1. tantos “quanto mais a sua
Letra Pequena Rita Pimenta
Aprender formação é plural”, define.
a dizer “amigo” Eduardo Sá defende que a
O despertar
O pediatra norte-americano participação dos pais deve ir
T. Berry Brazelton, na obra mais longe do que uma mera
com o título “O Grande catalogação de nomes e rostos.
da Primavera
Livro da Criança”, define Dizer de sua justiça sobre as
alguns comportamentos amizades faz também parte do
que considera úteis para desempenho parental. “Dar
U
os pais que assistem à opinião não significa que sejam m rapaz de seis anos tem o dom de ani-
aprendizagem do filho os pais a formatar as amizades. mar a natureza e despertar a Primavera.
acerca das regras do Independentemente da idade Com um assobio, reúne toda a espécie de
convívio com outras dos filhos, mesmo quando já são pássaros e faz misturar os seus cantos,
crianças e que enriquecem adultos, os pais têm a obrigação num enorme coro. As flores começam a
o vocabulário e a de não ser isentos”, acredita. libertar perfumes e as árvores enfeitam-
experiência de vida com a Para o pedopsiquiatra, a opinião se. “Nem para pastor de ovelhas vais servir... Só se for
palavra “amigo”. Ser um “daqueles que nos amam” é para pastorear andorinhas”, ralhava o pai.
espectador atento mas sempre uma mais-valia. Ângela “O Rapaz Que Sabia Acordar a Primavera” é um texto de
resistir à tentação de uma Cerveira põe em prática esta Luísa Dacosta que Cristina Valadas ilustrou. Por ele ven-
interferência permanente máxima e diz aos filhos o que ceu o Prémio Nacional de Ilustração 2007, atribuído pela
é a principal mensagem. acha das suas companhias. Direcção-Geral do Livro e das Bibliotecas e anunciado
Para abrir um espaço para Fazendo também algum a 8 de Maio. O trabalho desta artista plástica e ilustra-
a criança aprender. Com os exercício de contenção. Porque dora combina colagens com desenho, criando imagens
outros. “às vezes tenho medo que não os de grande leveza e dinamismo, bastante adequadas ao
Para os dois primeiros tragam mais cá a casa”, revela. universo da natureza e dos campos. As composições que
anos de vida, o pediatra Receios à parte, assegura que aqui concebe remetem para obras
defende que os adultos os filhos “não reagem mal” aos anteriores em que a
cuidadores devem seus comentários. Uma aceitação narrativa se socorre
oferecer oportunidades que se revela também quando de ambientes
para a criança brincar é a vez de serem eles a contar à idênticos, casos
com meninos da mesma mãe desentendimentos com um de “Herbário”,
idade. “Prepare-o companheiro. com poemas de
antecipadamente. Não o Ângela Cerveira nunca teve Jorge Sousa Braga
deixe só com eles enquanto necessidade de proibir qualquer (Grande Prémio
não vir que ele está das amizades dos filhos. Gulbenkian
preparado para isso, mas Considera que as diferenças 1998/1999), ou
encoraje-o eventualmente a que já sentiu pelas crianças que “Contos da Mata dos
ficar num grupo sem a sua passaram pela vida dos miúdos Medos”, com texto de
presença. Não interfira nas nunca foram suficientemente Álvaro Magalhães, ambos
brincadeiras deles. Mesmo fortes para uma medida tão da Assírio & Alvim. Flores,
que mordam, se arranhem drástica. Eduardo Sá considera bichos, campos surgem como lugares confortáveis e ins-
e puxem os cabelos uns que esta acção não deve ser piradores para a pintora.
aos outros, isso poderão posta de parte à partida e pode Numa apresentação da obra “O Rapaz Que Sabia Acordar
ser oportunidades para haver situações extremas que a Primavera”, num encontro do Instituto Cultural da
aprender, se as mães (ou exijam respostas extremas. O Maia, realizado em Março, a autora Luísa Dacosta disse
os pais) se mantiverem pedopsiquiatra julga a medida tratar-se de um livro sem história e que o seu objectivo
à parte. (…) Não o force condenável se tiver por base o seria tão-só o de estimular a imaginação: “As crianças
a compartilhar os seus preconceito, mas legítima se são sonhadoras e é preciso alimentar o sonho. Há sonhos
brinquedos. Deixe que sejam for fundamentada. “Os pais são que duraram mais de vinte séculos, como o do voo. Neste
as outras crianças a ensiná- simultaneamente uma espécie livro abdico da história a favor de uma introdução na
lo”, recomenda. de provedoria e de procuradoria. capacidade de sonho, na capacidade que as pessoas têm
Quando chegam a um limite tão em se ultrapassar” (in “Maia Hoje online”).
exorbitante para eles, é porque O texto poético da autora traz à memória dos mais velhos
têm consciência de que com isso
dá para conhecer “faço por palavras que caíram em desuso, mas que podem ser
estão a proteger o filho”, diz.
conhecê-los”, revela. dadas a conhecer aos mais novos. Encontros de gerações
Se os pais podem e devem criar
O pedopsiquiatra Eduardo Sá à volta dos livros são proveitosos para todos. Aqui, esse
oportunidades de convívio,
considera este saber quem é encontro faz-se logo entre as autoras: a ilustradora tem 43
anos e a escritora 80. Pelo sonho é que vamos. a
importa que mantenham
quem no mundo dos filhos um
algumas distâncias e respeitem
processo salutar na família. letra.pequena@publico.pt
a privacidade das amizades dos
“Não é só uma espécie de
filhos. Não forçar nem tomar
vigilância” que mobiliza os pais,
a iniciativa por eles. “Quando
assegura. “É conhecer quem O Rapaz Que Sabia
os pais se substituem aos filhos
gosta dos nossos filhos e ter Acordar a Primavera
não estão a contribuir para a
gosto de comparticipar” nesta Autor: Luísa Dacosta
sua autonomia mas a atrofiá-
troca de afectos, adianta. Para Ilustrador: Cristina Valadas
los”, alerta. Só assim o valor
o pedopsiquiatra, a noção de Editor: Edições Asa
da amizade, enquanto parte
comparticipar tem a ver com a 36 págs., €8
indispensável da aprendizagem,
consciência dos ganhos que as
tem espaço para crescer. a
crianças retiram das amizades,
Pública • 18 Maio 2008 • 69