SlideShare uma empresa Scribd logo
1 de 3
O olhar do observador
O olhar do observador
Madalena Freire
A observação é uma ação altamente reflexiva quando o olhar está pautado para buscar
ver o que ainda não sabe. Não é um olhar vago, à espera de descobertas. É um olhar
focalizado para detectar, diagnosticar o saber e o não saber do grupo. Por isso mesmo
ação estudiosa de realidade pedagógica que, por sua vez, demanda esforço, empenho,
disciplina.
Na ação própria do nosso ensinar e na função de observador, é preciso o exercício de:
1. Silenciar: ser capaz de permanecer em silêncio. Dominar o próprio pensamento,
numa interação "barulhenta" e por vezes conflitiva com o outro, mas... dentro de nós
mesmos. A escrita neste momento é o único instrumento para (a futura) interação com o
outro.
2. Escutar: a escuta de falas, reações mais variadas, e por vezes até silenciosas do
grupo assinalam sempre uma comunicação paralela do grupo entre si, e com o
educador. Exercitar a sutileza dessa escuta, buscando desvelar seu significado é um
dos grandes desafios da ação de observar.
3. Ver: olhar o todo, o coletivo, as partes, os individuais, no seu conjunto e nos seus
detalhes. No que cada elemento compõe a parte desse todo, com suas falas, seus gestos,
suas "sacadas", seus silêncios. Aprender a olhar além, sempre, perguntando todo o
tempo, o que está por trás do que se vê? Qual o significado? O que está para ser
desvelado? É neste sentido que o olhar do observador é de "leitor" de realidade
pedagógica.
4. Escrever: a escrita é um instrumento valioso de interação do observador com ele
mesmo, no diálogo com o educador e com o grupo que observa. Ela é o apoio, a âncora
do seu pensar, de sua reflexão. Se a escrita é âncora para o observador na organização
do seu pensar sobre a aula, a pauta da observação nos crivos: aprendizagem, dinâmica
e coordenação são igualmente âncoras para a mesma. O desafio não é "escrever tudo",
mas sim registrar o que é essencial, guiado pela sua pauta.
5. Participar: aprender a participar de modo diferenciado, eis um dos grandes desafios
do observador. Há dois níveis da participação que demandam duas interações distintas.
Uma interação silenciosa, que exige exercício de concentração, atenção, um estar
presente consigo mesmo e com o grupo, pensando a aula. Outra interação mediada
pela linguagem corporal. Suas expressões de espanto, surpresa, seus gestos, sua
postura corporal comunicam ao grupo o que no seu silêncio ele pensa, seu corpo
"fala".
Estes cinco elementos inerentes ao ato de observação, quando assumidos no seu
exercício da aprendizagem cotidiana, possibi-litam em nós o desenvolvimento de
competências cruciais também às funções do educador. Silenciar, escutar, ver, escrever
e participar, enquanto construímos a aula, requer de cada um o exercício de
capacidades como a paciência, a humildade, a tolerância, a generosidade, sem as quais
a construção do conhecimento fica comprometida. Enquanto educadores, na função de
observador, aprendemos esse exercício, por vezes muito delicado, de "observar a dor"
do outro e também as alegrias no partilha-mento da construção de sua aula.
O papel do registro na formação do educador
Madalena Freire
"o que diferencia o homem do animal é o exercício do registro da memória humana"
Vygotsky
O educador no seu ensinar, está em permanente fazer, propondo atividades,
encaminhando propostas aos seus alunos.
Por isto mesmo sua ação tem que ser pensada, refletida para que não caia no praticismo
nem no "bomberismo pedagógico".
Esta ação pensante, onde prática, teoria e consciência são gestadas é de fundamental
importância em seu processo de formação.
Contudo, não é todo educador que tem apropriado seus desejos, seu fazer, seu
pensamento na construção consciente de sua prática e teoria.
Como despertá-lo deste sonho alienado, reprodutor mecânico de modismos
pedagógicos?
Como formá-los para que sejam atores e autores conscientes de seu destino pedagógico
e político? Como exigir que já estejam prontos para determinada prática pedagógica se
nunca, ou muito pouco, exercitaram o seu pensar reflexivo e a socialização de suas
idéias?
O registro da reflexão sobre a prática constitui-se como instrumento indispensável à
construção desse sujeito criador, desejante e autor de seu próprio sonho. O registro
permite romper a anestesia diante de um cotidiano cego, passivo ou compulsivo, porque
obriga pensar.
Permite ganhar o distanciamento necessário ao ato de refletir sobre o próprio fazer
sinalizando para o estudo e busca de fundamentação teórica.
Permite também a retomada e revisão de encaminhamentos feitos, porque possibilita a
avaliação sobre a prática, constituindo-se fonte de investigação e replanejamento para a
adequação de ações futuras.
O registro permite a sistematização de um estudo feito ou de uma situação de
aprendizagem vivida. O registro é História, memória individual e coletiva eternizadas
na palavra grafada. É o meio capaz de tornar o educador consciente de sua prática de
ensino, tanto quanto do compromisso político que a reveste.
Mas não é fácil escrever e refletir sobre nossa ação de ensino. No decorrer destes anos,
desde 1979, tanto no acompanhamento da reflexão de educadores, como no meu
exercício permanente de reflexão e registro sobre a minha própria prática, tenho me
certificado da importância desse exercício no processo de apropriação do pensamento.
A seleção, por cada um, do que é relevante ser registrado se faz lenta e gradual. A
princípio não há clareza sobre as prioridades, sobre o que é importante guardar para
além da lembrança, as vezes vaga, que pode ser guardada pela memória imediata.
No processo de formação de educadores entendemos ser de extrema importância o
desenvolvimento do registro enquanto ação sistemática e ritual do educador. Nesse
sentido, nossa proposta no curso de formação estrutura-se de forma a propiciar esse
exercício, primeiramente, através da escrita sobre a aula, da sua síntese, que exige o
exercício do registro em dois momentos distintos: primeiro, no ato mesmo da aula e
depois, já distanciado dela.
No primeiro momento, o exercício de observação e escuta subsidiam o registro
apontando para os dados mais relevantes e significativos. Na aula, os educadores em
curso observam as ações de ensino bem como a dinâmica constituída pelo grupo e
acompanham a discussão dos conteúdos tratados.
O registro posterior, longe do espaço/tempo em que ocorreu a ação, caracteriza um
outro e distinto movimento reflexivo. É nesse momento que os dados coletados podem
ser interpretados lançando luzes à novas hipóteses e encaminhamentos, tanto no que diz
respeito as ações de ensino, quanto no que aponta para as necessidades da
aprendizagem. Dessa maneira, o educador, leitor e produtor de significados, cerca com
rigor o seu pensar estudioso sobre a realidade pedagógica.
Mas não basta registrar e guardar para si o que foi pensado, é fundamental socializar os
conteúdos da reflexão de cada um para todos. É fundamental a oferta do entendimento
individual para a construção do acervo coletivo. Como bem pontuava Paulo Freire, o
registro da reflexão e sua socialização num grupo são "fundadores da consciência" e
assim sendo, sem risco de nos enganarmos, são também instrumentos para a construção
de conhecimento.
Nesse aprendizado permanente de escrever e socializar nossa reflexão valendo-nos do
diálogo com outros, sedimenta-se a disciplina intelectual tão necessária a um educador
pesquisador, estudioso do que faz e da fundamentação teórica que o inspira no seu
ensinar.
O registro é instrumento para a construção da competência desse profissional reflexivo,
que recupera em si o papel de intelectual que faz ciência da educação.
Fonte: Espaço Pedagógico

Mais conteúdo relacionado

Mais procurados

Carta de-intencao-modelo
Carta de-intencao-modeloCarta de-intencao-modelo
Carta de-intencao-modeloEzinalva Lima
 
Fundamentos teoricos e metodologicos da alfabetização e do letramento
Fundamentos teoricos e metodologicos da alfabetização e do letramentoFundamentos teoricos e metodologicos da alfabetização e do letramento
Fundamentos teoricos e metodologicos da alfabetização e do letramentoSusanne Messias
 
A teoria do desenvolvimento humano segundo Erik Erikson
A teoria do desenvolvimento humano segundo Erik EriksonA teoria do desenvolvimento humano segundo Erik Erikson
A teoria do desenvolvimento humano segundo Erik EriksonThiago de Almeida
 
Fama relatório de visita técnica
Fama   relatório de visita técnicaFama   relatório de visita técnica
Fama relatório de visita técnicaWilliam Alves
 
Competências e Habilidades Socioemocionais no cotidiano
Competências e Habilidades Socioemocionais no cotidiano Competências e Habilidades Socioemocionais no cotidiano
Competências e Habilidades Socioemocionais no cotidiano inovaDay .
 
Desenvolvimento infantil (1)
Desenvolvimento infantil (1)Desenvolvimento infantil (1)
Desenvolvimento infantil (1)Paula Santos
 
A importância da produção de textos acadêmicos na formação do discente de nív...
A importância da produção de textos acadêmicos na formação do discente de nív...A importância da produção de textos acadêmicos na formação do discente de nív...
A importância da produção de textos acadêmicos na formação do discente de nív...Bruno Gomes Dias
 
Contrato de convivencia 2022
Contrato de convivencia 2022Contrato de convivencia 2022
Contrato de convivencia 2022Washington Rocha
 
Modelo padrao relatorio
Modelo padrao relatorioModelo padrao relatorio
Modelo padrao relatorioCamila Neitzke
 
Gravidez na adolescência
Gravidez na adolescênciaGravidez na adolescência
Gravidez na adolescênciaSoraya Filipa
 

Mais procurados (20)

Carta de-intencao-modelo
Carta de-intencao-modeloCarta de-intencao-modelo
Carta de-intencao-modelo
 
Estudo Orientado
Estudo OrientadoEstudo Orientado
Estudo Orientado
 
Fundamentos teoricos e metodologicos da alfabetização e do letramento
Fundamentos teoricos e metodologicos da alfabetização e do letramentoFundamentos teoricos e metodologicos da alfabetização e do letramento
Fundamentos teoricos e metodologicos da alfabetização e do letramento
 
Auto cuidado
Auto cuidadoAuto cuidado
Auto cuidado
 
A teoria do desenvolvimento humano segundo Erik Erikson
A teoria do desenvolvimento humano segundo Erik EriksonA teoria do desenvolvimento humano segundo Erik Erikson
A teoria do desenvolvimento humano segundo Erik Erikson
 
ORTOGRAFIA: ENSINAR E APRENDER (ARTUR GOMES DE MORAIS)
ORTOGRAFIA: ENSINAR E APRENDER (ARTUR GOMES DE MORAIS)ORTOGRAFIA: ENSINAR E APRENDER (ARTUR GOMES DE MORAIS)
ORTOGRAFIA: ENSINAR E APRENDER (ARTUR GOMES DE MORAIS)
 
Competencias socioemocionais--nova-escola
Competencias socioemocionais--nova-escolaCompetencias socioemocionais--nova-escola
Competencias socioemocionais--nova-escola
 
Modelo projeto pedagogico
Modelo projeto pedagogicoModelo projeto pedagogico
Modelo projeto pedagogico
 
Fama relatório de visita técnica
Fama   relatório de visita técnicaFama   relatório de visita técnica
Fama relatório de visita técnica
 
Competências e Habilidades Socioemocionais no cotidiano
Competências e Habilidades Socioemocionais no cotidiano Competências e Habilidades Socioemocionais no cotidiano
Competências e Habilidades Socioemocionais no cotidiano
 
Folder SPE
Folder SPEFolder SPE
Folder SPE
 
Desenvolvimento infantil (1)
Desenvolvimento infantil (1)Desenvolvimento infantil (1)
Desenvolvimento infantil (1)
 
Slides infanto completo
Slides infanto completoSlides infanto completo
Slides infanto completo
 
A importância da produção de textos acadêmicos na formação do discente de nív...
A importância da produção de textos acadêmicos na formação do discente de nív...A importância da produção de textos acadêmicos na formação do discente de nív...
A importância da produção de textos acadêmicos na formação do discente de nív...
 
Contrato de convivencia 2022
Contrato de convivencia 2022Contrato de convivencia 2022
Contrato de convivencia 2022
 
Modelo padrao relatorio
Modelo padrao relatorioModelo padrao relatorio
Modelo padrao relatorio
 
Gravidez Na Adolescencia
Gravidez Na AdolescenciaGravidez Na Adolescencia
Gravidez Na Adolescencia
 
Namoro na adolescencia
Namoro na adolescenciaNamoro na adolescencia
Namoro na adolescencia
 
Normas da APA
Normas da APANormas da APA
Normas da APA
 
Gravidez na adolescência
Gravidez na adolescênciaGravidez na adolescência
Gravidez na adolescência
 

Semelhante a O olhar do observador

Hoffmann, jussara o jogo em avaliação
Hoffmann, jussara   o jogo em avaliaçãoHoffmann, jussara   o jogo em avaliação
Hoffmann, jussara o jogo em avaliaçãoDiego Garcia
 
Hoffmann, jussara o jogo em avaliação
Hoffmann, jussara   o jogo em avaliaçãoHoffmann, jussara   o jogo em avaliação
Hoffmann, jussara o jogo em avaliaçãomarcaocampos
 
Capacitacao Consultores Final
Capacitacao Consultores FinalCapacitacao Consultores Final
Capacitacao Consultores FinalCCAC
 
Monografia PUC: Em busca do prazer de pesquisar - Reflexões psicopedagógicas ...
Monografia PUC: Em busca do prazer de pesquisar - Reflexões psicopedagógicas ...Monografia PUC: Em busca do prazer de pesquisar - Reflexões psicopedagógicas ...
Monografia PUC: Em busca do prazer de pesquisar - Reflexões psicopedagógicas ...Lia Muschellack
 
Resenha ensinar a pensar. Raths, Louis. prof Laenio Loche
Resenha ensinar a pensar. Raths, Louis. prof Laenio LocheResenha ensinar a pensar. Raths, Louis. prof Laenio Loche
Resenha ensinar a pensar. Raths, Louis. prof Laenio Locheadriano braun
 
Coll, césar e outros. o construtivismo na sala de aula.
Coll, césar e outros. o construtivismo na sala de aula.Coll, césar e outros. o construtivismo na sala de aula.
Coll, césar e outros. o construtivismo na sala de aula.Manoela_93
 
Projeto de pesquisa
Projeto de pesquisaProjeto de pesquisa
Projeto de pesquisaviviprof
 
Resumo pensadores concurso itapevi 2
Resumo pensadores concurso  itapevi 2Resumo pensadores concurso  itapevi 2
Resumo pensadores concurso itapevi 2Adail Silva
 
Encontro pedagógico
Encontro pedagógicoEncontro pedagógico
Encontro pedagógicoMagda Marques
 
Aprendizagem Dialógica - Princípios 2015
Aprendizagem Dialógica - Princípios 2015Aprendizagem Dialógica - Princípios 2015
Aprendizagem Dialógica - Princípios 2015Giba Canto
 
Professor Reflexivo 2
Professor Reflexivo 2Professor Reflexivo 2
Professor Reflexivo 2Marlova Balke
 
Filosofia do cotidiano escolar
Filosofia do cotidiano escolarFilosofia do cotidiano escolar
Filosofia do cotidiano escolarMarcela Lopes
 
Tarefa etapa4 claudine-alvarenga-silva
Tarefa etapa4 claudine-alvarenga-silvaTarefa etapa4 claudine-alvarenga-silva
Tarefa etapa4 claudine-alvarenga-silvaClaudine Alvarenga
 

Semelhante a O olhar do observador (20)

Educando o olhar
Educando o olharEducando o olhar
Educando o olhar
 
Estudar e Aprender na Universidade
Estudar e Aprender na UniversidadeEstudar e Aprender na Universidade
Estudar e Aprender na Universidade
 
Artigo rse
Artigo rseArtigo rse
Artigo rse
 
Sentidos e significados de aprendizagem
Sentidos e significados de aprendizagemSentidos e significados de aprendizagem
Sentidos e significados de aprendizagem
 
Hoffmann, jussara o jogo em avaliação
Hoffmann, jussara   o jogo em avaliaçãoHoffmann, jussara   o jogo em avaliação
Hoffmann, jussara o jogo em avaliação
 
Hoffmann, jussara o jogo em avaliação
Hoffmann, jussara   o jogo em avaliaçãoHoffmann, jussara   o jogo em avaliação
Hoffmann, jussara o jogo em avaliação
 
Capacitacao Consultores Final
Capacitacao Consultores FinalCapacitacao Consultores Final
Capacitacao Consultores Final
 
Monografia PUC: Em busca do prazer de pesquisar - Reflexões psicopedagógicas ...
Monografia PUC: Em busca do prazer de pesquisar - Reflexões psicopedagógicas ...Monografia PUC: Em busca do prazer de pesquisar - Reflexões psicopedagógicas ...
Monografia PUC: Em busca do prazer de pesquisar - Reflexões psicopedagógicas ...
 
Resenha ensinar a pensar. Raths, Louis. prof Laenio Loche
Resenha ensinar a pensar. Raths, Louis. prof Laenio LocheResenha ensinar a pensar. Raths, Louis. prof Laenio Loche
Resenha ensinar a pensar. Raths, Louis. prof Laenio Loche
 
Coll, césar e outros. o construtivismo na sala de aula.
Coll, césar e outros. o construtivismo na sala de aula.Coll, césar e outros. o construtivismo na sala de aula.
Coll, césar e outros. o construtivismo na sala de aula.
 
Metodos pres.pptx
Metodos pres.pptxMetodos pres.pptx
Metodos pres.pptx
 
Paper 4 do eja
Paper 4 do ejaPaper 4 do eja
Paper 4 do eja
 
Projeto de pesquisa
Projeto de pesquisaProjeto de pesquisa
Projeto de pesquisa
 
Resumo pensadores concurso itapevi 2
Resumo pensadores concurso  itapevi 2Resumo pensadores concurso  itapevi 2
Resumo pensadores concurso itapevi 2
 
Encontro pedagógico
Encontro pedagógicoEncontro pedagógico
Encontro pedagógico
 
Aprendizagem Dialógica - Princípios 2015
Aprendizagem Dialógica - Princípios 2015Aprendizagem Dialógica - Princípios 2015
Aprendizagem Dialógica - Princípios 2015
 
Professor Reflexivo 2
Professor Reflexivo 2Professor Reflexivo 2
Professor Reflexivo 2
 
Filosofia do cotidiano escolar
Filosofia do cotidiano escolarFilosofia do cotidiano escolar
Filosofia do cotidiano escolar
 
Pelos territórios fénix
Pelos territórios fénixPelos territórios fénix
Pelos territórios fénix
 
Tarefa etapa4 claudine-alvarenga-silva
Tarefa etapa4 claudine-alvarenga-silvaTarefa etapa4 claudine-alvarenga-silva
Tarefa etapa4 claudine-alvarenga-silva
 

O olhar do observador

  • 1. O olhar do observador O olhar do observador Madalena Freire A observação é uma ação altamente reflexiva quando o olhar está pautado para buscar ver o que ainda não sabe. Não é um olhar vago, à espera de descobertas. É um olhar focalizado para detectar, diagnosticar o saber e o não saber do grupo. Por isso mesmo ação estudiosa de realidade pedagógica que, por sua vez, demanda esforço, empenho, disciplina. Na ação própria do nosso ensinar e na função de observador, é preciso o exercício de: 1. Silenciar: ser capaz de permanecer em silêncio. Dominar o próprio pensamento, numa interação "barulhenta" e por vezes conflitiva com o outro, mas... dentro de nós mesmos. A escrita neste momento é o único instrumento para (a futura) interação com o outro. 2. Escutar: a escuta de falas, reações mais variadas, e por vezes até silenciosas do grupo assinalam sempre uma comunicação paralela do grupo entre si, e com o educador. Exercitar a sutileza dessa escuta, buscando desvelar seu significado é um dos grandes desafios da ação de observar. 3. Ver: olhar o todo, o coletivo, as partes, os individuais, no seu conjunto e nos seus detalhes. No que cada elemento compõe a parte desse todo, com suas falas, seus gestos, suas "sacadas", seus silêncios. Aprender a olhar além, sempre, perguntando todo o tempo, o que está por trás do que se vê? Qual o significado? O que está para ser desvelado? É neste sentido que o olhar do observador é de "leitor" de realidade pedagógica. 4. Escrever: a escrita é um instrumento valioso de interação do observador com ele mesmo, no diálogo com o educador e com o grupo que observa. Ela é o apoio, a âncora do seu pensar, de sua reflexão. Se a escrita é âncora para o observador na organização do seu pensar sobre a aula, a pauta da observação nos crivos: aprendizagem, dinâmica e coordenação são igualmente âncoras para a mesma. O desafio não é "escrever tudo", mas sim registrar o que é essencial, guiado pela sua pauta. 5. Participar: aprender a participar de modo diferenciado, eis um dos grandes desafios do observador. Há dois níveis da participação que demandam duas interações distintas. Uma interação silenciosa, que exige exercício de concentração, atenção, um estar presente consigo mesmo e com o grupo, pensando a aula. Outra interação mediada pela linguagem corporal. Suas expressões de espanto, surpresa, seus gestos, sua postura corporal comunicam ao grupo o que no seu silêncio ele pensa, seu corpo "fala". Estes cinco elementos inerentes ao ato de observação, quando assumidos no seu exercício da aprendizagem cotidiana, possibi-litam em nós o desenvolvimento de competências cruciais também às funções do educador. Silenciar, escutar, ver, escrever e participar, enquanto construímos a aula, requer de cada um o exercício de capacidades como a paciência, a humildade, a tolerância, a generosidade, sem as quais a construção do conhecimento fica comprometida. Enquanto educadores, na função de observador, aprendemos esse exercício, por vezes muito delicado, de "observar a dor" do outro e também as alegrias no partilha-mento da construção de sua aula.
  • 2. O papel do registro na formação do educador Madalena Freire "o que diferencia o homem do animal é o exercício do registro da memória humana" Vygotsky O educador no seu ensinar, está em permanente fazer, propondo atividades, encaminhando propostas aos seus alunos. Por isto mesmo sua ação tem que ser pensada, refletida para que não caia no praticismo nem no "bomberismo pedagógico". Esta ação pensante, onde prática, teoria e consciência são gestadas é de fundamental importância em seu processo de formação. Contudo, não é todo educador que tem apropriado seus desejos, seu fazer, seu pensamento na construção consciente de sua prática e teoria. Como despertá-lo deste sonho alienado, reprodutor mecânico de modismos pedagógicos? Como formá-los para que sejam atores e autores conscientes de seu destino pedagógico e político? Como exigir que já estejam prontos para determinada prática pedagógica se nunca, ou muito pouco, exercitaram o seu pensar reflexivo e a socialização de suas idéias? O registro da reflexão sobre a prática constitui-se como instrumento indispensável à construção desse sujeito criador, desejante e autor de seu próprio sonho. O registro permite romper a anestesia diante de um cotidiano cego, passivo ou compulsivo, porque obriga pensar. Permite ganhar o distanciamento necessário ao ato de refletir sobre o próprio fazer sinalizando para o estudo e busca de fundamentação teórica. Permite também a retomada e revisão de encaminhamentos feitos, porque possibilita a avaliação sobre a prática, constituindo-se fonte de investigação e replanejamento para a adequação de ações futuras. O registro permite a sistematização de um estudo feito ou de uma situação de aprendizagem vivida. O registro é História, memória individual e coletiva eternizadas na palavra grafada. É o meio capaz de tornar o educador consciente de sua prática de ensino, tanto quanto do compromisso político que a reveste. Mas não é fácil escrever e refletir sobre nossa ação de ensino. No decorrer destes anos, desde 1979, tanto no acompanhamento da reflexão de educadores, como no meu exercício permanente de reflexão e registro sobre a minha própria prática, tenho me certificado da importância desse exercício no processo de apropriação do pensamento. A seleção, por cada um, do que é relevante ser registrado se faz lenta e gradual. A princípio não há clareza sobre as prioridades, sobre o que é importante guardar para
  • 3. além da lembrança, as vezes vaga, que pode ser guardada pela memória imediata. No processo de formação de educadores entendemos ser de extrema importância o desenvolvimento do registro enquanto ação sistemática e ritual do educador. Nesse sentido, nossa proposta no curso de formação estrutura-se de forma a propiciar esse exercício, primeiramente, através da escrita sobre a aula, da sua síntese, que exige o exercício do registro em dois momentos distintos: primeiro, no ato mesmo da aula e depois, já distanciado dela. No primeiro momento, o exercício de observação e escuta subsidiam o registro apontando para os dados mais relevantes e significativos. Na aula, os educadores em curso observam as ações de ensino bem como a dinâmica constituída pelo grupo e acompanham a discussão dos conteúdos tratados. O registro posterior, longe do espaço/tempo em que ocorreu a ação, caracteriza um outro e distinto movimento reflexivo. É nesse momento que os dados coletados podem ser interpretados lançando luzes à novas hipóteses e encaminhamentos, tanto no que diz respeito as ações de ensino, quanto no que aponta para as necessidades da aprendizagem. Dessa maneira, o educador, leitor e produtor de significados, cerca com rigor o seu pensar estudioso sobre a realidade pedagógica. Mas não basta registrar e guardar para si o que foi pensado, é fundamental socializar os conteúdos da reflexão de cada um para todos. É fundamental a oferta do entendimento individual para a construção do acervo coletivo. Como bem pontuava Paulo Freire, o registro da reflexão e sua socialização num grupo são "fundadores da consciência" e assim sendo, sem risco de nos enganarmos, são também instrumentos para a construção de conhecimento. Nesse aprendizado permanente de escrever e socializar nossa reflexão valendo-nos do diálogo com outros, sedimenta-se a disciplina intelectual tão necessária a um educador pesquisador, estudioso do que faz e da fundamentação teórica que o inspira no seu ensinar. O registro é instrumento para a construção da competência desse profissional reflexivo, que recupera em si o papel de intelectual que faz ciência da educação. Fonte: Espaço Pedagógico