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Marianice Paupitz Nucera e Wanilda Borghi (org.s)




             Grupo Experimental
       Academia Araçatubense de Letras
Capa:       Wanilda Borghi
            “A Fisgada” – 2011
            Colagem sobre lápis de cor

Revisão: Marilurdes Martins Campezi
         Coordenadora do Grupo Experimental (GE)

Presidente da Academia Araçatubense de Letras (AAL)
          Maria Aparecida de Godoy Baracat

Mentor do Grupo Experimental:
         Hélio Consolaro - 1999
         Secretário Municipal de Cultura de Araçatuba - SP

Criação da Logomarca GE:
         Wanilda Maria Meira Costa Borghi - 2009
         Representante do GE no CMPCA

Projeto e Editoração Gráfica:
          Arlen Pontes

CTP e Impressão:
         Editora Somos


  869.0(81)-1           Experimentânia 9: Grupo Experimental - 2011
  E96                   Academia Araçatubense de Letras / Wanilda Maria M. C. Borghi;
                        Marianice Paupitz Nucera (orgs.) - Araçatuba: Somos, 2011.
                        128 p.
                        ISBN: 978-85-60886-36-4

  1. Literatura brasileira 2. Poemas 3.Poesia 4. Poemas e poesias – coletânea
  5. Crônicas 6. Sonetos
  I.Título II. Academia Araçatubense de Letras III. Borghi, Wanilda Maria M. C. (org.)
              IV. Nucera, Marianice Paupitz (org.)


Ficha Catalográfica elaborada por Meiri Dalva V. de Moraes CRB8 6574/0-2
Índice


Prefácio .........................................................................................................7
Wanilda Maria Meira Costa Borghi...................................................................9
Marianice Paupitz Nucera .............................................................................16
Isabel Moura ................................................................................................23
Carmem Silvia da Costa ................................................................................29
Manuela Sant’ana Trujilio ..............................................................................35
Ana de Almeida dos Santos Zaher .................................................................41
José Hamilton da Costa Brito ........................................................................48
Maria Rosa Dias ...........................................................................................55
Antenor Rosalino ..........................................................................................63
Vicente Marcolino Rosa.................................................................................70
Emilia Goulart dos Santos .............................................................................76
Elaine Cristina Alencar ..................................................................................84
Marisa Gomes Correia ..................................................................................90
Mariluci Braz Gomes Correia .........................................................................92
Aristheu Alves.............................................................................................100
Anizio Canola .............................................................................................103
Heitor Henrique Ribeiro Gomes....................................................................110
Beatriz Ferreira do Nascimento ...................................................................121
Logomarca do GE .......................................................................................127




                                                                                                             5
Prefácio
                   Nas Veredas Literárias


Predestinado a contribuir
Na preservação da Língua Pátria
-num átimo de inspiração sublimada
O Grupo Experimental foi criado.

Idealizado sob o signo da cultura plena
Fomenta iniciativas altruísticas,
Visando a aprimoramentos
Na promoção de novos talentos.

Traz à luz como por encanto,
Pretéritas lembranças de imortais pensadores,
E engenhosos exemplos são seguidos
Impulsionando os rebentos!

Os integrantes do Grupo criam ideias
Nas veredas literárias
Prescrevendo a vida breve
Intercalando o abstrato!

São seres que evocam luzes
- entre o chão e as estrelas
Pela literatura transcendente
E poesias que lhes acenam.


Antenor Rosalino


                                                7
Por que escrevo?
                  Wanilda Borghi - 2011

Porque o papel é amigo, o papel é ouvido, o papel é espelho.
Confidente. Receptor. Reflexivo.
Como num coral, abre meu texto em muitas vozes que ecoam.
Por isso saio de perto.


                        Escritor
                  Wanilda Borghi - 2003

Lápis e papel. Na mão, o que lhe vai à alma.
O coração retratado, sentimento dividido,
Amargura amaciada, e a sensação bipartida
De se estar acompanhada!

Escrever. Ato solitário amansador.
Somos todos, qual galinho,
No alto do campanário.
Expostos. Ao lado do para-raios.

Interiorizados. Externando sentimentos
Compassados. Que vão e vêm com o vento!
Aos quatro cantos. Cardeais. Pontos.
Vigários por toda parte.
Casamentos sólidos desfeitos.

E a sensação permanece.
Canetas: à prece!


                                                               9
Creche
                      Wanilda Borghi - 2005

     Cresce a alma quando checa a calma
     Que emana do servir e clama o crepitar da chama
     Que faz o bem e esquece
     Creche, creche
     Próximo à lagoa, em Assis, o brejo seco reclama
     Mexe, mexe
     Agite o lodo
     Turve a água
     Esvazie o engodo
     Depois... debalde o rodo, a calmaria,
     A translucidez, o raiar de um novo dia
     Que aclara a idéia Santa.




10
Pastoral da criança
                              Wanilda Borghi - 2005

        Guardadora do rebanho infantil
        Organização Não Governamental
        Entidade sem fins lucrativos:
        Terceiro Setor. A pastorar o amor
        eterno ao desnutrido:
        Assistência pré-natal
        Catequese do ventre materno
        Aleitamento carinhoso e terno.
        Trabalho eficiente reanimador.
        Multimistura. Farelo: carro-chefe
        regional: rama de batata,
        folha de beterraba seca, cenoura,
        casca de ovo triturada.....
        Complemento alimentar!
        Pastoral da Criança. Espiral
        da esperança de um dia poder contar
        com a aliança de outros voluntários:
        Estudantes ou profissionais
        Que levem saúde bucal à infância!
        Ajudem a motivar!

        (Esta poesia foi ofertada à Dra. Zilda Arns, por uma amiga comum: Alessandra de Lima,
para quem fiz esta epígrafe, publicada em sua Dissertação de Mestrado).




                                                                                       11
bem-Te-quero
                             Wanilda Borghi - 2007

        bem-Te-quero é um grupo muito amigo de Jesus.
        bem-Te-quero é sincero, pois a bíblia o conduz!
        Justiça, justiça! É o que, bem-Te quero, quer.
        bem-Te quero é um membro da Associação Jessé.

        O jejum de bem-Te-quero é todo dia vinte e sete.
        bem-Te-quero não quer dores: ora pelos investigadores.
        Silêncio! Um momento! O grupo é de crescimento.
        E o grupo tem um ideal: é a Polícia federal.

        Fubá, fubá! bem-Te-quero quer doar.
        E roupas decentes para todos os carentes.
        bem-Te-quero é uma família, unida e risonha,
        onde tudo começou com a Cleida e a Sonia.

        Tanta gente tão bonita compõe bem-Te-quero:
        Adriana, Anísia, Rodrigo, Ariele,
        Edna, Farlene, Jaqueline, Lucilene,
        Ivanilda, Wanilda, Sandra, Silvana,
        Rosa, Romicarla, Michele, Daniela,
        Osvaldo, Mara, Márcio, Elisângela,
        Leda, Juliana... na casa da Maria.

        bem-Te-quero, bem-Te-quero, o bem que brota do coração.
        bem-Te-quero, bem-Te-quero, vê o mundo como irmão.

         (“bem-Te-quero”: música composta - com pseudônimo -, para o Grupo de Crescimento
Cristão “Aos Olhos do Pai”).


  12
Na tela
                     Wanilda Borghi - 2007




desenho de Wanilda Borghi


                                             13
Apelo
                       Wanilda Borghi - 2005

     Eu bato na porta do seu coração,
     Que só se abre por dentro.
     Aqui fora está bem frio,
     E não tem nenhum assento.
     Tenho sede, quero entrar.
     Quero te ver por inteiro.
     Solucionar tua dor,
     Amar-te por um momento,
     Até ver que se esgotou
     Todo e qualquer argumento.


                             Futuro
                    Wanilda Borghi - 2005/2011

     Eu sempre corro, corro, corro
     E não consigo te alcançar!
     Quando chego bem pertinho,
     Já estás noutro lugar.

     Mas correndo tropecei
     E vi a paz, antes latente:
     O que me espera, o que me vem,
     Tenho certeza, é para o bem!
     E o futuro? Já chegou:
     Ele se chama Presente.



14
Torre de Pizza
                                  Wanilda Borghi

          Veio da Itália, o meu amor
          Em busca de uma vida bem melhor
          Muita arte, fé e empolgação
          Trouxe pra enxugar o seu suor.
          Povo tão intenso aquele seu
          Onde bota o pé, bota emoção
          Tanta discussão, zero rancor,
          Tanta união e tanto amor (fraterno)

          O pai, provedor,
          Os filhos, bem juntinhos, (parece carrapatinho)
          Tanta alegria, tanta comunicação (parla com a mão, parla com a mão)
          A culinária, tão cheia de tradição
          E a pizza que veio vitoriosa,
          Pra acalmar a confusão.

refrão:   Na família italiana,
          A palavra final é da mamma,
          Que pra ver o aconchego do ninho,
          Serve a massa regada a vinho.
          Bota tomate, manjericão,
          O molho é feito no calor da emoção.
          Bota tomate, manjericão,
          E, como Nero, bota fogo no salão.
          (Quanta! É uma torre de pizza!)

        “Torre de Pizza”, concorreu ao samba-enredo oficial do Carnavaval 2011: “Mamma mia!
Tudo acaba em pizza!”


                                                                                     15
Chuva de Prata
                       Marianice Paupitz Nucera

     A chuva banhou o sol
     Que na manhã ia nascendo.

     A tarde não tardaria...

     Como a ostra esconde a pérola,
     a nuvem negra escondia
     dentro dela sem agonia
     pingos de prata certeiros.

     Almas caídas, carentes!

     O estampido da bala
     era o grito do insano
     que com voz rouca
     gritava : Olha a chuva! Olha a chuva!


     Poesia inspirada no genocídio do Rio de Janeiro: Realengo – 2011.




16
O Ermitão
                      Marianice Paupitz Nucera

       Certa vez um jornalista chegou a um vilarejo e soube que um bem su-
cedido comerciante, havia se mudado da cidade deixando família e quase toda
sua economia; saíra de casa apenas com a roupa do corpo e algum dinheiro
para comprar um pequeno sítio, onde dali em diante passaria a morar.
       O jornalista, que estava à procura de peculiaridades, quis saber mais:
por que um homem bem situado na vida toma uma atitude desta?
       O comentário da pequena cidade, é que ele tinha tido uma decepção
com algum fato ocorrido dentro de sua família tão bem constituída, mas nada
era muito bem explicado. O que se sabia é que o nosso amigo alimentava-se
do que plantava, tomava banho em uma cachoeira e vivia numa solidão total,
apenas com um cachorrinho vira-lata que havia encontrado no abandono.
       A casa do pequeno sítio era bem modesta, flores do campo a seu redor
,um coqueiro e várias outras árvores frutíferas.
       Toda tarde o nosso amigo se achegava junto a um rádio e ouvia a
programação todinha até a hora de dormir.
       Durante o dia, a partir do primeiro raio solar, ele cuidava da plantação
de onde tirava o seu sustento.
       O jornalista chegou até o sítio do ermitão e lhe faz várias perguntas:
por que uma atitude tão radical? Por que largar um lar todo estruturado e se
embrenhar em um lugar senão deserto, mas desprovido de todo e qualquer
conforto ao qual ele estava acostumado?
       O nosso comerciante olha bem fixamente ao entrevistador e, após
uma pitada, diz:
       _ Meu caro amigo, vou lhe contar mais ou menos o que aconteceu:
Sou ou fui muito correto em todas as minhas atitudes, sempre visava ao bem
estar de minha mulher, filhos e agregados.
       Um dia, quando aconteceu o casamento da filha de um amigo, eu
percebi que o padre celebrante; olhava muito para mim e minha mulher, além

                                                                         17
de estar falando muito naquela cerimônia.Então, bem baixinho, eu disse a
minha cara companheira:
        _ Como este padre olha prá gente, principalmente prá mim! Será que
ele está querendo me dizer alguma coisa? A mulher mui discretamente res-
pondeu:
        _ Não se apoquente não, marido, ele é um padre muito legal! Há tem-
pos atrás me confessei com ele.
        _ O quê? mulher ...que diabos você confessou? Para que ele me olha
tanto?
        -Ah! Marido... Nada demais.
        Dali em diante, meu caro entrevistador, não tive mais sossego.A con-
fiança que tinha em minha mulher acabou. Então para a desgraça não acon-
tecer, resolvi me isolar.
        Entendeu?




  18
Herança
                  Marianice PaupitzNucera

Tu és sapateiro,
ensina a teu filho
o valor do couro,
ele guardará um pedaço...

Ourives tu és
mostra a teu filho
o brilho do ouro,
ele deterá o pó

Cortando o pano, ensina,
alfaiate, a teu rebento
o valor do tecido
ele guardará o retalho

O couro, o ouro, o retalho,
relíquias que no atalho
da vida que surpreende
serão dos filhos trabalho
mantenedor de teu sustento!


3ª colocada no Concurso “Osmair Zanardi” da Academia Araçatubense de Letras – 2010.




                                                                             19
Almas gêmeas
                       Marianice Paupitz Nucera

         -Vá em busca das emoções perdidas no labirinto da sua vida!
         A frase ecoa no ar. É o vômito da esposa despejando todo o brejo alo-
jado em seu âmago, onde adormecem sapos.
         Cansou da fraqueza humana, tanto dela, quanto do entediado cônjuge.
O marido se faz de mouco, mergulhado no mar da depressão.
         Angustiada, a mulher apanha a bolsa. Coloca dentro dela alguma coi-
sa. Sai a passos lentos.
         O pensamento cria asas e voa; logo, tenta uma aterrissagem, se não
feliz, pelo menos tranquila.
         Sua alma se agita. Tem premonições. Sente a presença da morte.
         Está sendo seguida, mas não percebe. Sente-se flutuar.
         Houve a felicidade a dois, mas, um dia ela se foi, sem aviso prévio.
         Os filhos casaram, construíram família. E hoje, o lar é um ninho vazio.
         A dona de casa procura um lenitivo. Sua tez é séria; seus olhos, vidra-
dos. Confere o conteúdo da bolsa.
         Na rua, crianças, adultos, idosos, todos num ritmo normal.
         De repente, um estampido, um grito de horror. Ela olha pra trás e vê o
marido com os olhos esbugalhados, uma arma na mão, e, a alguns metros,
uma criança estirada no solo.
         Seus olhos se dilatam, sua voz se embarga. Olha e não quer ver, mas,
não tem jeito, vê um inocente atingido por uma bala perdida.
         Os olhares se encontram e cada um com sua dor e arma, atiram em
seus próprios ouvidos.




  20
A Procura... ou... o encontro?
                      Marianice Pauptiz Nucera

        Já não há esperança. Está na hora de perder a vaidade.
        Ela, Dona Ernestina foi envolvida por uma onda dolorida, desde o
sumiço de seu único filho. Daquele dia em diante sua tez só foi tensão,
seus lábios cerraram-se como porta de cofre do qual se perdeu o segredo,
nunca mais se abriu. A senha para se ter o sorriso de volta seria seu filho, se
aparecesse.
        Seus olhos tornaram-se leito de um rio seco. No primeiro momento
chorou todas as lágrimas a que tinha direito.
        No instante seguinte, nenhum oásis, naquele olhar de um verde es-
meralda , surgiu.
        Suas mãos se portam como gelatina: trêmulas desde o primeiro mo-
mento do fato em si.
        Muitas vezes saiu a peregrinar por várias cidades, devido a telefone-
mas, que depois concluíam-se serem trotes.
        Lá estava ela, o olhar perdido no infinito, os ouvidos à espera de uma
noticia, seu corpo via –se agora, numa posição tétrica, esquelética, sempre
em alerta.
        Desde quando seu rebento embrenhou-se pelo mundo, com catorze
anos, hoje já foram mais cinco. O que aconteceu com sua criança? A que
aventura se jogou?
        O filho, que nunca lhe dera uma gota de preocupação, de repente
sumira galope.
        Depois de muita procura Dona Ernestina hibernou –se , como um
urso..
        Para ela tanto faz noite ou dia, chuva ou seca, sol ou lua, amor ou
ódio.
        Ela está como uma baleia encalhada na beira da praia,que se a morte
a levar sentir- se-á melhor.Quem sabe na outra dimensão encontrará seu tão

                                                                         21
querido filho!
       A noite mais uma vez surge, e o sono toma conta desta sofrida se-
nhora, que, muito intimamente pensa:- pelo menos dormindo posso ver em
sonhos meu doce fruto.
       Embalada pelo sono, seu espírito se afasta à procura de um lenitivo,
quando de repente, lá no fim do túnel vê luzir a última estrela.




                            A Revolta
                      Marianice Paupitz Nucera

       Dei um tapa na hipocrisia
       Relutei contra a mentira
       Avancei sem medir a linha

       Enunciei um limite
       Agonizei no risco tênue da vida
       Mergulhei no mar do universo
       Vi da moeda o inverso

       Transfigurei minha vida
       Pensando numa tainha
       Cai numa teia infernal
       De aranhas arranjadas
       Que ali enferrujadas
       Cercavam a alma humana!



  22
Semente do amor e da perfeição
                      Isabel Moura

No campo do tempo
Plantei a esperança
Nasceu também a saudade
Carregada de lembranças
Reguei com as lágrimas
Da fonte do coração
Colhi a boa semente
Do amor e da perfeição
O amor é coisa sublime
Seu preço incalculável
Não se compara com ouro
Nem prata reciclável
Em tudo é bem perfeito
A perfeita perfeição
Tudo perfeito fez
O Autor da perfeição.
No colégio me ensinou
O tempo bom professor
Que o segredo do campo
É a paciência do plantador
A esperança nunca morre
Estando no coração
Sua sombra é um refúgio
Contra o mal e a solidão




                                     23
O Conto
                               Isabel Moura

       Contaram-me um conto. Contado pelo conde Cotobom. Que como o
coturno do comandante Conopon, caberia no canto do comboio colombiano.
Coube colocar naquele compartimento com os cuidados conseguidos.
       Coisas corriqueiras como: colar, colarinhos, colatex, sem contar a coca-
cola de Conrado.
       Coitado: No continente consumiram com o Cóti.
       E culparam o Core companheiro do Corófu, que é colega do Conrado
coronel Contudoé.
       Condoído, coreano complicou-se, confrangido cobriu-se na congelada
correnteza do consumo da confusão.




  24
Vida esquecida
                       Isabel Moura

Na caatinga vai subindo
Pote d’água na cabeça
Nos espinhos pés ferindo
Grita a alma: não desfaleça!

O eco no mundo responde
Salta no peito a esperança
Ver o dia negrume esconde
Ai ai e nada se alcança.

Chão seco longa caminhada
Rastros de sangue são escritos
Nas linhas mal traçadas
O destino de um pobre esquecido.




                                      25
Sentimento de um rejeitado
                           Isabel Moura

     Menino de rua que vive a pedir
     Um pão para comer roupa para vestir
     Ninguém te escuta ninguém te vê
     Com frio e fome sem lugar para viver.

     Se rouba é ladrão, se pede é mendigo,
     Vagabundo, nojento, futuro bandido
     Na sujeira do lixo esperança chorou
     Pra morte da fome o gatilho falhou.

     Segue sem rumo na selva perdido
     Buscando o nada num sonho ferido
     Qual o sol, sua vida, o brilho perdeu
     Num garimpo de ouro em que só espinho nasceu.

     No chão da calçada, negro véu te cobriu
     Entre a caladas eternas veio o sono sombrio
     O pranto e a flor o destino soprou
     Ao bueiro, a água, seu corpo arrastou.




26
Encontrei com a vida
                               Isabel Moura

        Hoje é Domingo, oito horas da manhã, a cidade ainda dorme.
        Dorme nos braços do silêncio. Embalado ao som contínuo do labirinto.
Manhã muito fria.
        Sentada na sarjeta, sob uma luz pálida, estou a pensar.
        Pensamento vagueia tão rápido como os raios de um relâmpago.
        Vai cortando o espaço na amplidão de meu pequeno cérebro.
        Na fronteira do espaço e o tempo, meus olhos pararam. Pararam em
direção a um feliz prisioneiro que entrega ao Criador da natureza o seu gorjear
retinido. Como o mais perfeito que pode ser, dentro de um espaço tão peque-
no. Pendurado no galho de uma laranjeira. Pensamento se prende à melodia
que me vem aos ouvidos. Penso. Se sou livre para voar, porque vivo presa
nesta gaiola de solidão?
        Na cena real desta tela sem moldura me encontrei com a vida. Estejam
também em minha garganta os mais altos louvores ao Criador.




                                                                         27
Menina Poesia
                          Isabel Moura

     Na maternidade do coração
     Romântico
     Nasceu ao mundo a menina
     Poesia.
     Ganhou de Drª inspiração
     Rima, semântica toda especial
     no berço da pediatria.
     Desde o campo, à universidade
     seu verso modelo
     corpinho de boneca.
     Rostinho atraente
     Amor em quantidade.
     Fez
     O mundo melodia, e o homem,
     Um poeta.




28
Gota doce
               Carmem Silvia da Costa

No calçamento
Aquecido pelo sol
Ela pousou
Ficara ali por alguns instantes
E ao acaso encontrou
Uma gota doce
E provavelmente a sugou.
Perdida em veste amarela
Onde os corações
Não se alegram
Com a beleza das flores.
Não há tempo de olhar
Para as penas coloridas
E nem para as asas frágeis
Que suplicam pelo néctar.
Cansadas pelo pouco em poda,
Em meio a concretos.




                                        29
A praça
                     Carmem Silvia da Costa

     A praça dos vovôs,
     Pais, mães e das moçadas.
     Famílias...
     A praça que fora das cantigas
     De rodas. De tão felizes meninas
     Com laços de fitas
     Nos vestidos e nos cabelos
     Que aprendeu a escutar
     Dos namorados seus segredos.
     A praça dos palhaços: Coitados
     Fabricam risos o tempo todo
     E ganham míseros trocados
     Que olhe lá se daria para
     Comprar um bom bocado.
     A praça do coreto, da banda
     Dos flautistas e dos gaiteiros.
     A praça dos ciganos
     A pescar as linhas das mãos.
     As praças dos políticos, dos artistas
     Dos camelôs, dos fazendeiros,
     Negociantes e trambiqueiros
     As pernas nuas e ousados decotes.
     Ah! Que pena, fora tomada
     Pela chuva de prata
     E no vai e vem dos que nela passam
     Consigo vão as saudosas estórias,
     Da praça do rui, onde o boi murgiu
     Mas não a viu.

30
Hino - um testemunho
               Carmem Silvia da Costa

Um testemunho tenho
E quero compartilhar
Eu sei que Jesus cristo vive
E vive a me amar.
Que bênção maravilhosa
E a bênção da salvação
Jesus padeceu por mim
Em cruel flagelação.
Ao pai ele entregou o seu espírito
E consumou sua missão.
Deixou a divina luz
Que nos guia em nossas provações.
A Jesus eu quero estar com o coração
Repleto de gratidão.




                                        31
O novo
                     Carmem Silvia da Costa

     Alongo minha mente
     Alongo? Sim alongo.
     Ela sai como uma pedra
     Presa a um estilingue
     E se solta para o alvo.
     Alvo? Que alvo? Não existe alvo.
     Sim, existe "o novo".
     Guardo tudo: rotina, labuta, neura
     E num chega prá la, o novo é o alvo
     Demarcado como um ponto e saindo
     Dali para muitas direções.
     Escolho uma e corro, corro e na velocidade
     Voo livremente, sem sofrimento
     E escravidão, porém algo interrompe:
     "pronto" você chegou, o novo que procura
     Já existe, pois tudo é vida, criação e ação.
     Respiro profundamente e retorno
     Com uma convicção de ter encontrado
     A palavra chave: "entusiasmo"




32
O casamento da cabrita
                      (Dedico esta historinha às crianças)


                        Carmem Silvia da Costa

         Em um sítio próximo a uma floresta, morava uma pequena cabrita, e
uma tremenda confusão aconteceu; coisas que não dá nem para imaginar...
         A cabrita ao despertar pela manhã se sentiu feliz com o surgir do sol e
o revoar dos pássaros. As flores a desabrocharem nos canteiros atraindo bei-
ja- flores e borboletas. Tudo isso a motivou a realizar seu casamento. E achou
que nada seria melhor que a selva. Para a festa ficar maravilhosa decidiu
enviar uma carta para o leão.
         Sitio da Água Azul, maio...
         Caro leão: desculpe, majestade. Não nos relacionamos com vocês, por
sermos domésticos. Marquei a data do meu casamento com as pretensões de
realizá-lo aí. É com prazer que envio o convite. Caso permita, ficarei grata. Os
convidados são educados e não causarão dano algum ao seu ambiente.
         Atenciosamente, Cabrita.
         O leão leu e releu a carta, chamou os animais de sua confiança e lhes
comunicou sobre seu consentimento a respeito do pedido da cabrita e que
esta deixaria tudo em ordem após a festa.
         A cabrita foi até o galinheiro para pedir ajuda à galinha carijó.
         - Querida amiga carijó, conto com você para entregar esses convites
do meu casório, e este é o seu em especial.
         A galinha ficou agradecida e saiu para a tal entrega, encontrando a
raposa que foi logo indagando:
         - A amiga galinha parece estar contente.
         - Estou mesmo, por se tratar da festa do casamento da cabrita para o
qual estou convidada.
         A raposa, não perdeu tempo. Foi logo espalhar a sua discórdia entre
os animais.

                                                                          33
- Sabe da última? Uma tal cabrita pediu ao rei leão para realizar o
seu casório aqui, e ainda disse que não se relacionam conosco por serem
domésticos e educados.
         - O que a cabrita quis dizer com isto, raposa?
         - Não sei, quem deve saber é a macaca.
         Ambas foram levar as novidades para a macaca, e esta querendo se
divertir disse:
         - Então não perceberam que são gente fina, melhor que a gente?
         A raposa e a onça ficaram furiosas com a explicação, e a macaca ao
vê-las saírem enfurecidas, caiu na gargalhada.
         No caminho a raposa falou:
         - Não vamos deixar assim, onça. Armaremos um plano e a festa será
somente nossa.
         Dito e feito. A pobre cabrita vinha toda sorridente acompanhada por
um desfile de animais. Ao longe, a raposa e a onça estavam ansiosas. Daí a
raposa perguntou: - O que faremos para acabar com essa frescura?
         A raposa pensou, pensou...
         - Já sei! Vamos rápido. Laçaremos a perna do leão antes que ele acor-
de e, no momento exato puxaremos a corda. Então, ele pensará que o casa-
mento se tratava de um plano e nunca saberá o que foi.
         - Será que dará certo, raposa?
         - Claro que sim. Você abanará Sua Majestade enquanto eu lhe amarro
a perna e me escondo atrás do trono.
         A cabrita ao chegar mencionou:
         - Como vai, Majestade?
         O leão levantou-se para cumprimentar os noivos e... puff no chão. E,
ao perceber que sua perna foi laçada, deu um rugido tão forte que causou um
grande corre, corre. Só se ouvia: có có có corró có có, qui qui qui quiri qui qui,
quá quá quá, au au au auau, miau miau miau...
         Quem podia voar, voou e os que corriam diziam:
         - Pernas pra que te quero!

  34
Cipó dourado
                Manuela Sant’ana Trujilio

A saudade e a solidão
Têm me pegado de jeito.
Essas lembranças profundas
Vivem apertando meu peito.

Daquele riacho lindo
Eu recordo com carinho
Paisagens exuberantes
Dos meus sonhos fizeram seu ninho.

Relembro o cipó dourado
Rodeado de magia
Nas manhãs ensolaradas
Chuva de ouro caia
Os raios de sol brilhantes
Entre os galhos se perdiam.

Orquídeas e trepadeiras
Perfumavam nossos dias
Na janela estreita, junto ao esteio
O céu azul a gente via
Assentava o cabelo
E para o sol dizia: Bom dia!

No fogãozinho de barro
De um café eu me servia
Pensando já no almoço
O feijãozinho fervia.

                                            35
Transporte, o carro de boi,
     Ali nada era chique
     O barro era batido
     Pra casa de pau a pique.

     Cenário lá do lugar
     Deus sentou e construiu
     Foi um momento divino
     A estrela Dalva surgiu.

     Vivendo cá na cidade
     Do meu cantinho não esqueci
     Meus anos pesaram nos ombros
     Tudo é difícil aqui.

     Neste asfalto sem tesouro
     Não adianta insistir
     A simplicidade
     É perfume da natureza,
     Jamais deixará de existir!




36
Colhendo valores
               Manuela Sant’ana Trujilio

Ao sentar no meu banquinho
Colocando as mãos sobre a mesa
Vejo a família unida
A minha maior riqueza

Os filhos estão crescidos
Aumentando os sonhos meus
Conservo esta construção
Com a força que Deus me deu

Minha morada é um jardim
Observo cada flor: orquídeas, cravos, jasmins
O céu fortalece a cor

Meu viver é tão feliz
A sorte assim me ensina
Ser um sabiá que canta
No pé de laranja lima

Fui semeando sementinhas
Colhendo os seus valores
O destino me ofereceu
Este lindo buquê de flores

Felicidade existe
É bem adquirido
Procurando a gente acha
Tesouros escondidos

                                                37
Praça do Boi
                    Manuela Sant’ana Trujilio

     A praça era simples, era alegre
     Sapatos brilhando, menino engraxate
     Cintura bem fina, saiote engomado
     Blusinha de tule, saia pregueada
     Namoro escondido, beijo roubado
     Grampos nos cabelos, laquê no penteado.

     A praça devota, de grande riqueza...
     Velas acesas, hinos sagrados
     Procissão do Divino, Senhor amado
     Imagens de santo, andor enfeitado
     Fé na Virgem Santa, rezando o rosário
     Igreja Matriz, sinos repicados.

     A praça diz-que-diz, também diplomata
     Das belas lembranças, não se aparta
     Chapéu já gasto bengala do lado
     Abrindo o jornal, as pernas cruzavam
     Notícias de ontem, radinho ligado
     Filme do ano, Anselmo Duarte.

     A praça hoje é um mugido magoado
     Bons tempos aqueles, Maria, Maria das Graças
     A praça de pedra , está muito mudada
     Os olhos do boi só vivem inchados
     Chafariz de lágrimas rolam nas estradas.
     Transformou-se em canaviais, a sua invernada.


38
A nordestina
                       Manuela Sant’ana Trujilio

        Dona Nete é uma nordestina arretada. Apesar de ela já ter mais de
meio século, usa os cabelos longos amarrados com fitas coloridas. Vive sem-
pre sorrindo, só pra mostrar um dente de ouro que tem. Os lábios vivem pinta-
dos de vermelho. Recém chegada do norte, se atrapalhava todinha com o jeito
dos paulistas. Ela dizia assim:
        - Ochente, num me acustumo aqui não, o povo daqui é todo avexado.
Parece fusmiga andando de lá pra cá, daqui pra acula. To abestalhada. Num
sabe, na minha terra é diferente. Lá num tem desses negócios de andar de
coletiva pra lá e pra ca, não. Lá a gente da cidadezinha de onde eu vim, lá a
gente anda é a pé mesmo ou intonce muntado num jegue. To todinha atrapa-
lhada nessa cidade aqui, num sabe? Mais veja só, mulé de Deus. Minha irmã
tinha que ir na Sandu tirar uma consulta, num sabe? Ela andava de olho todo
melado, acho que era dordolho. Apois o dotô lhe receitô uma gota i, ela tá boa.
Mais num dia que ela foi sem consulta, ela quase morre é do coração: quando
ela saiu do consultório, muntou na primeira coletiva que passou, i num é que
ela pegô a coletiva errada, foi! E danou-se pro outro lado da cidade num bairro
por nome de Nova Iorque. Ficou a tarde toda perdida. A bichinha precisou pedi
ajuda pra políça pra achar o caminho de casa, foi! Olha mulé, eu tomem to
precisano de i no dotô, mas to é cum medo de sair suzinha e ficá perdida feio
minha irmã. Vô pedi a meu filho que me leve ao dotô. Num ando me sentindo
muito bem, num sabe? Adepois que Nó faleceu (o marido) dei pra ficar cu
fundinho da calcinha todinho molhado. Acho que to memo é com a bixiga
solta. É uma mijadera, uma dô da muléstia no pé da barriga. To precisanu di
toma remédio. Óchente mulé, a conversa ta é boa, mais dá um tempo aí que
vô chama Di pra i pro trabaio.
        E entra gritando:
        -Di, ó Di! Se aveche Home! Levanta e vá pro trabaio. Acorde que já
é tarde. Parece um lião quando adormece. Se aveche, home! Tá na hora de

                                                                         39
abrir o ba,
        Nervoso, Di grita lá de dentro de casa:
        - Mainha, mais que converse é esse aí fora. Chega a casa tremê com
tanta conversa.
        - É, eu tava cuntanu a Manela do dia que tua tia pegou a coletiva erra-
da. Ma se aveche, home! Vá abrir o ba que já é tarde.
        - Mainha, eu já lhe disse que não é Ba. É bar!
        - Ochente! Apois só porque ta moranu aqui, em São Paulo, ficou todo
mitido, cheio de coisa, dizendo bar-bar. E eu falo cumu quero. É BÁ mesmo.
É pur isso, Manuela, que eu queru voltar lá pro Norte prá minha cidadezinha.
Num tem essas trapaieira que tem aqui, não. O povo daqui parece fusmiga
carregando miolo di pão. Eu vô é si embora. To morrendo de saudade do povo
de lá e tumem, sabe do que é, de cume uma buchada de bode, carne seca
com macaxera e jerimum. Chega dá água na boca, mulé. Quando me lembro
da carne de sol com licor de jenipapo mais, Manuela, a depois a gente cunver-
sa. Mais visse, dexa eu vê se Di se levantô pra ir abri o BÁ. Tiau.




  40
Jeito estúpido
         Ana de Almeida dos Santos Zaher

Com um jeito estúpido,
Levou-me à loucura.
Não tinha medo das aventuras.
Sentia tanta paz.

Colocava-me no colo.
E fazia-me ver o azul do céu,
O brilho das estrelas.
Chegou invadindo meu ser.

Com seu jeito estúpido,
Deu-me tanto amor...
Fez meu coração descobrir
Que após a dor, vem o alívio.




                                           41
Só para contrariar
              Ana de Almeida dos Santos Zaher

     Ele não atendeu ao telefone.
     Não respondeu às cartas.
     Fingiu-se de morto.
     Não admitiu o erro.

     Preferiu morar com o orgulho.
     Fechou-se para o amor.
     Ignorou a alegria
     Deu as costas para a felicidade.

     Tentou viver isolado.
     Não queria uma segunda chance.
     Desistiu...
     Mas só para contrariar...
     O anjo estava sempre atento, a vigiar.




42
Mãos
                 Ana de Almeida dos Santos Zaher

         Abençoadas mãos, que encontradas e unidas, trouxeram-me ao en-
contro do amor sem medida.
         Mãos que a cada movimento, cada toque, faziam crescer a emoção e
aumentava este sentimento maravilhoso,tornando nossa vida plena de felici-
dade.
         Sei que não caminharemos juntos, de mãos dadas aos olhos da socie-
dade, mas os laços que nos unem nunca vão nos separar.
         Cada gesto de carinho demonstrava o quanto era importante, parar,
olhar, e perder tempo com o que realmente tinha importância.
         Eu sabia que as coisas mudariam um dia, que a correria do dia a dia
iriam nos distanciar, mas esquecer e abandonar, jamais.
         Dizer que estava preparada, minto; saber e prever algumas situações,
é fácil, agora vivenciar e sentir na pele. Uma dor intransferível.
         Ver os exemplos de quem já passou por momentos parecidos, nos
anima e fortalece, mas são experiências únicas. Portando cada um vive e se
comporta à sua maneira.
         Todos querem dar receita, mas não tem jeito, cada ser tem sua perso-
nalidade, submisso ou dominador...Calmo ou nervoso e assim segue...
         Filhos amados, filhos adolescentes...
         Mãos que te acariciavam, desde de quando habitavam meu ventre,e
que depois o segurou firme e o abraçou, na chegada a este mundo. As portas
do paraíso, deste coração de mãe, nunca mais se fechou, e não continuou o
mesmo, pois de tanto amor, perdeu a chave e o controle.
         É difícil, mas não é impossível compreender que o tempo passa, os fru-
tos nascem crescem, amadurem e... E assim são nossos filhos, nossas mãos
entrelaçadas, protegendo-os da queda, ensinando os primeiros passos.
         E o tempo voa, numa velocidade que minhas mãos não conseguem
alcançar. Ainda ontem, me deliciava com as brincadeiras e correrias das crian-

                                                                         43
ças. Agora,já seguros de si, estão perdendo a inocência.
        Aquelas gargalhadas estão se transformando em sorrisos mudos.
        Cresceram de um tanto, estão maiores do que sua mãe, um dos mo-
tivos que nos obriga a andar discretamente em público. Com a modernidade,
eles sentem-se intimidados de serem confundidos e chamados de namorado
da própria mãe.
        Eles até acham graça, mas dizem que queimam seu filme. Ficam feli-
zes e sabem que não estão sozinhos.
        Estas mesmas mãos que acenam dizendo adeus vão ser sempre as
mesmas, que estarão sempre à espera dos abraços e da alegria do retorno.
        Filhos queridos e abençoados, legítimos ou adotados, onde quer que
estejam ou aonde quer que vão.
        Mãos de mãe sempre vão estar direcionadas a vocês.
        Como o sangue que corre nas veias, assim são as mãos que sempre
vão tocar você, da cabeça aos pés... E tocarão seu coração, dando o entendi-
mento e a compreensão, de que amor nunca é demais.




  44
Overdose de amor
                 Ana de Almeida dos Santos Zaher

        Overdose de amor...
        Corpo e mente trabalhando juntos, em busca do mesmo objetivo.
        A maioria das pessoas correm desesperadas, para obterem sua rea-
lização profissional...
        E não estão erradas.
        Mas falham, ficam cegas e não enxergam a beleza que existe nas
pequenas coisas.
        Sufocando desejos, não viajam.
        Muitas morrem sem conhecer e sentir as águas do mar.
        O sol está sempre nos sorrindo.
        A lua, as estrelas dividindo o brilho delas com os humanos, que dificil-
mente param para contemplá-las
        Overdose de amor...
        À disposição de todos, sem censura e de graça.
        O universo sempre de braços abertos, esperando nosso abraço e nada.
A correria atrás dos tesouros, não deixa parar e ver o ouro que já trazemos ao
mundo, desde a fecundação.
        Somos escolhidos e privilegiados.
        Overdose de amor...
        Da qual muitos sábios abrem mão.
        Não conseguem o controle e fogem.
        Overdose de amor, um excesso que faz bem.
        Quando se tem a chance do encontro... com o equilíbrio.




                                                                          45
Marcelo Augusto e Thales Eduardo
               Ana de Almeida dos Santos Zaher

      Filhos amados
      Queridos e insubstituíveis
      Razão do meu viver alegre
      Luz que ilumina meus dias
      Tesouros desejados
      Meus sonhos realizados.

      O complemento do meu ciclo
      Nesta vida...Plantei árvores
      Tenho filhos e escrevi meu livro.
      Assim a vida segue:
      Marcelo Augusto e Thales Eduardo,
      Filhos da minha alma

      Vocês são um pedaço do céu
      Em minhas mãos.
      Aconteça o que acontecer,
      Estarei sempre com vocês.
      Respeito suas opções.
      Abandoná-los? Jamais!




46
Duas lágrimas
         Ana de Almeida dos Santos Zaher

Lágrimas que não foram derramadas
De tristezas ou abandono
Medo ou dor
Duas lágrimas
Felicidade!

A emoção invadiu meu ser
A alegria cercou minha estrada
O amor surgiu...
Contaminou meu mundo
Enfeitou os jardins
O vento leva o perfume
Das roseiras e dos jasmins

Duas lágrimas que chegaram
Molhando meu rosto
Expressando o prazer
Que sinto do amor sem medida
O universo me acolhe
Duas lágrimas caem:
Uma da alma,
Outra do coração




                                           47
Véspera de natal
                    José Hamilton da Costa Brito

        José e Cláudio, todos os anos, logo no primeiro dia das férias, coloca-
vam as respectivas famílias nos carros e iam para alguma praia. Gostavam
muito de Florianópolis. Alugavam sempre a mesma casa na Lagoa da Con-
ceição, quase ali onde a beira-mar se divide, uma indo para as Canasvieiras e
a outra para a Joaquina. Como se diz: na boca do gol.
        Um belo ano, as férias vieram com certo atraso e tiveram que viajar
no dia 24 de dezembro, véspera do natal. Saíram já pelo meio do dia e “se
mandaram”, mas como íam com crianças e adolescentes, as paradas eram
obrigatórias, o que atrasava a viagem. Eram férias, não havia pressa e a ale-
gria reinava.
        Por volta das onze horas da noite, também conhecida por 23 horas,
começaram a procurar um lugar decente para descansar e fazer a ceia na-
talina. Rodaram mais um pouco e minutos antes da meia noite viram um
restaurante, típico de beira de estrada e: "é aqui mesmo né Zé".
        - Vamos nessa!
        Desceram, examinaram o local... meio esquisito
        - Você queria o quê, o meu! Um Fasano aqui neste fim de mundo?
        Não era bem o local, sua parte física... eram mais os frequentadores.
Havia algo que, se não estava errado, também não estava muito explicado.
        - Quer saber?É época de confraternização, de aceitação do próximo,
de desarmar os espíritos.
        Pediram lá o que comer e enquanto esperavam, ficaram se distraindo
com as cervejas, que estavam bem geladas.
        Tanto a filha de um quanto a do outro, já meninotas, foram ao banheiro
e demoraram mais que o normal; quando já iam ver o que estava aconte-
cendo, as duas apareceram maquiadas. Uma maquiagem forte, típica das
mulheres da vida airosa:
        - Pô meu, que diabo é isso? - Quem fez isso em vocês?

  48
- Ah! Duas moças que disseram que somos bonitas e fizeram esta
maquiagem na gente.
        Para não ferir susceptibilidades, deixaram como estava. Assim que
fossem embora, parariam para remover aquela desgraceira. O problema foi
convencer a mãe de uma das meninas a esperar: “elas estão com cara de
biscate!”
        Enquanto discutiam o fato, o filho de um deles, aí por volta dos cinco
anos, sem que os pais vissem, subiu por uma escada e sumiu lá pra cima.
        - Quem vai buscar?
        - Eu não vou, vai você.
        Vai você, não vou e de repente o menino desce:
        - Pai, tem um homem e uma mulher pelados lá em cima, ele está em
cima dela, apertando a coitada na cama e acho que está batendo nela e...
        O menino não tinha terminado a palavra batendo e as mulheres saíram
arrastando tudo, jogando pratos e copos no chão, na correria para o carro...
morrendo de vergonha.
        - Ah! Meu Deus. Não tem e coisa nenhuma .Praga de menino, ele não
está matando ninguém.
        - Uai pai, o que eles estão fazendo, então?
        - Eles estão... estão... Já com a sua mãe lá no carro, coisa ruim!
        Havia um músico, sobrinho de um deles, grande cantor, tecladista e
violonista acompanhando-os na viagem que quase teve um "treco" de tanto
rir. Bem, alguém tinha que pagar as despesas. Houve uma certa demora, ain-
da havia pratos solicitados que não tinham sido servidos. Procurava-se a pos-
sibilidade de embalá-los para viagem, não havia esse tipo de atendimento.
        - E aí, vão morar no rende-vouz agora, seus safados. Gostaram de
alguma "senhora"?
        Os dois chefes de família, homens honrados, saíram sob os xingamen-
tos das “ damas" e das gargalhadas dos homens presentes. Vésp... que
véspera que nada, no dia de natal. E o Jesus menino vendo esta desgraceira
toda. Culpado? Só se foi Ele. Quem poderia imaginar que a gente estava pa-
rando, para passar a virada de Natal, em um puteiro?
                                                                         49
Leve-me também
                 José Hamilton da Costa Brito

     Fim de tarde. No horizonte, lumaréus de fogueira.
     Mais um dia que se vai com o irmão sol.
     A natureza se prepara para o descanso.
     Tudo está calmo. Uma paz infinita dentro da alma.
     Os pássaros procuram os seus ninhos.
     Os namorados estão calados mas juntinhos.
     Adoro este fim de tarde em arrebol.
     A noite não será das mais escuras.
     As estrelas já estão no céu a pontilhar.
     A lua que vem de lá é suntuosa.
     Com os seus raios chega uma brisa gostosa.
     Um cenário perfeito para o amor.
     Na natureza, a mão de quem a criou.
     A tarde morre e aquela é uma hora divina.
     Perto ,alguém dedilha uma viola.
     Sirvo-me desse cálice.
     É paz deixando a vida fruir.
     Nessas horas sou feliz por pouco que seja.
     Deixo a tua imagem em mim se aconchegar.
     Deixo-me entorpecer pelo teu sorriso de magia.
     Sinto as tuas mãos em meus cabelos.
     Meu corpo reage.
     Enrijecem-me os pelos...
     A vontade de possuí-la supera todo o lirismo.
     O vento sul bate forte em minha face.
     Faz-me despertar do devaneio.
     Tomo consciência de que para vê-la só existe um meio:
     Que Deus tenha pena de mim e leve-me também.

50
Escombro
                   José Hamilton da Costa Brito

        Antigamente punha-me a olhar o céu...
        Ficava horas e horas a contemplá-lo.
        As nuvens em movimentos constantes formavam em inesperados ins-
tantes as mais incríveis figuras.
        ...E eu ali, a sonhar.
        Faces formavam-se na coreografia e em vários momentos, eu via você
a sorrir para mim.
        Tinha que ser na primavera.
        Deixei de ser quem eu era e para o céu, parei de olhar.
        Temia ver você lá no alto e entre nós uma distância sem fim.
        Não queria que me visse caído, derrotado e sofrido buscando o meu
        suspiro final.
        Mas um anjo apiedou-se de mim e sussurrou-me baixinho um con-
selho:
        Filho, coloque-a no seu coração.
        Tire-a da cabeça.
        É escombro.
        Não a carregue no ombro.
        Vai ser feliz outra vez.




                                                                     51
O que fazer ?
                         José Hamilton Brito

        Trabalhou a vida inteira.Amava o que fazia; era uma atividade dinâ-
mica. A competição, acirrada.Justificava-se tanta garra com a necessidade
de ganhar o sustento da família. Havia no íntimo uma mola poderosa que o
impelia cada vez a dedicar-se mais. Queria na verdade ser o melhor. A estrela
que mais brilhasse. Ser apontado como o de carreira mais promissora. Havia
sempre dois ou três que deveriam ser observados, pois eram os que com ele
mais competiam pelo lugar mais alto no podium. Não há quem não queira o
sucesso e isso não é pecado. Colocar o produto no melhor ponto de venda,
fazer a operação mais lucrativa e fazer convergir sobre ele os olhos admira-
dos dos superiores. Ganhar os prêmios e comissões, chegar em casa e ver
o orgulho estampado nos rostos da esposa e dos filhos. Quantas noites em
claro, lutando para entender o desgraçado do tal de ciclo RAA, uma maldita
de uma renina que sob a ação de um angiotensiógeno se tranformava em
angiotensina um e que...puxa vida.E não soubesse essas desgraceiras todas
pra ver. Mais era bom chegar nas convenções e ganhar o videocassete dado
ao primeiro lugar na simulada médica.
        Quantas foram as madrugadas nas quais pegava o carro e ia cobrir o
setor de trabalho ou para as reuniões de ciclo, nas quais os resultados eram
cobrados, os novos objetivos traçados e as avaliações de conhecimento eram
feitas.
        Toda essa carga de responsabilidade, tendo em muitas ocasiões, um
filho doente no berço ou uma dívida pendente.
        Havia , é verdade, toda uma assessoria auxiliando na preparação do
profissional e dando-lhe suporte mas, em quantos momentos foi decisivo o
fato dele bastar-se. Não tinha essa de tornar-se celebridade, mas quando os
holofotes procuravam-no nos eventos internos da empresa, tudo se ajustava
na cabeça, as emoções do reconhecimento fazendo esquecer todas as agru-
ras.

  52
A alternância entre os momentos de doçura e os de amargura era tão
repentina, que não havia tempo para o prazer ou o sofrer...Mas o pouquinho
de prazer que se conseguia, era eterno. Esquecia-se do resto.
        Essas coisas,porém, não são próprias somente dessa atividade. E daí,
não se está falando de todas, mas de uma só...a dele.
        De repente, um flash de amargura vem com o quantum de tempo já
ido. Olha em volta, vê uma garotada, vê antigos colegas, competidores dig-
nos já com os chinelos e pensa: está chegando a hora. Quando chegará a
minha?
        - Deus, afaste este cálice de mim.
        Mas Ele não tem muito a ver com isso, tudo fruto da nossa própria or-
ganização de vida. Será procurado para dar conforto nas horas de amargura,
servir de lenitivo, fazer o papel de Pai.
        De repente ,e não mais que de repente.."cadê você, cadê você...outros
repetem as suas jogadas...no vídeo taipe da vida,a história gravou"
        Um dia, levantou-se para a jornada diária de trabalho. Como fazia
sempre, foi barbear-se.
        No espelho, o "outro" lhe disse, quase que sussurrando:
        - Vai dormir, seu tonto. Você já era.




                                                                        53
Pióses
                   José Hamilton da Costa Brito

        Voando lá nas alturas ou pousado em uma falésia, obedecendo ao meu
instinto eu conseguia ser feliz.
        Sempre fui elegante apesar de nunca galante.
        ...Precisava sobreviver.
        Eis que voando bem alto notei correndo na relva um movimento de vida
que me daria vida.
        Seguindo o instinto predador atirei-me em ataque mortal.
        Assim cheguei até você.
        Contive o ímpeto a tempo impedido por um sorriso angelical.
        Como um passe de mágica começamos uma história trágica pois, de
predador, em caça me tornei.
        Você foi alimento pra minh'alma e amei como ninguém jamais amou.
        Mas como resistir ao carma?
        O meu: uma total liberdade.
        Assim eu fiz você infeliz em pobre infeliz, tornei-me.
        Deixa que eu siga o meu caminho.
        Preciso ganhar as alturas.
        Voltar ao que sou.
        Sim sou ave de rapina.
        É assim que sei viver.
        Então
        Peço em nome de Deus solte os pióses que me prendem Serei outra
vez falcão peregrino um ser em paz com o seu próprio destino.




  54
Apodrecendo Desejos
                     Maria Rosa Dias
                             2006


Irei enterrar seu tesão pútrido,
Orgasmo superficial e falido,
Supostos desejos de uma noite apenas.
Sem missas, sem novenas.
Enterrados sem fúnebres homenagens,
Enfraquecem, desfalecem.

O que importa do que nunca existiu?
Respirações excitadas e ofegantes oxidam-se
Em meio a carícias imundas.
Jogos malfadados.
Sem nexo.
Sentenças sem punição.

Antonímia, contradição.
Luxúria contida.
Lascívia a flor da pele.
Ironia, sadismo?
Fantasias cremadas,
Ao vento, rancorosamente ofertadas.

Apodrecendo desejos
Secos, sarcásticos,
Quebrados, perdidos,
Beijos sujos e carícias imundas.
Olhares de lama
Perdidos e falidos.

                                              55
“Fantasma da Perdição”
                         Maria Rosa Dias
                                 2010


     Fantasma das Sombras
     Das sombras dos passos perdidos
     Passos que nunca foram percorridos.

     Fantasma da Mágoa
     Da tormentosa mágoa dorida
     Mágoa que se faz presente e despida.

     Fantasma das Lágrimas
     Das lágrimas ressecadas pelo Tempo
     E pela agonia derramadas.

     Fantasma do Sofrimento
     Do Sofrimento que esmaga o coração
     Coração pleno de arrependimento.

     Fantasma da Perdição
     Que constrói caminhos duvidosos
     E os envolve em calentadora ilusão.




56
Feridas
                    Maria Rosa Dias
                            2006


Eu tenho decepções
Que me cortam os pulsos.
Sorrateiramente.
Despertam minha insônia.

Eu tenho decepções
Que machucam a minha alma.
E cortam fundo meu coração.
Criam a sangrenta interrogação.

Perdida na escuridão.
Sem luz, sem resolução.
Dúvidas amargamente despertadas
De uma tentativa de sono violentada.
Mente frustrada.

Eu tenho decepções.
Eu tenho indecisões,
Medos, fraquezas, impulsos
Que me fazem retornar à mesma inércia, ao mesmo nada.

Eu tenho decepções.
Violentas tensões.
Bruscas e repentinas carências.
Eu tenho tanto...



                                                        57
Ah, tanto que me soa tão pouco...
     Quem dera.
     Ah, quem dera que o destino me presenteasse com a sorte
     De um amor verdadeiro, forte,
     Certeiro, que me abalasse
     E nunca me deixasse.

     Ah, quem dera que isso não fosse apenas um sonho
     Que retorna toda noite
     E caminha incerto.
     Incerto como as sofridas lembranças enganosas.
     E a certeza inútil
     Das inúteis decepções que tenho.




58
Magnus Maledictus
                 Maria Rosa Dias - 2006

Fiz minha própria cova.
Provoquei meu suicídio inconsciente,
Psicológico à beira do abismo
Mergulhado em sombras.

Lembranças vãs e vagas.
O sangue de meu coração escorre sem poder ser estancado.
Hemorragia interna sem socorro.
Gosto salgado da alma perdida e amarga.

Doces ressentimentos escorrem.
A raiva que me causou orgasmos múltiplos
Enterra-me, soterra-me, sufoca-me
Em meus sentimentos escusos.

Uma rosa para uma morta
Sobre uma cova esquecida e fria.
Vermes hão de me corroer
O corpo e a alma.

Provo meu sangue que me desperta da minha letargia.
Falsa catalepsia.
Sincera morte em fingida vida.
Os espectros de minhas supostas certezas vagam.

Tento em vão me libertar da imunda terra que me cobre.
Por mais que eu lute, por mais que tente não enxergar,
Os vermes fétidos eternamente hão de me acompanhar.

                                                           59
“Te amarei até a morte”
                         Maria Rosa Dias
                                 2010


     Na solidão de meus pensamentos,
     No isolamento do meu quarto,
     Só consigo pensar em teu rosto
     E em tuas mãos tocando minha face.

     Sinto falta do teu calor
     Aquecendo meu corpo contra o teu.
     O gosto dos teus lábios ainda ficou preso nos meus
     E todos os meus pensamentos são voltados para ti
     Lábios flamejantes
     Que incendeiam todo o meu ser.
     Tuas palavras ainda vibram em mim
     Como uma doce brisa a me tocar.

     A minha solidão é guiada por lembranças vazias de nós dois
     E eu sigo.
     Eu sigo sentindo a presença da tua alma ao meu lado,
     Mesmo sabendo que tu ainda vives
     E não estás mais junto de mim.

     A minha alma grita, a minha alma clama.
     Pela tua presença aqui,
     Mesmo sabendo o quão longe tu estás
     E que nunca hás de me escutar.
     Nunca mais...



60
Onde que tu estejas,
Para onde quer que os Ventos te guiem,
Saiba que nunca te esquecerei
E que teus gritos, ânsias e medos morrerão comigo.

Eu já estou marcada
Por todos os teus erros e enganos.
A minha própria sombra já é meu tormento
E o prazer perdido é o meu purgatório.

Ah! Eu estou fadada a amar-te eternamente.
Ah! Eu estou predestinada a amar-te até a morte.
Nenhum mortal é capaz de apagar esse amor.
Te Amarei Até A Morte.


             “Vênus Decaída”
                    Maria Rosa Dias
                            2010


Frágil Amor que se esvai de meu ser.
Aos poucos
Sem que em mim eu o consiga conter.
Suas promessas me fogem repentinas
Ardilosas, desastrosas.
Como o fogo das dúvidas vaporosas
Que em meu peito desatina.

Fugaz sombra de certezas
Imoladas, imaculadas.
Que me envolve em suas asas queimadas
E ateia sobre meus olhos
                                                     61
A fumaça sombria de seu Véu.
     Cegante, inebriante
     Intoxicante em seu doce fel.

     Encantadores passos perdidos
     Passos que nunca foram docemente percorridos.
     E que espalham em meus sonhos seus Vultos
     Resolutos, astutos.
     Querendo me derrubar com sua furtiva mão
     Sem ao menos me dedicar uma fúnebre canção
     Em honra ao meu trágico fim.

     Oh! Ironia ferina!
     Dor flamejante que em meu peito desatina!
     Sinto meus lábios ocos sem seu beijo
     E minhas mãos vazias sem o cheiro do seu toque.
     Eis-me aqui, perdida...
     Amargurada, ferida
     Sem amor...
     Prostrada aos seus pés
     Como uma imagem de Vênus decaída.
     Destruída...
     Em meu profano altar queimado.




62
Pôr do Sol
                            Antenor Rosalino

        Todas as tardes, ao pôr do sol, na tímida vilazinha de ruas estreitas e
casinhas simples, denotavam-se a figura gentil do cego Antônio, conhecido
por todos, pela sua apurada educação e sábios ensinamentos.
        Apesar de sua cegueira de nascença e de suas pobres vestes, às ve-
zes ganhadas de alguns populares e vizinhos generosos, mantinha-se sempre
bem asseado por sua mãe, a bondosa dona Isaura, com quem vivia em uma
velha casa de poucos cômodos, com uma varanda rodeada de arbustos, ro-
seirais quase sempre floridos. Lá no fundo do quintal, vislumbrava-se uma ár-
vore grande, frondosa, em cuja sombra os garotos vizinhos sempre brincavam
alegremente, deliciando-se de todo aquele frescor, do belo cenário verdejante
e da boa acolhida do senhor Antônio e de sua genitora.
        Apesar de sua bondade e resignação às intempéries da vida, Antônio
sempre fora vítima dos mais diferentes tipos de deboches e humilhações,
impostas geralmente por alguns garotos liderados por um tal de Índio, um ra-
pazola viril, e de maus costumes,conhecido em toda a vila e adjacências pelo
seu mau caráter e total falta de respeito humano. Não estudava e tampouco
auxiliava a pobre mãe em algum trabalho doméstico. Era filho único de uma
humilde senhora que, após a morte do marido, passou a ser o único susten-
táculo da casa; trabalhava com afinco na confecção de bolos e doces enco-
mendados por pessoas compadecidas com suas dificuldades financeiras, pois
tinha, sobretudo, esse filho garoto ainda, porém, muito peralta, o qual possuía
a alcunha de Índio, por ter aparência realmente indígena.
        Passavam-se os dias e sempre a mesma ladainha: a casa do portador
de deficiência visual, logo pela manhã, ficava repleta de crianças a brincarem
em seu amplo quintal e, à tardinha, lá ia o senhor Antônio fazer a sua cos-
tumeira caminhada com passadas lentas e às vezes cambaleantes, apoiado
em sua tão desgastada bengala. Porém, em determinado trecho do caminho,
sempre surgiam os endiabrados garotos, tendo à frente o tal Índio, a fazerem

                                                                         63
as mais diversas implicações com o pobre cego, chegando até mesmo a ati-
rarem objetos em sua pessoa, seguidos de gargalhadas e ofensas inconce-
bíveis.
           Quando alguns moradores, inconformados com tais atitudes, partiam
para cima dos vândalos, estes fugiam rapidamente, tomando rumos total-
mente desconhecidos e ao sentirem que a cada dia que se passava mais
dificilmente se tornaria pegá-los, acentuavam-se cada vez mais as ofensas
e covardias.
           Um dia certo, porém, o cenário parecia ter tomado forma diferente: a
passarada esvoaçante desencadeou-se em vôos acrobáticos e cantos melan-
cólicos, como a pressentir algo trágico a acontecer.
          Vislumbrava-se ainda distante, a figura do senhor Antônio, enquanto o
Índio e sua turma se escondiam em espreitas e atalaias.
        Aos poucos, o desprotegido cego aproximou-se da turma, que a essa
altura já se postava para a bagunça e o vandalismo de sempre e eis que, de
repente, um pequeno fragmento de madeira lançado pelo Índio atinge em
cheio, impiedosa e cruelmente a sua fronte. Ele, após alguns passos camba-
leantes, tomba ao chão, sendo atingido ainda num último ato, pela ponta de
sua inseparável bengala. Na queda, quase desfalecido, bate violentamente
a cabeça numa pedra, tendo o seu rosto lívido, imediatamente banhado de
sangue. Enquanto isso, os vândalos fugiam em desabalada carreira.
           Acolhido por populares, Antônio foi transportado de imediato ao hos-
pital mais próximo. Tudo em vão!... Faleceu antes mesmo de ser assistido no
hospital.
           Ao tomar conhecimento do ocorrido, toda a vila saiu à caça dos pe-
quenos marginais, os quais, ao que tudo indicava, teriam partido para fora do
vilarejo.
           No dia seguinte, durante o féretro, toda a vila emudeceu, compadeci-
da e revoltada com o ocorrido.
           Algo teria que ser feito ao Índio e sua turma, os quais, finalmente fo-
ram apreendidos; porém, nada devolveria o senhor Antônio aos seus legítimos
amigos e à doce candura dos braços de sua mãezinha, a amável dona Isaura,
  64
que, após a perda do filho querido, adoeceu misteriosamente. O Índio, por sua
vez, após algum tempo de internação num reformatório (pois ainda era menor
de idade), fora liberto. Não se sabe por que, após sua libertação, o seu com-
portamento mudou completamente. Entristeceu-se, raramente conversava e
já ajudava a mãe em alguma tarefa de casa, embora ainda relutasse em não
frequentar a escola.
          Com o passar do tempo, num dia claro, alabastrino, também ao pôr
do sol, o mesmo Índio de tantas arruaças de tempos atrás, num ato repentino
e insano, pôs fim à sua própria vida, talvez não suportando o peso esmagador
de sua consciência.
          E assim, com todos esses acontecimentos, o vilarejo entristeceu-se,
mas as crianças ainda brincam à sombra dos arvoredos da velha casa, e
os pássaros com seus cânticos harmoniosos vêm a cada pôr do sol, como a
prestar homenagem póstuma ao saudoso Antônio, cuja vivência e penosa lida,
ficarão para sempre incrustadas na memória de todos aqueles que o conhe-
ceram e sentiram a sua dor, o seu penar.




                                                                        65
Ametista
                          Antenor Rosalino

     Lapidada, polida...
     Emoldurada pela mãe natureza,
     Flameja o seu encanto
     De jóia preciosa,
     Sob o sol que a diviniza
     E luares que a fazem
     A mais linda estrela guia,
     Encantadora ametista!

     Pétala advinda
     De vales e rochas profundas,
     Magnetiza a alma
     Como flor entre abrolhos
     Florescente e festiva!

     Energizando os céus
     Na mais cândida ternura,
     Aventa aos olhos
     Alegria infinita
     - pedra flor que me inspira -,
     Nas madrugadas serenas
     E nas selvas de granito!

     Alvorada de amores!
     Rutila tua luz envolvente como a brisa
     Na minha lágrima triste,
     Misteriosa ametista!


66
O que é que há?
                    Antenor Rosalino

O semblante dos teus olhos vívidos,
Trouxe um quê, não sei por quê,
De amargor e melancolia
Aos meus olhos que sempre te viam
Com olhar de caxinguelê.

Não percebo em teu sorriso
A singeleza da alegria
Traduzida em espirais
De sedução que se fazia
Entre paredes boreais.

Minha inspiração em eclipse
Suprimindo os meus vocábulos
Deixa os meus versos no ar
E suplicante eu pergunto: o que é que há?

Meu pensar ardente em chamas
Procura-te sem cessar
Buscando desvendar o elo
Da tristeza fina incrustada
Em teus mistérios de mulher!

O que é que há, linda pepita?
Não deixemos que procelas
De asperezas do incerto
Desfaça os laços de fita
Do nosso amor sempiterno!

                                            67
Angústia
                          Antenor Rosalino

     Farto do teu silêncio,
     Parto deixando rastros
     Dos sonhos que sonhei
     Na poesia do meu estro lastro!

     Seja bem vinda a insônia,
     A saudade, a solidão...
     A angústia funesta e insólita
     No pulsar do meu coração!

     Sob a face azul do infinito,
     E de estrelas sem donaire,
     Esquecerei os meus eus,
     Para ser eco de cantares!

     Já não sinto o perfume campestre,
     Nem vejo a brisa tremer!
     As estrelas choram comigo
     Pressagiando o meu viver!

     No incerto, sem rumo certo,
     Temo ver o seu perfil
     Refletir-se como um fantoche
     Nas águas do meu cantil!




68
Súplica de um poeta
                    Antenor Rosalino

Deixo no tempo as nuanças
Da minha ousadia poética:
Meus versos líricos e odes
Espelhando a minha alma em construtos
Que a ilusão apetece!

Busquei nas flores campestres,
Nos sorrisos inocentes,
No rito harmonioso da natureza
E nos amores transitórios e eternos,
A inspiração desejada
Para os meus versos etéreos!

Na brevidade do tempo que a tudo transmuda,
Quando eu me tornar solitário
Com minhas obras esquecidas:
Oh, Deus! Retorna este poeta
Para o infinito do teu céu!

E assim, unificado com a natureza
- liberto e decantado no espaço -,
Serei parte da poesia em lastro
Que o tempo jamais ruirá
No ritual do seu compasso.




                                              69
Árvore enorme
                      Vicente Marcolino Rosa

     Há sessenta janeiros, a semente
     Tão minúscula foi solta do fruto
     E acolhida por bom adolescente
     Que a sepultou em áspero chão bruto.

     E longe de lugar de água corrente,
     Mas, seu líquido vinha de aqueduto
     A mil metros, em vaso transparente,
     No lôbrego bornal da cor de luto.

     Surgiram duas folhas verde-claras
     Presas ao caule débil, rubro e torto;
     A planta foi segura a esguias varas.

     Resistiu a frio, seca e tempestade!
     Agigantou-se e deu-nos o conforto.
     Agora sua sombra traz saudade.




70
Coração infatigável
                Vicente Marcolino Rosa

Pulsas há tanto tempo, jamais cessas!
Nem falas dos segredos contumazes
E enquanto me dedico a escrever frases
Ou labuto, comandas, não tropeças.

Possuis cadência e não ages às pressas!
A vida tem em ti as suas bases,
Percebes o rancor de homens falazes,
Prontos para lutarem às avessas.

Ouço-te pelo quedo travesseiro
Em que repousa a mais pobre cabeça
Sensível aos ruídos do orbe inteiro.

O teu ritmo é monótono e me cansa,
Dormito antes que a insônia prevaleça.
De manhã vou à lida e à noite, à dança!




                                          71
Desvelo de mãe
                     Vicente Marcolino Rosa

     Vocábulo pequeno e indefinito,
     Grande pelo amor que algo representa;
     É o primeiro termo mais bonito
     Que o bebê diz mal, quando falar tenta.

     Mas antes da palavra vem o grito
     E o choro da criança; a mãe atenta,
     A esse ente suscetível e expedito,
     Dá seu remédio, sopa ou amamenta.

     Aspira a ver o filho com saúde,
     Supõe que seu aspecto logo mude,
     Sempre lhe verifica a altura e o peso.

     O minúsculo infante cresce tanto...
     Talvez seja, após décadas, talento
     E a mãe terá o afeto ou o desprezo!...




72
Moradia fechada
                Vicente Marcolino Rosa

Naquela rua larga em que transito,
Existe a casa azul de brancas telhas,
Atrás do jardim simples e bonito,
Onde gosto de ver rosas vermelhas

Que expandem seu olor e já foi dito
Que naquele universo das abelhas,
Hoje não há presença, nem o grito,
De beija-flores: eram dez parelhas.

Em verdade, o que agora a mim espanta,
É não ver a cabocla que não usa
Chapéu de proteção para aguar planta.

Minha cansada mente está confusa...
Se ela mudou, não há ser que garanta,
Mas, vejo no varal a sua blusa!...




                                         73
Na fronteira
                     Vicente Marcolino Rosa

     Sairei de madrugada e vai comigo
     A lembrança sutil que se incorpora
     A meu íntimo mesmo quando sigo
     Nesta jornada desde a bela aurora.

     Contra o abstrato jamais falo, nem brigo,
     Sou resignado, aquele que não chora,
     Refiro-me à saudade que é castigo,
     Fugirei dela sem muita demora,

     Quando eu beijar o chão que tanto quero.
     Longe, reverei quem não possui praias;
     Estarei no espaço álacre ou austero...

     Desejo ouvir guarânias da fronteira
     E ainda vou sambar com paraguaias
     Lá em Ponta Porã, que é brasileira!




74
Vítima da soledade
                Vicente Marcolino Rosa

Ignoras o prazer que vem da vida!...
Evitas dialogar com os amigos
E gostas de lembrar fatos antigos;
Tanatófilo, queres ser suicida.

O ser humano afronta seus perigos
Para que vença obstáculo e progrida,
Não deixa os ideais, nem foge da lida,
Se assim não for, irá seguir mendigos.

Não buscas arte em teu mundo restrito,
Nem miras o horizonte após o campo
E contra a humanidade tens o grito.

Vives acabrunhado há longe data,
És noctívago, imitas pirilampo,
Consideram-te mero psicopata.




                                         75
O Inventário
                      Emilia Goulart dos Santos

        Em uma recente manhã do mês de julho, quando se aproximava meu
aniversário, estimei a perspectiva de vida para minha geração. Hoje ganhamos
alguns anos, mas, quando nasci, certamente as apostas seriam de que, se
não ocorresse nenhum infortúnio, eu viveria até os setenta anos, expectativa
boa para aquele 21 de julho.
        Porém, naquela recente manhã, olhei-me no espelho e senti que era
hora de fazer um testamento. Dispor em papel minhas últimas vontades.
        Pensei bem e cheguei à conclusão de que minha última vontade, com
toda certeza, é não morrer.
        Não quero ser cremada, nem enterrada tampouco jogada ao mar, não
me agrada a ideia de ser devorada por peixes e terminar na boca de alguém.
Então escrevi assim:
        “Como não quero morrer, mas, tenho a certeza de que a morte aconte-
cerá independente da minha vontade, os encarregados para darem sumiço no
meu corpo estão livres. Prometo não estar presente para dar palpites”.
        Pensei bem outra vez, olhei para o texto e novamente no espelho.
Não... Não era nada disso que eu queria escrever. Eu, na verdade, queria era
fazer o meu inventário.
        Agora sim, ia fazer o certo, do modo que eu queria.
        “A quem possa interessar deixo minhas máquinas de costura, não para
minhas filhas, elas já são atarefadas demais”.
        Meus livros deixá-los-ia para meu filho mais velho, ele gosta muito de
ler. Mas, não faz sentido, não há nada na minha humilde biblioteca que ele não
tenha lido, antes mesmo de mim.
        Meus poucos e velhos móveis. Quem os quer? Se nem eu os aguento
mais.
        Poucos bens, bem poucos, mas e se esta não for a vontade do meu
marido, afinal somos casados com comunhão de bens. Vou perguntar.

  76
Acordo o coitado que dorme em frente à televisão. E ele assustado
pergunta:
       — O quê... O que houve?
       — Nada, bem. Apenas gostaria que lesse isto aqui e me dissesse o
que gostaria que fosse feito com nossos bens quando partirmos.
       Ele rapidamente respondeu:
       — Eu deixo tudo o que a vida me ensinou e tudo que a estúpida igno-
rância não me permitiu conquistar. Acho que será o suficiente para que vivam
tranquilos o resto de suas vidas.
       Rasguei a folha do inventário e escrevi com letras bem grandes:
       “Filhos, o que temos para deixar a vocês é o que trouxemos quando
nos casamos. Amor muito amor”.
       Na parte relacionada ao testamento escrevi:
       “Nossa ultima vontade é que sejam felizes e unidos para sempre”.




                                                                       77
Cadelinha
                      Emilia Goulart dos Santos

        Foi numa manhã até bonita, que a cadelinha sumiu.
        Amigos, parentes, vizinhos foram avisados e empenhados a se organi-
zaram na busca. Fizeram cartazes, colocaram anúncios no jornal. Faltava uma
foto, mas, esta ninguém possuía para auxiliar na procura. Apenas um dado foi
registrado além da cor, altura e idade aproximada. Era dócil.
        Sempre que a família se preparava para uma foto, ela desaparecia, ia
beber água, raspar uma vasilha... Uma foto ajudaria, mas ela nunca ocupou
lugar nas fotos da família. As referências sobre ela eram mínimas. Quando
Zeca a encontrou ela era bem novinha, perambulava pelas avenidas, estava
suja e parecia faminta. Ninguém nunca a procurou. Marcas da sua curta vida,
já eram indicadoras do seu fim.
        As semanas foram passando, e quase não se falava mais no seu de-
saparecimento. A princípio pensaram em sequestro. Mas com qual objetivo
sequestrariam a cadelinha? Ela valia muito pouco, na verdade, se perguntas-
sem, quanto? Alguns diriam que ela não valia nada.
        — Pobre cadelinha, por onde andará?—perguntou Maroca, já saudo-
sa da sua companheirinha. Agora quem comerá as aparas de bolo e limpará
os respingos de recheio do chão?
        — Não vem não, você foi a primeira a escorraçar a coitada. —falou
o Teodoro.
        — Ora, isso foi quando o Zeca a recolheu da rua.
        — Por pena, mamãe, mas você não queria entender. Só faltou exigir o
pedigree da coitada.
        — A culpa foi da sua irmã Zeca, que falou... — a mãe foi interrompida
pela filha.
        — Falei mesmo, falei que ela ia encher esta casa de cadelinhas como
ela. Depois me arrependi.
        A vizinha que participava daquele “disse me disse¨, soltou:

  78
— Taí, agora está explicado.
        — Não se meta Dora, que este assunto não é seu. Eu tratava muito
bem a cadelinha e até via nela boas qualidades; silenciosa, seus passos eram
leves, nunca estragou uma peça de roupa e festejava cada visitante como se
fosse velho conhecido seu. Certo que de alguns ela se escondia.
        — Pobre cadelinha por onde andará?—suspirou Maroca.
         Todo lugar foi rigorosamente vasculhado e nada, nem sinal.
        — Simplesmente ela resolveu abandoná-los. — disse o guarda da
rua, que a conhecia muito bem. — É assim mesmo, há ingratidão em toda
criatura. A cadelinha já estava acostumada na rua, logo vi, ela não ia se acos-
tumar. Até que demorou.
        — Que absurdo, a cadelinha era muito meiga e quando mostrava os
dentes, era a coisa mais linda.
        — Foi isso então, alguém que se apaixonou pelo sorriso dela a levou.
— disse o Teodoro, já cansado daquela conversa.
        Dias depois quando tudo parecia esquecido, o jornal noticiava. “Cade-
linha desaparecida pode ser a mesma que está no hospital”.
        Todos correram para lá, e voltaram indignados, decepcionados.
        Nem mesmo queriam falar sobre o encontro, o que gerou suspeita.
        Comentários se espalharam:
        — Cadelinha foi dar sua cria longe, sabia que não iriam aceitá-la mais.
Foram lá, mas, não a trouxeram para casa.
        — Claro, se uma cadelinha incomoda, imaginem duas ou três.
        O comentário trouxe desconforto para a família que não podia mais sair
nem no portão sem que viessem as críticas e gozações:
        — Bom dia D. Maroca, tem notícias das netinhas? — perguntava o
guarda num tom de pilhéria.
        Um dia, de uma clínica veterinária, uma pessoa ligou:
        — Tem uma cadelinha aqui, quem sabe?
        Maroca nem deixou a pessoa terminar e furiosa, desligou o telefone.
Teceu suas considerações e chegou à seguinte conclusão.
        — Melhor pararmos a busca e esquecermos este assunto. Daqui a
                                                                         79
pouco encontram esta ordinariazinha morta e vão pensar logo em nós.
       — Que tristeza, nem caridade podemos fazer nos dias de hoje.
       — Você nunca gostou de fazer caridade, você simplesmente não gosta
de perder o que julga ser seu.
       — Teodoro, será que você nunca vai me compreender?
       Mais um dia, e outro telefonema:
       — Estou ligando para avisar que estou bem, amo vocês.
       Todas as manhãs, passeio com os cachorros, dou banho em alguns, e
com muito carinho cuido deles. Sou cuidadora de cães. Estou no lugar certo...
um pet shopping. Aqui, todos me chamam de Janice.


                   Estranho e Delicado
                      Emilia Goulart dos Santos

        Um pequenino ser, estranho e assustador, a princípio causou-me asco,
depois uma curiosidade. Na tentativa de decifrar aquela coisa, aproximei-me,
apesar do receio. Porém, a coisa enrolada e peluda, fugiu em desabalada
carreira.
        Fui bem esperta, alcançando aquela rara espécie de não sei o quê. Não
tive coragem para tocá-la. Encurralada, assustada, mas, disposta a defender-
se até a morte. Os olhos enormes em uma criatura tão pequena pareciam
implorar por piedade.
        Aproximei-me e a coisa assustada recuou. Não a toquei, ela estava tão
indefesa, que tocá-la recairia sobre mim alguma maldição, pensei:
        — Como será a maldição da coisa? Rastejar ou flutuar por aí a deriva,
como pluma solta de alguma ave?
        Em um segundo a perdi de vista, nem me atrevi a causar-lhe a morte.
Aproveitando daquele momento de indecisão, refugiou-se sob a penteadeira,
onde pude alcançá-la, e para minha surpresa, a coisa, era uma pena desgar-
rada tentando alçar um vôo impossível.
        Que pena!
  80
O caso do padre
                       Emilia Goulart dos Santos

        O caso que o padre nos contou foi de arrepiar, hoje sei que ele queria
apenas nos fazer acreditar que o inferno e purgatório de fato existem. Mas o
que nos passou foi a ideia de que espíritos voltavam e isto fugia do que aca-
bávamos de aprender.
        È triste quando o caso contado foge da lógica pré-determinada. Crian-
ças viajam, o melhor é que as informações sejam bem claras.
        O sobrenatural povoa suas mentes sem nenhum esforço. Depois o que
fica na memória não desaparece tão facilmente. O que nos foi ensinado como
certo, já não nos parece tão certo.
        O padre era um bom padre, mas nos aterrorizava com seus casos.
Seus discursos eram longos e ricos em detalhes.
        Éramos apenas crianças que se preparavam para a vida religiosa.
        Os dez mandamentos estavam na ponta da língua, já sabíamos todos
os atos que nos preparam da confissão à comunhão. Restava algum tempo
até o dia da Primeira Comunhão e ele se empenhava para nos manter longe
dos pecados que rodeiam os jovens, ilustrando o paraíso, o inferno e o purga-
tório. Dante Alighieri perdia para o padre em requinte e ousadia.
        Certo dia ele contou-nos o seguinte caso.
        Dois estudantes, muito amigos, vieram do interior para a capital a fim
de estudarem e trabalharem. Inseparáveis, mas cada qual tinha seu modo de
vida. Um religioso demais o outro farrista, gostava de aproveitar a vida e errava
nas doses, mentia para os pais, pois seu dinheiro nunca era suficiente.
        O jovem religioso observava os ensinamentos cristãos. —Exaltado o
padre repetia com ênfase: — Seguia os ensinamentos cristãos!
        Enquanto um estudava fazendo jus à confiança dos pais, o outro, bem,
farreava e escarnecia do colega dizendo que ele não passava de um tolo e
quando outro mencionava o inferno ou purgatório, ele se consumia em gar-
galhadas. Até que uma noite, ao voltar para o quarto que dividiam, ele não

                                                                           81
voltou.
        As horas se passaram, o amigo acordava, rezava e voltava a dormir, es-
tava inquieto e angustiado, o amigo deveria ter voltado. Apesar das diferenças,
ele queria bem ao amigo e estava preocupado.
        De repente o vento escancarou a janela e para dentro salta o amigo
em chamas.
        Desesperado ele joga sobre o outro um cobertor para apagar o foga-
réu, o cobertor caiu no vazio e ele ouviu a voz do amigo a implorar:
        — O inferno existe, reze para que eu vá para o purgatório, você disse
que lá ainda se tem uma chance.
        Por estar embriagado o rapaz acabara atropelado e morto.
        O padre era maluco, mas até hoje eu tenho comigo que o inferno e o
purgatório existem.




  82
Frutos do Século XX
              Emilia Goulart dos Santos

Pisaram a lua
Transplantaram corações
Vulgarizaram o amor
Comeram o sexo

Dançaram o lago,
Contaminaram a água,
Beberam o carro.
Fumaram maconha,
Poluíram o ar.
Cheiraram o pó,
Entupiram o nariz.
Contrataram o crack.

Roubaram do próximo,
Sequestraram os irmãos,
Abortaram os filhos.
Mataram os pais,
Gastaram a liberdade.
Lotaram as prisões, e agora Mané?




                                          83
Medo
                   Elaine Cristina de Alencar

     Eu tenho medo:
     Da solidão,
     Da ausência que se instalou,
     Da incompreensão dos atos falhos,
     Da falta do sorriso no rosto,
     Da dor latente que invade meu peito,
     Da minha falta de coragem de dizer ao
     meu coração que tudo acabou,
     Da minha insensatez como mulher,
     Da falta das palavras trocadas,
     Da falta da troca de energia,
     Da falsidade e da mentira,
     De não saber me recompor,
     De perder a calma e fazer besteira
     De sonhar alto e cair das nuvens,
     De pensar na tua sordidez,
     Enfim...
     Do medo de ter medo!




84
Noite fria
                      Elaine Cristina de Alencar

      Uma triste noite...
      Fria, enevoada, cinza...
      Sinto o breu me absorver,
      Meus músculos retesam e contraem...
      O pensamento vagueia e busca uma forma de aquecer,
      A alma flutua no espaço da memória e recorda os bons momentos,
      De um café com conhaque no início da Avenida Paulista...
      O borbulhar da névoa solta pela boca, mostrando que o frio a pino seria
o nosso companheiro pela madrugada a fora...
      Um violão, muitas vozes...
      Pessoas ilustres, andarilhos da madrugada,
      Tempo de aguçar a sagacidade da juventude.
      Olhos embotados em lágrimas...
      Estimulam a dor da saudade,
      Corrompem os laços da idade e se movem ao passado,
      Trazendo enfim o saudosismo dos tempos de outrora,
      Dos amigos idos, perdidos pelo mundo todo.
      Gente que faz falta, mas que preenchem um momento necessário.
      No tempo do crescimento o mesmo frio traduz a vontade de um ombro
amigo para aquecer...
      Lembranças fortes, coisas boas, guardadas no baú da memória...
      E neste frio,
      Meus músculos retesam e contraem...




                                                                        85
Lamento
                    Elaine Cristina de Alencar

     O lamento me corrói a alma,
     Me escraviza na sensação de perda e abandono.
     Quisera pode identificar tal sentimento como espúria,
     Alojá-lo no mais profundo âmago e lá deixá-lo expurgar.
     Romper as amarras do meu peito,
     Que teima em explodir em sentimentos,
     Identificar todas os enlaces, soltá-los um a um e dar-lhes nova vida!
     Saber que o novo sempre vem...
     Pra nos preparar para o caminho.
     Que por mais as dores tardias são somente aprendizado.
     Servem para o crescimento diário e assim
     Tornam-se mais fortes, em cor, graça, revelação.
     Para que no final de tudo nos engrandeça
     Em possantes e maduras manifestações de paz e aconchego.




86
Não tive tempo
              Elaine Cristina de Alencar

Não tive tempo pra entender...
Quando vi, já era tarde...
Estava entregue as suas artimanhas.
Não tive tempo pra pensar...
No que poderia acontecer,
Em um pedido fútil,
Que se tornou realidade.
Não tive tempo de discernir...
Meu “eu” invadido de algo fugaz,
Corrompeu-me as amarras internas,
Trouxe um alento envolto em palavras doces.
Não tive tempo de distinguir...
As palavras, dos toques, da sensação...
De ter chegado ao limite,
Sem mesmo ter exagerado.
Não tive tempo de distinguir...
Sua fala, de suas atitudes adversas,
Mas de certa forma envolventes e intrigantes.
Não tive tempo de advertir...
Minha índole não sabe ser cordeirinho,
Ela é adversa e satisfaz a curiosidade...
Não tive tempo de reagir...
Meus pensamentos transgrediram minh’alma,
Deixaram-me sem ação, de dizer ‘não’
Pro meu coração.
Não tive tempo de corrigir...
As atitudes imperiosas,
Das palavras impostas,

                                                87
De um processo enraizado.
     Não tive tempo de impedir...
     Que as palavras entoadas,
     De uma dor passada.
     Viesse à tona e mostrasse o medo.
     Ah... Não tive tempo de conter...
     Quando vi meus lábios estavam nos teus,
     A imagem se fez presente em minha memória.
     E o teu sabor enfim, ficou em mim.


                              A Lua
                   Elaine Cristina de Alencar

     O esplendor do seu brilho transparece a minh’alma...
     Clareia e ofusca meu olhar desnudo...
     Deflora meu sorriso ao máximo,
     Aprisiona-me os olhos em direção certeira
      ao centro de sua luminosidade prateada...
     Ofusca-me,
     Embriaga-me,
     Revela-me,
     Transmita-me o seu grande astral de paz e
     Deixa-me viver eternamente resguardada,
     Dentro de sua clarividência,
     Que me conduz em sonhos ao auge!




88
Raiva
                       Elaine Cristina de Alencar

       Neste momento, eu queria ter superpoderes.
       Queria poder saber voar, para chegar mais rápido ao meu destino.
       Que tal um tele transporte?
       Uma viagem na imaginação, através do "pirlipimpim" da Emília.
       Um estalo de dedo e olha eu ali, defronte do necessário...
       Ah, imaginação não me falta.
       Vontade então? Vixeeee!
       Se eu tivesse mesmo estes tais super-poderes, ninguém se atreveria
comigo, nem com meus amigos.
       Atrevimento é o que mais tem, neste mundão de meu Deus.
       Aiiii, mas que eu queria, queria, chegar até defronte da tua face e sentir
o seu coração pular pela boca.
       Ah! Como eu queria!
       O coração palpitar de tanto medo.
       Ver o seu corpo todo tremer como geléia e se esfacelar no chão.
       É... imaginação, me leve e me deixe leve!
       Assim mesmo, criando na mente o momento, eu posso extravasar
meus sentimentos contrários...
       Abastecer minha mente de super poderes pra poder eliminar este sen-
timento.
       Quem dera mesmo eu pudesse...
       Ai... ai...ai...ai...ai...
       Mas na intrínseca vontade me resta somente manter na memória o
caso, pra na hora certa poder verter em fatos a cobiça.




                                                                           89
Nós, nunca a sós
                           Marisa Gomes

     Seus olhos sempre carinhosos acompanhados da voz acalentadora
     São essas as lembranças que tenho de você
     Sei que mudei o rumo da vida
     Que não sou mais a neném de casa
     Afinal saí de lá.
     Mas aqui estou, lembrando nossas risadas
     Eu e você sempre juntas, no mercado, na escola
     Assistindo TV até tarde do dia...
     Emendando a noite com o dia
     E das conversas e dos conselhos

     Da sua falta chego a pensar que não vale a pena tentar
     Mas vejo que é por você que estou tentando ser feliz
     Aprendi com você a nunca desistir,
     Persistir é essa a lição que tiro de você

     Essa nova vida é dura
     Sem você, o dia se torna menos colorido
     Não sei o que se passa no seu dia e isso me incomoda
     Não ser mais a pessoa a quem você confessa seus medos antes de dormir
     Não repartir com você o último bis da caixinha é muito triste
     Mas da distância que for, você e eu
     Nós, Juntas
     Sempre seremos
     Filha e Mãe
     Mãe e Filha
     Também “tiadoro” e “tiamo” MUITO!


90
Você é pra mim
                      Marisa Gomes

Sinto sua falta em cada momento
Sinto, tento não sentir, mas lamento!
Sinto tanto que me incomoda
Não sei decifrar o que sinto

Se estou na rua, procuro seu rosto,
Pra fazer meu gosto, olho uma foto sua
Mato a saudade que teima ficar em meu peito
Mas deito nos murmúrios dos meus pensamentos quando não te ouço

Decifrar o que sinto é tão difícil!
Sei que apenas sinto, acho que é amor ou carinho
Mas carinho é sentimento ou expressão de sentimento?
Meu querido, eu quero te dizer que você é muito importante pra mim

Você é meu amigo? Meu namorado? Meu amante?
Não consigo dar significado, rotular o que sinto por você
Apenas quero sentir, e agradecer o fato de que você existe,
Pois apenas a sua existência dá sentido à minha vida sem graça

Te admiro, te adoro. Será que te amo?
Será que também pensa assim como eu?
Só quero que saiba que te quero bem, meu bem!
E que seja eterno enquanto dure o que sentimos!




                                                                 91
No Mundo da Imaginação
                    Mariluci Braz Gomes Correia

        Era uma noite chuvosa. Todos saíram.
        Ficara sozinha. O telefone toca. Alguém do outro lado da linha diz:
        - Você está só? Esperei tanto por este momento...
        A voz parecia meio afeminada, mas ficara em dúvida.
        - Sim, quer dizer, não. Meu marido dorme.
        Mentiu. Estava só. Corre-lhe um calafrio pela espinha. Lembrara do
que sempre dizia às filhas se alguém lhes fizesse tal pergunta. A voz insiste:
        - Você mente, sei que está sozinha. Vi a hora em que todos saíram.
        Ela fica em pânico. Pensa em tudo de ruim. Vem a sua mente imagens
daquele filme horrível. Imagina que viveria situação parecida. Pensa até que
alguém já está dentro de sua casa e liga de um telefone celular. As pernas
falham, não as sente mais. Não consegue mais sair do lugar. Tenta disfarçar o
medo, e num esforço subumano...
        - Sim, todos, menos meu marido que está meio adoentado.
        - Mentirosa, ele foi o primeiro a sair. Eu vi.
        Ela não consegue mais falar. Desliga o telefone. Ele toca de novo. Não
atende. Toca o celular. Não atende. Toca o outro telefone. Não atende. De
repente, todos tocam ao mesmo tempo, os três. Ela já não consegue mais se
mover. Seria seu fim? Morreria?!
        Começam a passar em sua mente cenas de sua vida. Momentos bons,
ruins, momentos de desespero, de angústia, de perda, de paixão, de felicida-
de, de muita tristeza...Já não estava mais ali, na poltrona. Viajava no mundo
da imaginação. Não sofria mais. Relembrava cenas de sua vida morna. Pen-
sava em tudo que poderia ter feito e não fez, tudo que poderia ter sido – e
não foi. Por medo, covardia... Em o quanto poderia ter sido feliz.... Quanta
vez renunciava a vida para satisfazer caprichos de outras pessoas, para não
desestruturar seu lar, para fazer os outros felizes. Não conhecia nada ainda.
Nem o mar. Apesar de corajosa, valente, “independente”, era submissa, como

  92
toda mulher. Teria valido a pena a sua vida? Por que teve tanto medo de ser
feliz? Mas... Agora era tarde demais.
        Alguém lhe toca os ombros. Ela olha.
        - Meu Senhor!!!


                 Um gênero textual
              no contexto de produção
                    Mariluci Braz Gomes Correia

        O texto é sempre o mesmo. As leituras é que são diferentes. Cada um
lê com seus próprios olhos.
        Há um gênero textual que demoramos uma vida para produzi-lo e
quando o terminamos não há mais tempo para refacção. Como corrigi-lo a
tempo?
        A vida é uma escola, como já sabemos. É um texto em construção que
precisa ser refeito a cada dia, a cada fase, mas corrigir esses parágrafos só
cabe a nós mesmos, com o discernimento que o Mestre nos deu.
        A introdução desse texto maior, nossa passagem pela Terra, somente
ela não está a nosso cargo, pois os nossos coautores, nossos pais, estão en-
carregados de fazê-la. Se esse “início” não for bem elaborado, fica complicado
o desenvolvimento dos outros parágrafos, das outras fases, pois o alicerce
ficou abalado.
        No entanto, nem tudo está perdido. Enquanto a vida pulsa, a sequên-
cia textual pode ser corrigida. Há muitas possibilidades de “apagar” o erro,
de refazê-lo, retornar, não podemos desistir ou persistir no erro, perdendo a
oportunidade de correção dos contextos sociointeracionais. É só “mexer” na
introdução, mas com muita cautela, sem mudar a idéia. Geralmente, nesses
casos faz-se necessário a ajuda de um especialista e aceitar a injunção.
        Durante o desenvolvimento desse texto, que ora é uma crônica, ora é
um poema, ora é um conto, ora memórias e noutras um texto de opinião, não

                                                                         93
podemos nos esquecer das sequências discursivas que se misturam e dão o
elo - como um arco-íris no infinito, colorindo ainda mais as nossas vidas, idas
e vindas como as ondas que vão e vêm, mas que, dependendo da ressaca,
elas só vão.
        Temos que ter muito cuidado com a coerência desses parágrafos lon-
gos, pois não é fácil, requer muita atenção, pode produzir ambigüidade, aí vem
a tal da depressão.
         Mas, nem tudo se complica, há momentos emocionantes e gratifican-
tes, só que tudo depende da intenção de interagir, de inspirar-se. Temos que
perceber que nunca estamos sós, há sempre alguém a nos observar, é só
silenciar e ouvi-lo. Ele está dentro de nós.
        Também temos os amigos que vamos conquistando no decorrer da
escritura para nos inspirar. Não podemos perder o foco, é necessário con-
textualizar e garantir a textualidade, pois enquanto houver vida há tempo de
correção, de familiarizarmos com a famigerada deprê, refazer, a amarrar as
idéias, dar coesão aos parágrafos.
        Contudo, há momentos em que nos faltam forças para tanta releitura,
então ficamos inertes e deixamos o barco correr, o texto circular com proble-
mas. Aproveitemos as chances de revisão. Há um momento em que também
não nos cabe: a tal da conclusão, que de repente pode acontecer, não sendo
a hora oportuna. Nesse caso, o Coautor Maior entra e o que foi feito e refeito
é visto e revisto, lido e relido em nosso texto maior, mas já sem chance de
correção, tem que ser concluído esse gênero textual. É chegada a hora de
terminar essa grande obra e esperar pela nota do Mestre, pois é o final da
escrituração.
         A obra está concluída, a não ser que nos seja dada, um dia, em algum
lugar do futuro, outra oportunidade de produção, mas num outro contexto ou
numa outra comunidade discursiva.




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Livro Experimentânea 9
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Livro Experimentânea 9

  • 1.
  • 2.
  • 3. 9 Marianice Paupitz Nucera e Wanilda Borghi (org.s) Grupo Experimental Academia Araçatubense de Letras
  • 4. Capa: Wanilda Borghi “A Fisgada” – 2011 Colagem sobre lápis de cor Revisão: Marilurdes Martins Campezi Coordenadora do Grupo Experimental (GE) Presidente da Academia Araçatubense de Letras (AAL) Maria Aparecida de Godoy Baracat Mentor do Grupo Experimental: Hélio Consolaro - 1999 Secretário Municipal de Cultura de Araçatuba - SP Criação da Logomarca GE: Wanilda Maria Meira Costa Borghi - 2009 Representante do GE no CMPCA Projeto e Editoração Gráfica: Arlen Pontes CTP e Impressão: Editora Somos 869.0(81)-1 Experimentânia 9: Grupo Experimental - 2011 E96 Academia Araçatubense de Letras / Wanilda Maria M. C. Borghi; Marianice Paupitz Nucera (orgs.) - Araçatuba: Somos, 2011. 128 p. ISBN: 978-85-60886-36-4 1. Literatura brasileira 2. Poemas 3.Poesia 4. Poemas e poesias – coletânea 5. Crônicas 6. Sonetos I.Título II. Academia Araçatubense de Letras III. Borghi, Wanilda Maria M. C. (org.) IV. Nucera, Marianice Paupitz (org.) Ficha Catalográfica elaborada por Meiri Dalva V. de Moraes CRB8 6574/0-2
  • 5. Índice Prefácio .........................................................................................................7 Wanilda Maria Meira Costa Borghi...................................................................9 Marianice Paupitz Nucera .............................................................................16 Isabel Moura ................................................................................................23 Carmem Silvia da Costa ................................................................................29 Manuela Sant’ana Trujilio ..............................................................................35 Ana de Almeida dos Santos Zaher .................................................................41 José Hamilton da Costa Brito ........................................................................48 Maria Rosa Dias ...........................................................................................55 Antenor Rosalino ..........................................................................................63 Vicente Marcolino Rosa.................................................................................70 Emilia Goulart dos Santos .............................................................................76 Elaine Cristina Alencar ..................................................................................84 Marisa Gomes Correia ..................................................................................90 Mariluci Braz Gomes Correia .........................................................................92 Aristheu Alves.............................................................................................100 Anizio Canola .............................................................................................103 Heitor Henrique Ribeiro Gomes....................................................................110 Beatriz Ferreira do Nascimento ...................................................................121 Logomarca do GE .......................................................................................127 5
  • 6.
  • 7. Prefácio Nas Veredas Literárias Predestinado a contribuir Na preservação da Língua Pátria -num átimo de inspiração sublimada O Grupo Experimental foi criado. Idealizado sob o signo da cultura plena Fomenta iniciativas altruísticas, Visando a aprimoramentos Na promoção de novos talentos. Traz à luz como por encanto, Pretéritas lembranças de imortais pensadores, E engenhosos exemplos são seguidos Impulsionando os rebentos! Os integrantes do Grupo criam ideias Nas veredas literárias Prescrevendo a vida breve Intercalando o abstrato! São seres que evocam luzes - entre o chão e as estrelas Pela literatura transcendente E poesias que lhes acenam. Antenor Rosalino 7
  • 8.
  • 9. Por que escrevo? Wanilda Borghi - 2011 Porque o papel é amigo, o papel é ouvido, o papel é espelho. Confidente. Receptor. Reflexivo. Como num coral, abre meu texto em muitas vozes que ecoam. Por isso saio de perto. Escritor Wanilda Borghi - 2003 Lápis e papel. Na mão, o que lhe vai à alma. O coração retratado, sentimento dividido, Amargura amaciada, e a sensação bipartida De se estar acompanhada! Escrever. Ato solitário amansador. Somos todos, qual galinho, No alto do campanário. Expostos. Ao lado do para-raios. Interiorizados. Externando sentimentos Compassados. Que vão e vêm com o vento! Aos quatro cantos. Cardeais. Pontos. Vigários por toda parte. Casamentos sólidos desfeitos. E a sensação permanece. Canetas: à prece! 9
  • 10. Creche Wanilda Borghi - 2005 Cresce a alma quando checa a calma Que emana do servir e clama o crepitar da chama Que faz o bem e esquece Creche, creche Próximo à lagoa, em Assis, o brejo seco reclama Mexe, mexe Agite o lodo Turve a água Esvazie o engodo Depois... debalde o rodo, a calmaria, A translucidez, o raiar de um novo dia Que aclara a idéia Santa. 10
  • 11. Pastoral da criança Wanilda Borghi - 2005 Guardadora do rebanho infantil Organização Não Governamental Entidade sem fins lucrativos: Terceiro Setor. A pastorar o amor eterno ao desnutrido: Assistência pré-natal Catequese do ventre materno Aleitamento carinhoso e terno. Trabalho eficiente reanimador. Multimistura. Farelo: carro-chefe regional: rama de batata, folha de beterraba seca, cenoura, casca de ovo triturada..... Complemento alimentar! Pastoral da Criança. Espiral da esperança de um dia poder contar com a aliança de outros voluntários: Estudantes ou profissionais Que levem saúde bucal à infância! Ajudem a motivar! (Esta poesia foi ofertada à Dra. Zilda Arns, por uma amiga comum: Alessandra de Lima, para quem fiz esta epígrafe, publicada em sua Dissertação de Mestrado). 11
  • 12. bem-Te-quero Wanilda Borghi - 2007 bem-Te-quero é um grupo muito amigo de Jesus. bem-Te-quero é sincero, pois a bíblia o conduz! Justiça, justiça! É o que, bem-Te quero, quer. bem-Te quero é um membro da Associação Jessé. O jejum de bem-Te-quero é todo dia vinte e sete. bem-Te-quero não quer dores: ora pelos investigadores. Silêncio! Um momento! O grupo é de crescimento. E o grupo tem um ideal: é a Polícia federal. Fubá, fubá! bem-Te-quero quer doar. E roupas decentes para todos os carentes. bem-Te-quero é uma família, unida e risonha, onde tudo começou com a Cleida e a Sonia. Tanta gente tão bonita compõe bem-Te-quero: Adriana, Anísia, Rodrigo, Ariele, Edna, Farlene, Jaqueline, Lucilene, Ivanilda, Wanilda, Sandra, Silvana, Rosa, Romicarla, Michele, Daniela, Osvaldo, Mara, Márcio, Elisângela, Leda, Juliana... na casa da Maria. bem-Te-quero, bem-Te-quero, o bem que brota do coração. bem-Te-quero, bem-Te-quero, vê o mundo como irmão. (“bem-Te-quero”: música composta - com pseudônimo -, para o Grupo de Crescimento Cristão “Aos Olhos do Pai”). 12
  • 13. Na tela Wanilda Borghi - 2007 desenho de Wanilda Borghi 13
  • 14. Apelo Wanilda Borghi - 2005 Eu bato na porta do seu coração, Que só se abre por dentro. Aqui fora está bem frio, E não tem nenhum assento. Tenho sede, quero entrar. Quero te ver por inteiro. Solucionar tua dor, Amar-te por um momento, Até ver que se esgotou Todo e qualquer argumento. Futuro Wanilda Borghi - 2005/2011 Eu sempre corro, corro, corro E não consigo te alcançar! Quando chego bem pertinho, Já estás noutro lugar. Mas correndo tropecei E vi a paz, antes latente: O que me espera, o que me vem, Tenho certeza, é para o bem! E o futuro? Já chegou: Ele se chama Presente. 14
  • 15. Torre de Pizza Wanilda Borghi Veio da Itália, o meu amor Em busca de uma vida bem melhor Muita arte, fé e empolgação Trouxe pra enxugar o seu suor. Povo tão intenso aquele seu Onde bota o pé, bota emoção Tanta discussão, zero rancor, Tanta união e tanto amor (fraterno) O pai, provedor, Os filhos, bem juntinhos, (parece carrapatinho) Tanta alegria, tanta comunicação (parla com a mão, parla com a mão) A culinária, tão cheia de tradição E a pizza que veio vitoriosa, Pra acalmar a confusão. refrão: Na família italiana, A palavra final é da mamma, Que pra ver o aconchego do ninho, Serve a massa regada a vinho. Bota tomate, manjericão, O molho é feito no calor da emoção. Bota tomate, manjericão, E, como Nero, bota fogo no salão. (Quanta! É uma torre de pizza!) “Torre de Pizza”, concorreu ao samba-enredo oficial do Carnavaval 2011: “Mamma mia! Tudo acaba em pizza!” 15
  • 16. Chuva de Prata Marianice Paupitz Nucera A chuva banhou o sol Que na manhã ia nascendo. A tarde não tardaria... Como a ostra esconde a pérola, a nuvem negra escondia dentro dela sem agonia pingos de prata certeiros. Almas caídas, carentes! O estampido da bala era o grito do insano que com voz rouca gritava : Olha a chuva! Olha a chuva! Poesia inspirada no genocídio do Rio de Janeiro: Realengo – 2011. 16
  • 17. O Ermitão Marianice Paupitz Nucera Certa vez um jornalista chegou a um vilarejo e soube que um bem su- cedido comerciante, havia se mudado da cidade deixando família e quase toda sua economia; saíra de casa apenas com a roupa do corpo e algum dinheiro para comprar um pequeno sítio, onde dali em diante passaria a morar. O jornalista, que estava à procura de peculiaridades, quis saber mais: por que um homem bem situado na vida toma uma atitude desta? O comentário da pequena cidade, é que ele tinha tido uma decepção com algum fato ocorrido dentro de sua família tão bem constituída, mas nada era muito bem explicado. O que se sabia é que o nosso amigo alimentava-se do que plantava, tomava banho em uma cachoeira e vivia numa solidão total, apenas com um cachorrinho vira-lata que havia encontrado no abandono. A casa do pequeno sítio era bem modesta, flores do campo a seu redor ,um coqueiro e várias outras árvores frutíferas. Toda tarde o nosso amigo se achegava junto a um rádio e ouvia a programação todinha até a hora de dormir. Durante o dia, a partir do primeiro raio solar, ele cuidava da plantação de onde tirava o seu sustento. O jornalista chegou até o sítio do ermitão e lhe faz várias perguntas: por que uma atitude tão radical? Por que largar um lar todo estruturado e se embrenhar em um lugar senão deserto, mas desprovido de todo e qualquer conforto ao qual ele estava acostumado? O nosso comerciante olha bem fixamente ao entrevistador e, após uma pitada, diz: _ Meu caro amigo, vou lhe contar mais ou menos o que aconteceu: Sou ou fui muito correto em todas as minhas atitudes, sempre visava ao bem estar de minha mulher, filhos e agregados. Um dia, quando aconteceu o casamento da filha de um amigo, eu percebi que o padre celebrante; olhava muito para mim e minha mulher, além 17
  • 18. de estar falando muito naquela cerimônia.Então, bem baixinho, eu disse a minha cara companheira: _ Como este padre olha prá gente, principalmente prá mim! Será que ele está querendo me dizer alguma coisa? A mulher mui discretamente res- pondeu: _ Não se apoquente não, marido, ele é um padre muito legal! Há tem- pos atrás me confessei com ele. _ O quê? mulher ...que diabos você confessou? Para que ele me olha tanto? -Ah! Marido... Nada demais. Dali em diante, meu caro entrevistador, não tive mais sossego.A con- fiança que tinha em minha mulher acabou. Então para a desgraça não acon- tecer, resolvi me isolar. Entendeu? 18
  • 19. Herança Marianice PaupitzNucera Tu és sapateiro, ensina a teu filho o valor do couro, ele guardará um pedaço... Ourives tu és mostra a teu filho o brilho do ouro, ele deterá o pó Cortando o pano, ensina, alfaiate, a teu rebento o valor do tecido ele guardará o retalho O couro, o ouro, o retalho, relíquias que no atalho da vida que surpreende serão dos filhos trabalho mantenedor de teu sustento! 3ª colocada no Concurso “Osmair Zanardi” da Academia Araçatubense de Letras – 2010. 19
  • 20. Almas gêmeas Marianice Paupitz Nucera -Vá em busca das emoções perdidas no labirinto da sua vida! A frase ecoa no ar. É o vômito da esposa despejando todo o brejo alo- jado em seu âmago, onde adormecem sapos. Cansou da fraqueza humana, tanto dela, quanto do entediado cônjuge. O marido se faz de mouco, mergulhado no mar da depressão. Angustiada, a mulher apanha a bolsa. Coloca dentro dela alguma coi- sa. Sai a passos lentos. O pensamento cria asas e voa; logo, tenta uma aterrissagem, se não feliz, pelo menos tranquila. Sua alma se agita. Tem premonições. Sente a presença da morte. Está sendo seguida, mas não percebe. Sente-se flutuar. Houve a felicidade a dois, mas, um dia ela se foi, sem aviso prévio. Os filhos casaram, construíram família. E hoje, o lar é um ninho vazio. A dona de casa procura um lenitivo. Sua tez é séria; seus olhos, vidra- dos. Confere o conteúdo da bolsa. Na rua, crianças, adultos, idosos, todos num ritmo normal. De repente, um estampido, um grito de horror. Ela olha pra trás e vê o marido com os olhos esbugalhados, uma arma na mão, e, a alguns metros, uma criança estirada no solo. Seus olhos se dilatam, sua voz se embarga. Olha e não quer ver, mas, não tem jeito, vê um inocente atingido por uma bala perdida. Os olhares se encontram e cada um com sua dor e arma, atiram em seus próprios ouvidos. 20
  • 21. A Procura... ou... o encontro? Marianice Pauptiz Nucera Já não há esperança. Está na hora de perder a vaidade. Ela, Dona Ernestina foi envolvida por uma onda dolorida, desde o sumiço de seu único filho. Daquele dia em diante sua tez só foi tensão, seus lábios cerraram-se como porta de cofre do qual se perdeu o segredo, nunca mais se abriu. A senha para se ter o sorriso de volta seria seu filho, se aparecesse. Seus olhos tornaram-se leito de um rio seco. No primeiro momento chorou todas as lágrimas a que tinha direito. No instante seguinte, nenhum oásis, naquele olhar de um verde es- meralda , surgiu. Suas mãos se portam como gelatina: trêmulas desde o primeiro mo- mento do fato em si. Muitas vezes saiu a peregrinar por várias cidades, devido a telefone- mas, que depois concluíam-se serem trotes. Lá estava ela, o olhar perdido no infinito, os ouvidos à espera de uma noticia, seu corpo via –se agora, numa posição tétrica, esquelética, sempre em alerta. Desde quando seu rebento embrenhou-se pelo mundo, com catorze anos, hoje já foram mais cinco. O que aconteceu com sua criança? A que aventura se jogou? O filho, que nunca lhe dera uma gota de preocupação, de repente sumira galope. Depois de muita procura Dona Ernestina hibernou –se , como um urso.. Para ela tanto faz noite ou dia, chuva ou seca, sol ou lua, amor ou ódio. Ela está como uma baleia encalhada na beira da praia,que se a morte a levar sentir- se-á melhor.Quem sabe na outra dimensão encontrará seu tão 21
  • 22. querido filho! A noite mais uma vez surge, e o sono toma conta desta sofrida se- nhora, que, muito intimamente pensa:- pelo menos dormindo posso ver em sonhos meu doce fruto. Embalada pelo sono, seu espírito se afasta à procura de um lenitivo, quando de repente, lá no fim do túnel vê luzir a última estrela. A Revolta Marianice Paupitz Nucera Dei um tapa na hipocrisia Relutei contra a mentira Avancei sem medir a linha Enunciei um limite Agonizei no risco tênue da vida Mergulhei no mar do universo Vi da moeda o inverso Transfigurei minha vida Pensando numa tainha Cai numa teia infernal De aranhas arranjadas Que ali enferrujadas Cercavam a alma humana! 22
  • 23. Semente do amor e da perfeição Isabel Moura No campo do tempo Plantei a esperança Nasceu também a saudade Carregada de lembranças Reguei com as lágrimas Da fonte do coração Colhi a boa semente Do amor e da perfeição O amor é coisa sublime Seu preço incalculável Não se compara com ouro Nem prata reciclável Em tudo é bem perfeito A perfeita perfeição Tudo perfeito fez O Autor da perfeição. No colégio me ensinou O tempo bom professor Que o segredo do campo É a paciência do plantador A esperança nunca morre Estando no coração Sua sombra é um refúgio Contra o mal e a solidão 23
  • 24. O Conto Isabel Moura Contaram-me um conto. Contado pelo conde Cotobom. Que como o coturno do comandante Conopon, caberia no canto do comboio colombiano. Coube colocar naquele compartimento com os cuidados conseguidos. Coisas corriqueiras como: colar, colarinhos, colatex, sem contar a coca- cola de Conrado. Coitado: No continente consumiram com o Cóti. E culparam o Core companheiro do Corófu, que é colega do Conrado coronel Contudoé. Condoído, coreano complicou-se, confrangido cobriu-se na congelada correnteza do consumo da confusão. 24
  • 25. Vida esquecida Isabel Moura Na caatinga vai subindo Pote d’água na cabeça Nos espinhos pés ferindo Grita a alma: não desfaleça! O eco no mundo responde Salta no peito a esperança Ver o dia negrume esconde Ai ai e nada se alcança. Chão seco longa caminhada Rastros de sangue são escritos Nas linhas mal traçadas O destino de um pobre esquecido. 25
  • 26. Sentimento de um rejeitado Isabel Moura Menino de rua que vive a pedir Um pão para comer roupa para vestir Ninguém te escuta ninguém te vê Com frio e fome sem lugar para viver. Se rouba é ladrão, se pede é mendigo, Vagabundo, nojento, futuro bandido Na sujeira do lixo esperança chorou Pra morte da fome o gatilho falhou. Segue sem rumo na selva perdido Buscando o nada num sonho ferido Qual o sol, sua vida, o brilho perdeu Num garimpo de ouro em que só espinho nasceu. No chão da calçada, negro véu te cobriu Entre a caladas eternas veio o sono sombrio O pranto e a flor o destino soprou Ao bueiro, a água, seu corpo arrastou. 26
  • 27. Encontrei com a vida Isabel Moura Hoje é Domingo, oito horas da manhã, a cidade ainda dorme. Dorme nos braços do silêncio. Embalado ao som contínuo do labirinto. Manhã muito fria. Sentada na sarjeta, sob uma luz pálida, estou a pensar. Pensamento vagueia tão rápido como os raios de um relâmpago. Vai cortando o espaço na amplidão de meu pequeno cérebro. Na fronteira do espaço e o tempo, meus olhos pararam. Pararam em direção a um feliz prisioneiro que entrega ao Criador da natureza o seu gorjear retinido. Como o mais perfeito que pode ser, dentro de um espaço tão peque- no. Pendurado no galho de uma laranjeira. Pensamento se prende à melodia que me vem aos ouvidos. Penso. Se sou livre para voar, porque vivo presa nesta gaiola de solidão? Na cena real desta tela sem moldura me encontrei com a vida. Estejam também em minha garganta os mais altos louvores ao Criador. 27
  • 28. Menina Poesia Isabel Moura Na maternidade do coração Romântico Nasceu ao mundo a menina Poesia. Ganhou de Drª inspiração Rima, semântica toda especial no berço da pediatria. Desde o campo, à universidade seu verso modelo corpinho de boneca. Rostinho atraente Amor em quantidade. Fez O mundo melodia, e o homem, Um poeta. 28
  • 29. Gota doce Carmem Silvia da Costa No calçamento Aquecido pelo sol Ela pousou Ficara ali por alguns instantes E ao acaso encontrou Uma gota doce E provavelmente a sugou. Perdida em veste amarela Onde os corações Não se alegram Com a beleza das flores. Não há tempo de olhar Para as penas coloridas E nem para as asas frágeis Que suplicam pelo néctar. Cansadas pelo pouco em poda, Em meio a concretos. 29
  • 30. A praça Carmem Silvia da Costa A praça dos vovôs, Pais, mães e das moçadas. Famílias... A praça que fora das cantigas De rodas. De tão felizes meninas Com laços de fitas Nos vestidos e nos cabelos Que aprendeu a escutar Dos namorados seus segredos. A praça dos palhaços: Coitados Fabricam risos o tempo todo E ganham míseros trocados Que olhe lá se daria para Comprar um bom bocado. A praça do coreto, da banda Dos flautistas e dos gaiteiros. A praça dos ciganos A pescar as linhas das mãos. As praças dos políticos, dos artistas Dos camelôs, dos fazendeiros, Negociantes e trambiqueiros As pernas nuas e ousados decotes. Ah! Que pena, fora tomada Pela chuva de prata E no vai e vem dos que nela passam Consigo vão as saudosas estórias, Da praça do rui, onde o boi murgiu Mas não a viu. 30
  • 31. Hino - um testemunho Carmem Silvia da Costa Um testemunho tenho E quero compartilhar Eu sei que Jesus cristo vive E vive a me amar. Que bênção maravilhosa E a bênção da salvação Jesus padeceu por mim Em cruel flagelação. Ao pai ele entregou o seu espírito E consumou sua missão. Deixou a divina luz Que nos guia em nossas provações. A Jesus eu quero estar com o coração Repleto de gratidão. 31
  • 32. O novo Carmem Silvia da Costa Alongo minha mente Alongo? Sim alongo. Ela sai como uma pedra Presa a um estilingue E se solta para o alvo. Alvo? Que alvo? Não existe alvo. Sim, existe "o novo". Guardo tudo: rotina, labuta, neura E num chega prá la, o novo é o alvo Demarcado como um ponto e saindo Dali para muitas direções. Escolho uma e corro, corro e na velocidade Voo livremente, sem sofrimento E escravidão, porém algo interrompe: "pronto" você chegou, o novo que procura Já existe, pois tudo é vida, criação e ação. Respiro profundamente e retorno Com uma convicção de ter encontrado A palavra chave: "entusiasmo" 32
  • 33. O casamento da cabrita (Dedico esta historinha às crianças) Carmem Silvia da Costa Em um sítio próximo a uma floresta, morava uma pequena cabrita, e uma tremenda confusão aconteceu; coisas que não dá nem para imaginar... A cabrita ao despertar pela manhã se sentiu feliz com o surgir do sol e o revoar dos pássaros. As flores a desabrocharem nos canteiros atraindo bei- ja- flores e borboletas. Tudo isso a motivou a realizar seu casamento. E achou que nada seria melhor que a selva. Para a festa ficar maravilhosa decidiu enviar uma carta para o leão. Sitio da Água Azul, maio... Caro leão: desculpe, majestade. Não nos relacionamos com vocês, por sermos domésticos. Marquei a data do meu casamento com as pretensões de realizá-lo aí. É com prazer que envio o convite. Caso permita, ficarei grata. Os convidados são educados e não causarão dano algum ao seu ambiente. Atenciosamente, Cabrita. O leão leu e releu a carta, chamou os animais de sua confiança e lhes comunicou sobre seu consentimento a respeito do pedido da cabrita e que esta deixaria tudo em ordem após a festa. A cabrita foi até o galinheiro para pedir ajuda à galinha carijó. - Querida amiga carijó, conto com você para entregar esses convites do meu casório, e este é o seu em especial. A galinha ficou agradecida e saiu para a tal entrega, encontrando a raposa que foi logo indagando: - A amiga galinha parece estar contente. - Estou mesmo, por se tratar da festa do casamento da cabrita para o qual estou convidada. A raposa, não perdeu tempo. Foi logo espalhar a sua discórdia entre os animais. 33
  • 34. - Sabe da última? Uma tal cabrita pediu ao rei leão para realizar o seu casório aqui, e ainda disse que não se relacionam conosco por serem domésticos e educados. - O que a cabrita quis dizer com isto, raposa? - Não sei, quem deve saber é a macaca. Ambas foram levar as novidades para a macaca, e esta querendo se divertir disse: - Então não perceberam que são gente fina, melhor que a gente? A raposa e a onça ficaram furiosas com a explicação, e a macaca ao vê-las saírem enfurecidas, caiu na gargalhada. No caminho a raposa falou: - Não vamos deixar assim, onça. Armaremos um plano e a festa será somente nossa. Dito e feito. A pobre cabrita vinha toda sorridente acompanhada por um desfile de animais. Ao longe, a raposa e a onça estavam ansiosas. Daí a raposa perguntou: - O que faremos para acabar com essa frescura? A raposa pensou, pensou... - Já sei! Vamos rápido. Laçaremos a perna do leão antes que ele acor- de e, no momento exato puxaremos a corda. Então, ele pensará que o casa- mento se tratava de um plano e nunca saberá o que foi. - Será que dará certo, raposa? - Claro que sim. Você abanará Sua Majestade enquanto eu lhe amarro a perna e me escondo atrás do trono. A cabrita ao chegar mencionou: - Como vai, Majestade? O leão levantou-se para cumprimentar os noivos e... puff no chão. E, ao perceber que sua perna foi laçada, deu um rugido tão forte que causou um grande corre, corre. Só se ouvia: có có có corró có có, qui qui qui quiri qui qui, quá quá quá, au au au auau, miau miau miau... Quem podia voar, voou e os que corriam diziam: - Pernas pra que te quero! 34
  • 35. Cipó dourado Manuela Sant’ana Trujilio A saudade e a solidão Têm me pegado de jeito. Essas lembranças profundas Vivem apertando meu peito. Daquele riacho lindo Eu recordo com carinho Paisagens exuberantes Dos meus sonhos fizeram seu ninho. Relembro o cipó dourado Rodeado de magia Nas manhãs ensolaradas Chuva de ouro caia Os raios de sol brilhantes Entre os galhos se perdiam. Orquídeas e trepadeiras Perfumavam nossos dias Na janela estreita, junto ao esteio O céu azul a gente via Assentava o cabelo E para o sol dizia: Bom dia! No fogãozinho de barro De um café eu me servia Pensando já no almoço O feijãozinho fervia. 35
  • 36. Transporte, o carro de boi, Ali nada era chique O barro era batido Pra casa de pau a pique. Cenário lá do lugar Deus sentou e construiu Foi um momento divino A estrela Dalva surgiu. Vivendo cá na cidade Do meu cantinho não esqueci Meus anos pesaram nos ombros Tudo é difícil aqui. Neste asfalto sem tesouro Não adianta insistir A simplicidade É perfume da natureza, Jamais deixará de existir! 36
  • 37. Colhendo valores Manuela Sant’ana Trujilio Ao sentar no meu banquinho Colocando as mãos sobre a mesa Vejo a família unida A minha maior riqueza Os filhos estão crescidos Aumentando os sonhos meus Conservo esta construção Com a força que Deus me deu Minha morada é um jardim Observo cada flor: orquídeas, cravos, jasmins O céu fortalece a cor Meu viver é tão feliz A sorte assim me ensina Ser um sabiá que canta No pé de laranja lima Fui semeando sementinhas Colhendo os seus valores O destino me ofereceu Este lindo buquê de flores Felicidade existe É bem adquirido Procurando a gente acha Tesouros escondidos 37
  • 38. Praça do Boi Manuela Sant’ana Trujilio A praça era simples, era alegre Sapatos brilhando, menino engraxate Cintura bem fina, saiote engomado Blusinha de tule, saia pregueada Namoro escondido, beijo roubado Grampos nos cabelos, laquê no penteado. A praça devota, de grande riqueza... Velas acesas, hinos sagrados Procissão do Divino, Senhor amado Imagens de santo, andor enfeitado Fé na Virgem Santa, rezando o rosário Igreja Matriz, sinos repicados. A praça diz-que-diz, também diplomata Das belas lembranças, não se aparta Chapéu já gasto bengala do lado Abrindo o jornal, as pernas cruzavam Notícias de ontem, radinho ligado Filme do ano, Anselmo Duarte. A praça hoje é um mugido magoado Bons tempos aqueles, Maria, Maria das Graças A praça de pedra , está muito mudada Os olhos do boi só vivem inchados Chafariz de lágrimas rolam nas estradas. Transformou-se em canaviais, a sua invernada. 38
  • 39. A nordestina Manuela Sant’ana Trujilio Dona Nete é uma nordestina arretada. Apesar de ela já ter mais de meio século, usa os cabelos longos amarrados com fitas coloridas. Vive sem- pre sorrindo, só pra mostrar um dente de ouro que tem. Os lábios vivem pinta- dos de vermelho. Recém chegada do norte, se atrapalhava todinha com o jeito dos paulistas. Ela dizia assim: - Ochente, num me acustumo aqui não, o povo daqui é todo avexado. Parece fusmiga andando de lá pra cá, daqui pra acula. To abestalhada. Num sabe, na minha terra é diferente. Lá num tem desses negócios de andar de coletiva pra lá e pra ca, não. Lá a gente da cidadezinha de onde eu vim, lá a gente anda é a pé mesmo ou intonce muntado num jegue. To todinha atrapa- lhada nessa cidade aqui, num sabe? Mais veja só, mulé de Deus. Minha irmã tinha que ir na Sandu tirar uma consulta, num sabe? Ela andava de olho todo melado, acho que era dordolho. Apois o dotô lhe receitô uma gota i, ela tá boa. Mais num dia que ela foi sem consulta, ela quase morre é do coração: quando ela saiu do consultório, muntou na primeira coletiva que passou, i num é que ela pegô a coletiva errada, foi! E danou-se pro outro lado da cidade num bairro por nome de Nova Iorque. Ficou a tarde toda perdida. A bichinha precisou pedi ajuda pra políça pra achar o caminho de casa, foi! Olha mulé, eu tomem to precisano de i no dotô, mas to é cum medo de sair suzinha e ficá perdida feio minha irmã. Vô pedi a meu filho que me leve ao dotô. Num ando me sentindo muito bem, num sabe? Adepois que Nó faleceu (o marido) dei pra ficar cu fundinho da calcinha todinho molhado. Acho que to memo é com a bixiga solta. É uma mijadera, uma dô da muléstia no pé da barriga. To precisanu di toma remédio. Óchente mulé, a conversa ta é boa, mais dá um tempo aí que vô chama Di pra i pro trabaio. E entra gritando: -Di, ó Di! Se aveche Home! Levanta e vá pro trabaio. Acorde que já é tarde. Parece um lião quando adormece. Se aveche, home! Tá na hora de 39
  • 40. abrir o ba, Nervoso, Di grita lá de dentro de casa: - Mainha, mais que converse é esse aí fora. Chega a casa tremê com tanta conversa. - É, eu tava cuntanu a Manela do dia que tua tia pegou a coletiva erra- da. Ma se aveche, home! Vá abrir o ba que já é tarde. - Mainha, eu já lhe disse que não é Ba. É bar! - Ochente! Apois só porque ta moranu aqui, em São Paulo, ficou todo mitido, cheio de coisa, dizendo bar-bar. E eu falo cumu quero. É BÁ mesmo. É pur isso, Manuela, que eu queru voltar lá pro Norte prá minha cidadezinha. Num tem essas trapaieira que tem aqui, não. O povo daqui parece fusmiga carregando miolo di pão. Eu vô é si embora. To morrendo de saudade do povo de lá e tumem, sabe do que é, de cume uma buchada de bode, carne seca com macaxera e jerimum. Chega dá água na boca, mulé. Quando me lembro da carne de sol com licor de jenipapo mais, Manuela, a depois a gente cunver- sa. Mais visse, dexa eu vê se Di se levantô pra ir abri o BÁ. Tiau. 40
  • 41. Jeito estúpido Ana de Almeida dos Santos Zaher Com um jeito estúpido, Levou-me à loucura. Não tinha medo das aventuras. Sentia tanta paz. Colocava-me no colo. E fazia-me ver o azul do céu, O brilho das estrelas. Chegou invadindo meu ser. Com seu jeito estúpido, Deu-me tanto amor... Fez meu coração descobrir Que após a dor, vem o alívio. 41
  • 42. Só para contrariar Ana de Almeida dos Santos Zaher Ele não atendeu ao telefone. Não respondeu às cartas. Fingiu-se de morto. Não admitiu o erro. Preferiu morar com o orgulho. Fechou-se para o amor. Ignorou a alegria Deu as costas para a felicidade. Tentou viver isolado. Não queria uma segunda chance. Desistiu... Mas só para contrariar... O anjo estava sempre atento, a vigiar. 42
  • 43. Mãos Ana de Almeida dos Santos Zaher Abençoadas mãos, que encontradas e unidas, trouxeram-me ao en- contro do amor sem medida. Mãos que a cada movimento, cada toque, faziam crescer a emoção e aumentava este sentimento maravilhoso,tornando nossa vida plena de felici- dade. Sei que não caminharemos juntos, de mãos dadas aos olhos da socie- dade, mas os laços que nos unem nunca vão nos separar. Cada gesto de carinho demonstrava o quanto era importante, parar, olhar, e perder tempo com o que realmente tinha importância. Eu sabia que as coisas mudariam um dia, que a correria do dia a dia iriam nos distanciar, mas esquecer e abandonar, jamais. Dizer que estava preparada, minto; saber e prever algumas situações, é fácil, agora vivenciar e sentir na pele. Uma dor intransferível. Ver os exemplos de quem já passou por momentos parecidos, nos anima e fortalece, mas são experiências únicas. Portando cada um vive e se comporta à sua maneira. Todos querem dar receita, mas não tem jeito, cada ser tem sua perso- nalidade, submisso ou dominador...Calmo ou nervoso e assim segue... Filhos amados, filhos adolescentes... Mãos que te acariciavam, desde de quando habitavam meu ventre,e que depois o segurou firme e o abraçou, na chegada a este mundo. As portas do paraíso, deste coração de mãe, nunca mais se fechou, e não continuou o mesmo, pois de tanto amor, perdeu a chave e o controle. É difícil, mas não é impossível compreender que o tempo passa, os fru- tos nascem crescem, amadurem e... E assim são nossos filhos, nossas mãos entrelaçadas, protegendo-os da queda, ensinando os primeiros passos. E o tempo voa, numa velocidade que minhas mãos não conseguem alcançar. Ainda ontem, me deliciava com as brincadeiras e correrias das crian- 43
  • 44. ças. Agora,já seguros de si, estão perdendo a inocência. Aquelas gargalhadas estão se transformando em sorrisos mudos. Cresceram de um tanto, estão maiores do que sua mãe, um dos mo- tivos que nos obriga a andar discretamente em público. Com a modernidade, eles sentem-se intimidados de serem confundidos e chamados de namorado da própria mãe. Eles até acham graça, mas dizem que queimam seu filme. Ficam feli- zes e sabem que não estão sozinhos. Estas mesmas mãos que acenam dizendo adeus vão ser sempre as mesmas, que estarão sempre à espera dos abraços e da alegria do retorno. Filhos queridos e abençoados, legítimos ou adotados, onde quer que estejam ou aonde quer que vão. Mãos de mãe sempre vão estar direcionadas a vocês. Como o sangue que corre nas veias, assim são as mãos que sempre vão tocar você, da cabeça aos pés... E tocarão seu coração, dando o entendi- mento e a compreensão, de que amor nunca é demais. 44
  • 45. Overdose de amor Ana de Almeida dos Santos Zaher Overdose de amor... Corpo e mente trabalhando juntos, em busca do mesmo objetivo. A maioria das pessoas correm desesperadas, para obterem sua rea- lização profissional... E não estão erradas. Mas falham, ficam cegas e não enxergam a beleza que existe nas pequenas coisas. Sufocando desejos, não viajam. Muitas morrem sem conhecer e sentir as águas do mar. O sol está sempre nos sorrindo. A lua, as estrelas dividindo o brilho delas com os humanos, que dificil- mente param para contemplá-las Overdose de amor... À disposição de todos, sem censura e de graça. O universo sempre de braços abertos, esperando nosso abraço e nada. A correria atrás dos tesouros, não deixa parar e ver o ouro que já trazemos ao mundo, desde a fecundação. Somos escolhidos e privilegiados. Overdose de amor... Da qual muitos sábios abrem mão. Não conseguem o controle e fogem. Overdose de amor, um excesso que faz bem. Quando se tem a chance do encontro... com o equilíbrio. 45
  • 46. Marcelo Augusto e Thales Eduardo Ana de Almeida dos Santos Zaher Filhos amados Queridos e insubstituíveis Razão do meu viver alegre Luz que ilumina meus dias Tesouros desejados Meus sonhos realizados. O complemento do meu ciclo Nesta vida...Plantei árvores Tenho filhos e escrevi meu livro. Assim a vida segue: Marcelo Augusto e Thales Eduardo, Filhos da minha alma Vocês são um pedaço do céu Em minhas mãos. Aconteça o que acontecer, Estarei sempre com vocês. Respeito suas opções. Abandoná-los? Jamais! 46
  • 47. Duas lágrimas Ana de Almeida dos Santos Zaher Lágrimas que não foram derramadas De tristezas ou abandono Medo ou dor Duas lágrimas Felicidade! A emoção invadiu meu ser A alegria cercou minha estrada O amor surgiu... Contaminou meu mundo Enfeitou os jardins O vento leva o perfume Das roseiras e dos jasmins Duas lágrimas que chegaram Molhando meu rosto Expressando o prazer Que sinto do amor sem medida O universo me acolhe Duas lágrimas caem: Uma da alma, Outra do coração 47
  • 48. Véspera de natal José Hamilton da Costa Brito José e Cláudio, todos os anos, logo no primeiro dia das férias, coloca- vam as respectivas famílias nos carros e iam para alguma praia. Gostavam muito de Florianópolis. Alugavam sempre a mesma casa na Lagoa da Con- ceição, quase ali onde a beira-mar se divide, uma indo para as Canasvieiras e a outra para a Joaquina. Como se diz: na boca do gol. Um belo ano, as férias vieram com certo atraso e tiveram que viajar no dia 24 de dezembro, véspera do natal. Saíram já pelo meio do dia e “se mandaram”, mas como íam com crianças e adolescentes, as paradas eram obrigatórias, o que atrasava a viagem. Eram férias, não havia pressa e a ale- gria reinava. Por volta das onze horas da noite, também conhecida por 23 horas, começaram a procurar um lugar decente para descansar e fazer a ceia na- talina. Rodaram mais um pouco e minutos antes da meia noite viram um restaurante, típico de beira de estrada e: "é aqui mesmo né Zé". - Vamos nessa! Desceram, examinaram o local... meio esquisito - Você queria o quê, o meu! Um Fasano aqui neste fim de mundo? Não era bem o local, sua parte física... eram mais os frequentadores. Havia algo que, se não estava errado, também não estava muito explicado. - Quer saber?É época de confraternização, de aceitação do próximo, de desarmar os espíritos. Pediram lá o que comer e enquanto esperavam, ficaram se distraindo com as cervejas, que estavam bem geladas. Tanto a filha de um quanto a do outro, já meninotas, foram ao banheiro e demoraram mais que o normal; quando já iam ver o que estava aconte- cendo, as duas apareceram maquiadas. Uma maquiagem forte, típica das mulheres da vida airosa: - Pô meu, que diabo é isso? - Quem fez isso em vocês? 48
  • 49. - Ah! Duas moças que disseram que somos bonitas e fizeram esta maquiagem na gente. Para não ferir susceptibilidades, deixaram como estava. Assim que fossem embora, parariam para remover aquela desgraceira. O problema foi convencer a mãe de uma das meninas a esperar: “elas estão com cara de biscate!” Enquanto discutiam o fato, o filho de um deles, aí por volta dos cinco anos, sem que os pais vissem, subiu por uma escada e sumiu lá pra cima. - Quem vai buscar? - Eu não vou, vai você. Vai você, não vou e de repente o menino desce: - Pai, tem um homem e uma mulher pelados lá em cima, ele está em cima dela, apertando a coitada na cama e acho que está batendo nela e... O menino não tinha terminado a palavra batendo e as mulheres saíram arrastando tudo, jogando pratos e copos no chão, na correria para o carro... morrendo de vergonha. - Ah! Meu Deus. Não tem e coisa nenhuma .Praga de menino, ele não está matando ninguém. - Uai pai, o que eles estão fazendo, então? - Eles estão... estão... Já com a sua mãe lá no carro, coisa ruim! Havia um músico, sobrinho de um deles, grande cantor, tecladista e violonista acompanhando-os na viagem que quase teve um "treco" de tanto rir. Bem, alguém tinha que pagar as despesas. Houve uma certa demora, ain- da havia pratos solicitados que não tinham sido servidos. Procurava-se a pos- sibilidade de embalá-los para viagem, não havia esse tipo de atendimento. - E aí, vão morar no rende-vouz agora, seus safados. Gostaram de alguma "senhora"? Os dois chefes de família, homens honrados, saíram sob os xingamen- tos das “ damas" e das gargalhadas dos homens presentes. Vésp... que véspera que nada, no dia de natal. E o Jesus menino vendo esta desgraceira toda. Culpado? Só se foi Ele. Quem poderia imaginar que a gente estava pa- rando, para passar a virada de Natal, em um puteiro? 49
  • 50. Leve-me também José Hamilton da Costa Brito Fim de tarde. No horizonte, lumaréus de fogueira. Mais um dia que se vai com o irmão sol. A natureza se prepara para o descanso. Tudo está calmo. Uma paz infinita dentro da alma. Os pássaros procuram os seus ninhos. Os namorados estão calados mas juntinhos. Adoro este fim de tarde em arrebol. A noite não será das mais escuras. As estrelas já estão no céu a pontilhar. A lua que vem de lá é suntuosa. Com os seus raios chega uma brisa gostosa. Um cenário perfeito para o amor. Na natureza, a mão de quem a criou. A tarde morre e aquela é uma hora divina. Perto ,alguém dedilha uma viola. Sirvo-me desse cálice. É paz deixando a vida fruir. Nessas horas sou feliz por pouco que seja. Deixo a tua imagem em mim se aconchegar. Deixo-me entorpecer pelo teu sorriso de magia. Sinto as tuas mãos em meus cabelos. Meu corpo reage. Enrijecem-me os pelos... A vontade de possuí-la supera todo o lirismo. O vento sul bate forte em minha face. Faz-me despertar do devaneio. Tomo consciência de que para vê-la só existe um meio: Que Deus tenha pena de mim e leve-me também. 50
  • 51. Escombro José Hamilton da Costa Brito Antigamente punha-me a olhar o céu... Ficava horas e horas a contemplá-lo. As nuvens em movimentos constantes formavam em inesperados ins- tantes as mais incríveis figuras. ...E eu ali, a sonhar. Faces formavam-se na coreografia e em vários momentos, eu via você a sorrir para mim. Tinha que ser na primavera. Deixei de ser quem eu era e para o céu, parei de olhar. Temia ver você lá no alto e entre nós uma distância sem fim. Não queria que me visse caído, derrotado e sofrido buscando o meu suspiro final. Mas um anjo apiedou-se de mim e sussurrou-me baixinho um con- selho: Filho, coloque-a no seu coração. Tire-a da cabeça. É escombro. Não a carregue no ombro. Vai ser feliz outra vez. 51
  • 52. O que fazer ? José Hamilton Brito Trabalhou a vida inteira.Amava o que fazia; era uma atividade dinâ- mica. A competição, acirrada.Justificava-se tanta garra com a necessidade de ganhar o sustento da família. Havia no íntimo uma mola poderosa que o impelia cada vez a dedicar-se mais. Queria na verdade ser o melhor. A estrela que mais brilhasse. Ser apontado como o de carreira mais promissora. Havia sempre dois ou três que deveriam ser observados, pois eram os que com ele mais competiam pelo lugar mais alto no podium. Não há quem não queira o sucesso e isso não é pecado. Colocar o produto no melhor ponto de venda, fazer a operação mais lucrativa e fazer convergir sobre ele os olhos admira- dos dos superiores. Ganhar os prêmios e comissões, chegar em casa e ver o orgulho estampado nos rostos da esposa e dos filhos. Quantas noites em claro, lutando para entender o desgraçado do tal de ciclo RAA, uma maldita de uma renina que sob a ação de um angiotensiógeno se tranformava em angiotensina um e que...puxa vida.E não soubesse essas desgraceiras todas pra ver. Mais era bom chegar nas convenções e ganhar o videocassete dado ao primeiro lugar na simulada médica. Quantas foram as madrugadas nas quais pegava o carro e ia cobrir o setor de trabalho ou para as reuniões de ciclo, nas quais os resultados eram cobrados, os novos objetivos traçados e as avaliações de conhecimento eram feitas. Toda essa carga de responsabilidade, tendo em muitas ocasiões, um filho doente no berço ou uma dívida pendente. Havia , é verdade, toda uma assessoria auxiliando na preparação do profissional e dando-lhe suporte mas, em quantos momentos foi decisivo o fato dele bastar-se. Não tinha essa de tornar-se celebridade, mas quando os holofotes procuravam-no nos eventos internos da empresa, tudo se ajustava na cabeça, as emoções do reconhecimento fazendo esquecer todas as agru- ras. 52
  • 53. A alternância entre os momentos de doçura e os de amargura era tão repentina, que não havia tempo para o prazer ou o sofrer...Mas o pouquinho de prazer que se conseguia, era eterno. Esquecia-se do resto. Essas coisas,porém, não são próprias somente dessa atividade. E daí, não se está falando de todas, mas de uma só...a dele. De repente, um flash de amargura vem com o quantum de tempo já ido. Olha em volta, vê uma garotada, vê antigos colegas, competidores dig- nos já com os chinelos e pensa: está chegando a hora. Quando chegará a minha? - Deus, afaste este cálice de mim. Mas Ele não tem muito a ver com isso, tudo fruto da nossa própria or- ganização de vida. Será procurado para dar conforto nas horas de amargura, servir de lenitivo, fazer o papel de Pai. De repente ,e não mais que de repente.."cadê você, cadê você...outros repetem as suas jogadas...no vídeo taipe da vida,a história gravou" Um dia, levantou-se para a jornada diária de trabalho. Como fazia sempre, foi barbear-se. No espelho, o "outro" lhe disse, quase que sussurrando: - Vai dormir, seu tonto. Você já era. 53
  • 54. Pióses José Hamilton da Costa Brito Voando lá nas alturas ou pousado em uma falésia, obedecendo ao meu instinto eu conseguia ser feliz. Sempre fui elegante apesar de nunca galante. ...Precisava sobreviver. Eis que voando bem alto notei correndo na relva um movimento de vida que me daria vida. Seguindo o instinto predador atirei-me em ataque mortal. Assim cheguei até você. Contive o ímpeto a tempo impedido por um sorriso angelical. Como um passe de mágica começamos uma história trágica pois, de predador, em caça me tornei. Você foi alimento pra minh'alma e amei como ninguém jamais amou. Mas como resistir ao carma? O meu: uma total liberdade. Assim eu fiz você infeliz em pobre infeliz, tornei-me. Deixa que eu siga o meu caminho. Preciso ganhar as alturas. Voltar ao que sou. Sim sou ave de rapina. É assim que sei viver. Então Peço em nome de Deus solte os pióses que me prendem Serei outra vez falcão peregrino um ser em paz com o seu próprio destino. 54
  • 55. Apodrecendo Desejos Maria Rosa Dias 2006 Irei enterrar seu tesão pútrido, Orgasmo superficial e falido, Supostos desejos de uma noite apenas. Sem missas, sem novenas. Enterrados sem fúnebres homenagens, Enfraquecem, desfalecem. O que importa do que nunca existiu? Respirações excitadas e ofegantes oxidam-se Em meio a carícias imundas. Jogos malfadados. Sem nexo. Sentenças sem punição. Antonímia, contradição. Luxúria contida. Lascívia a flor da pele. Ironia, sadismo? Fantasias cremadas, Ao vento, rancorosamente ofertadas. Apodrecendo desejos Secos, sarcásticos, Quebrados, perdidos, Beijos sujos e carícias imundas. Olhares de lama Perdidos e falidos. 55
  • 56. “Fantasma da Perdição” Maria Rosa Dias 2010 Fantasma das Sombras Das sombras dos passos perdidos Passos que nunca foram percorridos. Fantasma da Mágoa Da tormentosa mágoa dorida Mágoa que se faz presente e despida. Fantasma das Lágrimas Das lágrimas ressecadas pelo Tempo E pela agonia derramadas. Fantasma do Sofrimento Do Sofrimento que esmaga o coração Coração pleno de arrependimento. Fantasma da Perdição Que constrói caminhos duvidosos E os envolve em calentadora ilusão. 56
  • 57. Feridas Maria Rosa Dias 2006 Eu tenho decepções Que me cortam os pulsos. Sorrateiramente. Despertam minha insônia. Eu tenho decepções Que machucam a minha alma. E cortam fundo meu coração. Criam a sangrenta interrogação. Perdida na escuridão. Sem luz, sem resolução. Dúvidas amargamente despertadas De uma tentativa de sono violentada. Mente frustrada. Eu tenho decepções. Eu tenho indecisões, Medos, fraquezas, impulsos Que me fazem retornar à mesma inércia, ao mesmo nada. Eu tenho decepções. Violentas tensões. Bruscas e repentinas carências. Eu tenho tanto... 57
  • 58. Ah, tanto que me soa tão pouco... Quem dera. Ah, quem dera que o destino me presenteasse com a sorte De um amor verdadeiro, forte, Certeiro, que me abalasse E nunca me deixasse. Ah, quem dera que isso não fosse apenas um sonho Que retorna toda noite E caminha incerto. Incerto como as sofridas lembranças enganosas. E a certeza inútil Das inúteis decepções que tenho. 58
  • 59. Magnus Maledictus Maria Rosa Dias - 2006 Fiz minha própria cova. Provoquei meu suicídio inconsciente, Psicológico à beira do abismo Mergulhado em sombras. Lembranças vãs e vagas. O sangue de meu coração escorre sem poder ser estancado. Hemorragia interna sem socorro. Gosto salgado da alma perdida e amarga. Doces ressentimentos escorrem. A raiva que me causou orgasmos múltiplos Enterra-me, soterra-me, sufoca-me Em meus sentimentos escusos. Uma rosa para uma morta Sobre uma cova esquecida e fria. Vermes hão de me corroer O corpo e a alma. Provo meu sangue que me desperta da minha letargia. Falsa catalepsia. Sincera morte em fingida vida. Os espectros de minhas supostas certezas vagam. Tento em vão me libertar da imunda terra que me cobre. Por mais que eu lute, por mais que tente não enxergar, Os vermes fétidos eternamente hão de me acompanhar. 59
  • 60. “Te amarei até a morte” Maria Rosa Dias 2010 Na solidão de meus pensamentos, No isolamento do meu quarto, Só consigo pensar em teu rosto E em tuas mãos tocando minha face. Sinto falta do teu calor Aquecendo meu corpo contra o teu. O gosto dos teus lábios ainda ficou preso nos meus E todos os meus pensamentos são voltados para ti Lábios flamejantes Que incendeiam todo o meu ser. Tuas palavras ainda vibram em mim Como uma doce brisa a me tocar. A minha solidão é guiada por lembranças vazias de nós dois E eu sigo. Eu sigo sentindo a presença da tua alma ao meu lado, Mesmo sabendo que tu ainda vives E não estás mais junto de mim. A minha alma grita, a minha alma clama. Pela tua presença aqui, Mesmo sabendo o quão longe tu estás E que nunca hás de me escutar. Nunca mais... 60
  • 61. Onde que tu estejas, Para onde quer que os Ventos te guiem, Saiba que nunca te esquecerei E que teus gritos, ânsias e medos morrerão comigo. Eu já estou marcada Por todos os teus erros e enganos. A minha própria sombra já é meu tormento E o prazer perdido é o meu purgatório. Ah! Eu estou fadada a amar-te eternamente. Ah! Eu estou predestinada a amar-te até a morte. Nenhum mortal é capaz de apagar esse amor. Te Amarei Até A Morte. “Vênus Decaída” Maria Rosa Dias 2010 Frágil Amor que se esvai de meu ser. Aos poucos Sem que em mim eu o consiga conter. Suas promessas me fogem repentinas Ardilosas, desastrosas. Como o fogo das dúvidas vaporosas Que em meu peito desatina. Fugaz sombra de certezas Imoladas, imaculadas. Que me envolve em suas asas queimadas E ateia sobre meus olhos 61
  • 62. A fumaça sombria de seu Véu. Cegante, inebriante Intoxicante em seu doce fel. Encantadores passos perdidos Passos que nunca foram docemente percorridos. E que espalham em meus sonhos seus Vultos Resolutos, astutos. Querendo me derrubar com sua furtiva mão Sem ao menos me dedicar uma fúnebre canção Em honra ao meu trágico fim. Oh! Ironia ferina! Dor flamejante que em meu peito desatina! Sinto meus lábios ocos sem seu beijo E minhas mãos vazias sem o cheiro do seu toque. Eis-me aqui, perdida... Amargurada, ferida Sem amor... Prostrada aos seus pés Como uma imagem de Vênus decaída. Destruída... Em meu profano altar queimado. 62
  • 63. Pôr do Sol Antenor Rosalino Todas as tardes, ao pôr do sol, na tímida vilazinha de ruas estreitas e casinhas simples, denotavam-se a figura gentil do cego Antônio, conhecido por todos, pela sua apurada educação e sábios ensinamentos. Apesar de sua cegueira de nascença e de suas pobres vestes, às ve- zes ganhadas de alguns populares e vizinhos generosos, mantinha-se sempre bem asseado por sua mãe, a bondosa dona Isaura, com quem vivia em uma velha casa de poucos cômodos, com uma varanda rodeada de arbustos, ro- seirais quase sempre floridos. Lá no fundo do quintal, vislumbrava-se uma ár- vore grande, frondosa, em cuja sombra os garotos vizinhos sempre brincavam alegremente, deliciando-se de todo aquele frescor, do belo cenário verdejante e da boa acolhida do senhor Antônio e de sua genitora. Apesar de sua bondade e resignação às intempéries da vida, Antônio sempre fora vítima dos mais diferentes tipos de deboches e humilhações, impostas geralmente por alguns garotos liderados por um tal de Índio, um ra- pazola viril, e de maus costumes,conhecido em toda a vila e adjacências pelo seu mau caráter e total falta de respeito humano. Não estudava e tampouco auxiliava a pobre mãe em algum trabalho doméstico. Era filho único de uma humilde senhora que, após a morte do marido, passou a ser o único susten- táculo da casa; trabalhava com afinco na confecção de bolos e doces enco- mendados por pessoas compadecidas com suas dificuldades financeiras, pois tinha, sobretudo, esse filho garoto ainda, porém, muito peralta, o qual possuía a alcunha de Índio, por ter aparência realmente indígena. Passavam-se os dias e sempre a mesma ladainha: a casa do portador de deficiência visual, logo pela manhã, ficava repleta de crianças a brincarem em seu amplo quintal e, à tardinha, lá ia o senhor Antônio fazer a sua cos- tumeira caminhada com passadas lentas e às vezes cambaleantes, apoiado em sua tão desgastada bengala. Porém, em determinado trecho do caminho, sempre surgiam os endiabrados garotos, tendo à frente o tal Índio, a fazerem 63
  • 64. as mais diversas implicações com o pobre cego, chegando até mesmo a ati- rarem objetos em sua pessoa, seguidos de gargalhadas e ofensas inconce- bíveis. Quando alguns moradores, inconformados com tais atitudes, partiam para cima dos vândalos, estes fugiam rapidamente, tomando rumos total- mente desconhecidos e ao sentirem que a cada dia que se passava mais dificilmente se tornaria pegá-los, acentuavam-se cada vez mais as ofensas e covardias. Um dia certo, porém, o cenário parecia ter tomado forma diferente: a passarada esvoaçante desencadeou-se em vôos acrobáticos e cantos melan- cólicos, como a pressentir algo trágico a acontecer. Vislumbrava-se ainda distante, a figura do senhor Antônio, enquanto o Índio e sua turma se escondiam em espreitas e atalaias. Aos poucos, o desprotegido cego aproximou-se da turma, que a essa altura já se postava para a bagunça e o vandalismo de sempre e eis que, de repente, um pequeno fragmento de madeira lançado pelo Índio atinge em cheio, impiedosa e cruelmente a sua fronte. Ele, após alguns passos camba- leantes, tomba ao chão, sendo atingido ainda num último ato, pela ponta de sua inseparável bengala. Na queda, quase desfalecido, bate violentamente a cabeça numa pedra, tendo o seu rosto lívido, imediatamente banhado de sangue. Enquanto isso, os vândalos fugiam em desabalada carreira. Acolhido por populares, Antônio foi transportado de imediato ao hos- pital mais próximo. Tudo em vão!... Faleceu antes mesmo de ser assistido no hospital. Ao tomar conhecimento do ocorrido, toda a vila saiu à caça dos pe- quenos marginais, os quais, ao que tudo indicava, teriam partido para fora do vilarejo. No dia seguinte, durante o féretro, toda a vila emudeceu, compadeci- da e revoltada com o ocorrido. Algo teria que ser feito ao Índio e sua turma, os quais, finalmente fo- ram apreendidos; porém, nada devolveria o senhor Antônio aos seus legítimos amigos e à doce candura dos braços de sua mãezinha, a amável dona Isaura, 64
  • 65. que, após a perda do filho querido, adoeceu misteriosamente. O Índio, por sua vez, após algum tempo de internação num reformatório (pois ainda era menor de idade), fora liberto. Não se sabe por que, após sua libertação, o seu com- portamento mudou completamente. Entristeceu-se, raramente conversava e já ajudava a mãe em alguma tarefa de casa, embora ainda relutasse em não frequentar a escola. Com o passar do tempo, num dia claro, alabastrino, também ao pôr do sol, o mesmo Índio de tantas arruaças de tempos atrás, num ato repentino e insano, pôs fim à sua própria vida, talvez não suportando o peso esmagador de sua consciência. E assim, com todos esses acontecimentos, o vilarejo entristeceu-se, mas as crianças ainda brincam à sombra dos arvoredos da velha casa, e os pássaros com seus cânticos harmoniosos vêm a cada pôr do sol, como a prestar homenagem póstuma ao saudoso Antônio, cuja vivência e penosa lida, ficarão para sempre incrustadas na memória de todos aqueles que o conhe- ceram e sentiram a sua dor, o seu penar. 65
  • 66. Ametista Antenor Rosalino Lapidada, polida... Emoldurada pela mãe natureza, Flameja o seu encanto De jóia preciosa, Sob o sol que a diviniza E luares que a fazem A mais linda estrela guia, Encantadora ametista! Pétala advinda De vales e rochas profundas, Magnetiza a alma Como flor entre abrolhos Florescente e festiva! Energizando os céus Na mais cândida ternura, Aventa aos olhos Alegria infinita - pedra flor que me inspira -, Nas madrugadas serenas E nas selvas de granito! Alvorada de amores! Rutila tua luz envolvente como a brisa Na minha lágrima triste, Misteriosa ametista! 66
  • 67. O que é que há? Antenor Rosalino O semblante dos teus olhos vívidos, Trouxe um quê, não sei por quê, De amargor e melancolia Aos meus olhos que sempre te viam Com olhar de caxinguelê. Não percebo em teu sorriso A singeleza da alegria Traduzida em espirais De sedução que se fazia Entre paredes boreais. Minha inspiração em eclipse Suprimindo os meus vocábulos Deixa os meus versos no ar E suplicante eu pergunto: o que é que há? Meu pensar ardente em chamas Procura-te sem cessar Buscando desvendar o elo Da tristeza fina incrustada Em teus mistérios de mulher! O que é que há, linda pepita? Não deixemos que procelas De asperezas do incerto Desfaça os laços de fita Do nosso amor sempiterno! 67
  • 68. Angústia Antenor Rosalino Farto do teu silêncio, Parto deixando rastros Dos sonhos que sonhei Na poesia do meu estro lastro! Seja bem vinda a insônia, A saudade, a solidão... A angústia funesta e insólita No pulsar do meu coração! Sob a face azul do infinito, E de estrelas sem donaire, Esquecerei os meus eus, Para ser eco de cantares! Já não sinto o perfume campestre, Nem vejo a brisa tremer! As estrelas choram comigo Pressagiando o meu viver! No incerto, sem rumo certo, Temo ver o seu perfil Refletir-se como um fantoche Nas águas do meu cantil! 68
  • 69. Súplica de um poeta Antenor Rosalino Deixo no tempo as nuanças Da minha ousadia poética: Meus versos líricos e odes Espelhando a minha alma em construtos Que a ilusão apetece! Busquei nas flores campestres, Nos sorrisos inocentes, No rito harmonioso da natureza E nos amores transitórios e eternos, A inspiração desejada Para os meus versos etéreos! Na brevidade do tempo que a tudo transmuda, Quando eu me tornar solitário Com minhas obras esquecidas: Oh, Deus! Retorna este poeta Para o infinito do teu céu! E assim, unificado com a natureza - liberto e decantado no espaço -, Serei parte da poesia em lastro Que o tempo jamais ruirá No ritual do seu compasso. 69
  • 70. Árvore enorme Vicente Marcolino Rosa Há sessenta janeiros, a semente Tão minúscula foi solta do fruto E acolhida por bom adolescente Que a sepultou em áspero chão bruto. E longe de lugar de água corrente, Mas, seu líquido vinha de aqueduto A mil metros, em vaso transparente, No lôbrego bornal da cor de luto. Surgiram duas folhas verde-claras Presas ao caule débil, rubro e torto; A planta foi segura a esguias varas. Resistiu a frio, seca e tempestade! Agigantou-se e deu-nos o conforto. Agora sua sombra traz saudade. 70
  • 71. Coração infatigável Vicente Marcolino Rosa Pulsas há tanto tempo, jamais cessas! Nem falas dos segredos contumazes E enquanto me dedico a escrever frases Ou labuto, comandas, não tropeças. Possuis cadência e não ages às pressas! A vida tem em ti as suas bases, Percebes o rancor de homens falazes, Prontos para lutarem às avessas. Ouço-te pelo quedo travesseiro Em que repousa a mais pobre cabeça Sensível aos ruídos do orbe inteiro. O teu ritmo é monótono e me cansa, Dormito antes que a insônia prevaleça. De manhã vou à lida e à noite, à dança! 71
  • 72. Desvelo de mãe Vicente Marcolino Rosa Vocábulo pequeno e indefinito, Grande pelo amor que algo representa; É o primeiro termo mais bonito Que o bebê diz mal, quando falar tenta. Mas antes da palavra vem o grito E o choro da criança; a mãe atenta, A esse ente suscetível e expedito, Dá seu remédio, sopa ou amamenta. Aspira a ver o filho com saúde, Supõe que seu aspecto logo mude, Sempre lhe verifica a altura e o peso. O minúsculo infante cresce tanto... Talvez seja, após décadas, talento E a mãe terá o afeto ou o desprezo!... 72
  • 73. Moradia fechada Vicente Marcolino Rosa Naquela rua larga em que transito, Existe a casa azul de brancas telhas, Atrás do jardim simples e bonito, Onde gosto de ver rosas vermelhas Que expandem seu olor e já foi dito Que naquele universo das abelhas, Hoje não há presença, nem o grito, De beija-flores: eram dez parelhas. Em verdade, o que agora a mim espanta, É não ver a cabocla que não usa Chapéu de proteção para aguar planta. Minha cansada mente está confusa... Se ela mudou, não há ser que garanta, Mas, vejo no varal a sua blusa!... 73
  • 74. Na fronteira Vicente Marcolino Rosa Sairei de madrugada e vai comigo A lembrança sutil que se incorpora A meu íntimo mesmo quando sigo Nesta jornada desde a bela aurora. Contra o abstrato jamais falo, nem brigo, Sou resignado, aquele que não chora, Refiro-me à saudade que é castigo, Fugirei dela sem muita demora, Quando eu beijar o chão que tanto quero. Longe, reverei quem não possui praias; Estarei no espaço álacre ou austero... Desejo ouvir guarânias da fronteira E ainda vou sambar com paraguaias Lá em Ponta Porã, que é brasileira! 74
  • 75. Vítima da soledade Vicente Marcolino Rosa Ignoras o prazer que vem da vida!... Evitas dialogar com os amigos E gostas de lembrar fatos antigos; Tanatófilo, queres ser suicida. O ser humano afronta seus perigos Para que vença obstáculo e progrida, Não deixa os ideais, nem foge da lida, Se assim não for, irá seguir mendigos. Não buscas arte em teu mundo restrito, Nem miras o horizonte após o campo E contra a humanidade tens o grito. Vives acabrunhado há longe data, És noctívago, imitas pirilampo, Consideram-te mero psicopata. 75
  • 76. O Inventário Emilia Goulart dos Santos Em uma recente manhã do mês de julho, quando se aproximava meu aniversário, estimei a perspectiva de vida para minha geração. Hoje ganhamos alguns anos, mas, quando nasci, certamente as apostas seriam de que, se não ocorresse nenhum infortúnio, eu viveria até os setenta anos, expectativa boa para aquele 21 de julho. Porém, naquela recente manhã, olhei-me no espelho e senti que era hora de fazer um testamento. Dispor em papel minhas últimas vontades. Pensei bem e cheguei à conclusão de que minha última vontade, com toda certeza, é não morrer. Não quero ser cremada, nem enterrada tampouco jogada ao mar, não me agrada a ideia de ser devorada por peixes e terminar na boca de alguém. Então escrevi assim: “Como não quero morrer, mas, tenho a certeza de que a morte aconte- cerá independente da minha vontade, os encarregados para darem sumiço no meu corpo estão livres. Prometo não estar presente para dar palpites”. Pensei bem outra vez, olhei para o texto e novamente no espelho. Não... Não era nada disso que eu queria escrever. Eu, na verdade, queria era fazer o meu inventário. Agora sim, ia fazer o certo, do modo que eu queria. “A quem possa interessar deixo minhas máquinas de costura, não para minhas filhas, elas já são atarefadas demais”. Meus livros deixá-los-ia para meu filho mais velho, ele gosta muito de ler. Mas, não faz sentido, não há nada na minha humilde biblioteca que ele não tenha lido, antes mesmo de mim. Meus poucos e velhos móveis. Quem os quer? Se nem eu os aguento mais. Poucos bens, bem poucos, mas e se esta não for a vontade do meu marido, afinal somos casados com comunhão de bens. Vou perguntar. 76
  • 77. Acordo o coitado que dorme em frente à televisão. E ele assustado pergunta: — O quê... O que houve? — Nada, bem. Apenas gostaria que lesse isto aqui e me dissesse o que gostaria que fosse feito com nossos bens quando partirmos. Ele rapidamente respondeu: — Eu deixo tudo o que a vida me ensinou e tudo que a estúpida igno- rância não me permitiu conquistar. Acho que será o suficiente para que vivam tranquilos o resto de suas vidas. Rasguei a folha do inventário e escrevi com letras bem grandes: “Filhos, o que temos para deixar a vocês é o que trouxemos quando nos casamos. Amor muito amor”. Na parte relacionada ao testamento escrevi: “Nossa ultima vontade é que sejam felizes e unidos para sempre”. 77
  • 78. Cadelinha Emilia Goulart dos Santos Foi numa manhã até bonita, que a cadelinha sumiu. Amigos, parentes, vizinhos foram avisados e empenhados a se organi- zaram na busca. Fizeram cartazes, colocaram anúncios no jornal. Faltava uma foto, mas, esta ninguém possuía para auxiliar na procura. Apenas um dado foi registrado além da cor, altura e idade aproximada. Era dócil. Sempre que a família se preparava para uma foto, ela desaparecia, ia beber água, raspar uma vasilha... Uma foto ajudaria, mas ela nunca ocupou lugar nas fotos da família. As referências sobre ela eram mínimas. Quando Zeca a encontrou ela era bem novinha, perambulava pelas avenidas, estava suja e parecia faminta. Ninguém nunca a procurou. Marcas da sua curta vida, já eram indicadoras do seu fim. As semanas foram passando, e quase não se falava mais no seu de- saparecimento. A princípio pensaram em sequestro. Mas com qual objetivo sequestrariam a cadelinha? Ela valia muito pouco, na verdade, se perguntas- sem, quanto? Alguns diriam que ela não valia nada. — Pobre cadelinha, por onde andará?—perguntou Maroca, já saudo- sa da sua companheirinha. Agora quem comerá as aparas de bolo e limpará os respingos de recheio do chão? — Não vem não, você foi a primeira a escorraçar a coitada. —falou o Teodoro. — Ora, isso foi quando o Zeca a recolheu da rua. — Por pena, mamãe, mas você não queria entender. Só faltou exigir o pedigree da coitada. — A culpa foi da sua irmã Zeca, que falou... — a mãe foi interrompida pela filha. — Falei mesmo, falei que ela ia encher esta casa de cadelinhas como ela. Depois me arrependi. A vizinha que participava daquele “disse me disse¨, soltou: 78
  • 79. — Taí, agora está explicado. — Não se meta Dora, que este assunto não é seu. Eu tratava muito bem a cadelinha e até via nela boas qualidades; silenciosa, seus passos eram leves, nunca estragou uma peça de roupa e festejava cada visitante como se fosse velho conhecido seu. Certo que de alguns ela se escondia. — Pobre cadelinha por onde andará?—suspirou Maroca. Todo lugar foi rigorosamente vasculhado e nada, nem sinal. — Simplesmente ela resolveu abandoná-los. — disse o guarda da rua, que a conhecia muito bem. — É assim mesmo, há ingratidão em toda criatura. A cadelinha já estava acostumada na rua, logo vi, ela não ia se acos- tumar. Até que demorou. — Que absurdo, a cadelinha era muito meiga e quando mostrava os dentes, era a coisa mais linda. — Foi isso então, alguém que se apaixonou pelo sorriso dela a levou. — disse o Teodoro, já cansado daquela conversa. Dias depois quando tudo parecia esquecido, o jornal noticiava. “Cade- linha desaparecida pode ser a mesma que está no hospital”. Todos correram para lá, e voltaram indignados, decepcionados. Nem mesmo queriam falar sobre o encontro, o que gerou suspeita. Comentários se espalharam: — Cadelinha foi dar sua cria longe, sabia que não iriam aceitá-la mais. Foram lá, mas, não a trouxeram para casa. — Claro, se uma cadelinha incomoda, imaginem duas ou três. O comentário trouxe desconforto para a família que não podia mais sair nem no portão sem que viessem as críticas e gozações: — Bom dia D. Maroca, tem notícias das netinhas? — perguntava o guarda num tom de pilhéria. Um dia, de uma clínica veterinária, uma pessoa ligou: — Tem uma cadelinha aqui, quem sabe? Maroca nem deixou a pessoa terminar e furiosa, desligou o telefone. Teceu suas considerações e chegou à seguinte conclusão. — Melhor pararmos a busca e esquecermos este assunto. Daqui a 79
  • 80. pouco encontram esta ordinariazinha morta e vão pensar logo em nós. — Que tristeza, nem caridade podemos fazer nos dias de hoje. — Você nunca gostou de fazer caridade, você simplesmente não gosta de perder o que julga ser seu. — Teodoro, será que você nunca vai me compreender? Mais um dia, e outro telefonema: — Estou ligando para avisar que estou bem, amo vocês. Todas as manhãs, passeio com os cachorros, dou banho em alguns, e com muito carinho cuido deles. Sou cuidadora de cães. Estou no lugar certo... um pet shopping. Aqui, todos me chamam de Janice. Estranho e Delicado Emilia Goulart dos Santos Um pequenino ser, estranho e assustador, a princípio causou-me asco, depois uma curiosidade. Na tentativa de decifrar aquela coisa, aproximei-me, apesar do receio. Porém, a coisa enrolada e peluda, fugiu em desabalada carreira. Fui bem esperta, alcançando aquela rara espécie de não sei o quê. Não tive coragem para tocá-la. Encurralada, assustada, mas, disposta a defender- se até a morte. Os olhos enormes em uma criatura tão pequena pareciam implorar por piedade. Aproximei-me e a coisa assustada recuou. Não a toquei, ela estava tão indefesa, que tocá-la recairia sobre mim alguma maldição, pensei: — Como será a maldição da coisa? Rastejar ou flutuar por aí a deriva, como pluma solta de alguma ave? Em um segundo a perdi de vista, nem me atrevi a causar-lhe a morte. Aproveitando daquele momento de indecisão, refugiou-se sob a penteadeira, onde pude alcançá-la, e para minha surpresa, a coisa, era uma pena desgar- rada tentando alçar um vôo impossível. Que pena! 80
  • 81. O caso do padre Emilia Goulart dos Santos O caso que o padre nos contou foi de arrepiar, hoje sei que ele queria apenas nos fazer acreditar que o inferno e purgatório de fato existem. Mas o que nos passou foi a ideia de que espíritos voltavam e isto fugia do que aca- bávamos de aprender. È triste quando o caso contado foge da lógica pré-determinada. Crian- ças viajam, o melhor é que as informações sejam bem claras. O sobrenatural povoa suas mentes sem nenhum esforço. Depois o que fica na memória não desaparece tão facilmente. O que nos foi ensinado como certo, já não nos parece tão certo. O padre era um bom padre, mas nos aterrorizava com seus casos. Seus discursos eram longos e ricos em detalhes. Éramos apenas crianças que se preparavam para a vida religiosa. Os dez mandamentos estavam na ponta da língua, já sabíamos todos os atos que nos preparam da confissão à comunhão. Restava algum tempo até o dia da Primeira Comunhão e ele se empenhava para nos manter longe dos pecados que rodeiam os jovens, ilustrando o paraíso, o inferno e o purga- tório. Dante Alighieri perdia para o padre em requinte e ousadia. Certo dia ele contou-nos o seguinte caso. Dois estudantes, muito amigos, vieram do interior para a capital a fim de estudarem e trabalharem. Inseparáveis, mas cada qual tinha seu modo de vida. Um religioso demais o outro farrista, gostava de aproveitar a vida e errava nas doses, mentia para os pais, pois seu dinheiro nunca era suficiente. O jovem religioso observava os ensinamentos cristãos. —Exaltado o padre repetia com ênfase: — Seguia os ensinamentos cristãos! Enquanto um estudava fazendo jus à confiança dos pais, o outro, bem, farreava e escarnecia do colega dizendo que ele não passava de um tolo e quando outro mencionava o inferno ou purgatório, ele se consumia em gar- galhadas. Até que uma noite, ao voltar para o quarto que dividiam, ele não 81
  • 82. voltou. As horas se passaram, o amigo acordava, rezava e voltava a dormir, es- tava inquieto e angustiado, o amigo deveria ter voltado. Apesar das diferenças, ele queria bem ao amigo e estava preocupado. De repente o vento escancarou a janela e para dentro salta o amigo em chamas. Desesperado ele joga sobre o outro um cobertor para apagar o foga- réu, o cobertor caiu no vazio e ele ouviu a voz do amigo a implorar: — O inferno existe, reze para que eu vá para o purgatório, você disse que lá ainda se tem uma chance. Por estar embriagado o rapaz acabara atropelado e morto. O padre era maluco, mas até hoje eu tenho comigo que o inferno e o purgatório existem. 82
  • 83. Frutos do Século XX Emilia Goulart dos Santos Pisaram a lua Transplantaram corações Vulgarizaram o amor Comeram o sexo Dançaram o lago, Contaminaram a água, Beberam o carro. Fumaram maconha, Poluíram o ar. Cheiraram o pó, Entupiram o nariz. Contrataram o crack. Roubaram do próximo, Sequestraram os irmãos, Abortaram os filhos. Mataram os pais, Gastaram a liberdade. Lotaram as prisões, e agora Mané? 83
  • 84. Medo Elaine Cristina de Alencar Eu tenho medo: Da solidão, Da ausência que se instalou, Da incompreensão dos atos falhos, Da falta do sorriso no rosto, Da dor latente que invade meu peito, Da minha falta de coragem de dizer ao meu coração que tudo acabou, Da minha insensatez como mulher, Da falta das palavras trocadas, Da falta da troca de energia, Da falsidade e da mentira, De não saber me recompor, De perder a calma e fazer besteira De sonhar alto e cair das nuvens, De pensar na tua sordidez, Enfim... Do medo de ter medo! 84
  • 85. Noite fria Elaine Cristina de Alencar Uma triste noite... Fria, enevoada, cinza... Sinto o breu me absorver, Meus músculos retesam e contraem... O pensamento vagueia e busca uma forma de aquecer, A alma flutua no espaço da memória e recorda os bons momentos, De um café com conhaque no início da Avenida Paulista... O borbulhar da névoa solta pela boca, mostrando que o frio a pino seria o nosso companheiro pela madrugada a fora... Um violão, muitas vozes... Pessoas ilustres, andarilhos da madrugada, Tempo de aguçar a sagacidade da juventude. Olhos embotados em lágrimas... Estimulam a dor da saudade, Corrompem os laços da idade e se movem ao passado, Trazendo enfim o saudosismo dos tempos de outrora, Dos amigos idos, perdidos pelo mundo todo. Gente que faz falta, mas que preenchem um momento necessário. No tempo do crescimento o mesmo frio traduz a vontade de um ombro amigo para aquecer... Lembranças fortes, coisas boas, guardadas no baú da memória... E neste frio, Meus músculos retesam e contraem... 85
  • 86. Lamento Elaine Cristina de Alencar O lamento me corrói a alma, Me escraviza na sensação de perda e abandono. Quisera pode identificar tal sentimento como espúria, Alojá-lo no mais profundo âmago e lá deixá-lo expurgar. Romper as amarras do meu peito, Que teima em explodir em sentimentos, Identificar todas os enlaces, soltá-los um a um e dar-lhes nova vida! Saber que o novo sempre vem... Pra nos preparar para o caminho. Que por mais as dores tardias são somente aprendizado. Servem para o crescimento diário e assim Tornam-se mais fortes, em cor, graça, revelação. Para que no final de tudo nos engrandeça Em possantes e maduras manifestações de paz e aconchego. 86
  • 87. Não tive tempo Elaine Cristina de Alencar Não tive tempo pra entender... Quando vi, já era tarde... Estava entregue as suas artimanhas. Não tive tempo pra pensar... No que poderia acontecer, Em um pedido fútil, Que se tornou realidade. Não tive tempo de discernir... Meu “eu” invadido de algo fugaz, Corrompeu-me as amarras internas, Trouxe um alento envolto em palavras doces. Não tive tempo de distinguir... As palavras, dos toques, da sensação... De ter chegado ao limite, Sem mesmo ter exagerado. Não tive tempo de distinguir... Sua fala, de suas atitudes adversas, Mas de certa forma envolventes e intrigantes. Não tive tempo de advertir... Minha índole não sabe ser cordeirinho, Ela é adversa e satisfaz a curiosidade... Não tive tempo de reagir... Meus pensamentos transgrediram minh’alma, Deixaram-me sem ação, de dizer ‘não’ Pro meu coração. Não tive tempo de corrigir... As atitudes imperiosas, Das palavras impostas, 87
  • 88. De um processo enraizado. Não tive tempo de impedir... Que as palavras entoadas, De uma dor passada. Viesse à tona e mostrasse o medo. Ah... Não tive tempo de conter... Quando vi meus lábios estavam nos teus, A imagem se fez presente em minha memória. E o teu sabor enfim, ficou em mim. A Lua Elaine Cristina de Alencar O esplendor do seu brilho transparece a minh’alma... Clareia e ofusca meu olhar desnudo... Deflora meu sorriso ao máximo, Aprisiona-me os olhos em direção certeira ao centro de sua luminosidade prateada... Ofusca-me, Embriaga-me, Revela-me, Transmita-me o seu grande astral de paz e Deixa-me viver eternamente resguardada, Dentro de sua clarividência, Que me conduz em sonhos ao auge! 88
  • 89. Raiva Elaine Cristina de Alencar Neste momento, eu queria ter superpoderes. Queria poder saber voar, para chegar mais rápido ao meu destino. Que tal um tele transporte? Uma viagem na imaginação, através do "pirlipimpim" da Emília. Um estalo de dedo e olha eu ali, defronte do necessário... Ah, imaginação não me falta. Vontade então? Vixeeee! Se eu tivesse mesmo estes tais super-poderes, ninguém se atreveria comigo, nem com meus amigos. Atrevimento é o que mais tem, neste mundão de meu Deus. Aiiii, mas que eu queria, queria, chegar até defronte da tua face e sentir o seu coração pular pela boca. Ah! Como eu queria! O coração palpitar de tanto medo. Ver o seu corpo todo tremer como geléia e se esfacelar no chão. É... imaginação, me leve e me deixe leve! Assim mesmo, criando na mente o momento, eu posso extravasar meus sentimentos contrários... Abastecer minha mente de super poderes pra poder eliminar este sen- timento. Quem dera mesmo eu pudesse... Ai... ai...ai...ai...ai... Mas na intrínseca vontade me resta somente manter na memória o caso, pra na hora certa poder verter em fatos a cobiça. 89
  • 90. Nós, nunca a sós Marisa Gomes Seus olhos sempre carinhosos acompanhados da voz acalentadora São essas as lembranças que tenho de você Sei que mudei o rumo da vida Que não sou mais a neném de casa Afinal saí de lá. Mas aqui estou, lembrando nossas risadas Eu e você sempre juntas, no mercado, na escola Assistindo TV até tarde do dia... Emendando a noite com o dia E das conversas e dos conselhos Da sua falta chego a pensar que não vale a pena tentar Mas vejo que é por você que estou tentando ser feliz Aprendi com você a nunca desistir, Persistir é essa a lição que tiro de você Essa nova vida é dura Sem você, o dia se torna menos colorido Não sei o que se passa no seu dia e isso me incomoda Não ser mais a pessoa a quem você confessa seus medos antes de dormir Não repartir com você o último bis da caixinha é muito triste Mas da distância que for, você e eu Nós, Juntas Sempre seremos Filha e Mãe Mãe e Filha Também “tiadoro” e “tiamo” MUITO! 90
  • 91. Você é pra mim Marisa Gomes Sinto sua falta em cada momento Sinto, tento não sentir, mas lamento! Sinto tanto que me incomoda Não sei decifrar o que sinto Se estou na rua, procuro seu rosto, Pra fazer meu gosto, olho uma foto sua Mato a saudade que teima ficar em meu peito Mas deito nos murmúrios dos meus pensamentos quando não te ouço Decifrar o que sinto é tão difícil! Sei que apenas sinto, acho que é amor ou carinho Mas carinho é sentimento ou expressão de sentimento? Meu querido, eu quero te dizer que você é muito importante pra mim Você é meu amigo? Meu namorado? Meu amante? Não consigo dar significado, rotular o que sinto por você Apenas quero sentir, e agradecer o fato de que você existe, Pois apenas a sua existência dá sentido à minha vida sem graça Te admiro, te adoro. Será que te amo? Será que também pensa assim como eu? Só quero que saiba que te quero bem, meu bem! E que seja eterno enquanto dure o que sentimos! 91
  • 92. No Mundo da Imaginação Mariluci Braz Gomes Correia Era uma noite chuvosa. Todos saíram. Ficara sozinha. O telefone toca. Alguém do outro lado da linha diz: - Você está só? Esperei tanto por este momento... A voz parecia meio afeminada, mas ficara em dúvida. - Sim, quer dizer, não. Meu marido dorme. Mentiu. Estava só. Corre-lhe um calafrio pela espinha. Lembrara do que sempre dizia às filhas se alguém lhes fizesse tal pergunta. A voz insiste: - Você mente, sei que está sozinha. Vi a hora em que todos saíram. Ela fica em pânico. Pensa em tudo de ruim. Vem a sua mente imagens daquele filme horrível. Imagina que viveria situação parecida. Pensa até que alguém já está dentro de sua casa e liga de um telefone celular. As pernas falham, não as sente mais. Não consegue mais sair do lugar. Tenta disfarçar o medo, e num esforço subumano... - Sim, todos, menos meu marido que está meio adoentado. - Mentirosa, ele foi o primeiro a sair. Eu vi. Ela não consegue mais falar. Desliga o telefone. Ele toca de novo. Não atende. Toca o celular. Não atende. Toca o outro telefone. Não atende. De repente, todos tocam ao mesmo tempo, os três. Ela já não consegue mais se mover. Seria seu fim? Morreria?! Começam a passar em sua mente cenas de sua vida. Momentos bons, ruins, momentos de desespero, de angústia, de perda, de paixão, de felicida- de, de muita tristeza...Já não estava mais ali, na poltrona. Viajava no mundo da imaginação. Não sofria mais. Relembrava cenas de sua vida morna. Pen- sava em tudo que poderia ter feito e não fez, tudo que poderia ter sido – e não foi. Por medo, covardia... Em o quanto poderia ter sido feliz.... Quanta vez renunciava a vida para satisfazer caprichos de outras pessoas, para não desestruturar seu lar, para fazer os outros felizes. Não conhecia nada ainda. Nem o mar. Apesar de corajosa, valente, “independente”, era submissa, como 92
  • 93. toda mulher. Teria valido a pena a sua vida? Por que teve tanto medo de ser feliz? Mas... Agora era tarde demais. Alguém lhe toca os ombros. Ela olha. - Meu Senhor!!! Um gênero textual no contexto de produção Mariluci Braz Gomes Correia O texto é sempre o mesmo. As leituras é que são diferentes. Cada um lê com seus próprios olhos. Há um gênero textual que demoramos uma vida para produzi-lo e quando o terminamos não há mais tempo para refacção. Como corrigi-lo a tempo? A vida é uma escola, como já sabemos. É um texto em construção que precisa ser refeito a cada dia, a cada fase, mas corrigir esses parágrafos só cabe a nós mesmos, com o discernimento que o Mestre nos deu. A introdução desse texto maior, nossa passagem pela Terra, somente ela não está a nosso cargo, pois os nossos coautores, nossos pais, estão en- carregados de fazê-la. Se esse “início” não for bem elaborado, fica complicado o desenvolvimento dos outros parágrafos, das outras fases, pois o alicerce ficou abalado. No entanto, nem tudo está perdido. Enquanto a vida pulsa, a sequên- cia textual pode ser corrigida. Há muitas possibilidades de “apagar” o erro, de refazê-lo, retornar, não podemos desistir ou persistir no erro, perdendo a oportunidade de correção dos contextos sociointeracionais. É só “mexer” na introdução, mas com muita cautela, sem mudar a idéia. Geralmente, nesses casos faz-se necessário a ajuda de um especialista e aceitar a injunção. Durante o desenvolvimento desse texto, que ora é uma crônica, ora é um poema, ora é um conto, ora memórias e noutras um texto de opinião, não 93
  • 94. podemos nos esquecer das sequências discursivas que se misturam e dão o elo - como um arco-íris no infinito, colorindo ainda mais as nossas vidas, idas e vindas como as ondas que vão e vêm, mas que, dependendo da ressaca, elas só vão. Temos que ter muito cuidado com a coerência desses parágrafos lon- gos, pois não é fácil, requer muita atenção, pode produzir ambigüidade, aí vem a tal da depressão. Mas, nem tudo se complica, há momentos emocionantes e gratifican- tes, só que tudo depende da intenção de interagir, de inspirar-se. Temos que perceber que nunca estamos sós, há sempre alguém a nos observar, é só silenciar e ouvi-lo. Ele está dentro de nós. Também temos os amigos que vamos conquistando no decorrer da escritura para nos inspirar. Não podemos perder o foco, é necessário con- textualizar e garantir a textualidade, pois enquanto houver vida há tempo de correção, de familiarizarmos com a famigerada deprê, refazer, a amarrar as idéias, dar coesão aos parágrafos. Contudo, há momentos em que nos faltam forças para tanta releitura, então ficamos inertes e deixamos o barco correr, o texto circular com proble- mas. Aproveitemos as chances de revisão. Há um momento em que também não nos cabe: a tal da conclusão, que de repente pode acontecer, não sendo a hora oportuna. Nesse caso, o Coautor Maior entra e o que foi feito e refeito é visto e revisto, lido e relido em nosso texto maior, mas já sem chance de correção, tem que ser concluído esse gênero textual. É chegada a hora de terminar essa grande obra e esperar pela nota do Mestre, pois é o final da escrituração. A obra está concluída, a não ser que nos seja dada, um dia, em algum lugar do futuro, outra oportunidade de produção, mas num outro contexto ou numa outra comunidade discursiva. 94