AS REBELIÕES NA AMERICA IBERICA (Prof. Francisco Leite)
Origens do etnocentrismo
1. 1. Origens do Etnocentrismo
O etnocentrismo não e nada além de um racismo camuflado. Então podemos dizer que o
racismo está de volta? Esta é uma pergunta angustiada e angustiante que se faz nos dias
atuais e que pressupõe a existência de um racismo anterior que a história havia se
encarregado de escorraçar, expulsar, exorcizar, pelo menos, das sociedades ocidentais.
Agora, livre das peias que aparentemente o mantinham inerte ou encarcerado, retorna à
cena social, perturbando o cotidiano de pessoas e grupos, a vida de povos e nações.
Sim, o racismo voltou. Porém, ao contrário do que pensava toda uma geração de
otimistas e ingênuos, ele não havia sido sepultado. Permanecera, apenas, anestesiado
durante um quinhão de tempo para, hoje, reaparecer com os mesmos e velhos
ingredientes tradicionais condicionadas pelas configurações históricas da atualidade.
2. Reações ao "novo" racismo
A esse racismo ressureto, que se convencionou rotular emergente, segue-se uma
série de reações. Uma delas, talvez a primeira, é a da perplexidade ante o
reaparecimento de um fenômeno que se julgara nunca mais dever mostrar a sua face
perturbadora. Outra reação explicita-se nas tentativas – racionais e não-racionais – de
explicá-lo, e entendê-lo numa frenética interrogação do porquê de seu retorno.
Finalmente, uma terceira reação expressa-se nos esforços de dominá-lo, de exorcizá-lo
para, se possível, mandá-lo de volta a tempos de onde nunca deveria ter saído.
3. A perplexidade ou a perda da inocência
Por que ficar perplexo perante um fenômeno que, ao que tudo indica, caminhou
passo a passo com diferentes manifestações, o mesmo caminho da humanização e que
pode ser surpreendido em qualquer condição de convivência humana? Em outras
palavras, poder-se-á dizer que o racismo na sua forma primordial – o etnocentrismo – é
algo inerente à própria natureza social do homem. A cultura e a história limitam-se a dar
a forma e a direção a esse etnocentrismo. Sabe-se, hoje, que todos os agrupamentos
humanos, todos os povos têm a explicação supervalorizada a respeito de suas origens,
contrapondo-se à desvalorização do outro.
2. Jogando com outros dados, porém com os mesmos ingredientes etnocêntricos, a
mesma dualidade (bom/ruim) e com estruturas semelhantes, enuncia-se o mito da
criação bíblica original que, depois de incorporado pelos hebreus, classifica a
humanidade em duas categorias: a dos eleitos e a dos gentios. Foi preciso que o
apóstolo Pedro, instado pela visão do lençol que por três vezes desceu dos céus,
concordasse em comer alimentos proibidos por tabus judeus para que a dualidade eleito-gentio
(bom/ruim) se desfizesse. Do ponto de vista da história das religiões, a metáfora
do lençol com a quebra dos tabus alimentares representou a transformação do
cristianismo de religião étnica em religião universal. Da perspectiva da história no
ocidente, do reconhecimento do outro como portador de qualidades humanas, ou mais
humanas, a metáfora simboliza a ruptura do etnocentrismo pela universalidade da
mensagem cristã. Se captada dessa ótica, a história da humanidade parece ser a
seqüência contínua da construção e quebra do etnocentrismo: os povos fecham-se e
abrem-se aos diferentes sob a ação de múltiplos fatores sociais, culturais, políticos,
econômicos, etc.
Se é possível histórica e antropologicamente naturalizar a matriz que gera o
racismo em suas diferentes formas (preconceito, discriminação, segregação) de onde,
então, provém essa perplexidade que tanto agia o mundo até alcançar a academia? Tudo
indica que ainda se respiram resíduos do clima da Segunda Guerra Mundial que,
esquematicamente, pode ser reduzida a confronto armado entre o etnocêntricos
extremados e os não menos extremados "antietnocêntrismo". Cada lado, como se sabe,
amparado por ideologias e políticas que justificam, a seu modo, a ação de cada qual. A
Segunda guerra põe a nu, com crueza, até que ponto o etnocentrismo manipulado
ideológica, política e militarmente pode ser um implacável perorado anti-humanidade
com teor de crueldade e requinte quase inimaginável. A vitória dos aliados representou,
nessa linha de raciocínio, a vitória dos antietnocêntricos e o aceno de uma política de
harmonia étnica entre os povos. Com essa vitória militar, jogava-se para os porões da
história, para o pó do esquecimento, o que havia de mais repelente no nazifascismo. Tão
importantes, nesse ideário, como a libertação política de países e povos do regime nazi-fascista,
foram a desestigmatização das minorias étnicas e a sua libertação para sempre
do calvário a que estiveram até então historicamente submetidas.
4. Etnocentrismo e historiografia: a distorção do outro na história