O FATOR RACIAL NOS CRIMES DE EXECUÇÃO SUMARIA
A MARCA DO RACISMO INSTITUCIONAL
Segundo a pesquisa “Mapa da Violência nos Municípios Brasileiros - 2007”, Pernambuco
ocupava, em 2004, o primeiro lugar entre os Estados brasileiros com maior numero de
homicídios, com uma taxa de 50, 7 homicídios por 100.000 pessoas. Só para se estabelecer
uma comparação, a média brasileira, na mesma pesquisa, é de 20 homicídios por 100.000
habitantes; enquanto que o Estado com o menor numero de homicídios (Santa Catarina)
apresenta uma taxa de 11,1 homicídios por 100.000 habitantes. Ou seja, praticamente cinco
vezes menor que o Estado de Pernambuco.
O recrudescimento no numero de crimes (em 1994, Pernambuco ocupava o quinto lugar
entre os Estados com maiores taxas de homicídios) e o anuncio seletivo dos casos na
imprensa levam à idéia de que todos os cidadãos pernambucanos são igualmente atingidos
pela violência, estão sujeitos aos mesmos riscos. Isso não é verdade. Uma analise mais
acurada dos dados relativos aos homicídios mostra que estes atingem prioritariamente
pessoas de cor negra (pretos e pardos), verificando-se a sobre-representação da população
negra mesmo quando se levam em conta outros fatores, como gênero e idade. No entanto, é
importante registrar que a maioria dos homicídios vitima homens jovens, na faixa etária dos
15 aos 24 anos, com maior incidência na faixa dos 20 aos 24 anos. Em Pernambuco, os
homicídios respondem por mais da metade de óbitos de jovens, com uma taxa de 101,5
homicídios por 100.000 jovens. Jovens negros são os mais vitimados: 141,5 homicídios por
100.000 mil jovens.
No que se refere às áreas onde estes homicídios são praticados, também se verifica que
ocorrem prioritariamente em espaços socialmente desorganizados, não por acaso locais de
maior concentrações da população negra (pretos e pardos), revelando o maior risco a que
estão sujeitas pessoas que sofrem os efeitos da desigualdade social. Ao sobrepor
indicadores sociais e eventos de violência, percebe-se que o homicídio é a principal causa
de morte entre pessoas de cor preta, e que o risco de morte é tanto maior quanto mais
escura a cor da pele: a taxa de vitimização dos negros é maior que a dos pardos, e a dos
pardos, por sua vez, maior que a dos brancos.
A exclusão histórica do sujeito negro do acesso a bens e direitos, a desconsideração de sua
personalidade jurídica nas instituições republicanas no Brasil e a adoção de teorias oriundas
do racismo cientifico (século XIX) como base do senso comum teórico no aparelho de
segurança publica consolidaram a distorção da presunção de culpabilidade em relação à
pessoa negra, ou seja: diante do aparelho de repressão estatal, pessoas negras serão
priorizadas em abordagens policiais, em atos de tortura e ações que finalizam em morte,
pois na percepção dos agentes do Estado, o perfil do suspeito é a pessoa de sexo masculino,
jovem e negro. A equação democracia racial/estereótipos racistas/violência policial tem
significado, para a população negra em Pernambuco, um pesado saldo de execuções
sumarias, principalmente na faixa etária dos 15 aos 24 anos, com efeitos de caráter
genocida. Estes elementos estão presentes no caso do assassinato dos dois jovens negros no
carnaval do Recife, em 2006, e na execução sumaria de uma das testemunhas do caso, às
vésperas de prestar depoimento, meses após. A não punição dos culpados até o presente
momento revela a outra face do sistema de segurança publica: a omissão da justiça em
apurar casos nos quais vitimas fatais são pessoas negras, resultando na ineficácia da
prestação jurisdicional em razão do pertencimento racial dos cidadãos1.
O movimento negro em Pernambuco propôs, na Conferência Estadual de Promoção da
Igualdade Racial, realizada em 2005, entre outras, as seguintes medidas relacionadas à
segurança publica:
•1- Criação de Delegacias Especiais de Combate ao Racismo;
•2- Na estruturação da Defensoria Publica do Estado, ampliar o quadro de defensoras e
defensores através da abertura de concurso público com cotas raciais, e ainda criar um
canal específico de atendimento, pela Defensoria, de casos de racismo e injúria
discriminatória;
•3- Desenvolver ações de combate ao racismo institucional no âmbito do governo estadual e
articular ações semelhantes com os governos municipais;
•4- Inserir o quesito cor raça nos registros públicos de nascimento, óbito, violência e saúde,
de maneira a possibilitar um mapeamento das violências cometidas contra a população
negra, possibilitando o direcionamento de políticas públicas;
•5- Implementar políticas de capacitação continuada dos membros da polícia civil, militar e
corpo de bombeiros nas questões relativas aos Direitos Humanos e Combate ao Racismo,
no sentido de erradicar e prevenir práticas de racismo institucional nesses setores e de
garantir o devido recebimento das denúncias de discriminação étnica e racial.
•6 - Implementar uma disciplina obrigatória, nas Academias, Escolas e Cursos de Formação
de Polícia Civil e Militar, sobre relações raciais e legislação antidiscriminatória;
•7- Criar Centros de Referência Regionais de apoio à pessoa vítima de violência racial e
étnica.
Acreditamos que estas medidas promoverão o inicio da responsabilização do Estado na
erradicação da violência racial, apontando para um novo paradigma do respeito aos direitos
humanos no Estado
Ana Paula Maravalho – Conselheira Gestora do Observatório Negro.
1
Racismo institucional é o “fracasso coletivo de uma organização em prover um serviço profissional
adequado às pessoas por causa de sua cor, cultura ou origem étnica. Ele pode ser visto ou detectado em
processos, atitudes ou comportamentos que denotam discriminação resultante de preconceito insconsciente,
ignorância, falta de atenção ou estereótipos racistas que denotam discriminação resultante de preconceito
inconsciente, ignorância, falta de atenção ou estereótipos racistas que colocam minorias étnicas em
desvantagem” PCRI – Programa de Combate ao Racismo Institucional. Relatório Revisão Anual. Brasília:
PNUD/DFID, 2005.
Referências Bibliograficas
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