características são consideradas isoladamente, cada
circuito aparece como um subsistema; quando consideradas dentro da
economia urbana total, cada circuito aparece como um complemento
do outro. Há interação entre os dois, ainda que o circuito superior seja
dominante. O estudo da cidade corno urna totalidade não é possível
sem o exame dessa dialética entre os dois circuitos, responsável pela
definição social e econômica e pelas possibilidades e formas de evolução
tanto do organismo urballo como de sua área de influência.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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périphérique, Paris, Minuit, 1973.
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Santos, milton. a pobreza urbana.

  • 1. .. • .f . Pobreza ·.urb·ana
  • 2. CoLEÇ-10 MILTON SANTOS 16 Pobreza Urbana
  • 3. Reitora Vice-reitor Diretor-presidente UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO Suely Vilela Franco Maria Lajolo EDITORA DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO Plinio Martins Filho COMISSÃO EDITORIAL Presidente José Mindlin Vice-presidente Carlos Alberto Barbosa Dantas Adolpho José Melfi Benjamin Ahdala Júnior Maria Arminda do Nascimento Arruda Nélio Marco Vincenzo Bizzo Ricardo Tuledo Silva Diretora Editorial Silvana Biral Editoras-assistentes Marilena Vizentin Carla Fernanda Fontana MILTON SANTOS Pobreza Urbana Com uma bibliografia internacional organizada com a colaboração de Maria Alice Ferraz Abdala
  • 4. Copyright© 1978 by Família Santos 1~ edição 1978 (Hucitec) 2~ edição 1979 (Hucitec) 3~ edição 2009 (Edusp) Edição atualizada segundo o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa Ficha catalográfica elaborada pelo Departamento Técnico do Sistema Integrado de Bibliotecas da USP Santos, Milton, 1926-2001. Pobreza urbana I Milton Santos; com uma bibliografia interna- cional organizada com a colaboração de Maria Alice Ferraz Abdala. - 3.ed. -São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2009. 136 p.; 14 x 21 cm - (Coleção Milton Santos ; 16). ISBN 978-85-314-1158-8 1. Geografia urbana. 2. Sociologia urbana. L Abdala, Maria Alice Ferraz. II. Titulo. III. Série. Direitos reservados à Edusp - Editora da Universidade de São Paulo Av. Prof. Luciano Gualberto, Travessa J, 374 6º andar - Ed. da Antiga Reitoria - Cidade Universitária 05508-010 - São Paulo - SP - Brasil Divisão Comercial: Te!. (11) 3091-4008 / 3091-4150 SAC (l l) 3091-2911 - Fax (11) 3091 -4151 www.edusp.com.br - e-mail: edusp@usp.br Printed in Brazil 2009 Foi feito o depósito legal CDD 307.76 SUMÁRIO Apresentação..........•••..••.•...•.....•••..••.......••...•••...•••.•.........•••.•......••••.•.•• 9 POBREZA URBANA PODE-SE DEFINIR A "POBREZAii? ••••····•••••••••••••••••·••·•·•••••••••••···•••••••••·· 13 '· EXPLICAÇÕES PARCIAIS DA POBREZA URBANA ··••••••••••····•••••••••••·••••·•••••• 23 )- A POBREZA URBANA NO TERCEIRO MuNDo: MARGINALIDADE OU BIPOLARIZAÇÃO? ••••.•.•...•••••.••••••..•••..•••.•••••••.••••.••• 35 4· Q CIRCUITO INFERIOR, CHAMADO "SETOR INFORMALii ·POR QUt? ....... . 57 S· TEORIAS DO DESENVOLVIMENTO E DA POBREZA: CONSUMISMO OU IGUALITARISMO? ..................................................... . 77 Bibliografia Internacional.................................................................... 87
  • 5. 1 APRESENTAÇÃO O problema da pobreza ganhou, em nossos dias, uma atualidade incontestável por duas grandes razões: em parte pela gene- ralidade do fenômeno que atinge a todos os países, embora em particular aflija mais duramente os países subdesenvolvidos, mas também pelo fato de que a urbanização galopante que estes últimos co- nhecem _é acompanhada P~ia-e~p-~~;ã~:-;~~~~~~;ig~;i~d~~;p;~São ~a pobr~z~, ~~·s~~-q~~-e~t~·Sé'âp~esente de fúfrn~·p~rti'Zular ~especifi~a em cada país e nas diferentes cidades de um mesmo país. Este livro, dedicado a esse tema, compõe-se de duas partes: a primei- ra procura colocar a questão de forma crítica, enquanto a segunda pretende oferecer uma bibliografia internacional do assunto. Na primeira parte retomamos a árdua questão da definição da po- breza (Capítulo 1 - Pode-se Definir a "Pobreza"?), para indagar, em seguida, se o problema não tem sido frequentemente colocado de modo equívoco (Capítulo 2-Explicações Parciais da Pobreza Urbana). Mais adiante (Capítulo 3 -A Pobreza Urbana no Terceiro Mundo: Margina- lidade ou Bipolarização?), tentamos resumir um debate, apaixonante na época em que se fez, sobre o problema da "marginalidade", e ao
  • 6. mesmo tempo sugerimos um enfoque que leva em conta a existência, na economia urbana, de dois circuitos interdependentes mas hierarqui- camente organizados: o circuito superior e o circuito inferior. Este vem sendo chamado de "setor informal", denominação que permite uma discussão aprofundada, levando dos aspectos semânticos e filosóficos ao lado propriamente político da questão (Capítulo 4 - O Circuito Inferior, Chamado "Setor Informal''. Por quê?). Finalmente, discutimos as relações entre pobreza e teoria do desenvolvimento, para avançar algumas ideias relativas à esperada possibilidade de extinção dessa chaga que se alastrou no mundo ao mesmo tempo em que a economia conhecia índices de crescimento favoráveis (Capítulo 5 - Teorias do Desenvolvimento e da Pobreza: Consumismo ou Igualitarismo). Quanto à bibliografia, ela está long, de ser completa. Os títulos que aí reunimos, somando cerca de oitocentos, permitirão, todavia, ao leitor melhor situar-se, diante de um elenco de informações oriundo de diver- sas partes do mundo e atendendo a diversas tendências do pensamento social. Estamos certos de que muitos trabalhos de valor escaparam ao nosso recenseamento, e nos protegemos dessa falha no triste consolo de que tarefas desse tipo terminam sempre por cometer injustiças, ainda que involuntárias. Nesse trabalho fui pacientemente ajudado pela geó- grafa Maria Alice Ferraz Abdala, que se dispôs ao ingrato trabalho de percorrer bibliotecas e completar a documentação também por outras vias. Desejo exprimir-lhe, aqui, meu reconhecimento e minha gratidão. A publicação deste volume foi possível graças à colaboração que nos foi oferecida pela Universidade Federal de Pernambuco, na ocasião em que se realiza no Recife o Seminário Nacional sobre Pobreza Urbana e Desenvolvimento (4 a 7 de dezembro de 1978), promovido pelo Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento Urbano (mestrado). Um agradecimento particular é, aqui, endereçado ao professor Adalmi Beserra Alencar, que teve a iniciativa de me sugerir esse trabalho. MILTON SANTOS Outubro, 1978 POBREZA URBANA
  • 7. l PODE-SE DEFINIR A "POBREZA"? A abordagem do problema da pobreza nos países subdesenvol- vidos é cheia de dificuldades e ciladas. As dificuldades são encobertas pelos deficientes instrumentos de pesquisa, tais como estatísticas e classificações duvidosas, enquanto a confusão a respeito dos objetivos e as formulações teóricas falsas ou incompletas representam verdadeiras arapucas. ?1</: ~- - ' A FAL~NCIA DAS ESTATÍSTICAS 'Jt ~ t)<>J:sLu~ A maioria dos escritores queixam-se de que as estatísticas são inade- quadas, por não serem adaptáveis ou por serem insuficientes, ou ainda devido a problemas de interpretação - frequentemente insatisfatória -, isso para não mencionar a manipulação (Aguilar, 1974, p. 166) que é feita sob o pretexto de ajustá-las às condições locais, ou até mesmo com finalidades abertamente políticas (Feder, 1973, pp. 5-6). As perguntas essenciais se subordinam a um modelo internacional (Santos, 1972). As pesquisas realizadas por organizações locais ou por pesquisadores independentes para compensar as deficiências dos re- o m "z "> "o • "m N ,.
  • 8. ,-.« < z < • "o < N • "•o " sultados são, infelizmente, muito poucas e pouco acessíveis. Isso coloca problemas fundamentais e torna mesmo difícil qualquer tentativa de comparação ou de compreensão das realidades locais. Frequentemente, o trabalho desenvolve-se com material mal selecionado e interpretado erroneamente, visto que a elaboração das estatísticas é feita obede- cendo a uma transferência de conceitos elaborados para a Europa ou América do Norte e aplicados nos países subdesenvolvidos. O peso das ideias feitas, a lei do mínimo esforço, o prestígio do exemplo, tudo contribui para manter um instrumento de pesquisa baseado em ideias preconcebidas. É evidente que não se 2ode dispensar infQ!'~Matístic~~.IJ!ªS é preciso recusar_a essas informações .!!!!l__''.alc~..~--próprio e suficiente. As estatísticas só expressam a reali:lade quando recolhidas através de uma teoria válida; estatísticas e teoria se completam. No que diz respeito às estatísticas já existentes, o problema não é simplesmente abandoná-las sem maior consideração, e sim selecioná-las e usá-las com aquele senso crítico agudo reivindicado por Polly Hill (1966, p. 18). Isso poderia autorizar que fossem usadas totalmente, em parte, ou simplesmente desprezadas. Assim, a utilização de dados estatísticos numa estrutura de análise e interpretação suscita problemas metodológicos, o que nos leva novamente aos problemas teóricos. As estatísticas dependem de uma compreensão sistemática, do meca- nismo dos fenômenos que se quer estudar. Há necessidade, portanto, de categorias analíticas que permitam a obtenção de dados e também a correção dos não confiáveis, o que ajudará na escolha das pesquisas complementares necessárias. Com efeito, segundo Ch. Bettelheim (1952), "toda medida implica na elaboração do conceito daquilo que é medido [...] Uma medida resulta de um processo de abstração que, desde o início, elimina totalmente certas qualidades". Seria portanto necessário reexaminar e renovar nossos conceitos, antes mesmo de coletar estatísticas (McGee, 1971, p. 68). Em outras palavras, são os conceitos, ou seja, a elaboração teórica, que assumem o papel primor- dial. A menos que o pesquisador seja consciente disso, os instrumentos de pesquisa, e até mesmo os métodos, podem desempenhar um papel determinante na construção teórica. Isso ocorre por exemplo com o problema da definição de emprego, de desemprego e de subemprego. Recentemente, Guy Caire (1971) deu uma interpretação apropria- da das estatísticas de subemprego e desemprego, lembrando-nos que esses conceitos [...]quando aplicados àos países do Terceiro Mundo, exigem uma reinterpre- tação e que as medidas estatísticas gerais ou específicas deixam muito a desejar; por exemplo, o método da mais-valia (diferença entre a quantidade de trabalho disponível e a quantidade de trabalho socialmente necessário, o que exige conse- quentemente a escolha arbitrária de uma norma de produtividade) ou o método da renda (número de trabalhadores de tempo integral, real ou potencial, que possuem recursos abaixo de um determinado nível, o que leva a considerar o trabalho pro- dutivo a longo prazo, curto prazo ou prazo indeterminado). Convém acrescentar que é precária a adaptação dos coeficientes de emprego ativo, determinados pelos recenseamentos, aos empregos tradicionais e às numerosas atividades organizadas em torno das unidades familiares como unidades de trabalho. A heterogeneidade das informações constitui outra dificuldade encontrada ao se elaborar trabalhos mais meticulosos de comparação e síntese. A pesquisa socioeconômica está interessada nos mais diferentes temas em cada país, dependendo de seu nível econômico, da urgência com que os problemas precisam ser resolvidos e das opções políticas e interesses governamentais. Além do que os procedimentos adotados na realização e execução do recenseamento variam com frequência, como também variam os intervalos entre os recenseamentos. Outro tipo de obstáculo é a definição dos limites urbanos. Os cri- térios sobre o que é "urbano", quase tão numerosos quanto os países a que se referem, sã'o tão diversos que não permitem nenhuma tentativa de generalização. O mesmo ocorre em relação à noção de "terciário" e "terciarização". A maioria dos trabalhos sobre o Terceiro Mundo referem-se a uma terciarização da sociedade e da economia, e a uma urbanização terciária. Na verdade, trata-se de uma expr.essão de certo modo já clássica, usada para designar uma atividade nova. Por exemplo, a população e as atividades que classificamos como sendo o Circuito Inferior da economia urbana (Santos, 197la) não são ne-
  • 9. < z < • "o < N ~ "•o • cessariamente terciárias, como também não o é o protoproletariado estudado por McGee (1974). O uso de um.a ~~ectiva herdada - a repartição tradicional da economia em setores primário, secundário e terciário, uma divisão formal proposta por Colin Clark - é_ IJ~a d~c.11.ldad~~.mLex.Plica.r,J)JL~lo__illffiQ§.em.avaliar_cor,r:<j;êUJ,.eJJJ:e qs problemas.ligados.à.pob.n:za uas.çi.d<!.<k~. O aparelho estatístico é prisioneiro de uma noção geral que não está de acordo com a reali- dade. Outro inconveniente provém do fato de que atualrp.<o.n~e muito mais atenção ao fenômeno das favelas do que mesmo _à situação 4ª. pobreza como um todo. Essa preferência aparece claramente nos resultados estatísticos que frequentemente são de interesse mais antro- pológico ou puramente econométrico que socioeconômico. Contudo, seja qual for a motivação, o resultadA é o mesmo: o empobrecimento da pesquisa e uma tendência para distorcer a compreensão global das realidades do mundo "marginal". É necessário, portanto, insistir na dificuldade de chegar a uma comparação válida das situações nacionais. Dificilmente seria possível uma comparação de variáveis isoladas, e isso mesmo só se poderia obter após uma tentativa preliminar de identificação. Ademais, como os fenômenos em questão são fatos essencialmente complexos - com- postos portanto de variáveis múltiplas -, é preciso usar com cuidado a estrutura estatística, e ir além dela. Do contrário, c:o_!'.!'.~-=~-..2.._risco de apenas oferecer uma lista, que pode até ser prolífica, de variáveis isoladas que caracterizam uma determinada situação, e ao mesmo tempo bloquear guaisg~E!_?]uções. É imprescindível dominar o pleno funcionamento das variáveis, sua tendência a reagir reciprocamente, para poder então inferir leis, ou pelo menos reconhecer um comporta- mento geral e características específicas. Isso para todos os fenômenos sociais, inclusive a pobreza. o QUE É POBREZA? Certas definições, como a de Moore (1963), para quem a pobreza é função de uma participação maior ou menor na modernização, f restringem o problema a parâmetros de natureza puramente material. O. Lewis (1969, p. 115) é ainda mais explícito quando afirma que se pode obter uma descrição aproximada de pobreza definindo-a como a incapacidade de satisfazer necessidades de tipo material. Isso ajudaria a distinguir miséria de pobreza, como fizeram Sidney e Beatrice Webb (1911)? Os pobres, por essa definição, seriam "aqueles que têm um poder de compra mais reduzido que o considerado nor- mal para o ambiente em que vivem". Os mjseráyeis estariam priY.ados da sati~faç~o .k ·ª]ggmª>-4'!~....!lt:.C.W.idades Yitaiá._.4tunaneira que a ~~ú_d,~---~-.<l:_!o~i!~~~ª.!.9.E!!~r=~-e-iam_p~:_~~!:.i!-s__~ PºE.~º de fazer perigar .a pfÓ!'fÍ.iLY.id.@. Carter (1970, p. 58) introduz a noção de "relatividade" ao afirmar que '~a riqueza só traz satisfação quando comparada com o nível de ~;, ,__, . vida de outros". Ou seja, ~~estar satisfeito é ser suficientemente rico r..-,--{ '--., "-' ,-.,/ para não sofrer de inveja". Mesmo assim, permanece o problema de - ~ ,...,."-" definir em que consiste a necessidade. ()_)" "'..- A questão da pobreza não pode, na verdade, ficar restrita a defi· '' nições parciais. Já se tentou também estabelecer um limiar estatístico e,xªto da pobre_Z.fu._1Qmªndo_co_mopo11to_de i;ef~rênc_i_a~ p()_r e_2'emplo, s!'lários, e. ~()_i:a.s_.l;:. trabalhp. Mas a _n()ç~() fie "liu.ha_ d.e p.ubr.eza", av~liada__4~~-~~~__[<;>.,i:_µi_a por órgão_~--~n-~er1:1:_~_~J?,na_i_s _i11t~r~s_§.açtQS...em iµ- formações quantitativas, e por planejadores preocupados em oferecer sol~es con~ªbeis, não consti~ui um parâmetr? válido e não_permite SQmP"!.!'529· Conforme salientou J. K. Galbraith, a noção de "linha de pobreza" nem ao menos conduz a uma medida precisa, sendo o defeito mais grave o seu caráter estático: ~'Numa economia de cresci- mento existe uma necessidade óbvia de definir o limiar da pobreza ou de dar uma definição de pobreza que seja ao mesmo tempo relativa e dinâmica" (1969, p. 252). Os conceitos de recursos e necessidades são dinâmicos. A ideia de escassez, um corolário dessas duas categorias, faz parte de sua própria natureza. Qs__~'.!_çur_s_os...p_Q.fil..~~isposição ~do__Qgmem. em termos de sua posição na escala soEi.al0JJJJ!.d.am.cQlll.O.J:~Jlll2Q _u:i..lugar, O valor d~; r~cu;sos é igu~l;,:;en_t_e_relativo,_cjfl'f!1c!e11g9__ejl1_g,ande parte_!_a 'e o " " ;; 'o
  • 10. estrutura daJ2!oducão e~ seus ob~tjyos f.Yru;!gmentai~. A noção de pobreza, ligada desde o início à noção de escas.sez, não pode ser estática nem válida em toda a parte. A pobreza existe em toda a parte, mas sua definição érelativa a urna determinada sociedade. Estamos lidando com uma 11oção historicarnen- !edeterminada. É por isso que comparações de diferentes séries tem- porais levam frequentemente à confusão. A combinação de variáveis, assim como sua definição, mudam ao longo do tempo; a definição dos fenômenos resultantes também muda. De que adianta afirmar que um indivídit~~os pobre agora, em comparação à situação de dez a~os .·;,,~ atrás, ou que é me!].q~J?~br~~~ ci~~de ell.!__c:.ompa;ação à-s~~ituaç-ão ~'!"~~ ~ ~-Q çampo se es~til!diyí_d_ttQ__pffeQ.1~~-~ftj~_<?_;~~~o.P~d--;ã~-~eVãf~~es, inçlysjy~_.!!Q,,Q_~--~-e refere _aos bens rnftteriais? A 6.~i~~,-~~-~úd-;~d~ ~-'!_atufil,_pada..~~u~á~;elati;~J~iP.(íjyíqµ9 11;1soci.~d.ade 'Lll!!_e . pertrn_ç_e. Segundo Bachelard (1972) é mais importante compreender um fenômeno do que medi-lo. b:!Iledi_q!l_.Ja.1?2.J:ir.e_z?-i..d..ada.'illttLde 1!.!:li~.!lê21'.Pt:J9.> 99i.<;.tix.us.q11.e a s.m;i~Jfad.f_d~tçrmino11.llªrn..s_i pxeígri;l. É inútil procurar uma definição numérica para uma realidade cujas di- mensões - agora e no futuro - serão definidas pela influência recíproca dos fatores econômicos e sociais peculiares a cada país. Além do que um indivíduo não é mais pobre ou IM.!!QU?.9.hr~~ue conso~rn J'.()UC()E:_~'!()S ou..um pouco mais. A defill_!ção c!_e pobreza deve ir além p ~ess<.!_12.e~"9.:1~"~--~-~~'.':_~!i~'!F.~_.~.i-~!:!~~-9. ~-º~~_p_q_;t _~95J~clª9e global à,_ 1 qy--ª· _p_~r"t~P:_.Ç~,_J2__o_~g:tJant.~ a pobr~za não é ªP.:C:::_I?:~~ u"m.fl;.~_8.tegoria eco- nômic~2 ~as também urna categoria política acima ·de tu·d~-.-E~rãID;s lida11do c~;. ~mproble~a socia'i. . .. ..... . .• - - < cJ;_ r Ora, ~m fe~Ô;;;~-no tão Sf~tético e complexo não pode ser compreen- ~ E1<lido através do estudo isolado de fragmentos de informações. Somente ~ 8; Ium exame do contexto, responsável num dado momento por uma ~ : i determinada combinação, pode ser de alguma ajuda para a construção : ~ Lde uma teoria coerente e capaz de servir como base para a ação. • ~ Há, na verdade, diferentes tipos de pobreza, tanto a nível interna- Oô H cional quanto dentro de cada país. Por isso, não tem sentido procurar uma definição matemática ou estática. Conforme acent11011 T B11chanan (1972, p. 225) "o termo 'pobreza' não só implica um estado de privaç~o ~ateria! como também um modo de vida - e um conjunto complexo ~ duradouro de relacões e insrjrujções sociais. econômicas, culturais ~~9Jftjç·ª~ cria~~.~~a encontrar segurança dentro d~ uma situação i~J~Y.ra". O assunto exige um tratamento dinâmico, no qual todo o conjunto de fatores é levadç:> em conta - pois do contrário haverá ênfase em soluções parciais que são mutuamente contraditórias. O problema essencial e.stá na eâtrutpra analítica escolhida, ou seja, na tentativa de urna teorização adequada. 4, fvJ.'4-.-..:.. d..o: .:::-:..-.:,.,1i...., "'"".1.r.1--... e," J.,r ,,.,_.,_,,,: 1-''';Clf~' [i 0"'-l'l (rlVé,....., ..• PLANEJAMENTO E ATRASO TEÓRICO As teorias sobre o desenvolvimento - ou subdesenvolvimento - fo- ram apresentadas como diretrizes para a correção de desigualdades entre indivíduos, regiões ou países. O crescimento baseado no mo- delo de países já industrializados começou - e continq.a sendo - a ser considerado como a solução para o problema de desenvolvimento, tend'o o planejamento corno instrumento de sua realização. Entretanto, pode-se dizer que a própria ideia de planejamento contri- buiu para atrasar a pesquisa das causas reais da pobreza. Pelo menos durante os primeiros vinte anos que se seguiram à Segunda Guerra Mundial, o planejamento era introduzido no Terceiro Mundo como uma espécie de cavalo de Troia. O crescimento era, sem discussão, o objetivo do planejamento, ainda que o sentido do crescimento fosse obscuro. As teorias do crescimento especificavam necessidades que eram julgadas essenciais, e o planejamento era aplicado para racionalizar a organização e a utilização de recursos, sem levar ern conta as realidades locais. Ora, como a tentativa de interpretar as realidades dos países subdesenvol- vidos consistia principalmente em preparar uma lista de recursos para permitir seu planejamento, aquilo que era elaborado e apresentado como teoria podia não ajudar e, em certos casos, até mesmo trazer resultados perniciosos, apesar do esforço que representava. As explicações estavam intrinsecamente contaminadas, porque eram precedidas de uma definição de objetivos: equivaliam a pôr o carro à frente dos bois.
  • 11. o N Não é exagero, portanto, afirmar que o planejamento atrasou a elaboração de uma adequada teoria de desenvolvimento, contribuin- do dessa maneira, direta ou indiretamente, para criar ou agravar o problema para o qual se devia oferecer uma solução. Devido à má compreensão ou à compreensão incompleta de certos mecanismos, tais como por exemplo a pobreza, foi fácil impor - de dentro ou de fora - uma orientação ao planejamento, que tendia a desviar a pesquisa para problemas menores, mantendo ou agravando assim o status quo. TENTATIVAS DE EXPLICAÇÃO Trinta anos passaram-se dessa fqrma, desde que os conceitos de desenvolvimento e planejamento se impuseram como ideias-força, en- quanto as desigualdades continuavam a crescer, não só a nível individual como também a nível regional e internacional. A extrema privação em que vivem atualmente milhões de indiví- duos é objeto de copiosa literatura. A pobreza urbana - ou melhor, os aspectos da pobreza vinculados à urbanização - alimentou uma ativi- dade intelectual infatigável. Mas as explicações simplista$ ou falsas a respeito do que é pobreza e como ela é criada, como funciona e evolui continuam sendo o verdadeiro problema. Devemos, talvez, insistir no fato de que há também um grupo seleto de estudiosos cujo verbalismo rigoroso, como poderia ser cha- mado, permite-lhes discorrer com inteligência a respeito de questões superficiais, sem ir ao âmago do problema. E como classificar aqueles que se satisfazem, conforme acentuam Browne e Geisse (1971, p. 17), "em maximizar o criticismo sem o risco de se comprometerem com a ação"? Há muitas maneiras de esquivar-se ao problerri.a da pobreza, seja tratando o assunto como uma questão isolada, seja ignorando que a sociedade é dividida em classes. Existem também formas mais sutis de encobrir a realidade. Já não se procurou fazer uma distinção entre "favelas da esperança" e "favelas do desespero"? (Stoces, 1962). Já não se afirmou que o pobre pode melhorar sua situação através do esforço individual, da iniciativa pessoal ou da educação? É dessa maneira que se alimenta a esperança da mobilidade ascendente, justificando, ao mesmo tempo, a sociedade competitiva. Assim, a pobreza é conside- rada apenas como uma situação transitória, um estágio necessário na mobilidade social, evitando-se procurar ideias para mudar esse estado de coisas. A pobreza deve'ser tolerada como "inerente às agruras do crescimento econômico", de acordo com a atitude que McGee (1971, p. 133) denuncia. O problema da pobreza também pode ser abordado parcialmente. A "crise urbana" seria o resultado da explosão demográfica, respon- sável pelas migrações que contribuem para o agravamento dessa crise. A falta de empregos seria a consequência da "pressão demográfica", e responsável ao mesmo tempo pela manutenção da economia não mo- derna ou tradicional, considerada como um obstáculo à modernização. Entre os que apoiam essa análise encontram-se aqueles que aderiram à teoria dualista e seus múltiplos disfarces. Há também aqueles que se preocupam com os aspectos. políticos da pobreza, considerando-a um perigo de explosão potencial. É fácil igualmente perder-se na discus- são das circunstâncias que envolvem o comportamento dos pobres - serão porventura conformistas ou não conformistas, conservadores ou revolucionários? -, enquanto os aspectos centrais da questão são contornados. Essas duas abordagens - uma que procura evitar o problema da pobreza, outra que seleciona certos aspectos da realidade - estão se transformando em slogans multiplicados pelos meios de comunicação de massa. E como as teorias são incoerentes, é muito mais simples impor uma forma de planejamento que não conduz a nada. Por exem- plo, ninguém se preocupa em verificar se existe uma contradição entre considerar o êxodo rural pernicioso e as favelas cheias de esperança. Impostos assim à opinião pública, os mitos tan1bém não deixam de influenciar os investigadores sociais; e aqueles que desejam orientar-se para uma visão mais global do fenômeno da pobreza, com freqnência se sentem impotentes e se desiludem. Isso não significa que deixem de procurar explicações coerentes dentro da dinâmica das condições "o o m z "> N > µ H
  • 12. atuais, solidamente apoiados no movimento geral da História. Sem esse esforço seria impossível discernir as verdadeiras causas da pobreza e procurar remediá-las. REFERl:.NCIAS BIBLIOGRÁFICAS AGUILAR, A. M. Mercado Interno y Acumulación de Capital. México, Nuestro Tiempo, 1974. BACHELARD, G. La formation de l'esprit scientifique. 8. ed. Paris, J. Vrin, 1972. BEITELHElM, e. Les théories contemporaines de l'emploi. Paris, CDU, 1952. BROOKFIELD, H. "Questions on the Human Frontiers of Geography". Economic Geography, (40): 283-303, 1964. BROWNE, E. & GEISSE, G. "Planificación para los Planificadores o para e! Cambio Social?". Revista EURE, 1(3):11-2~, oct. 1971. BucHANAN, 1. Singapore in Southeast Asia. London, Bell and Sons, 1972. CAIRE, G. "Commentaire aux livres de A. Huybrechts et J. Gouverneur". Tiers Monde, 12 (48): 894-895, oct.-déc. 1971. CARTER, e. La richesse. Paris, Stock, 1970 (Wealth. London, e.A. Watts, 1968). FEDER, E. Recent Trends Affecting Unemployment and Poverty. Paper presented at the 2"d Conference on Research in Latin America, Copenhagen, may 1973. GALBRAITH, J. K. The Affluent Society. New York, Houghton Mifflin, 1969. HILL, P. "A Plea for Indigenous Economics: The Western African Example". Eco- nomic Development and Cultural Change, 15 (1): 10-21, oct. 1966. LEWIS, O. "The Possessions of the Poor". Scientific American, pp. 113-124, oct. 1969. McGEE, T. G. The Urbanization Process in the Third World: Exploration in Search ofa Theory. London, Bell and Son, 1971. ___. The Persistence ofthe Proto-Proletariat. Occupational Structures and Plan- ningofthe Future World Cities. Australian National University, Research School of Pacific Studies, Department of Geography, april 1974 (mimeo., 60p.). MOORE, W. E. Social Change. New Jersey, Prentice Hall, 1963. SANTOS, M. Les deux circuits de l'économie urbaine des pays sousdeveloppés. Docu- ment de Travai!, Institut d'études du Développement Économique et Socíal, Université de Paris, oct. 1971a (mimeo., 16p.) [trad. bras.: O Espaço Dividido: Os Dois Circuitos da Economia Urbana dos Países Subdesenvolvidos, Edusp, 2. ed., 1. reimp., 2008]. ___. "Les statistiques et la croissance urbaine dans les pays sous-développés". La croissance urbaine en Afrique Noire et Madagascar. Centre de Géographie Tropicale, Paris, 1972. STOKES, e.]. "A Theory of Slums". Land Economics. 38: 187-197, aug. 1962. 2 EXPLICAÇÕES PARCIAIS DA POBREZA URBANA P or que existem pobres? Que explicação poderíamos dar a esse problema qu~ tem suscita~o ~ma _multiplicidade de inte~­ pretações, as quais, em sua ma1or1a, nao fornecem uma expli- cação satisfatória? É inquietante, por exemplo, que ainda haja pesquisadores tentando explicar o fenômeno por meio de dados climáticos! Mas A. Karmack (1973) dá-nos uma versão renovada das ideias de Huntington, para quem o clima estava no centro de todas as explicações. Outros, sabendo manejar as estatísticas a seu bel-prazer, creem que a educação é um ins- trumento indispensável para integrá-los ao processo de modernização. Essa explicação, que confunde uma coincidência com uma relação cau- sal, considera (C. G. Langoni, 1973, por exemplo) os pobres como se tivessem algum poder de decisão sobre a qualidade e o tipo de educação que lhes é destinada, e como se o processo de educação não fosse, ele próprio, condicionado pelas necessidades da produção. Como essas necessidades são ditadas por interesses que mudam rapidamente e cujo epicentro é frequentemente distante, há uma defasagem permanente no tempo e nos objetivos, e os países do Terceiro Mundo não teriam a
  • 13. possibilidade de adaptar o aparelho escolar às necessidades emergentes e tampouco aos verdadeiros interesses nacionais. A insuficiência da produção agrícola também é indicada como uma causa da pobreza. Como os citadinos pobres têm que destinar uma im- portante parte da renda à alimentação e os gêneros alimentícios custam caro, os dois fenômenos foram assimilados numa relação de causa e efeito. Contudo, ocorre que não somente a produção agrícola não é toda ela destinada à alimentação, como também a produção alimentar de um país nunca é totalmente consumida dentro de suas fronteiras. Do mesmo modo, uma parte crescente da alimentação nacional, e so- bretudo urbana, é assegurada pelas importações que provocam uma queda da produção alimentar, por uhn processo de causação circular negativa (feedback). EXPLOSÃO DEMOGRÁFICA E ÊXODO RURAL É frequente imputar-se a pobreza, e sobretudo a pobreza urbana, ao crescimento demográfico. Para os que gostam da construção de gráficos, a tarefa pode ser apaixonante e muito simples: a curva da população e a das carências aumentam simultaneamente. Usa-se, portanto, um paralelismo para uma relação causal. Para o resto, o problema é facilmente resolvido: basta retomar as ideias de Malthus ou alinhar mecanicamente as cifras de evolução demográfica ao lado das do aumento do produto. É, portanto, fácil concluir que qualquer esforço de crescimento é finalmente absorvido pelo aumento da população. O cálculo das rendas per capita não é feito pela posição do crescimento demográfico em relação ao crescimento econômico? Um raciocínio mecânico conduz a outro: a limitação do cresci- mento demográfico é considerada como indispensável à eficácia da manutenção do crescimento econômico. A expansão demográfica é encarada como um verdadeiro "sinal de alarme" (Kishor e Singh, 1969, p. 241), e provocaria um verdadeiro desastre nos países subde- senvolvidos, pela criação de um desequilíbrio no plano dos recursos. É, como diria Polanyi, um verdadeiro caso de ostentação estatística, baseado no fetichismo das taxas de crescimento (Lassudrie-Duchêne, 1966)1. Esquece-se que, em outras fases da história, o crescimento demográfico foi contemporâneo do crescimento econômico, tanto nos países desenvolvidos como nos países subdesenvolvidos. Por ou- tro lado, o chamado "pro~lema demográfico" em geral não aparece nos países de baixo nível de renda e de desenvolvimento. A pobreza atual das massas do Terceiro Mundo não é explicável pela explosão demográfica2• Urna e outra estão ligadas, direta ou indiretamente, a influências "externas" ao país. Ligado ao fenômeno precedente (demográfico), o êxodo rural - que assumiu proporções importantes na década de 1950-também foi incri- minado. Quantas vezes nos estudos das ciências humanas, assim corno nos documentos dos planejadores, não lemos que a economia urbana não estava em condições de acolher a grande quantidade de migrantes, responsabilizados assim não somente por seu próprio empobrecimento como também pelos dos centros urbanos? Mas as migrações não podiam ser consideradas como causa direta do processo de marginalização, diz Munoz García (1971, p. 91). Não teriam elas suas mesmas raízes na mesma fonte de marginalidade? Como o volume das cidades aumenta vertiginosamente e a maior parte dos não citadinos não encontra emprego permanente na cidade, é corrente falar-se de hiperurbanização (Friedman e Lackington, 1966), de pseudourbanização, de urbanização caótica (Bose, 1965), de toda uma série de qualificativos os quais procuram expressar que a cidade é incapaz de fornecer trabalho a um grande número de seus habitantes, considerados, portanto, excessivos. Aqui, reencontramos a polêmica sobre o papel da urbanização. De um lado, há aqueles que acreditaram que a cidade representava uma es- perança de abolição da pobreza da massa (por exemplo, Hoselitz, 1957, p. 48). Outros, impressionados pela multiplicação, no meio urbano, L Citado por P. Kende, 1971, p. 46. 2. Ver D. F. Maza Zavala, 1970; S. Amin, 1972, p. 723; A. Quijano, 1972, p. 89; D. Harvey, 1973. v >
  • 14. < z < • "o < N ""•o ' de chagas sociais e das carências econômicas, veem, ao contrário, no fenômeno, a causa de todos esses males. Esta última posição tem nu- merosas variantes: desde os que ressaltam o perigo de uma urbanização precedendo a industrialização como consequência de um crescimento demográfico rápido até aqueles que veem na expansão urbana uma causa de freio na poupança, como F. Guyot (1968). Do efeito de bloqueio ao efeito de empobrecimento há apenas um passo a ser dado. Isso foi feito por Philip Hauser (1962), quando liga a urbanização à pauperização: "se os ritmos elevados de urbanização persistirem nas regiões subdesen- volvidas, terão por efeito agravar ao invés de suavizar a pobreza e a miséria atuais das cidades". O grande erro é considerar a urbanização como uma variável independente e nã& o que ela realmente é: um epi- fenômeno. Com efeito, a cidade é o lugar privilegiado do impacto das modernizações, já que estas não se instalam cegamente, mas nos pontos do espaço que oferecem uma rentabilidade máxima. O processo é velho, mas agravou-se recentemente. Por conseguinte, procurar as explicações e os remédios a partir do próprio problema urbano significa simplesmente lutar contra os sintomas do mal sem procurar suas causas. A teoria do dualismo estrutural ou tecnológico- dualismo econômi- co, social ou geográfico-, durante muito tempo impressionou os espí- ritos sábios, que encontraram na fórmula uma explicação confortável e atraente do subdesenvolvimento e da pobreza (ver notadamente Boeke, 1953 e B. Higgins, 1959). Só recentemente estabeleceu-se uma revisão dessa teoria (Stavenhagen, 1968; Quijano, 1971; Cardoso, 1969; Sunkel, 1969; McGee, 1971, entre outros). Para os paladinos da tese do dualismo, a sociedade, assim como a economia, estariam divididas em dois setores: um, moderno, aberto às transformações baseadas na modernização, e outro, tradicional, incapaz de assimilação e de participação. Estaríamos diante de "estruturas hí- bridas, uma delas com a tendência de se comportar como uma economia capitalista e, a outra, de se manter no plano das estruturas tradicionais" (Furtado, 1966, p. 126). A sugestão de Boecke, que opunha um setor moderno ao setor peasant~ na Indonésia, foi desenvolvida para ser aplicada a toda a economia e a toda a sociedade no Terceiro Mundo. Um crescimento falho, lento e retardado deveria ser imputado ao se- tor tradicional, que desempenha o papel de freio por suas estruturas memtais e econômicas, responsável por atos e atitudes que corroem e minam o progresso do país (Hirschman, 1958, p. 63). Myint (1970, p. 135) insiste na diferença de alocação de recursos como uma causa do que ele chama de dualismo econômico. Ele imagina que "a permanência do setor de subsistência deve-se ao fato de que as pessoas interessadas não querem os bens e os serviços da economia de troca e que normalmente procuram minimizar seus recursos em função de alguns gostos e de algumas preferências". Essa explicação subentende a noção de dualismo e supõe que o setor pobre da economia não seja dependente do setor moderno. Essa dependência não deve ser forçosamente procurada na escala do lugar; o setor evoluído é, ele próprio, um território exterior do setor desenvolvido das economias ricas, segundo D. C. Lambert (1974, p. 214). É errado, portanto, tentar explicar o não emprego como consequên- cia de uma situação de dualismo tecnológico, como muitos fizeram. Ainda recentemente, Meyer (1964, p. 68) reutilizava esses argumentos e Dasgupta (1964, pp. 177, 184 e 185) tentava explicá-los, considerando correta a abordagem que considera "a teoria do subemprego e a do dualismo como ligadas entre si". Esta posição baseia-se no pressupos- to de um crescimento limitado a um só circuito econômico oposto à estagnação do outro circuito, para o qual o crescimento demográfico contribuiria. Como o freio do crescimento do setor moderno se devesse ao outro setor, a solução natural seria difundir mais ainda a moderni- zação, de modo a evitar os bloqueios. A posição de Eckaus (1955) seria contraditória, quando, a partir de sua teoria sobre as proporções dos fatores (factor proportions problem) e sobre os limites à sua substituição, prega a necessidade de n1odernizar para eliminar a pobreza. É falso explicar o subdesenvolvimento e o não emprego, portanto também a pobreza, como consequências de uma situação de dualismo tecnológico. Em primeiro lugar, não há setor propriamente tradicional. Toda a economia e toda a sociedade estão penetradas por elementos de moder-
  • 15. < z < • "o < N ""•o ' nização, se bem que em diferentes níveis quantitativos e qualitativos. Em seguida, não se pode considerar os dois setores corno se fossem separados, independentes ou autônomos. É antes a modernização, pela forma que assume em pleno período tecnológico, que é responsável pelo desenvolvimento do subemprego e da marginalidade. A FALTA DE CAPITAL DOMÉSTICO Estreitamente ligada à ideia do crescimento econômico baseado na modernização tecnológica encontra-se a teoria que atribui o "atraso" - e, portanto, a pobreza - dos países subdesenvolvidos à falta de capital doméstico para ser investido na iµdústria3• Essa formação insuficiente de capital seria, em parte, uma consequência do efeito-demonstração: querendo consumir como as pessoas do mundo desenvolvido, as do Terceiro Mundo não podem poupar. Mas, como disse Hagen (1962, p. 42), é melhor ser cético em relação ao que se chama de efeito-demons- tração, que é mais fruto de uma posição etnocêntrica (dos economistas ocidentais) que uma observação dos fatos reais. Portanto, é arriscado atribuir-lhe um lugar tão importante na explicação. Entretanto, essa posição de princípio, tão largamente aceita, acaba por justificar a entrada do capital estrangeiro, o único em condições de criar rapidamente atividades recomendadas nos planos de desenvolvi- mento e para as quais faltaria o capital local. Essa invasão do capital estrangeiro destinado a substituir urna poupança interna, que estaria faltando, torna o argumento falso. De um lado, trata-se antes de um aumento da escala e da indivisibilidade dos investimentos. Uma grande parte dos capitais locais torna-se ociosa em vez de se tornar rentável e isso favorece sua fuga para os países ricos onde se acumulam no~ bancos antes de serem reexportados para os países de origem, nos quais, investidos nos ramos rentáveis, multiplicam-se para depois retornar aos países do centro. Por outro lado, esses investimentos, por 3. Ver N. Kaldor, 1957, ou P. T. Bauer e B. S. Yamey, 1957, ou ainda]. Bognar, 1968, entre outros. seus efeitos econômicos e geográficos, não contribuem para melhorar o nível de emprego, nem o nível de vida das populações, mas para agravar a pobreza das massas. A acumulação doméstica de capital não pode ser considerada uma solução válida (M. Frankman, 1969, p. 2; Maza Zavala,1969, p. 59), pois é fundamental saber em que contexto e em que direÇão são feitos os investimentos. As "barreiras particulares" (Hagen, 1962, pp. 49-51) não se devem à falta de acu- mulação interna do capital que é cada vez mais internacional, mas sobretudo à estrutura de produção adotada, que torna impossível a utilização dos capitais formados localmente, e à má distribuição dos resultados. A propensão para consumir, as baixas taxas de poupança e de investimento não podem ser colocadas, pois, a -despeito delas, há a criação de atividades novas e crescimento estatístico da economia. A estreiteza do mercado não é um fator essencial do bloqueio do crescimento, como pensou Nurkse (1953); principalmente agora que uma nova divisão do trabalho atribui aos países pobres a produção de bens de consumo correntes. A "CULTURA DA POBREZA,, Que dizer da teoria de O. Lewis (1964, 1966) sobre a cultura dá po- breza? Para esse autor, o meio pobre age como um verdadeiro caldo de cultura, de modo que o indivíduo pobre está condenado a viver pobre, salvo se houver um acidente em sua vida. Uma vez estabelecida, "a pobreza tenderia a perpetuar-se a si própria de uma geração a outra, devido a seus efeitos sobre as crianças" (Lewis, 1966, p. 45). A pobreza, portanto, se autocriaria e automanteria. A teoria é atraente, se não se for ao fundo da questão. Se é verdade que os pobres tendem a perma- necer pobres - essa espécie de pobreza por herança (Blaut, 1973, p. 2) -, é ainda necessário jogar a culpa sobre eles mesmos? Como Valentine (1969, p. 65) observou, o autor de La Vida dispôs de um imponente arsenal estatístico para tentar representar o comportamento econômico dos habitantes dos squatter settlements como um grupo, mas ele não se interessou pelas instituições econômicas às quais está subordinada o >
  • 16. < z < • "o < N • "•o . o M a vida deles'. É por isso que O. Lewis (1966, p. 51-53) pôde chegar à conclusão de que é mais difícil eliminar a cultura da pobreza que a pobreza em si mesma. Ele censurava os pobres por sua pobreza, para utilizar uma fórmula de G. Kolko (1965). Tratar-se-ia, assim, de um grupo social marcado por uma enfermidade incurável: sua própria cultura. Como se a chamada cultura da pobreza pudesse ser imune às múltiplas correntes que atravessam o corpo social. CRESCIMENTO OU DESENVOLVIMENTO? Finalmente, afirma-se que a pobreza viria do fato de um país passar por um crescimento sem Cfi:Ue nele haja desenvolvimento. Po- deríamos perguntar se essa velha querela de vocabulário pintada com um conteúdo ideológico merece ser perpetuada. O crescimento seria o simples aumento das quantidades globais. O desenvolvimento seria acompanhado pela transformação das estruturas sociais e mentais. A isso acrescentou-se que seria necessário que o desenvolvimento fosse humano (ver pe. L.]. Lebret, 1958, defensor dessa ideia). Para ele, o crescimento seria iníquo cada vez que não viesse acompanhado de uma maior redistribuição e de um aumento do bem-estar das massas desamparadas. Ora, diante da realidade, que está sob nossos olhos, não se pode pensar em crescimento que não seja acompanhado por transformações estruturais frequentemente profundas, mas esse cresci- mento, considerado como uma condição prévia, termina por se tornar um obstáculo ao desenvolvimento "humano", devido aos bloqueios de estruturas que ele provoca por toda parte. 4. A noção de subcultura da pobreza durante muito tempo esteve na moda, e foi reproduzida, de modo mais ou menos matizado por autores co1no P. Marris (1963) e M. Clinard (1968). É espantoso que 1. Buchanan (1972, p. 239), cuja obra sobre Cingapura parece adotar um quadro teórico diferente, renha pratica1nente esposa- do esse ponto de vista na conclusão de seu livro, embora a tenha considerado um "sub-sector of security, a defense mechanism". A crítica mais aguda contra o ponto de vista de O. Lewis foi feita por Ch. Valentine (1964), mas outros autores como A. Portes (1972) e, mais recentemente, McGee (1974) não deixaram de fazer uma crítica definitiva. PROCURA DE UMA EXPLICAÇÃO SINTÉTICA E VALIDA Enquanto regurgitam interpretações e em função delas planifica- se e se age, a pobreza aumenta por todo lado. Dir-se-ia, assim, que o verdadeiro problema reside nas explicações. É necessário contenta~-se em repetir que tudo isso é apenas o resul- tado de um excedente da população urbana, ou seja, de uma situação em que a explosão demográfica e o êxodo rural são responsáveis pelo subemprego? Ou ainda afirmar que as indústrias modernas são incapa- zes de fornecer os empregos demandados, criando assim uma situação que se agrava, à proporção que a urbanização se acelera? É necessário crer que a crise da habitação é o resultado da transferência da pobreza do campo para a cidade (G. Ardant, 1963), ou seja, de um êxodo ru- ral que não encontra contrapartida no número insuficiente de novos empregos? Ou ainda que a erosão da renda média dos citadinos é uma consequência da invasão da cidade pelos rurais desenraizados? Essas explicações são satisfatórias? Aceitar seria admitir que acabar com o êxodo rural e, melhor ainda, a limitação dos nascimentos são uma solução, e pretender que com uma população urbana estacioná- ria ou com fraco aumento a indústria pudesse atender à demanda de emprego; de igual modo, isso equivaleria a apresentar o crescimento industrial como capaz, em condições de estabilidade demográfica, de melhorar o nível de renda. Assim, as favelas, que são apenas um as- pecto chocante entre tantos outros da cidade subdesenvolvida, seriam suprimidas. De fato, se há crise, trata-se de uma crise global, sendo a crise urbana apenas um epifenômeno5• As condições nas quais os países que comandam a economia mundial exercem sua ação sobre os países da periferia criam uma forma de organização da economia, da sociedade e do espaço, uma transferência de civilização, cujas bases principais não dependem dos países atingidos. As raízes dessa "crise urbana" encon- tram-se no sistema mundial. É, portanto, nesse nível que se podem 5. Discutimos esse problema em "Urban Crisis or Epiphenomenon" (1973). o > w H
  • 17. < z < • "o < N ""•e encontrar explicações válidas. É necessário voltar-se para as raízes do mal, para fazer uma análise correta e estar em condições de fornecer soluções adequadas. Agosto, 1975 REFER~NCIAS BIBLIOGRÁFICAS AMIN, S. "Le mo.dêlc théorique d'accumulation et de développement dans le monde contempor~1n. La problématique de transition". Tiers Monde, 13 (52): 703- 726, oct.-dec. 1972. ARD~NT, G. Le monde en friche. Paris, PresSfs Universitaires de France, 1963. BAUER, ~· T. ~ YAMEY, B. S. The Economics ofVnder-Developed Countries. Chicago, Un1vers1ty of Chicago Press, 1957. BLAUT,]. M. "The Theory oi Development". Antipode 5 (2): 22-26 1973 "I . 1· h ' may . mpena ism: t e Marxist Theory and Its Evolution" A t"p d 7 (1): 1-19, feb. 1975. · n 1 0 e, BOEKE, J· H. _Economics and Eco~omic Policy of Dual Societies, as Exemplified by Indonesia. Haarlem, H. D. Tieenk Willink & Zoom, 1953. BoGNAR, J. Economic Policy and Planning in Developing Countries. Budapest, Akodemiai Kiado, 1968. BosE, N. S. "Calcutta, a Premature Metropolis". Scientific American 213 (3): 91-102, sept. 1965. ' BUCHANAN; I. Singapore in Southeast Asia. London, Bell and Sons, 1972. CARDOSO, F. H. Sociologie du développement en Amérique Latine. Paris, Anthro- pos, 1969. DASGUPTA, S. "Underemployment and Dualism, a Note". Economic Development and Cultural Change, 12 (2), jan. 1964. EcKAus, R.' S. "The Factor Proportions Problems in Underdeveloped Areas''. The American Economic Review, 45 (4): 539-565, sept. 1955. FRANKMA~, M .. Rapid Urbanization in Latin America: A Key to Development. McG1ll Un1versity, jun. 1969 (mimeo., J9 p.). FRIEDM~NN, ]. & LACKINGT~N, T. Hyperurbanization and National Development in Ch~le: S_ome Hy~othests. Urban Development Program (Cidu), The Catholic Un1vers1ty ~f Chile, Santiago, nov. 1966 (1nimeo., 38 p.). FURTADO, C. Developpement et sous-développement. Paris, Presses Universitaires de France, 1966. GuYOT, F. Essai d'économie urbaine. Paris, LGDJ, 1968. HAGEN, E. E. On the Theory ofSocial Change. Homewood, Illinois, The Dorsey Press, 1962. HARVEY, D. Social Justice and the City. London, Edward Arnold, 1973. HAUSER, P. M. et ai. La Urbanización en América Latina. New York, Unesco, 1962. H!GGINS, B. H. Economic Development, Principies, Problems and Policies. New York, W. W. Norton & Co., 1959. HIRSCHMAN, A. O. The Strategy of Economic Development. New Haven, Yale University Press, 1958. (Stratégie du développement économique. Economie et Humanisme, Lês Éditions Ouvriêres, Paris, 1964.) HosELITZ, B. "Urbanization and Economic Growth in Asia. Economic Development and Cultural Change, 6 (!): 42-54, oct. 1957. KALDOR, N. "A Model of Economic Growth''. Economic ]ournal, 47: 604-616, dec. 1957. KAMARCK, A. M. "El Clima y el Desarrollo Económico". I. B. R. D. Finanzas y desarrollo, 10 (22): 2-8, jun. 1973. KENDE, P. L'abondance est-elle possible? Paris, Gallimard, 1971. K1SHOR, B. & SINGH, B. P. Indian Economy through the Plans. N. Delhi, N ational Publishing House, 1969. KoLKO, G. "Blaming the Poor for Poverty''. New Politics, 3 (2), 1965. LAMBERT, D. c. Les économies du Tiers Monde. Paris, Armand Collin, 1974. LANGONI, c. G. Distribuição de Renda e Desenvolvimento Econômico do Brasil. Rio de Janeiro, Expressão e Cultura, 1973. LASSUDRIE-DUCH~NE, B. "Les coü.ts de la croissance économique". Diogene, (56), 1966. LEBRET, L. ]. Suicide ou survie de l'Occident? Paris, Éditions Ouvriêres, 1958. LEWIS, O. The Children ofSanchez. New York, Penguin, 1964. ___. "The Culture of Poverty. Scienti-(1.c American, 215 (4): 19-25, oct. 1966. MARRIS, P. Family and Social Change in a African City: A Study of Rehousing in Lagos. Northwestern University Press, 1962. lvlAZA ZAVALA, D. F. "Reflexiones sobre la Integración Latino-Americana". Revista Latino-Americana de Economia, (2): 57-84, México, Instituto de Investigaciones Económicas, 1969. ___. Explosión Demográfica y Credmiento Económico. Universidad Central de Venezuela, Ediciones de la Biblioteca, 1970. McGEE, T. G. The Urbanization Process in the Third World: Explorations in Search ofa Theory. London, Bell & Sons, 1971 . ___. The Persistence of the Proto-Proletariat: Occupational Structures and Planning ofthe Future World Cities. AustralianNational University, Research School of Pacific Studies, Department of Human Geography, apr. 1974 (mi- meo., 60 p.). MtYER, R. L. A Communication Theory of Urban Growth. MIT Press, 1965. MuNoz GARCIA, H. et ai. "Migration et marginalité occupationnelle dans la ville de Mexico". Espaces et Sociétés, (3): 89-108, 1971. w w
  • 18. < z < • "o < N """o " MYINT, H. "Du.alism and the Internai Integration of Underdeveloped Economies", Banca Nazzonale dei La~oro, Quaterly Review, (93): 128-156, jun. 1970. NURKSE: R. Problems ofCapital Formation in Underdeveloped Countries. Oxf d Bas1l Blackwell 1953. or • PORTES A "R . j' . h' : at1o_na .1ty 1n ~ e Slum: An Essay in Interpretative Sociology". Com- parative Studzes tn Society and History, 14 (3): 268-286 1972 QUIJANO, A. "Pôle marginal d: l'économie et main-d'oeu;re ma~ginalisée". ln: AnDEL-MALEK, A. (ed.). Sociologie de l'impérialisme. Paris Anthropos 1971 PP· 301-336. ' , , ---· "La Constitución del 'Mundo' de la Marginalidad Urbana" Eure 3 (5)· 89-106, jul. 1972. · ' · SANT?S, Milton, "~rban Crisis or Epiphenomenon?" Proceedings of the Interna- tzonal Populat1on, pp. 278-291, J973. STAVENHAGEN, R. "Seven Fallacies about America Latina" In· PF~As J & zM ( d ) ' · ·11 ' ' • ETLIN · ~ s.. Latin America, Reform or ~evolution. Greenwich Conn. Fawcet~ Pubhcat1ons 1968. ' ' SUN.KEL, º: "Desaro~lo, Subdesarrollo, Dependencia, Marginación y Desigualdades E~pac1ales: Hac1a un Enfoque Totalizante". Revista Latinoamericana de Estu- dios Urbano Regionales (Eure), 1 (1), oct. 1969. VALENTINE, C. A. Culture and Poverty. Chicago, The University of Chicago Press 1968 (2. ed. 1969). ' 3 A POBREZA URBANA NO TERCEIRO MUNDO: MARGINALIDADE OU BIPOLARIZAÇÃO? N os últimos anos, a discussão sobre os fenômenos da pobreza tem sido tão intimamente ligada ao que é chamado de teo· ria da marginalidade que os dois termos quase se tornaram sinônimos. De fato, a palavra marginalidade, criada pelos sociólogos latino-americanos com a bênção das instituições e universidades internacionais, tornou-se um novo slogan no arsenal das ideias-força, substituindo praticamente a palavra tradicional pobreza no vocabulário acadêmico e oficial. A despeito de muitos esforços, a antiga, e entretanto ativa, discus- são desse problema não resultou na elaboração de nenhuma teoria real. A imensa literatura sobre o assunto ainda não conseguiu ofere- cer a inspiração necessária para a solução do problema. Serviu, sem dúvida, para criar uma consciência do problema, mas agora é preciso ir além das meras discussões e tentar estudar os processos, a fim de ajudar a formular uma teoria válida para, em seguida, elaborar uma política coerente. "o <e z o o
  • 19. < z < ""o < N " "•o • UM DEBATE SEMÂNTICO A noção de marginalidade foi julgada inadequada na opinião de muitos, pois mostrou-se ambígua. O uso da expressão marginalidade e sua conceituação frequentemente permitiram que a chamada "po- pulação marginal" de um país fosse julgada excedente, ou que, sob o aspecto econômico, fosse considerada uma população inútil. Para Vekemans e Fuenzalida, os marginais nem ao menos existem do ponto de vista econô1nico e social, porque estão relegados e excluídos (1969, p. 44). Joan Nelson não hesita em aceitar a palavra marginal como correta (1969, p. 5). Mas pode-se porventura admitir que esses indiví- duos "são economicamente marginai~ porque pouco contribuem para o crescünento econômico do qual també1n pouco se beneficiam"? A própria palavra foi condenada. Paulo Freire lembra que "os opri- midos não são marginais" (1968, p. 61), não são homens que vivem fora da sociedade. Assim como seria incorreto considerar a favela um mundo autônomo, isolado e à parte (Valladares, 1970), também é incorreto contrapor marginais à sociedade global, porque esta não pode ser definida sem os pobres "que constituem a maioria numérica, embora minoria sociológica" (Delgado, 1971, p. 165). Os pobres "não são socialmente marginais, e sim rejeitados; não são economicamente marginais, e sim explorados; não são politicamente marginais e sim reprimidos" (Gunder, 1966, p. 1). A discussão do problema da marginalidade reabriu o debate ini- ciado por Marx sobre o exército in3Ustrial de reserva. Muitos autores têm preferido usar o termo superpopulação à expressão de Marx. Como Marx também falou de superpopulação relativa, a ambiguida- de torna-se possível, se não intencional. A ideia de superpopulação supõe que existe uma superabundância de pessoas e que estas devem ser eliminadas ou responsabilizadas, social e economicamente, por sua inutilidade. Ao contrário, a noção de superpopulação relativa leva a discussão de volta à relação entre necessidades e recursos, definida em certo momento da história de uma determinada localidade. Se a relação fosse adequadamente modificada, não mais haveria pro- blema de escassez; os recursos seriam suficientes para servir a toda a população. Do contrário, seria como partir de Marx para chegar a Malthus, uma abordagem pela qual muitos autores são culpados (Harvey, 1973, p. 41). A tese da marginalidade também tem sido criticada porque permiti- ria ocultar um etnocentrismo' inconsciente (Coulaud, 1973, p. 9), e ao mesmo tempo retomaria a questão da problemática ideológica (Castells, 1970), ou ainda por sua dependência do esquema dualista rural/urbano, agro/industrial, tradicional/moderno (Niemeyer Pinheiro, 1970, p. 42). Para Sarnir Amin, a marginalização não chega a constituir um conceito, e sim "um caminho conveniente para descrever uma combinação de fenômenos, decorrentes de uma lei (a da acumulação capitalista) que se expressa numa estrutura concreta (a do capitalismo contemporâneo_}, assim como a expressão "exército industrial de reserva" corresponderia à descrição realista dos efeitos da mesma lei dentro de outra estrutura" (Amin, 1973, p. 320). Indubitavelmente, o tom de certos trabalhos, nos quais o jogo conhecido das referências recíprocas entre autores frequentemente substitui uma análise dos fatos, tem contribuído para a perpetuação do debate, que, embora pretenda atacar o problema em profundidade, perde-se numa guerrilha semântica confusa. A pobreza, como muitos outros problemas, prestou-se a uma ava- lanche de papel escrito, que, entretanto, mostrou-se incapaz de encon- trar um tratamento eficiente para o mal. Chegou a hora de chamar a pobreza pelo seu nome real e, respondendo ao desafio lançado a toda a humanidade, identificar seus meca~ismos fundamentais. A loEIA DE "MASSA MARGINAL" Dentro do mesmo contexto, mas em outro nível, a ideia de ''massa marginal" levou a uma discussão enfadonha e desordenada. O conceito de José Nun de "massa marginal" (Nun, 1969, 1972) está próximo da noção de Y. Durroux de "pobreza oficial" (Durroux, 1970), com uma diferença essencial: enquanto este fala de "reserva da reserva" (com relação ao exército industrial de reserva), Nun acredita que a "massa
  • 20. < z < • "o < N • "•o • marginal" é "uma parte funcional ou disfuncional da superpopulação ativa" (Nun, 1969, p. 201). Além do mais, continua Nun, "esse conceito - assim como o do exército industrial de reserva - está situado no nível das relações que se estabelecem entre a população excedente e o setor produtivo hege- mônico". E, concluindo, afirma: "o sistema que cria esse excedente não precisa dele para continuar a funcionar". Esse parece ser também o ponto de vista esposado num dado mo- mento por M. Castells, quando afirma que existe uma "justaposição da população urbana com uma grande massa de desempregados que cresce continuamente, não tem função específica na sociedade urbana e acima de tudo rompeu suas ligações qom a sociedade rural" (Castells, 1970, p. 103). Martinez Pio também segue a mesma linha (Martinez, 1972, p. 18). Uma versão mais sofisticada do mesmo princípio é oferecida por ]. Friedmann e F. Sullivan quando declaram que os pobres participam apenas parcialmente do mercado de trabalho (Friedmann e Sullivan, 1973, p. 28). Esse ponto de vista poderia levar erroneamente à con- vicção de que a pobreza urbana não afetaria o preço da mão de obra, nem a taxa de exploração. Para José Nun, a ideia de superpopulação relativa pertence à teoria geral do rnaterialismo histórico, enquanto a do exército industrial de reserva corresponderia a certas teorias do modo de produção capita- lista. De acordo com esse autor, a noção de marginalidade não pode ser esclarecida sem se recorrer à teoria do materialismo histórico a ' única propícia a uma análise das formações sociais. Segundo esse autor, Marx apenas teria delineado essa teoria. Assim, os escritores que se valem do marxismo para chegar a esse tipo de explicações estariam equivocados. Fernando Cardoso contesta veementemente essa teoria. Argumenta que se o materialismo histórico pude!)se interpretar a história fora das relações criadas pelos modos de produção em cada época, tudo se resu- miria a uma questão de metafísica. Para Cardoso, o conceito sugerido por Nun não é específico, porque "abrange indivíduos socialmente em níveis diferentes e que têm relações heterogêneas no processo de produção". O erro de Nun estaria principalmente no seu desejo de elaborar "uma teoria de funcionamento da sociedade em relação aos sistemas de produção, não levando em conta a teoria da acumulação". Cardoso acha, portanto, que a distinção entre exército industrial de reserva e "massa marginal" ~ão é justificada. Ele preferiria que Nun declarasse abertamente que a teoria marxista não considera essa situa- ção e, consequentemente, propõe outra explicação para a acumulação (Cardoso, 1971, 1972). José Nun responde que não se trata "nem de conceito empírico, nem de elaboração hipotética e sim de conceito teórico" (Nun, 1972, p. 122). Tudo não passa de uma espécie de orgia epistemológica sem sentido. Conforme acentua Ernesto Cohen, "um conceito explica uma abstração da observação de um conjunto de determinados fenômenos [...]a seleção de conceitos, na medida em que pretende explicar e prever um fenômeno, constitui uma teoria" (Cohen, 1973, p. 3). Se a definição de elementos dentro de uma relação impõe uma interpretação que é externa ao objeto observado, isso não impede que o ponto de partida seja empírico. Segundo Godelier "os objetos sem relação constituem um sentido desprovido de existência" (Godelier, 1967, p. 254). O erro de Nun não está tanto no fato de confundir os conceitos, mas em dar muito pouca atenção às realidades de seu continente e do seu tempo. D. Harvey previne contra esse tipo de explicação: "A um certo nível, e para serem comprovadas, as ideias devem transcender o campo da abstração e serem incorporadas na prática humana" (Har- vey, 1973, p. 38). Longe de ser afuncional, a "massa marginal" desempenha um papel no processo da acumulação, não só a nível local como também a nível nacional, mas, acima de tudo, em escala mundial. Aquilo que Salama ainda denomina de "terciário" nos países subdesenvolvidos tem um "papel regulador na economia mundial[...] uma causa e consequência da reprodução da economia mundial como estrutura hierárquica" (Sa- lama, 1972, p. 179). >
  • 21. < z < • "o < N ""•o > o.,- A formação do salário nas atividades modernas também coloca em risco a tese da "massa marginal". As enormes possibilidades de trabalho da "massa marginal" pesam fortemente sobre o mercado de trabalho não intelectual no circuito moderno e baixam os salários. Implica, ao mesmo tempo, um aumento do excedente do empresário, e também u1n aumento na taxa de lucro. Portanto, não se pode concordar com Nun quando afirma que a "massa marginal" é afuncional ou disfuncional. Ao contrário, ela tem um papel preciso no funcionamento da fase atual do sistema capitalista, porque facilita a acumulação no centro e na periferia. PARA SurEI;AR o IMPASSE Nos países do Terceiro Mundo têm-se desenvolvido novos esforços com o objetivo de dar seguimento à discussão das categorias expressas por Marx no século passado. Analisemos, por exemplo, a distinção proposta por Aníbal Quijano entre "pequena burguesia marginal" e "assalariado marginal" (Quijano, 1972, p. 91). A "pequena burguesia marginal" compreende os que se tornam marginais em consequência da posição marginal de sua profissão no sistema econômico renovado: artesãos, pequenos produtores de serviços e pequenos comerciantes. Mas é preciso, insiste Quijano, não confundi-los com o setor médio as- salariado, geralmente incluído na pequena burguesia, do ponto de vista social. A pequena burguesia marginal constitui,_ sob certos aspectos, uma extensão da pequena burguesia existente na economia e/ou um resíduo da que existiu anteriormente. Os assalariados marginais, por sua vez, constituem uma espécie de extensão do restante do proletariado industrial urbano. Tendo abandonado as atividades da pequena burguesia marginal na cidade ou no campo, e não tendo ainda ingressado na força de trabalho, são obrigados a procurar ocupações de salários marginais. Em trabalho recente, T. McGee, descontente com as formulações conhecidas, introduziu a noção de protoproletariado (McGee, 1973). Reconhece as importantes contribuições de outros escritores, principal- mente dos sul-americanos e africanos apoiados numa linha de pensa- mento neomarxista, expressa, segundo o autor, no trabalho de Fanon (1963), Gunder Frank (1969) e Worsley (1972). Esses escritores falam principalmente de um semiproletariado, cuja presença representa um importante elemento na estrutura de classe das zonas urbanas. Baseado em estudos empírico-teóricos e teórico-empíricos, realizados durante um longo período de pesquisa em grande número de cidades asiáticas, McGee propõe a introdução de uma quarta e nova categoria, que não se encontra na classificação marxista (burguesia, proletariado, lumpem- proletrariado). Esse autor sugere o nascimento de uma nova classe - uma vítima da urbanização sem industrialização, segundo Worsley (1972, p. 209). É verdade que A. M. Niemeyer (1970, pp. 19-20) também fala de uma quarta categoria, comparável a um estamento mais baixo do exército industrial de reserva, categoria essa que seria perdida para o capital. McGee, porém, parte de uma posição diferente, fazendo uma distinção entre sua própria categoria e o exército de reserva, estudando analiticamente fatos ainda não suficientemente analisados nos países do Terceiro Mundo, para em seguida dar-lhes uma explicação teórica. Embora não cheguem ao mesmo resultado, tanto os trabalhos de Quijano, na América Latina, quanto os-de McGee, na Ásia, têm um valor inestimável:- sua teorização, não de um raciocínio a priori mas de um estudo da experiência humana, demonstrando a unidade pro- blemática do Terceiro Mundo. O "protoproletariado" de McGee é também o "polo marginal" da economia e da sociedade de que fala Quijano. O que há de novo na for- mulação de McGee (1974, p. 15) é que ele teria rompido explicitamente as categorias rígidas de burguesia, proletariado e lumpemproletariado, embora aderindo às normas de método do marxismo. Para enfrentar o problema têm sido usados adjetivos demais. Porém, uma discussão semântica pura e simples não leva a nada - exceto se palavras antigas ou inventadas se tornam indispensáveis para identificar as categorias de análise que permitem identificar melhor as realidades sociais, para estudá-las mais profundamente e descobrir, ao mesmo tempo, a explicação e a solução dos problemas correspondentes.
  • 22. < z < • "o < N • "•o ' MODERNIZAÇÃO TECNOLÓGICA E OS Dois CIRCUITOS DA ECONOMIA URBANA A abordagem do problema da pobreza através da tese da marginalida- de não nos parece satisfatória. Da mesma forma, não nos parece satis- fatória qualquer outra abordagem que não leve em consideração os efeitos da modernização, a nível internacional elocal, sobre a economia urbana dos países pobres, ou o funcionamento da economia urbana pobre e sua relação com a economia moderna. Ainda está por completar-se a análise das relações entre o "exército industrial de reserva" ou "superpopulação relativa" e a economia global; ou entre a economia moderna e a popu- lação pobre. E é justamente aí - acr~itamos - que se encontra a chave para a teorização e a pesquisa de sol~ções verdadeiras. O estudo do processo de modernização facilita o seu amplo enten- dimento em todos os níveis. O investimento de substituição, necessário à modernização tecnológica, desloca de suas atividades urna boa parte daqueles que aí aplicavam seu capital ou trabalho (Salama, 1972). De acordo com a fórmula sugerida por Singer, a criação de empregos resulta no crescimento do desemprego (1970, pp. 70-71). Isso não é um jogo de palavras. Com efeito, onde antes dois, três ou às vezes urna dúzia de trabalhadores dividiam o trabalho, agora basta um trabalhador. E frequentemente esse novo cargo não caberá a nenhum daqueles que antes desempenhavam as atividades tradicionais originais. Há também uma "separação entre trabalhadores de um lado e os meios de produção de outro; ambos existem, mas separados". O mecanismo da "modernização, exclusão e marginalização" (Tavares e Serra, 1972, p. 52) é marcado por uma dialética infernal. Se, por um lado, a economia incorpora um certo número de pessoas ao mercado de trabalho efetivo, atravês de empregos recém-criados, por outro ela expulsa um número muito maior, criando de um golpe o subemprego, o desemprego e a marginalidade. O número desses "postergados" aumenta cada vez mais. É para esses remanescentes da força de trabalho nos níveis mais baixos do espectro socioprofissional que foi reservado o termo marginal. O progresso técnico atual muda profundamente a composiç~o técnica do capital e reduz rápida e drasticamente a demanda de mao de obra, principalmente nos setores mais afetados pela moderniza- ção. Se a clássica ideia de um exército industrial de rese~va não !ºr modificada levando em conta novas realidades, perdera o senl!do ' . quando aplicada a países subdesenvolvidos. De qualquer rn~neira~ quem permanecer fora do mundo do emprego perrnanent~ nao esta perdido para a economia corno um todo. Assim, a economia urban.a deve ser estudada corno um sistema único, mas composto de dois subsistemas. Nós chamamos esses dois subsistemas de "circuito su- perior" e "circuito inferior". A cidade não pode mais ser estudada corno um todo maciço. O circuito superior emana diretamente da modernização tecnológi- ca mais bem representada atualmente nos monopólios. O essencial das re{ações do circuito superior não é controlado dentro da cidade ou de sua região de influência e sim dentro da estrutura do país ou de países estrangeiros. O circuito inferior é formado de atividades de p~quena escala, servindo, principalmente, à população pobre; ao contrario do que ocorre no circuito superior, essas atividades estão prof~ndarnente implantadas dentro da cidade, usufruindo de um relac10namento privilegiado com a sua região. . . Essa abordagem, que poderia parecer fruto da teona dualista, tem sido objeto de uma variedade de definições na literatura do subdesenvolvimento. Parece-nos, contudo, que assim corno a existên- cia de um dualismo dentro da economia e da sociedade dos países em desenvolvimento tem sido refutada, também a expressão dualismo urbano deveria ser rejeitada. Os contrastes, ou melhor, as contradições entre situações de de- senvolvimento são produto de causas encadeadas; a própria existência de dois circuitos na economia das cidades constitui um resultado desse conjunto de causas. Portanto, não se deveria falar de urna balcanização do mercado de trabalho, como fez Miller (1975, p. 240), nem mesmo da existência de um mercado de trabalho duplo, pois existe apenas um (Quijano, 1971, 1973).
  • 23. Cada circuito é um sistema, ou, mais precisamente, um subsistema urbano. Mas, apesar de sua interdependência, o circuito inferior é dependente do circuito superior. As análises econômicas, e os estudos sociológicos e geográficos, des- de seus primórdios, durante muito tempo confundiram o setor moderno da economia urbana com a cidade como um todo. O resultado é que a maioria dos estudos não se refere à cidade inteira e sim apenas a uma parte da cidade, tomando-a como um ponto de partida até mesmo para a formulação de teorias de urbanização e emprego pleno. Égrande o número de escritores que direta ou indiretamente se orien- taram para o que chamamos de circuito inferior da economia urbana dos países em desenvolvimento. Muitos, Porém, fizeram-no dentro da estrutura de outros estudos, tratando o assunto como um simples aspecto de suas considerações básicas, ou como um fenômeno isolado. Além dos trabalhos clássicos de Boeke (1953) eGeertz (1963), foram feitas várias tentativas que transcendem as teorias tradicionais e oferecem uma nova interpretação, apoiada na teoria (McGee, 1971; Quijano, 1970; Santos, 1971). Mas, como frisou Quijano (1971, p. 318), a elaboração de uma teo- ria definitiva ainda está para ser feita: "diante desse fenômeno, a teoria contemporânea não possui uma elaboração conceituai adequada". E, segundo nos consta, Quijano é um dos poucos que propuseram uma interpretação do funcionamento do que chama de "polo marginal" da economia (Quijano, 1973). A fim de que uma teoria da pobreza sirva como paradigma aos estudos urbanos, ao planejamento econômico e regional, e, acima de tudo, ao planejamento do emprego, ela deve definir a relação entre a economia da pobreza e a economia moderna, assim como a relação entre a população pobre e a economia pobre. Para isso, devem ser considerados os dados gerais do fenômeno, seus modelos operacionais e suas inter-relações com dados culturais, sociais, econômicos e institucionais em escala mundial, nacional e local. Foi essa a abordagem que propusemos alguns anos atrás (1966, 1971), e que recentemente elaboramos (1974). Aqui procuraremos apresentar certas ideias e perspectivas novas a esse respeito. A FORMAÇÃO DO CIRCUITO INFERIOR DA ECONOMIA URBANA A modernização atual, uma consequência do modelo tecnológico, é impulsionada pela força da grande indústria, representada pelas corpo- rações multinacionais. É ainda motivada pelo novo peso da tecnologia (que atribui certa autonomia à pesquisa dentro do sistema) epor elementos de apoio, tais como as formas modernas de difusão da informação. As repercussões desse novo período histórico sobre os países sub- desenvolvidos são múltiplas eprofundas. Pela primeira vez na história, variáveis elaboradas fora do país usufruem de uma difusão geral em grande parte do território e entre a maioria da população, se bem que em diferentes graus. A difusão da informação e novas formas de consumo constituem dois importantes dados da explicação geográfica. Suas repercussões, são, ao mesmo tempo, geradoras de forças de con- centração e de dispersão. Essa dialética define as formas de organização do espaço. A revolução na área de consumo tem sido acompanhada de uma mutação da estrutura do consumo, incluindo novas formas de produção e de troca (Furtado, 1968). Considerando o progresso tecnológico atual, a indústria cria apenas um número limitado de empregos, porquanto é "capital intensivo". Além do mais, uma boa parte do emprego indireto é criado nos países centrais ou a partir deles. A agricultura também se moderniza: indus- trializando-se, expulsa sua população. Isso explica o êxodo rural e a chamada urbanização terciária. Uma alta percentagem da população fica sem atividade e sem salário permanente, o que por sua vez resulta na deterioração do mercado de trabalho. A sociedade urbana é divida entre aqueles que têm acesso às merca- dorias e serviços numa base permanente e aqueles que, embora tendo as mesmas necessidades, não estão em situação de satisfazê-las, devido ao acesso esporádico ou insuficiente ao dinheiro. Isso cria diferenças quantitativas e qualitativas de consumo. Os pobres não têm acesso a um grande número de mercadorias modernas. Os mais pobres só podem obter bens de consumo corrente através de um determinado sistema de distribuição frequentemente "o ~ o z o o
  • 24. < z < • "o < N • "•o • complementado por um mecanismo de produção igualmente específico. Esse sistema surge em resposta às condições de pobreza em que vive uma grande parte da sociedade. A população pobre é obrigada a optar entre consumir esporadica- mente bens manufaturados e/ou diminuir o consumo desses bens, substituindo-os por mercadorias equivalentes novas ou tradicionais produzidas por pequenas empresas ou mesmo por artesãos. Esses pro- dutos tendem a sobreviver mais ou menos dinamicamente, dependendo de cada caso ou cidade em particular. O acesso a produtos n1odernos é com frequência conseguido através do uso de formas de circulação me- nos modernas e menos capitalistas, encarregadas de distribuir tanto os d . pro utos artesanais como as mercadórias manufaturadas modernas. Quando nos referimos aos subsistemas como circuitos, estamos aludindo às relações criadas dentro de cada um deles. No circuito inferior elas resultam em grande parte das relações mantidas com o circuito superior, do qual dependem. McGee interpretou corretamente a denominação que escolhemos: o termo circuito "demonstra melhor o fluxo interno entre os dois subsistemas. Esse modelo reconhece os dois subsistemas como parte de uma estrutura urbana global, e contudo admite que é formado de partes inter-relacionadas" (McGee, 1973). Além de permitir a distinção entre as atividades econômicas dos dois sistemas, torna possível distinguir a população ligada a cada circuito, embora parte da população de um circuito possa vender temporariamente sua força de trabalho ao outro setor. Por exemplo, não é raro em Hong Kong os vendedores ambulantes trabalharem pe- riodicamente em fábricas para suplementar sua renda. A grande dúvida é, naturalmente, onde se enquadram nesse modelo os empregados do governo nos países do Terceiro Mundo, particularmente em certos países, como a Indonésia (Santos, 1971; McGee, 1973, p. 138). Falamos a princípio do "circuito moderno" e do "circuito tradicio- nal" (Santos, 1970), mas não tardamos a renunciar a esses termos, por várias razões. Antes de mais nada, qualquer discussão que vise distinguir o que é moderno do que é tradicional resulta inevita- velmente em etnocentrismo. Os termos constituem também uma fonte de ambiguidades. Nem sempre é possível datar corretamente as atividades do circuito superior em comparação com atividades semelhantes dos países desenvolvidos, porquanto sua definição não se baseia tanto na data de sua instalação quanto na forma de sua organização e na sua função. Da mesma maneira, parece inadequa- do referir-se ao circuito inferior como tradicional, visto que é um produto da modernização e está também num constante processo de transformação e de adaptação. Além do mais, alguns dos forne- cimentos do circuito inferior provêm direta ou indiretamente dos chamados setores modernos da economia. Também rejeitamos o termo circuito informal. O circuito inferior não é informal, conforme poderiam sugerir alguns autores; tem sua própria organização e suas próprias leis operacionais e de evolução. É claro que se deve fazer uma distinção entre países dotados de uma civilização urbana antiga e os que só recentemente testemunharam o fenômeno da modernização. Nos primeiros, a modernização cria novas estruturas que se impõem diretamente sobre as estruturas já existen- tes nas cidades e provocam modificações. No caso dos segundos, a 1nodernização cria, concomitantemente, as duas formas integradas de organização econômica. Em ambos os casos está presente o fenômeno dos dois circuitos. Mas não há dualismo nisso, os dois circuitos têm a tnesma origem, o mesmo conjunto de causas e são interligados. Não obstante sua interdependência aparente, o circuito inferior é de fato dependente do circuito superior. ÜS ELEMENTOS DOS DOIS CIRCUITOS A definição dos dois circuitos pressupõe, antes de mais nada, uma identificação dos elementos e das características da economia global da cidade. Usando as peculiaridades de cada circuito como ponto de partida, chegar-se-á à compreensão de sua dinâmica e dialética. O circuito superior inclui bancos, comércio de exportáção e importa- ção, indústria urbana moderna, comércio e serviços modernos, bem como comércio atacadista e transportes. Esses dois últimos elementos "o " "M N > e ""> z > z o .; n "n n "o •e z o o
  • 25. < z < • "o < N ""•o . formam os elos que ligam os dois circuitos, o atacadista operando também no topo do circuito inferior. O circuito inferior é formado essencialmente de diferentes tipos de pequeno comércio, e da produção de bens manufaturados de capital não intensivo, constituída em grande parte de artesanato e também de toda uma gama de serviços não modernos. Mas, os circuitos não são definidos pela inera enumeração desses elementos. Cada circuito é explicado, primeiro, pela combinação de atividades desempenhadas dentro de um certo contexto; e, segundo, pelo setor da população a ele vinculado através, principalmente, da atividade e do consumo. A definição não é rígida. Todas as classes da sociedade podem consumir fora dofircuito ao qual estão mais ligadas, ainda que seja apenas ocasional ou parcialmente. Não existe um circuito intermediário. Poder-se-ia pensar que a classe média criaria seu próprio circuito econômico mas, na verdade, ela usa ora um, ora outro. A enumeração das atividades dos dois circuitos não significa que todas as cidades do Terceiro Mundo dispõem de todas elas. Se algumas possuem todos esses elementos, sua importância não é necessariamente a mesma. Outras aglomerações possuem apenas um número limitado de elementos ou atividades, o que depende das condições históricas do crescimento urbano. Considerando os aspectos quantitativos e qualitativos das diferentes atividades, encontramos tantas variações quanto o número de cidades existentes. Todavia, à parte dessas diferenças, praticamente todas as cidades do Terceiro Mundo se enquadram na definição comum dos elementos que formam os dois circuitos. O circuito superior consiste de atividades "puras", "impuras" e "mistas". A indústria urbana moderna, e os serviços e comércio mo- dernos constituem elementos puros, porquanto são ao mesmo tempo elementos específicos da cidade e do circuito superior. A indústria de exportação e o comércio de exportação constituem atividades impuras. Embora possam estar estabelecidas na cidade, para se aproveitarem da localização, seus interesses essenciais estão fora da cidade, para onde também sua produção é enviada. Os bancos poderiam ser incluídos ..________________________. nessa classificação, pois servem para ligar as atividades modernas da cidade com as grandes cidades do país ou do exterior. O atacadista e o transportador têm atividades do tipo misto, devido à dualidade de sua participação. Ambos têm uma ligação funcional tanto com o circuito superior como com o circuito inferior da economia urbana. O ataca- dista, que muitas vezes opera numa área restrita, encontra-se à frente de uma cadeia de intermediários. Através desses intermediários e do uso do crédito, o atacadista adquire um grande número de mercado- rias que serão vendidas no circuito inferior para uma grande faixa de consnmidores. O volume global dos negócios que realiza no circuito inferior dá a dimensão de seus negócios bancários e indica o potencial de sua participação no circuito superior. O atacadista está no topo do circuito inferior, ao mesmo tempo em que integra o circuito superior. O transportador, por sua vez, desempenha dois papéis distintos: serve como elemento de ligação entre agentes dos dois circuitos e a região de influência urbana, e, ao desempenhar diretamente uma atividade em qualquer dos dois circuitos, pode também tornar-se um comerciante. CARACTERÍSTICAS oos Dois C1Rcu1Tos Seria difícil caracterizar os dois circuitos da economia urbana através de variáveis isoladas. O que se deve considerar é a combinação das variáveis que torna cada circuito um subsistema no sistema urbano. Pode-se afirmar imediatamente que a diferença fundamental entre as atividades dos circuitos superior e inferior está nas diferenças de capital, tecnologia e organização, entre outras. O circuito superior usa em geral uma tecnologia "capital intensivo" importada, ao passo que no circuito inferior a tecnologia é, em grande parte, baseada no uso de uma mão de obra numerosa. Enquanto a priilleira é principalmente imitativa, a segunda oferece considerável potencial de criatividade. O circuito superior opera com crédito bancário. Frequentemente grandes firmas criam e controlam seus próprios bancos, um meio de dominar e eventualmente absorver outras atividades. Uma boa parte dessa manipulação é realizada através de papéis. As atividades do
  • 26. o V> circuito inferior também se baseiam no crédito e no dinheiro corrente, mas nesse circuito o crédito tem outra natureza. Uma grande percen- tagem do crédito é pessoal e direto, indispensável para os que não têm possibilidade de acumular. A obrigação de pagar ao fornecedor periodicamente faz com que haja uma procura desenfreada de dinheiro. Até mesmo os intermediários precisam de dinheiro para honrar seus débitos com o banco. As atividades do circuito superior envolvem um grande volume de mercadorias, enquanto as do circuito inferior lidam com pequenas quantidades. Contudo, no circuito superior, as quantidades também podem ser limitadas, como por exemplo no caso das butiques espe- cializadas, onde os altos preços são devid'i's à qualidade do produto, à moda e a certo tipo de clientela. No circuito superior o capital é geralmente volumoso, o que tem relação com a tecnologia usada. No circuito inferior, ao contrário, as atividades "trabalho intensivo" usam menos capital e operam sem uma organização burocrática. O emprego oferecido pelos circuitos é o resultado de uma combina- ção dessas variáveis. Se, por um lado, as atividades modernas originam uma expansão do assalariado, por outro há uma diminuição absoluta ou relativa do número de trabalhadores em relação ao volume e ao valor da produção. Na indústria a tendência constante é para reduzir o emprego. Se nos serviços há tendência ao aumento de emprego, isso é devido, em grande parte, à participação do governo. Quanto aos serviços privados ligados diretamente à atividade econômica do circuito superior, uma grande parte do emprego é criado nas cidades ou regiões mais desenvolvidas do país e mesmo no exterior. No circuito superior, os preços em geral são fixos, pelo menos oficialmente. Até mesmo nos oligopólios o limite do preço mínimo não pode ser muito inferior ao preço de inercado sem pôr em risco o futuro da empresa. No circuito inferior, o preço da mercadoria não é fixo e suas variações são acentuadas. Uchendu estudou esse problema detalhadamente (Uchendu, 1967). Enquanto no circuito superior os preços são manipulados visando lucros a longo prazo, no inferior o importante é o prazo curto. A ideia de lucro é diferente em cada um dos circuitos: no superior é uma questão de acumulação de capital, indispensável para a continuação da atividade e para sua renovação em relação ao progresso tecnológico; no inferior, a acumulação de capital não constitui o objetivo mais importante; na verdade, frequentemente nem existe. A sobrevivência e a garantia de satisfação das necessidades da família no dia a dia é a preocupação mais importante; a participa- ção de certas formas de consumo modernas também é secundária, na medida do possível. A relação entre o agente e a clientela é pessoal e direta no circuito inferior, mas impessoal no circuito superior, onde é centralizada e hierárquica (Brookfield, 1973). Apesar do controle de preços exercido nas atividades do circuito superior e dos elevados lucros em relação ao volume total de produ- ção, o rendimento por unidade é baixo. No circuito inferior ocorre o oposto. O resultado total é fraco, mas a margem de lucro por unidade é elevada. Isso se deve ao grande número de intermediários necessá- rios entre o fornecedor original de insumos e o eventual consumidor. O volume desses lucros permite a subsistência da enorme população envolvida nas atividades do circuito inferior e constitui um dos ele- mentos principais que explicam a sobrevivência de grande parte das aglomerações do Terceiro Mundo. A atividade no circuito superior baseia-se principalmente na publi- cidade, instrumento metódico de modificação de gostos e alteração do perfil da demanda. No circuito inferior a publicidade é desnecessária devido ao contato pessoal com a clientela; na verdade é inviável, porque os ganhos são usados diretamente pelo agente para sua subsistência e a de sua família. Contudo, o agente beneficia-se da publicidade do circuito superior. Este também opera com custos fixos bastante altos, e que normalmente aumentam com o tamanho da firma segundo o lugar e o ramo da produção. No circuito inferior, quase não há custos fixos e os custos diretos não são importani:es. A relação entre custos diretos e o volume da produção é proporcional, visto ser uma atividade "trabalho intensivo". No circuito superior, quase não ocorre o reaproveitamento de bens de consumo duráveis, ao contrário do que se verifica no circuito infe-
  • 27. rior, onde a base das atividades é justamente a reutilização de certas mercadorias. Isso ocorre no aproveitamento de roupas, automóveis e máquinas e até mesmo na construção de casas com materiais usados. As atividades do circuito superior apoiam-se direta ou indiretamente na ajuda governamental, enquanto as do circuito inferior, ao contrário, não contam com tal apoio; e em muitas cidades são até perseguidas, corno é o caso dos vendedores ambulantes. Rerny e Weeks (1972) con- sideram que o apoio do Estado constitui a distinção primordial entre os dois circuitos (McGee, 1973; Patch, 1967; Reinoso, 1970). O Estado poderia ser considerado um elemento do circuito superior, visto que de sua atividade depende, em grande parte, a viabilidade de capital social novo (overhead) suprido principalmente pelo Estado, e do qual as atividades modernas não prescindem.Já no circuito inferior isso não é um pré-requisito necessário à criação de atividades. O circuito superior emprega um número considerável de estrangeiros que varia, naturalmente, com o grau de industrialização e modernização do país. No circuito inferior, os empregos são ocupados por nacionais e apenas ocasionalmente há uma participação de estrangeiros. Outra diferença essencial entre os dois circuitos é o fato de o circuito inferior ser integrado localmente (Santos, 1971), enquanto as atividades do circuito superior são desempenhadas localmente mas integradas com as de outra cidade de nível mais alto, ou com as de outra parte do país, ou ainda com as de outro país. Até mesmo a metrópole eco- nômica de um país subdesenvolvido industrializado depende de países estrangeiros para obtenção de tecnologia e outros insumos, tais como capital, matéria-prima e know-how. Comparando as características das mesmas variáveis em cada um dos dois circuitos, nota-se entre elas uma contradição. Mas, dentro de cada circuito, as variáveis próprias, isto é, a tecnologia, a organi- zação, a importância da atividade, as relações de trabalho, o número de empregos etc. constituem um verdadeiro sistema dotado de uma lógica interna. Quando suas características são consideradas isoladamente, cada circuito aparece como um subsistema; quando consideradas dentro da economia urbana total, cada circuito aparece como um complemento do outro. Há interação entre os dois, ainda que o circuito superior seja dominante. O estudo da cidade corno urna totalidade não é possível sem o exame dessa dialética entre os dois circuitos, responsável pela definição social e econômica e pelas possibilidades e formas de evolução tanto do organismo urballo como de sua área de influência. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AMIN, S. Le développement inégal. Essai sur les fonnations sociales du capitalisme périphérique, Paris, Minuit, 1973. BOEKE, J. H. Economics and Economic Policy of Dual Societies, as Exemplified by Indonesia. Haarlem, H. D. Tjeenk Willink & Zoom, 1953. BRooKFJELD, H. "On One Geography anda Third World". Transactions, Institute of British Geographers, (58), march 1973. CARDOSO, F. H. "Comentarias sobre los Conceptos de Sobrepoblación Relativa y Marginalidad". Revista Latino-americana de Ciencias Sociales, (1-2): 57-76, 1971 ("Comentários sobre o Conceito de Superpopulação Relativa e Margi- nalidade". O Modelo Político Brasileiro. São Paulo, Difel, 1972). ___."Participação e Marginalidade: Notas para uma Discussão Teórica". O Modelo Político Brasileiro. São Paulo, Difel, 1972. CARDOSO, F. H. et ai. "Consideraciones sobre el Desarrollo de São Paulo: Cultura y Participación". Eure, 1(3):43-68, oct. 1973. CASTELLS, M. "Structures sociales et processus d'urbanisation: analyse comparative intersociétale". Annales, Economies, Societés, Civilisations, 25 (4 ): 1155-1199, juil.-aoút. 1970. COHEN, J. "Tiempo psicológico". ln: VV. AA. La Mente y el Tiempo. Caracas, Monte Ávila Editores, 1973, pp. 47-62. CoULAUD, P. Base de la Organización para el Desarollo Urbano. Seminário Regional sobre Desarollo Urbano-Regional, Cordiplan, CVF, OEA, Caracas, jul. 1973. DASGUPTA, B. "Calcutta's Informal Sector". Bulletin, Institute of Development Stud- ies, 5 (2-3): 53-74, oct. 1973. DELGADO, c. Problemas Sociales en el Peru Contemporâneo. Lima, Instituto de Estudios Peruanos, Campodonico Ediciones, 1971. DuRROUX, Y. La surpopulation relative. Paris, Université de Paris-Vincennes, mars. 1970 (polycopié). FREIRE, P. Pedagogy ofthe Oppressed. New York, Herder & Herder, 1968 (Pedagogia do Oprimido. 5. ed. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1978). FRIEDMANN, J. & SULLIVAN, F. The Absorption ofLabor in the Urban Economy: The ~ o z o o ·~ w