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SEÇÃO I
Introdução aos Fármacos, Formas
Farmacêuticas e Sistemas de Liberação
Um medicamento é definido como o agente des-
tinado a diagnóstico, mitigação, tratamento, cura
ou prevenção de doenças em seres humanos ou
animais. Uma das suas mais surpreendentes qua-
lidades reside na diversidade de suas ações e efei-
tos sobre o organismo. Essa qualidade torna seu uso
seletivo em várias condições patológicas comuns e
raras, envolvendo órgãos, tecidos ou células.
Alguns medicamentos contêm fármacos que
estimulam seletivamente o músculo cardíaco, o
sistema nervoso central, o trato gastrintestinal, en-
quanto outros produzem o efeito contrário. Fár-
macos midriáticos dilatam a pupila, e mióticos
contraem ou reduzem o tamanho pupilar. Fárma-
cos podem tornar o sangue mais ou menos coa-
gulável; podem aumentar o teor de hemoglobina
dos eritrócitos, reduzir o colesterol sérico ou ex-
pandir o volume sangüíneo.
Fármacos denominados eméticos induzem o
vômito, enquanto os antieméticos o previnem.
Diuréticos aumentam o fluxo de urina; expecto-
rantes aumentam o fluido do trato respiratório;
catárticos ou laxantes causam evacuação do intes-
tino. Outros fármacos reduzem o fluxo de urina,
diminuem as secreções corporais ou induzem a
constipação.
Os medicamentos podem ser usados para re-
duzir dor, febre, atividade da tireóide, rinite, in-
sônia, acidez gástrica, náuseas, pressão sangüínea
e depressão. Outros elevam o humor, a pressão
Introdução à Farmácia e aos
Medicamentos
O LEGADO DA FARMÁCIA .................................. 17
O primeiro boticário ....................................... 18
Medicamentos antigos .................................... 18
Introdução ao ponto de vista científico ............ 19
Pesquisas iniciais............................................. 20
PADRÕES DE QUALIDADE ................................... 21
United States Pharmacopeia e o National
Formulary ................................................... 21
Monografias da USP e do NF .......................... 24
Outras farmacopéias ...................................... 24
Conjunto de especificações de medicamentos
aprovados pela FDA .................................. 26
Organização Internacional para
Normalização ............................................ 26
REGULAMENTAÇÃO E CONTROLE
DE MEDICAMENTOS .................................. 27
Federal Food, Drug, and Cosmetic Act,
de 1938 .................................................... 27
Emenda Durham-Humphrey, de 1952............. 27
Emenda Kefauver-Harris, de 1962 .................. 28
Comprehensive Drug Abuse Prevention and
Control Act, de 1970 ................................. 28
Drug Listing Act, de 1972 ............................... 29
Conteúdo
1
Drug Price Competition and Patent Term
Restoration Act, de 1984 ............................ 30
Prescription Drug Marketing Act, de 1987 ....... 30
Dietary Supplement Health and Education
Act, de 1994 .............................................. 31
A FDA e o Food and Drug Modernization
Act, de 1997 .............................................. 31
Code of Federal Regulations e o Federal
Register...................................................... 32
Retirada de medicamentos do mercado .......... 33
A IMPORTÂNCIA DO FARMACÊUTICO NOS DIAS
DE HOJE ................................................... 33
A missão da farmácia ..................................... 35
Definição de atenção farmacêutica ................. 35
A prática farmacêutica .................................... 36
Omnibus Budget Reconciliation Act, de 1990 ..... 37
CÓDIGO DE ÉTICA FARMACÊUTICA DA
AMERICAN PHARMACEUTICAL
ASSOCIATION ........................................... 37
CÓDIGO DE ÉTICA DA AMERICAN
ASSOCIATION OF PHARMACEUTICAL
SCIENTISTS ................................................ 38
16 SEÇÃO I – Introdução aos Fármacos, Formas Farmacêuticas e Sistemas de Liberação
sangüínea ou a atividade das glândulas endócri-
nas. Os medicamentos podem combater doenças
infecciosas, destruir parasitas intestinais ou agir
como antídotos contra os efeitos dos venenos ou
de outras drogas. Eles podem auxiliar no combate
ao fumo ou na abstinência de álcool, ou modifi-
car transtornos obsessivo-compulsivos.
Os medicamentos são usados para tratar in-
fecções comuns, AIDS, hiperplasia prostática be-
nigna, câncer, doença cardiovascular, asma, glau-
coma, doença de Alzheimer e impotência mascu-
lina. Eles podem proteger contra a rejeição de te-
cidos e órgãos transplantados ou reduzir a inci-
dência de sarampo e caxumba. Antineoplásicos
oferecem um meio para combater processos can-
cerosos; os radiofármacos oferecem outro.
Os medicamentos são usados para diagnosti-
car o diabete, a disfunção hepática, a tuberculose
ou a gravidez. Podem repor a deficiência corporal
de anticorpos, vitaminas, hormônios, eletrólitos,
proteínas, enzimas ou sangue. Previnem a gravi-
dez, auxiliam na fertilidade e mantêm a vida.
Certamente a vasta gama de agentes medici-
nais efetivos disponíveis, usados na preparação de
medicamentos, é uma das nossas maiores realiza-
ções científicas. É difícil conceber nossa civiliza-
ção privada dessas remarcáveis e benéficas subs-
tâncias. Por meio de seu uso, muitas das doenças
que trouxeram sofrimento ao longo da nossa his-
tória, como a varíola ou a poliomielite, estão ago-
ra extintas. Doenças como diabete, depressão ou
hipertensão são efetivamente controladas por
medicamentos modernos. Os procedimentos ci-
rúrgicos de hoje seriam impossíveis sem os bene-
fícios dos anestésicos, analgésicos, antibióticos, das
transfusões sangüíneas e dos fluidos intravenosos.
Novas substâncias com propriedades terapêu-
ticas podem ser obtidas a partir de plantas ou ani-
mais, subprodutos do crescimento microbiano, ou
por meio de síntese química, modificação mole-
cular ou processos biotecnológicos. Bibliotecas
virtuais, bancos de dados de compostos químicos
e métodos sofisticados de screening para potenciais
atividades biológicas auxiliam no descobrimento
de novos fármacos.
O processo de descobrimento e desenvolvi-
mento de novos fármacos é complexo. Ele englo-
ba as contribuições específicas de muitos especia-
listas, incluindo químicos orgânicos, físico-quí-
micos ou químicos analíticos; bioquímicos; bió-
logos moleculares; bacteriologistas; fisiologistas;
farmacologistas; toxicologistas; hematologistas;
imunologistas; endocrinologistas; patologistas; bi-
oestatísticos; farmacêuticos pesquisadores e clíni-
cos; médicos e muitos outros.
Após uma potencial nova substância ser des-
coberta e ter sido completamente caracterizada
química e físico-quimicamente, um grande nú-
mero de informações biológicas deve ser coleta-
do. Aspectos sobre farmacologia básica, ou seja,
natureza e mecanismo de ação da substância no
organismo, devem ser avaliados, incluindo suas
características toxicológicas. O local e a velocida-
de de absorção, o perfil de distribuição e a con-
centração no organismo, duração de ação e tipo e
velocidade de eliminação ou excreção devem ser
estudados. Informações sobre o metabolismo e a
atividade dos seus metabólitos devem ser obtidas.
Um estudo completo sobre os efeitos a curto e a
longo prazo, nas células, nos tecidos e órgãos deve
ser realizado. Informações altamente específicas,
como o efeito do fármaco sobre o feto ou a capa-
cidade de passar para o bebê por intermédio do
leite, devem ser obtidas. Muitos fármacos promis-
sores foram abandonados devido a seu potencial
de causar efeitos colaterais excessivos ou danosos.
As vias de administração (p.ex., oral, retal,
parenteral, tópica) mais efetivas devem ser deter-
minadas, e as doses recomendadas precisam ser
estabelecidas para pessoas de várias idades (p.ex.,
neonatos, crianças, adultos, idosos), pesos e con-
dições de saúde. Tem-se afirmado que a única di-
ferença entre fármaco e veneno é a dose. Para fa-
cilitar o uso de fármaco pelas diferentes vias de
administração, formas farmacêuticas, como com-
primidos, cápsulas, injetáveis, supositórios, poma-
das, aerossóis, entre outras, são formuladas e pre-
paradas. Cada uma dessas unidades de dosagem
deve conter uma quantidade específica de medi-
cação de modo a facilitar e permitir a exatidão da
dose durante a administração. Essas formas far-
macêuticas são sistemas de liberação altamente so-
fisticados. Seu desenho, desenvolvimento, produ-
ção e uso resultam da aplicação das ciências far-
macêuticas – a mistura das ciências básica, aplica-
da e clínica com a tecnologia farmacêutica.
Cada produto farmacêutico em particular é
uma formulação específica. Em adição aos com-
CAPÍTULO 1 – Introdução à Farmácia e aos Medicamentos 17
ponentes terapeuticamente ativos, uma formula-
ção farmacêutica contém várias outras substân-
cias. É por meio de seu uso que uma formulação
apresenta determinada composição que confere
características físicas ao produto. Adjuvantes far-
macêuticos incluem materiais como diluentes,
espessantes, solventes, agentes suspensores, mate-
riais de revestimentos, desintegrantes, promoto-
res de permeação, agentes estabilizantes, conser-
vantes, flavorizantes, corantes e edulcorantes.
Para assegurar a estabilidade do fármaco em
uma formulação e manter a eficácia do medica-
mento durante sua vida de prateleira, os princí-
pios de química, física farmacêutica, microbiolo-
gia e tecnologia farmacêutica devem ser aplica-
dos. Todos os componentes da formulação devem
ser compatíveis, incluindo fármacos, adjuvantes e
materiais de embalagem. A formulação deve ser
resguardada da decomposição decorrente da degra-
dação química e protegida da contaminação micro-
biológica e de influências destrutivas do calor, da luz
e da umidade. Os componentes ativos devem ser
liberados a partir da forma farmacêutica em quanti-
dades apropriadas, de maneira a proporcionar o iní-
cio e a duração de ação desejados. O medicamento
deve oferecer administração eficiente e possuir ca-
racterísticas atrativas de sabor, odor, cor e textura,
que aumentem a aceitação pelo paciente. Finalmen-
te, o produto deve ser embalado de forma adequada
e rotulado de acordo com as exigências legais.
Uma vez preparado, o medicamento deve ser
apropriadamente administrado ao paciente para
proporcionar o máximo benefício. Ele deve ser to-
mado em quantidade suficiente, em intervalos de
tempo específicos e durante o período indicado
para o alcance dos resultados terapêuticos deseja-
dos. Sua eficácia, em respeito aos objetivos do
médico prescritor deve ser reavaliada periodica-
mente, e os ajustes necessários na dose, no regi-
me, na posologia ou na forma farmacêutica, ou,
ainda, quanto ao fármaco administrado, devem
ser realizados. Expressões de insatisfação do pa-
ciente quanto à velocidade de progresso da tera-
pia e reclamações quanto aos efeitos colaterais
devem ser avaliadas e tomadas decisões quanto à
continuidade ou ajuste do tratamento. Antes de
tomar o medicamento, o paciente deve ser avisa-
do em relação aos efeitos colaterais esperados e
aos efeitos de alguns alimentos e bebidas, e outros
medicamentos, que podem interferir na eficácia
do tratamento.
Por meio da interação e da comunicação com
outros profissionais da saúde, o farmacêutico pode
contribuir muito para a saúde do paciente. O gran-
de conhecimento sobre a ação dos fármacos, far-
macoterapêutica, desenho e formulação de formas
farmacêuticas, produtos disponíveis e fontes de
informação torna-o um membro essencial nas
equipes de saúde. Ele tem a responsabilidade le-
gal para a aquisição, o armazenamento, o contro-
le e a distribuição de medicamentos e para a ma-
nipulação e o atendimento das prescrições. Ca-
racterizado por sua larga experiência e seu conhe-
cimento, atua como conselheiro sobre medica-
mentos e encoraja seu uso seguro e apropriado. O
farmacêutico fornece seus serviços em várias ins-
tituições de cuidado com a saúde e realiza regis-
tros de medicamentos, monitoramento de pacien-
tes e técnicas de avaliação, com vistas à melhoria
da saúde pública.
Para compreender o progresso obtido na des-
coberta e no desenvolvimento de novos medica-
mentos e fornecer um suporte para o estudo dos
medicamentos modernos, é importante examinar
o legado da farmácia.
O Legado da Farmácia
As terapias com o uso de vegetais e minerais exis-
tem a tanto tempo quanto os seres humanos. As
doenças humanas e o instinto de sobrevivência
têm levado a sua descoberta ao longo das épocas.
O uso de terapias, mesmo que bastante rústicas,
começou antes dos registros históricos, graças ao
instinto do homem primitivo de aliviar a dor de
uma lesão colocando-a em água fria, empregando
folhas frescas ou protegendo-a com lama. Por meio
dessas experiências, os seres humanos aprenderam
que determinadas terapias eram mais eficazes que
outras e, a partir desses achados, surgiu a terapia me-
dicamentosa.
Entre vários povos, acreditava-se que as doen-
ças fossem causadas pela entrada de demônios e es-
píritos malignos no organismo. O tratamento natu-
ralmente envolvia a retirada dos intrusos sobrenatu-
rais. A partir de registros antigos, sabe-se que os prin-
cipais métodos de remoção de espíritos consistiam
18 SEÇÃO I – Introdução aos Fármacos, Formas Farmacêuticas e Sistemas de Liberação
em encantamentos espirituais, aplicação de materiais
repugnantes e administração de ervas e plantas.
O primeiro boticário
Antigamente, nas tribos, homens e mulheres que
conheciam as qualidades curativas das plantas,
habilidade adquirida com a experiência ou herda-
da de antepassados, eram chamados para tratar
doentes e lesionados e preparar produtos medica-
mentosos. Foi a preparação desses produtos que
originou a arte do boticário.
A arte do boticário sempre foi associada ao mis-
tério; acreditava-se que os práticos tinham alguma
conexão com o mundo dos espíritos e, dessa forma,
intermediavam o visto e o não-visto. A crença de
que poções medicamentosas tinham poderes mági-
cos significava que sua ação, para o bem ou para o
mal, não dependia unicamente das suas qualidades
naturais. A compaixão de um deus, a realização de
cerimônias, a ausência de espíritos malignos e a in-
tenção do dispensador eram individual e coletiva-
mente necessárias para torná-la eficaz sob o ponto
de vista terapêutico. Por isso, o boticário tribal era
temido, respeitado, acreditado, confiado, algumas
vezesdesconfiado,admiradoereverenciado.Pormeio
de suas poções, acreditava-se que os contatos espiri-
tuais fossem feitos, sendo a cura ou o fracasso da
terapia dependente desse contato.
Ao longo da história, o conhecimento dos
medicamentos e de suas aplicações era traduzido
em poder. No épico de Homero, o termo phar-
makon (Gr.), que deu origem à palavra farmácia,
conota uma poção, remédio* ou droga que po-
dem ser usados para o bem ou para o mal. Muitos
dos fracassos dos boticários tribais ocorriam pelo
emprego de remédios impotentes ou inapropria-
dos, sub ou superdosagem, ou mesmo por enve-
nenamento. O sucesso poderia ser atribuído a ex-
periência, mera coincidência, seleção adequada da
terapia, poder curativo natural e efeitos-placebo
não-relacionados à terapia, ou seja, efeitos obti-
dos em decorrência de fatores psicológicos e não-
biológicos. Mesmo nos dias de hoje, a terapia com
placebo é empregada com sucesso no tratamento
de pacientes, sendo rotineiramente empregada na
avaliação clínica de novos medicamentos, em que
a resposta dos indivíduos tratados com o medica-
mento real é comparada com aquela produzida
após a administração do placebo.
Antigamente a arte do boticário combinava-
se com a função de sacerdote, e, nas civilizações
antigas, o sacerdote-mágico ou sacerdote-médico
era visto como o curador do corpo e da alma. A
farmácia e a medicina eram indistinguíveis, pois
sua prática foi combinada à função de líder reli-
gioso tribal.
Medicamentos antigos
Devido à paciência e à habilidade dos arqueólo-
gos, os tipos de terapias e fármacos usados na his-
tória antiga para o tratamento de doenças não são
tão indefiníveis como se suspeitava. Várias tábu-
as, rolos antigos e outras relíquias de cerca de 3000
a.C. têm sido descobertos e decifrados por arqueó-
logos para a satisfação de historiadores da farmá-
cia e da medicina; esses documentos antigos estão
associados ao nosso legado (Fig. 1.1).
Talvez o mais famoso documento seja o pa-
piro de Ebers, um rolo contínuo de cerca de 18
metros, datado do décimo sexto século antes
de Cristo (XVI a.C.). Esse documento, manti-
do na Universidade de Leipzig, recebeu o nome
do egiptologista alemão Georg Ebers, que o des-
cobriu na tumba de uma múmia e o traduziu
parcialmente durante a última metade do sécu-
lo XIX. Uma vez que muitos acadêmicos parti-
ciparam do desafio da tradução dos hieróglifos
do documento, e embora não tenham sido unâ-
nimes em suas interpretações, existe pouca dú-
vida de que, por volta de 1550 a.C., os egípcios
* N. de R.T. Deve-se chamar atenção para o uso de alguns
termos em farmácia. Remédio: é qualquer substância ou re-
curso (p. ex., radioterapia...) usado para combater uma mo-
léstia. Apesar de ser muito usado, sobretudo popularmente,
este termo deve ser trocado por medicamento quando se
quer falar especificamente de uma formulação farmacêutica
(contendo um ou vários princípios ativos, denominados fár-
macos) usada para tratar (ou prevenir) uma doença. Neste
contexto, vale a pena conferir a definição legal e muito apro-
priada, dada pela ANVISA (RDC no 135 de 29/05/2003):
Medicamento: produto farmacêutico, tecnicamente obtido
ou elaborado, com finalidade profilática, curativa, paliativa
ou para fins de diagnóstico (Lei no 5.991, de 17/12/73). É
uma forma farmacêutica terminada que contém o fármaco,
geralmente em associação com adjuvantes farmacotécnicos”
(http://www.ivfrj.ccsdecania.ufrj.br).
CAPÍTULO 1 – Introdução à Farmácia e aos Medicamentos 19
usavam algumas substâncias e formas farmacêu-
ticas que são utilizadas até hoje. O texto do
papiro de Ebers é dominado por fórmulas, men-
cionando mais de 800 formulações e prescri-
ções e mais de 700 substâncias. Estas eram pre-
dominantemente de origem vegetal, embora
muitas substâncias de origem animal e mineral
também sejam citadas. Plantas como acácia,
mamona (óleo de rícino) e funcho são mencio-
nadas juntamente com substâncias minerais
como óxido de ferro, carbonato de sódio, clo-
reto de sódio e enxofre. Os excrementos de ani-
mais eram usados em terapias medicamentosas.
Os veículos consistiam em cerveja, vinho, lei-
te e mel. Muitas fórmulas empregavam duas dú-
zias ou mais de agentes medicinais, um tipo de
preparação que depois foi chamada de “polyphar-
macal ”. Os egípcios costumavam empregar gral e
pistilo, moinhos, tamises e balanças na manipu-
lação de supositórios, gargarejos, pílulas, inalações,
loções, pomadas, emplastros e enemas.
Introdução ao ponto de vista
científico
Ao longo da história, muitos indivíduos contri-
buíram para o avanço das ciências da saúde. No-
táveis entre esses, cuja genialidade e criatividade
revolucionaram o desenvolvimento da farmácia e
da medicina, encontram-se Hipócrates (460-377
a.C.), Dioscórides (I d.C.), Galeno (130-200 d.C.)
e Paracelso (1493-1541 d.C.).
Hipócrates, um médico grego, recebeu o cré-
dito da introdução da farmácia e da medicina cien-
tífica. Ele racionalizou a medicina, sistematizou o
conhecimento médico e colocou a prática da me-
dicina num plano ético elevado. Seus pensamen-
tos sobre ética e ciência dominaram os escritos
médicos tanto da sua como de gerações sucessi-
vas, e seus conceitos e preceitos tomaram forma
no renomado Juramento Hipocrático sobre a con-
duta ética para profissionais da saúde. Seu traba-
lho inclui a descrição de centenas de medicamen-
tos. Foi durante esse período que o termo phar-
makon veio a significar um material ou produto
purificado, usado unicamente para o bem, mu-
dando a conotação prévia de um remédio, droga
ou poção empregado para propósitos do bem ou do
mal. Graças a seu trabalho pioneiro na ciência mé-
dica e seus ensinamentos e filosofias avançadas, que
se tornaram uma parte da medicina moderna, Hi-
pócrates é aclamado o “Pai da Medicina”.
Dioscórides, um médico e botânico grego, foi
o primeiro a lidar com a botânica como uma ciên-
cia aplicada à farmácia. Seu trabalho, De Materia
Medica, é considerado o marco no desenvolvimen-
to da botânica farmacêutica e no estudo de pro-
dutos medicinais naturais. Essa área de estudo é
conhecida hoje como farmacognosia, um termo
formado por duas palavras gregas, pharmakon,
fármaco, e gnosis, conhecimento. Algumas plan-
tas descritas por Dioscórides, incluindo ópio, er-
got e meimendro, continuam a ter uso na medici-
FIGURA 1.1 Tábua suméria do terceiro milênio a.C., na
qual se acredita que estejam as mais antigas prescri-
ções do mundo. Entre elas há uma preparação de se-
mente de carpenter plant, resina da goma de markhazi
e tomilho, pulverizados e dissolvidos em cerveja, e uma
combinação de raízes pulverizadas de moon plant e ár-
vore de pêra branca, também dissolvidas em cerveja. (Cor-
tesia do University Museum, University of Pennsylvania.)
20 SEÇÃO I – Introdução aos Fármacos, Formas Farmacêuticas e Sistemas de Liberação
na. Suas descrições sobre a arte da identificação e
coleta de produtos naturais, métodos adequados
de armazenamento e meio de detectar adultera-
ções e contaminações serviram de modelo para a
época e evidenciaram a necessidade de trabalhos
adicionais para futuros investigadores.
Cláudio Galeno, um médico e farmacêutico
grego que obteve cidadania romana, visava a criar
um sistema perfeito de fisiologia, patologia e tra-
tamento. Ele formulou doutrinas que foram se-
guidas por 1.500 anos. Foi um dos mais prolífi-
cos autores de sua ou de qualquer época, tendo
recebido o crédito da realização de 500 tratados
sobre medicina e de outros 250 sobre filosofia,
leis e gramática. Seus escritos médicos incluem a
descrição de várias drogas de origem natural, jun-
tamente com fórmulas e métodos de manipula-
ção. Ele obteve tantas preparações de drogas ve-
getais pela mistura ou fusão dos componentes in-
dividuais que esta área da farmácia foi comumen-
te designada de “Farmácia Galênica”.Talvez a mais
famosa de suas fórmulas seja o cold cream, chama-
do de Cerato de Galeno, o qual é similar a algu-
mas preparações usadas ainda hoje.
A farmácia permaneceu atrelada à medicina
até que a crescente quantidade de fármacos e a
complexidade da preparação de medicamentos
exigiram especialistas que se dedicassem somente
a ela. A farmácia foi oficialmente separada da me-
dicina em 1240 d.C., quando um decreto do im-
perador Frederico II, da Alemanha, regulamen-
tou a prática da farmácia dentro de parte de seu
reino, chamado Duas Sicílias. Seu edito separou
as duas profissões, reconhecendo que a prática da
farmácia requeria conhecimentos, habilidades, ini-
ciativas e responsabilidades especiais, para que cui-
dados adequados às necessidades médicas das pes-
soas fossem garantidos. Os farmacêuticos passa-
ram a ser obrigados a prestar juramento quanto à
preparação de medicamentos confiáveis e de qua-
lidade uniforme, de acordo com a arte. Qualquer
exploração do paciente, por meio de relações co-
merciais entre o farmacêutico e o médico, era es-
tritamente proibida. Entre esse período e a con-
solidação da química como ciência exata, a farmá-
cia e a química permaneceram unidas, assim como a
farmácia e a medicina foram um dia.
Talvez nenhuma pessoa na história tenha exer-
cido uma influência revolucionária na farmácia e
na medicina como o fez Aureolus Theophrastus
Bombastus von Hohenheim (1493-1541), um
médico e químico suíço que se autodenominou
Paracelso. Ele influenciou a transformação da far-
mácia, originalmente uma profissão que tinha
botânica como base, em uma profissão que tem a
química como base. Algumas de suas observações
químicas foram surpreendentes para sua época e
anteciparam descobertas posteriores. Ele acredi-
tava que era possível preparar substâncias medici-
nais para combater doenças específicas e introdu-
ziu uma vasta gama de substâncias na terapêutica.
Pesquisas iniciais
À medida que o conhecimento das ciências bá-
sicas aumentava, elas tornavam-se aplicáveis à
farmácia. Isso oportunizou a investigação de
agentes medicinais com base científica e o de-
safio foi aceito por vários farmacêuticos que
conduziam suas pesquisas nas dependências das
suas farmácias. Notavelmente, entre eles estava
o sueco Karl Wilhelm Scheele (1742-1786),
talvez o mais famoso de todos os farmacêuti-
cos, graças a sua genialidade científica e às suas
importantes descobertas. Entre elas estão os
ácidos lático, cítrico, tartárico e arsênico. Ele
identificou a glicerina, inventou novos méto-
dos de preparação do calomelano e ácido ben-
zóico e descobriu o oxigênio um ano antes de
Priestley.
O isolamento da morfina a partir do ópio pelo
farmacêutico alemão Friedrich Sertürner (1783-
1841), em 1805, conduziu a uma série de isola-
mentos de outros compostos ativos de plantas por
farmacêuticos franceses. Joseph Caventou (1795-
1877) e Joseph Pelletier (1788-1842) combina-
ram seus talentos e isolaram a quinina e a cincho-
nina a partir da chinchona e a estriquinina e a
brucina a partir da noz vômica. Pelletier e Pierre
Robiquet (1780-1840) isolaram a cafeína, e Ro-
biquet sozinho separou a codeína a partir do ópio.
Metodicamente, uma substância após outra foi
isolada a partir de plantas e identificada como
sendo responsável pela atividade medicinal da
planta. Até os dias de hoje, estamos engajados
nessa atividade fascinante, uma vez que testa-
mos agentes terapêuticos naturais cada vez mais
CAPÍTULO 1 – Introdução à Farmácia e aos Medicamentos 21
úteis e específicos. Exemplos recentes de fárma-
cos isolados a partir de fontes naturais incluem o
paclitaxel (Taxol), uma substância com atividade
antitumoral obtida do teixo do Pacífico (Taxus
baccata) e empregada para o tratamento do carci-
noma metastático do ovário; a vincaleucoblasti-
na, outro antineoplásico obtido da Vinca rosea e a
digoxina, um glicosídeo cardíaco obtido da Digi-
talis lanata.
Na Europa, farmacêuticos como Pelletier e
Sertürner foram muito considerados por sua in-
teligência e suas habilidades durante o final do
século XVII e início do século XIX. Eles aplica-
ram a arte e a ciência da farmácia na preparação
de medicamentos com as mais altas qualidades de
pureza, uniformidade e eficácia do seu tempo. A ex-
tração e o isolamento de constituintes ativos de ma-
térias-primas vegetais brutas (não-processadas) leva-
ram ao desenvolvimento de formas farmacêuticas
com concentração uniforme de eficazes agentes te-
rapêuticos de origem natural. Muitos farmacêuticos
da época iniciaram a fabricação de produtos farma-
cêuticos de qualidade em pequena escala, mas que
logo foi aumentada para atender às necessidades da
comunidadelocal.Algumasdasmaiorescompanhias
de produção e pesquisa de hoje se desenvolveram a
partir dos laboratórios de dois séculos atrás.
Embora muitos dos fármacos inicialmente usa-
dos por índios nativos tenham sido adotados pelos
colonizadores, a maior parte das necessidades deste
país (EUA), antes do século XIX, foi importada da
Europa, seja na forma de matéria-prima, seja como
produto acabado. Com a Revolução, entretanto,
tornou-se mais difícil importar fármacos, e far-
macêuticos americanos foram estimulados a ad-
quirir a experiência científica e tecnológica de seus
colegas europeus. A partir desse período até a
Guerra Civil, a produção farmacêutica esteve em
sua infância nos Estados Unidos. Algumas das in-
dústrias farmacêuticas estabelecidas no início do
século XVIII ainda estão em operação. Em 1821,
a Faculdade de Farmácia da Filadélfia foi criada
como a primeira escola de farmácia da nação.
Padrões de Qualidade
Em decorrência do avanço científico dos fárma-
cos e medicamentos, houve a necessidade da ob-
tenção de padrões uniformes para assegurar a qua-
lidade. Tal necessidade levou ao desenvolvimento
e à publicação de monografias e livros de referên-
cia contendo especificações para serem usadas por
aqueles envolvidos na produção de fármacos e
medicamentos. Os conjuntos organizados de mo-
nografias foram chamados de farmacopéias ou for-
mulários.
United States Pharmacopeia e o
National Formulary
Otermofarmacopéiaorigina-sedogregopharmakon,
que significa substância medicinal, e poiein, que sig-
nifica fazer; a combinação indica as especificações
requeridas para fazer ou preparar um medicamento.
O termo foi primeiramente usado em 1580 em co-
nexão com um livro local contendo especificações
de medicamentos, em Bérgamo, na Itália. Desde
então, várias farmacopéias nacionais, estaduais e lo-
cais foram publicadas por várias sociedades farma-
cêuticas européias. À medida que o tempo passava,
o valor de um conjunto uniforme de especificações
nacionaisparamedicamentostornou-seaparente.Na
Grã-Bretanha, por exemplo, três farmacopéias locais
– Londres, Edinburgo e Dublin – foram oficiais até
1864, quando foram substituídas pela British Phar-
macopeia (BP).
Nos Estados Unidos, especificações para pre-
parações farmacêuticas surgiram em 1820, quan-
do a primeira United States Pharmacopeia (USP)
foi publicada. Por conveniência e devido à fami-
liaridade, médicos coloniais e boticários usavam
as farmacopéias e outras obras de referência de
suas terras natais. A primeira farmacopéia ameri-
cana foi chamada de Lilitz Pharmacopeia, publi-
cada em 1778 em Lilitz, Pensilvânia, para uso em
um Hospital Militar do Exército dos Estados Uni-
dos. Era um livro de 32 páginas contendo infor-
mações sobre fármacos e preparações de uso in-
terno (84) e de uso externo (16).
Durante a última década do século XVIII, vá-
rias tentativas foram feitas por diferentes socieda-
des médicas locais para coletar informações sobre
preparações farmacêuticas, especificações apropria-
das e preparar uma farmacopéia americana de
medicamentos usados na época. Em 1808, a
Massachusetts Medical Society publicou uma far-
22 SEÇÃO I – Introdução aos Fármacos, Formas Farmacêuticas e Sistemas de Liberação
macopéia de 272 páginas contendo informações
e monografias de 536 fármacos e preparações far-
macêuticas. Nessa publicação foram incluídos
muitos fármacos nativos dos Estados Unidos, os
quais não eram descritos nas farmacopéias euro-
péias da época.
Em 6 janeiro de 1817, Lyman Spalding, um
médico da cidade de Nova York, submeteu um
projeto para a Medical Society of the County of
New York, para a criação de uma farmacopéia na-
cional. Os esforços de Spalding resultaram no seu
reconhecimento como “Pai” da United States Phar-
macopeia. Ele propôs a divisão dos Estados Uni-
dos em quatro distritos geográficos – norte, cen-
tro, sul e oeste –, de modo a conter delegações de
sociedades e escolas de medicina. Onde ainda não
existiam associações e escolas médicas, associações
voluntárias de médicos e cirurgiões foram convi-
dadas para auxiliar na empreitada. Cada uma das
convenções distritais deveria esboçar uma farma-
copéia e indicar delegados para a convenção que
seria realizada em Washington. Na convenção
nacional, as quatro farmacopéias distritais seriam
compiladas em uma única farmacopéia nacional.
Esboçosdafarmacopéiaforamsubmetidosàcon-
venção somente pelos distritos do norte e do centro.
Eles foram revisados, consolidados e adotados pela
United States Pharmacopeial Convention, reunida
em Washington D.C., em 1o de janeiro de 1820. A
primeira USP foi publicada em 15 de dezembro de
1820, em inglês e latim, então a língua internacio-
nal de médicos e farmacêuticos, tornando-se a refe-
rência mais inteligível para esses profissionais inde-
pendentemente de sua nacionalidade. Em 272 pági-
nas foram listados 217 fármacos de notável reconhe-
cimento, muitos deles tendo sido retirados da Mas-
sachusetts Pharmacopeia, que é considerada por al-
guns como a precursora da USP. O objetivo da pri-
meira edição da USP foi descrito em seu prefácio e
mantém sua importância. Ele contém este trecho:
É o objetivo de uma farmacopéia selecionar, entre as
substâncias que possuem propriedades medicinais,
aquelas que são completamente estabelecidas e com-
preendidas, e preparar, a partir delas, formulações em
concentrações que proporcionem grande benefício.
Deve-se distinguir aqueles artigos por nomes conve-
nientemente definidos, para prevenir problemas e
enganos por médicos e boticários.
Antes de aprová-la, a convenção adotou reso-
luções e normas, com provisões para os subseqüen-
tes encontros, que levariam à revisão da USP a
cada 10 anos. Como muitos fármacos novos en-
traram em uso, a necessidade de publicações mais
freqüentes de especificações tornou-se maior. Em
1900, a Pharmacopeial Convention ganhou au-
toridade para publicar suplementos da USP quan-
do houvesse necessidade. No encontro de 1940,
foi decidido que a revisão da USP ocorreria a cada
cinco anos, mantendo o uso de suplementos pe-
riódicos, quando necessário.
A primeira United States Pharmacopeial
Convention foi composta exclusivamente de
médicos. Em 1830 e em 1840, farmacêuticos
proeminentes foram convidados a participar da
revisão e, em reconhecimento às suas contri-
buições, foram mantidos como membros natos
da convenção de 1950, participando com regu-
laridade desde então. Na década de 1870, a USP
esteve quase que completamente nas mãos dos
farmacêuticos, e intensos esforços foram reque-
ridos para reavivar o interesse da comunidade
médica. A presente United States Pharmacopeial
Convention é constituída por delegados repre-
sentando institutos educacionais, organizações
científicas e profissionais, divisões de órgãos go-
vernamentais, organizações americanas não-go-
vernamentais, organizações e comissões inter-
nacionais de farmacopéias, pessoas que possuem
competência científica específica ou conheci-
mento de tecnologias emergentes e membros
públicos (2). Dos sete membros eleitos da co-
missão de especialistas, pelo menos dois devi-
am ser representantes das ciências médicas, dois
das ciências farmacêuticas e um da sociedade.
Após o aparecimento da primeira USP, a arte
e a ciência da farmácia e da medicina mudaram
significativamente. Antes de 1820, fármacos usa-
dos para tratar doenças foram os mesmos durante
séculos. A USP de 1820 refletiu o fato de que os
boticários da época eram competentes para cole-
tar e identificar matérias-primas vegetais e prepa-
rar, a partir delas, formulações e misturas solicita-
das pelos médicos. O farmacêutico tornou-se im-
portante, uma vez que aplicava toda sua arte para
a elaboração de preparações farmacêuticas dife-
rentes, a partir de matérias-primas vegetais bru-
tas. Esse tempo nunca mais seria visto, devido ao
CAPÍTULO 1 – Introdução à Farmácia e aos Medicamentos 23
surgimento de novas tecnologias e ao desenvolvi-
mento das ciências básicas, particularmente da quí-
mica da síntese orgânica.
A segunda metade do século XIX trouxe gran-
des mudanças. A revolução industrial proporcio-
nou uma completa mudança nos Estados Unidos.
A máquina a vapor, que usava a força da água para
mover moinhos para triturar matérias-primas ve-
getais, foi substituída por máquinas movidas por
gasolina, diesel e eletricidade. Novas máquinas fo-
ram usadas para substituir as antigas e freqüente-
mente outras foram adaptadas para atender às
necessidades especiais da indústria farmacêutica.
Misturadores de padarias, centrífugas de lavande-
rias, turbinas de revestimento das indústrias de
doces foram alguns exemplos de improvisações.
A produção aumentou rapidamente, mas a nova
indústria teve de esperar a revolução científica an-
tes de poder produzir novos e melhorados medi-
camentos. A simbiose entre ciência e avanço tec-
nológico foi necessária.
Por volta de 1880, a produção industrial de
produtos químicos e farmacêuticos tinha se tor-
nado bem-estabelecida no país, e o farmacêutico
foi buscar fontes comerciais para a aquisição de
fármacos. A síntese orgânica começou a ter in-
fluência sobre a terapia medicamentosa. O isola-
mento de alguns constituintes ativos de vegetais
levou ao conhecimento de sua estrutura química.
A partir disso surgiram métodos de síntese desses
compostos, bem como de manipulação da sua es-
trutura molecular para produzir substâncias ain-
da não encontradas na natureza. Em 1872, a
síntese do ácido salicílico a partir do fenol inau-
gurou a obtenção de compostos analgésicos, in-
cluindo o ácido acetilsalicílico (aspirina), o qual
foi introduzido na medicina em 1899. Entre
outras substâncias químicas sintetizadas pela
primeira vez estavam as originadas do ácido bar-
bitúrico, com propriedade de indução do sono,
chamadas de barbituratos. Essa nova fonte de
fármacos, obtidos da síntese orgânica, foi bem
recebida no século XX.
Até esse momento, fármacos criados pela ge-
nialidade da química orgânica aliviaram os sinto-
mas e as doenças, mas nenhum ainda tinha pro-
priedades curativas, até que, em 1910, a arsfenami-
na, um agente específico contra sífilis, foi introduzi-
do na medicina. Era o início da quimioterapia, uma
época na qual as doenças humanas se tornaram
curáveis pelo emprego de substâncias químicas.
Os conceitos, as descobertas e as inspirações que
fizeram essa época gloriosa foram creditados a Paul
Ehrlich, um bacteriologista alemão que, junto com
seu colega japonês Sahachiro Hata, descobriu a
arsfenamina. Atualmente a maioria dos fármacos
novos, seja com propriedades paliativas ou curati-
vas, tem origem nos frascos da química orgânica
sintética.
O avanço das ciências básicas e aplicadas le-
vou ao desenvolvimento de fármacos mais com-
plexos. As especificações estabelecidas pela USP
foram mais do que necessárias para proteger a
comunidade, assegurando a pureza e a uniformi-
dade das substâncias.
Quando a American Pharmaceutical Associa-
tion (APhA) foi criada, em 1852, a única referên-
cia disponível de reconhecida autoridade sobre
especificações de fármacos e medicamentos era a
terceira revisão da USP. Para servir como guia te-
rapêutico à profissão médica, seu objetivo foi res-
trito a fármacos de reconhecido mérito terapêuti-
co. Devido a essa seleção estrita, muitos fármacos
e formulações que eram aceitos e usados pela pro-
fissão médica não foram admitidos nas edições
mais antigas da USP. Como forma de protesto, e
baseando-se nos objetivos da APhA sobre a pa-
dronização de fármacos e formulações, alguns far-
macêuticos, com o consentimento da associação
nacional, elaboraram um formulário contendo
muitos dos fármacos e formulações de uso popu-
lar, cuja admissão na USP tinha sido negada. A
primeira edição foi publicada em 1888 com o
nome de National Formulary of Unofficial Prepa-
rations (3). A designação “preparações não-oficiais”
(unofficial preparations) refletia o sentimento de
protesto dos autores, visto que a USP tinha ado-
tado o termo “oficial” para fármacos que possuíam
especificações. O título foi alterado para National
Formulary (NF) em 30 de junho de 1906, quan-
do o presidente Theodore Roosevelt assinou a pri-
meira lei federal denominada Pure Food and Drug
Act, designando tanto a USP quanto o NF como
referências legais sobre substâncias farmacêuticas
e medicinais. Assim, as duas publicações torna-
ram-se oficiais. Entre outros aspectos, a lei exigia
que, se a designação USP ou NF fosse usada ou
colocada no rótulo, o produto deveria estar em
24 SEÇÃO I – Introdução aos Fármacos, Formas Farmacêuticas e Sistemas de Liberação
conformidade com o conjunto de especificações
físicas e químicas descrito na monografia.
As primeiras edições do NF serviram princi-
palmente como uma referência que fornecia no-
mes de fármacos e preparações e orientações para
a preparação dos produtos farmacêuticos prescri-
tos pelos médicos em pequena escala. Antes de
1940, o NF, assim como a USP, era revisado a
cada 10 anos. Após essa data, novas edições apa-
reciam a cada cinco anos, com suplementos sen-
do publicados periodicamente, conforme a neces-
sidade.
Em 1975, a United States Pharmacopeial Con-
vention Inc. comprou o NF, unificando o com-
pêndio oficial e fornecendo mecanismos para a
elaboração de um único compêndio nacional.
O primeiro compêndio combinado, conten-
do a USP XX e o NF XV, tornou-se oficial em 1o
de julho de 1980. Todas as monografias de subs-
tâncias terapeuticamente ativas apareceram na se-
ção da USP, enquanto todas as monografias sobre
produtos farmacêuticos apareceram na seção do
NF. Esse formato foi mantido nas revisões subse-
qüentes. A USP 23 – National Formulary 18, que
se tornou oficial em 1995, foi a primeira a usar nú-
meros arábicos, em vez de romanos, para indicar a
edição. USP-NF tornou-se uma publicação anual
em 2002 com USP 25 – NF 20 e a edição de 2003,
USP62–NF21,contendoaproximadamente4.000
monografias sobre drogas, que se encontra publica-
da em formato impresso e em CD-ROM.
Os padrões de qualidade descritos pela USP e
pelo NF destinam-se a todos os membros relaciona-
dos à indústria farmacêutica, que compartilham a
responsabilidade e a satisfação de ter a confiança da
população, por assegurar a disponibilidade de fár-
macos e produtos farmacêuticos de qualidade. Es-
tão incluídos nesse grupo: médicos, farmacêuticos,
dentistas, veterinários, enfermeiros, produtores, for-
necedores de substâncias químicas brutas, fabrican-
tes de produtos farmacêuticos em pequena e grande
escalas, instituições e agências de saúde públicas e
privadas e agências de regulamentação, entre outros.
Monografias da USP e do NF
A USP e o NF adotam especificações para fárma-
cos, adjuvantes farmacêuticos e formas farmacêu-
ticas que se refletem na melhor prática médica e
farmacêutica, e procedimentos e ensaios aceitá-
veis que demonstram a adesão a essas especifica-
ções. Com essa função, os compêndios tornam-se
documentos legais, sendo que cada afirmação deve
ter alto grau de clareza e especificidade.
Muitos produtos farmacêuticos do mercado,
especialmente contendo associações de substân-
cias ativas, não são descritos nas monografias de
formulações ou formas farmacêuticas dos compên-
dios oficiais. Entretanto, os componentes indivi-
duais desses produtos são descritos nas monogra-
fias, nos suplementos ou em petições para comer-
cialização de medicamentos aprovadas pela Food
and Drug Administration (FDA).
O exemplo típico de monografia de um fár-
maco, que aparece na USP, é demonstrado na Fi-
gura 1.2. Estas mostra o tipo de informação que
aparece para substâncias ativas orgânicas.
A parte inicial da monografia consiste no títu-
lo oficial (nome genérico) da substância, seguido
por sua fórmula estrutural e empírica, peso mole-
cular, nomes químicos e o número de registro do
fármaco no Chemical Abstracts Service (CAS). O
registro do CAS identifica cada um dos compos-
tos num sistema de informações. Em seguida,
aparece na monografia a declaração de pureza, uma
advertência que reflete sua toxicidade, a forma de
acondicionamento e recomendações sobre o ar-
mazenamento e os ensaios físicos e químicos e
métodos de análise usados para a identificação e
determinação da pureza da substância.
Em cada monografia, conjuntos de especifi-
cações são relacionados ao fármaco, a matéria-pri-
ma ou a forma farmacêutica para assegurar sua
pureza, potência e qualidade.
Laboratórios de pesquisa da USP fornecem
assistência direta. As principais funções do labo-
ratório consistem na avaliação e no desenvolvi-
mento de métodos analíticos que serão incluídos
nos compêndios.
Outras farmacopéias
Além da USP e do NF, outras referências con-
tendo especificações, como a Homeopathic Phar-
macopeia of the United States (HPUS) e a Phar-
macopeia Internationalis ou International Phar-
CAPÍTULO 1 – Introdução à Farmácia e aos Medicamentos 25
macopeia (IP), fornecem informações adicionais
quanto à qualidade de fármacos e medicamen-
tos necessários para determinadas instituições
e profissionais. A HPUS é empregada por far-
macêuticos e médicos homeopatas, bem como
por agências de regulamentação que devem as-
segurar a qualidade de medicamentos homeo-
páticos. O termo homeopatia foi criado por
Samuel Hahnemann (1755-1843) a partir do
grego homoios, significando similar, e pathos,
significando doença. Na essência, a base da ho-
meopatia consiste na lei da similaridade: o se-
FIGURA 1.2 Amoxicilina.
melhante cura o semelhante, ou seja, o fármaco
que produz os sintomas da doença em pessoas
saudáveis será capaz de tratar e curar aquelas
apresentando os mesmos sintomas. Envolven-
do a abordagem da homeopatia estão (a) a ava-
liação de um fármaco em pessoas saudáveis, para
encontrar os efeitos que podem ser empregados
contra os mesmos sintomas que se manifestam
naquelas doentes; (b) o uso de doses diminutas
na terapia, em diluições expressas com “1x” (di-
luição 1:10), “2x”(diluição 1:100), e assim por
diante; (c) a administração de não mais de um
C16H19N3O5S·3H2O 419,45
4-Thia-1-azabicyclo [3.2.0] hepane-2-carboxylic acid, 6-
[[amino(4-hydroxyphenyl)acetyl]amino-3, 3-dimethyl-7-
oxo-, trihydrate 2S-[2α,[5α,6β(S*)]]-.
(2S,5R,6R)-6-[(R)-(–)-2-Amino-2-(p-hydroxyphenyl)
acetamidol]-3,3-dimethyl-7-oxo-4-thia-1-azabicyclo
[3.2.0]heptane-2-carboxylic acid trihydtate [61336-70-
7].
Anhydrous 365,41 [26787-78-0].
Amoxicillin contains not less than 900µg mg and not more
than 1050 µg of C16H19N3O5S per mg, calculated on the
anhydrous basis.
Packaging and storage – Preserve in tight containers, at con-
trolled room temperature.
Labeling – Where it is intended for use in preparing in-
jectable dosage forms, the label states that it is intended
for veterinary use only and that it is sterile or must be
subjected to further processing during the preparation of
injectable dosage forms. Label all other Amoxicillin to
indicate that it is to be used in the manufacture of
nonparenteral drugs only.
USP Reference standards [11] – USP Amoxicillin RS. USP
Endotoxin RS.
Identification, Infrared Absorption (197K).
Crystallinity, [695]: meets the requirements.
Water, Method I [921]: between 11.5% and 14.5%.
Dimethylaniline [223]: meets the requirement.
Other requirements – Where the label states that Amoxicillin
is sterile, it meets the requirements for Sterility and Bacterial
endotoxins under Amoxicillin for Injectable Suspension. Where
the label states that Amoxicillin must be subjected to further
processing during the preparation of injectable dosage forms,
it meets the requirements for Bacterial endotoxins under
Amoxicillin for Injectable Suspension.
Assay –
Diluent – Dissolve 13.6 g of monobasic potassium phos-
phate in 2000 mL of water, and adjust with a 45% (w/w)
solution of potassium hydroxide to a pH of 5.0%±0.1.
Mobile phase – Prepare a suitable filtered mixture of
Diluent and acetonitrile (96:4). Make adjustments if neces-
sary (see System Suitability under Chromatography [621]).
Decrease the acetonitrile concentration to increase the re-
tention time of amoxicillin.
Standard preparation – Dissolve an accurately weighed
quantity of USP Amoxicillin RS quantitatively in Diluent to
obtain a solution having a known concentration of about
1.2 mg per mL. Use this solution within 6 hours.
Assay preparation – Transfer about 240 mg of Amoxicillin,
accurately weighed, to a 200-mL volumetric flask, dissolve
in and dilute with Diluent to volume, and mix. Use this so-
lution within 6 hours.
Chromatographic system (see Chromatography [621]) –The
liquid chromatograph is equipped with a 230-nm detector
and a 4-mm × 25-cm column that contains packing L1. The
flow rate is about 1.5 mL per minute. Chromatograph the
Standard preparation, and record the peak responses as di-
rected for Procedure: the capacity factor, kr, is between 1.1
and 2.8, the column efficiency is not less than 1700 theo-
retical plates, the tailing factor is not more than 2.5, and the
relative standard deviation for replicate injections is not more
than 2.0%.
Procedure – Separately inject equal volumes (about 10
µL) of the Standard preparation and the Assay preparation
into the chromatograph, record the chromatograms, and
measure the responses for the major peaks. Calculate the
quantity, in µg, of C16H19N3O5S per mg of the Amoxicillin
taken by the formula:
200(CP/W)(ru/rs),
in which C is the concentration, in mg per mL, of USP
Amoxicillin RS in the Standard preparation, P is the stated
amoxicillin content, in µg per mg, of USP Amoxicillin S, W
is the quantity, in mg, of Amoxicillin taken to prepare the
Assay preparation, and ru and rs are the amoxicillin peak
responses obtained form the Assay preparation and the Stan-
dard preparation, respectively.
HO
H2N H H H
O O
HO
O
N
H
CH3
CH3
S
3H2O
N
H
26 SEÇÃO I – Introdução aos Fármacos, Formas Farmacêuticas e Sistemas de Liberação
fármaco de cada vez; e (d) o tratamento de to-
dos os sintomas do paciente e não somente um
dos sintomas (4 – 6). A HPUS é essencial aos
farmacêuticos que preparam medicamentos que
serão usados na prática homeopática.
A IP é publicada pela Organização Mundial
da Saúde (OMS ou, em inglês, WHO, World
Health Organization) das Nações Unidas, com a
cooperação dos países-membros. Serve de mode-
lo aos comitês de revisão das farmacopéias nacio-
nais para introduzir modificações de acordo com
os padrões internacionais. Não possui autoridade
legal, apenas o respeito e o reconhecimento dos
países participantes, no esforço de fornecer es-
pecificações de fármacos aceitáveis com base
internacional. O primeiro volume da IP foi
publicado em 1951. Ela tem sido revisada pe-
riodicamente desde então.
Por vários anos, muitos países publicaram suas
próprias farmacopéias, incluindo Reino Unido,
França, Itália, Japão, Índia, México, Noruega e os
integrantes da União das Repúblicas Socialistas
Soviéticas.* Essas farmacopéias e a European Phar-
macopeia (EP ou Ph Eur) são empregadas dentro
de suas jurisdições legais e por companhias far-
macêuticas multinacionais que desenvolvem e co-
mercializam medicamentos. Países que não têm
uma farmacopéia nacional freqüentemente ado-
tam uma de outro país. A seleção da farmacopéia
geralmente é baseada na proximidade geográfica,
em uma língua ou herança comum, ou na simila-
ridade dos fármacos e produtos farmacêuticos em-
pregados. Por exemplo, o Canadá, que não possui
sua farmacopéia, costuma usar os padrões USP-
NF. A farmacopéia mexicana (Farmacopea de los
Estados Unidos Mexicanos) é a única outra ativa-
mente mantida neste hemisfério (7).
Conjunto de especificações de
medicamentos aprovados
pela FDA
Nos Estados Unidos, além do compêndio oficial,
algumas especificações e métodos de análise de fár-
macos e medicamentos são estabelecidos no con-
junto de especificações das petições de registro de
medicamentos novos da FDA (ver Capítulo 2).
O fabricante deve aderir rigidamente a tais espe-
cificações para manter a continuidade da aprova-
ção da FDA e a comercialização do produto. Fi-
nalmente, essas ou subseqüentes especificações esta-
belecidas são adotadas pela USP-NF.
Organização Internacional para
Normalização
A Organização Internacional para Normalização
(ISO, do inglês International Organization for
Standardization) é um consórcio internacional de
órgãos representativos constituídos para desenvol-
ver e promover padrões internacionais uniformes
ou harmonizados. Representando os Estados Uni-
dos, nesse consórcio, está o American National
Standards Institute.
Entre os vários padrões ISO usados na indús-
tria farmacêutica encontram-se aqueles das séries
ISO 9000 a ISO 9004. Incluídos aqui estão os
padrões pertinentes a desenvolvimento, produção,
segurança da qualidade, detecção de produtos
defeituosos, administração da qualidade e outros
aspectos, como segurança e confiabilidade. A ade-
* N. de R.T. A Farmacopéia Brasileira é o Código Oficial
Farmacêutico do País, na qual se estabelece a qualidade
dos medicamentos em uso no Brasil. A Farmacopéia Bra-
sileira é elaborada pela Comissão Permanente de Revisão
da Farmacopéia Brasileira (CPRFB), que é uma comissão
oficial nomeada pelo Diretor-Presidente da Agência Na-
cional de Vigilância Sanitária (ANVISA), e que foi insti-
tuída junto à Diretoria de Medicamentos e Produtos, cons-
tituindo-se, portanto, em uma entidade da própria
ANVISA. O primeiro código do Brasil-colônia foi a Far-
macopéia Geral para o Reino e os Domínios de Portugal,
sancionada em 1794 e obrigatória em nosso país a partir
de 1809. Após a Independência, foram utilizados, além
desta, o Codex Medicamentarius Gallicus francês e o Códi-
go Farmacêutico Lusitano, hoje considerado como a 2a
edição da Farmacopéia Portuguesa. Isso, até que o Decre-
to n° 8.387, de 19/01/1882, estabeleceu que “para o pre-
paro dos medicamentos oficiais seguir-se-á a Farmacopéia
Francesa, até que seja composta uma farmacopéia brasi-
leira...” Em 1926, as autoridades sanitárias do país apro-
varam a proposta de um Código Farmacêutico Brasileiro,
apresentada pelo farmacêutico e professor de Farmácia
Rodolpho Albino Dias da Silva. Aprovado pelas autori-
dades sanitárias da época, esse código foi oficializado em
1929 e tornou-se a primeira edição da Farmacopéia Brasi-
leira. Maiores informações em www.farmacopeia.org.br.
CAPÍTULO 1 – Introdução à Farmácia e aos Medicamentos 27
são da indústria a esses padrões é voluntária. En-
tretanto, muitas empresas encontram vantagens
em ser reconhecidas pelos padrões ISO. Algumas
companhias optam por ter o Certificado ISO,
passando por um rigoroso processo de avaliação e
a creditação (8).
Regulamentação e Controle de
Medicamentos*
A primeira lei federal norte-americana destinada
a regulamentar a fabricação de produtos farma-
cêuticos foi o Food and Drug Act, de 1906. A lei
exigia que medicamentos comercializados entre
Estados apresentassem as especificações quanto a
potência, pureza e qualidade. Declarações dos fa-
bricantes sobre prováveis benefícios terapêuticos
não foram regulamentadas até 1912, quando a
Emenda Sherley especificamente proibiu a falsa
declaração de efeitos terapêuticos, chamando tais
produtos de enganosos.
Federal Food, Drug, and
Cosmetic Act, de 1938
A necessidade de especificações adicionais foi de-
monstrada de forma trágica em 1938. Um então
maravilhoso medicamento contendo sulfanilami-
da, que é insolúvel na maioria dos solventes far-
macêuticos comuns, foi preparado e distribuído
por um renomado fabricante na forma de elixir,
usando o dietilenoglicol como solvente, uma subs-
tância altamente tóxica empregada em soluções
para evitar congelamento. Mais de 100 pessoas
morreram por envenenamento com dietilenogli-
col antes de o produto ser retirado do mercado. A
necessidade de uma formulação adequada e da
realização de ensaios farmacológicos e toxicológi-
cos dos fármacos, adjuvantes e produtos acabados
foi dolorosamente reconhecida. O congresso res-
pondeu a isso com a aprovação do Federal Food,
Drug, and Cosmetic Act, em 1938, e a criação da
FDA para administrar e executar a legislação. A
lei de 1938 proibia a distribuição e o uso de qual-
quer fármaco ou medicamento sem antes preen-
cher a petição de registro de um medicamento
novo (NDA, do inglês new drug application) e
submetê-los à aprovação pela FDA. Isso fez com
que a FDA fosse responsável por conceder ou ne-
gar a permissão para distribuir novos produtos
após avaliação dos dados fornecidos pelo solici-
tante quanto a componentes, métodos de ensaio,
padrões de qualidade, processo de fabricação, estu-
dos pré-clínicos (animal ou cultura de células), in-
cluindo estudos farmacológicos e toxicológicos e
ensaios clínicos em humanos. Embora a lei de 1938
exigisse que os produtos fossem seguros para seres
humanos, ela não exigia que fossem eficazes.
Emenda Durham-Humphrey,
de 1952
Medicamentos aprovados para comercialização
pela FDA são classificados de acordo com a ma-
neira pela qual eles podem ser legalmente obtidos
pelo paciente. Medicamentos considerados segu-
ros o suficiente para serem usados por pessoas lei-
gas na automedicação, em condições simples, para
as quais os cuidados médicos não são essenciais,
são classificados como de venda livre (OTC, do
inglês over the counter) ou como não-prescritos, e
podem ser vendidos pelos farmacêuticos sem pres-
crição médica. O status de venda livre do medica-
mento pode ser alterado se controles da distribui-
ção do mesmo forem posteriormente requeridos.
Outros medicamentos considerados úteis apenas
após o diagnóstico de especialistas ou muito peri-
gosos para a automedicação são disponibilizados
somente por meio de uma prescrição. Tais medi-
camentos devem conter uma tarja com a legen-
da “RX unicamente” ou “Atenção: a lei federal
proíbe a dispensação sem prescrição médica”.
Entretanto, seu status legal pode ser alterado
para de venda livre, embora em geral na menor
dose recomendada, se forem considerados úteis
e suficientemente seguros para uso por pessoas
leigas. Exemplos incluem medicamentos con-
tendo ibuprofeno, cetoprofeno, cimetidina, lo-
ratidina e ranitidina.
* N. de R.T. Esta seção descreve aspectos relacionados à
legislação americana sobre desenvolvimento, produção e
uso de medicamentos. Para evitar erros e traduções ina-
dequadas, os nomes das leis e outras regulamentações fo-
ram mantidos em inglês.
28 SEÇÃO I – Introdução aos Fármacos, Formas Farmacêuticas e Sistemas de Liberação
De acordo com a emenda de Durham-Hum-
phrey, prescrições de medicamentos com tarja não
podem ser dispensadas novamente sem o expres-
so consentimento do médico. O reaviamento de
certas prescrições, reconhecidas como de abuso pú-
blico, foi mais tarde regulamentado com a apro-
vação da Drug Abuse Control Amendments, de
1965, e pelo Comprehensive Drug Abuse Preven-
tion and Control Act, de 1970.
Emenda Kefauver-Harris,
de 1962
A tragédia de 1960 levou à aprovação da Emen-
da Kefauver-Harris ao Federal Food Drug na
Cosmetic Act, de 1938. Um fármaco sintético
novo, a talidomida, recomendado como sedati-
vo e tranqüilizante, foi comercializado na Eu-
ropa como medicamento de venda livre. Trata-
va-se de um fármaco de especial interesse devi-
do a sua aparente ausência de toxicidade, mes-
mo em doses muito altas. Esperava-se que a ta-
lidomida fosse empregada em substituição aos
barbituratos e, portanto, prevenisse as freqüen-
tes mortes causadas por ingestão acidental ou
intencional desses medicamentos. Uma compa-
nhia farmacêutica, nos Estados Unidos, aguar-
dava a aprovação para comercialização, quando
relatos de toxicidade relacionados ao uso da ta-
lidomida começaram a aparecer na Europa. Esse
medicamento, quando administrado em mulhe-
res grávidas, produzia defeitos no feto, mais
notavelmente a focomelia, uma malformação
dos membros de recém-nascidos. Milhares de
crianças foram afetadas em várias extensões (9).
Algumas nasceram sem braços e pernas; outras
com os membros parcialmente formados. Os
mais afortunados nasceram somente com des-
figurações do nariz, olhos e orelhas. Os mais
gravemente afetados faleceram de malformações
do coração e trato gastrintestinal. Essa catástrofe
relacionada ao uso de um medicamento estimu-
lou o Congresso a reforçar a legislação sobre a co-
mercialização de novos medicamentos. Sem con-
testação, em 10 de outubro de 1962, a emenda
Kefauver-Harris ao Food, Drug and Cosmetic Act
foi aprovada. O objetivo do decreto foi assegurar
o maior grau de segurança dos medicamentos
aprovados e exigir dos fabricantes a comprovação
da segurança e eficácia antes dos mesmos serem
liberados para comercialização pela FDA.
Com essa emenda, o responsável por uma nova
droga necessita submetê-la a uma petição de me-
dicamentos sob investigação (IND, do inglês in-
vestigational new-drug application) antes de ser cli-
nicamente testada em seres humanos. Somente
após a realização de ensaios clínicos cuidadosos e
bem-estruturados, nos quais o medicamento é ava-
liado quanto a sua eficácia e segurança, o respon-
sável encaminha uma NDA para solicitar a co-
mercialização do produto. As exigências para isso
e outras petições à FDA são apresentadas no Ca-
pítulo 2.
É interessante ressaltar que atualmente a OMS
considera a talidomida como sendo um fármaco-
modelo para o tratamento da febre e lesões asso-
ciadas ao eritema nodoso leproso (ENL) em pa-
cientes com lepra e ela tem sido usada no mundo
todo com essa finalidade durante anos (10). Em
1997, um comitê de especialistas recomendou que
a FDA aprovasse o uso da talidomida para o tra-
tamento do ENL nos Estados Unidos, sob um
rígido controle de distribuição e com a realização
de programas apropriados de educação ao paciente
(11). A utilidade da talidomida em outras condi-
ções, como artrite reumatóide, esclerose múltipla,
caquexia relacionada ao câncer e à AIDS, progres-
são da AIDS/HIV e úlcera aftosa está sob investi-
gação (12).
Comprehensive Drug Abuse
Prevention and Control Act,
de 1970
O Comprehensive Drug Abuse Prevention and
Control Act, de 1970, serviu para consolidar e
regulamentar o controle de drogas de abuso em
um único estatuto. Sob essas provisões, a Drug
Abuse Control Amendments, de 1965, o Harri-
son Narcotic Act, de 1914, e outras leis relaciona-
das ao uso de estimulantes, depressores, narcóti-
cos e alucinógenos foram substituídas por uma
estrutura de regulamentação atualmente adminis-
trada pela Drug Enforcement Administration
(DEA) no Departamento de Justiça (Department
of Justice).
CAPÍTULO 1 – Introdução à Farmácia e aos Medicamentos 29
O Comprehensive Drug Abuse Prevention and
Control Act, de 1970, estabeleceu cinco “catego-
rias” para a classificação e controle de substâncias
que são passíveis de abuso. Essas categorias classi-
ficam as substâncias em níveis cujo controle di-
minui a partir de I a V. Os fármacos podem ser
classificados numa das cinco categorias, da seguin-
te forma:
Categoria I: Substâncias não-aceitáveis para
uso na medicina ou outras substâncias apre-
sentando alto grau de abuso. Nessa cate-
goria estão incluídos agentes como heroí-
na, LSD, peiote, mescalina, metaqualona,
maconha e outros similares. Qualquer subs-
tância que não apresente utilidade na me-
dicina e que seja usada como droga de abu-
so pode ser colocada nessa categoria.
Categoria II: Substâncias com usos médicos
aceitáveis e alto potencial para abuso, po-
dendo levar à dependência física ou psico-
lógica grave. Nessa categoria estão incluí-
dos morfina, cocaína, metanfetamina,
amobarbital, entre outras.
Categoria III: Substâncias com usos médicos
aceitáveis e potencial para abuso menor do
que aquelas listadas nas categorias I e II,
podendo levar à dependência física e psico-
lógicamoderada.Nessacategoriaencontram-
se codeína, hidrocodona e substâncias simi-
lares, em quantidades especificadas.
Categoria IV: Substâncias com usos médicos
aceitáveis e potencial para abuso baixo em
relação àquelas listadas na categoria III,
podendo levar a uma limitada dependên-
cia física e psicológica, quando compara-
das com as substâncias listadas na catego-
ria III. Nessa categoria encontram-se dife-
noxina, diazepam, oxazepam e substâncias
similares, em quantidades especificadas.
Categoria V: Substâncias com usos médicos
aceitáveis e potencial para abuso baixo em
relação àquelas listadas na categoria IV,
podendo levar a uma limitada dependên-
cia física e psicológica, quando compara-
das com as substâncias listadas na catego-
ria IV. Nessa categoria encontram-se a dii-
drocodeína, difenoxilato e substâncias si-
milares, em quantidades especificadas.
Em todos os casos, as leis estaduais e locais podem
reforçar as leis federais, mas nunca contradizê-las.
Drug Listing Act, de 1972
O Drug Listing Act foi decretado para fornecer à
FDA a autoridade para compilar uma lista de
medicamentos comercializados, auxiliando na exe-
cução das leis federais que exigem que estes sejam
seguros e eficazes, não sejam adulterados ou dei-
xem de atender à legislação. Sob as regulamenta-
ções da lei, cada empresa que fabrica ou reembala
medicamentos para a distribuição ou comerciali-
zação final aos pacientes ou consumidores deve
ter registro na FDA e fornecer informações ade-
quadas. Todas as empresas de distribuição e co-
mercialização estrangeiras, cujos produtos são im-
portados pelos Estados Unidos, estão sujeitas a
essa regulamentação. Exceções dessas exigências
são os hospitais, clínicas e instituições de saúde
que preparam produtos para seu uso próprio.Tam-
bém estão isentas as instituições de ensino e pes-
quisa, nas quais os medicamentos são preparados
por outras razões. Cada produto recebe um nú-
mero de registro permanente, segundo o formato
do National Drug Code (NDC). Nesse sistema,
os primeiros quatro números, de um total de 10,
identificam o fabricante ou distribuidor. Os últi-
mos seis números identificam a formulação do
medicamento, o tamanho e o tipo de embalagem.
O segmento que identifica a formulação é o códi-
go do produto e o que identifica o tamanho e tipo
de embalagem é o código da embalagem. O fabri-
cante ou distribuidor determina a proporção des-
ses seis números para os dois códigos; por exemplo,
um código com configuração do tipo 3:3 (p. ex.,
542-112) ou 4:2 (p. ex., 5421-12). Unicamente
um dos tipos de configuração pode ser seleciona-
do pelo fabricante ou distribuidor, designando um
código para cada produto que será colocado na
listagem. O código final é apresentado como este
exemplo: NDC 0081-5421-12.
Os números do NDC aparecem no rótulo de
todos os medicamentos. Em alguns casos, o fa-
bricante os imprime diretamente sobre as uni-
dades de dosagem, tais como cápsulas e com-
primidos, para a rápida identificação quando o
número é verificado no diretório do NDC ou
30 SEÇÃO I – Introdução aos Fármacos, Formas Farmacêuticas e Sistemas de Liberação
na listagem fornecida pelo próprio fabricante.
Quando um número é designado ao produto, ele
permanece para sempre. Mesmo quando o fabri-
cante deixa de produzi-lo, o número não pode ser
usado novamente. Se um medicamento for subs-
tancialmente alterado, seja no que se refere às subs-
tâncias ativas, seja na forma farmacêutica ou ao
nome, à empresa deve designar outra numeração
e submetê-la à FDA.
A informação acerca do produto, recebida pela
FDA, é processada e armazenada em arquivos de
computador, de modo a fornecer o fácil acesso
aos seguintes dados:
1.Lista de todos os medicamentos.
2.Lista de todos os medicamentos por indica-
ções rotuladas ou classe terapêutica.
3.Lista de todos os medicamentos por fabricante.
4.Lista dos fármacos do medicamento.
5.Lista de todos os adjuvantes do medicamento.
6.Lista de todos os medicamentos contendo um
adjuvante em particular.
7.Lista dos medicamentos recentemente comer-
cializados.
8.Lista dos medicamentos descontinuados.
9.Todos os rótulos dos medicamentos.
10.Todas as advertências dos medicamentos.
Esse programa de listagem possibilita à FDA
monitorar a qualidade de todos os medicamentos
comercializados nos Estados Unidos.
Em continuidade aos esforços para assegurar
os padrões de qualidade, as regulamentações da
FDA fornecem não somente critérios para a ins-
peção e certificação das instalações e procedimen-
tos adotados para a fabricação dos medicamen-
tos, mas também para a fiscalização e realização
de análises de produtos obtidos de prateleiras de
distribuidores. Se um fabricante não atender aos
padrões de qualidade para um determinado produ-
to,terásuapermissãoparacontinuaraproduçãocan-
celada, até que as exigências sejam atendidas.
Drug Price Competition and Patent
Term Restoration Act, de 1984
Alterações para acelerar a aprovação de medica-
mentos genéricos pela FDA e a extensão do prazo
de vigor da patente de medicamentos inovadores
foram os principais aspectos descritos no Drug
Price Competition and Patent Term Restoration
Act, de 1984.
Sob as provisões da legislação, solicitações para
a comercialização de cópias genéricas de um me-
dicamento originalmente aprovado podem ser rea-
lizadas por meio do preenchimento de um ANDA
(abbreviated new drug application), não reque-
rendo a realização de ensaios em animais e se-
res humanos, como no caso de um NDA. Isso
reduz consideravelmente o tempo e o custo de
colocar no mercado uma versão do medicamen-
to na forma de um genérico. A FDA avalia as
características químicas, produção, padrões de
qualidade e biodisponibilidade do medicamen-
to, para verificar se ele é equivalente ao produ-
to originalmente aprovado.*
Para os detentores de medicamentos patente-
ados, a legislação fornece uma extensão do prazo
de vigor da patente igual ao tempo requerido pela
FDA para a revisão de uma NDA, mais a metade
do tempo gasto na fase de análise, até um máxi-
mo de cinco anos, sem exceder o prazo usual de
20 anos da patente. Isso estende o prazo da pa-
tente e o período de comercialização exclusiva de
medicamentos considerados inovadores, encora-
jando, portanto, o desenvolvimento e a pesquisa
nessa área.
Prescription Drug Marketing Act,
de 1987
O Prescription Drug Marketing Act, de 1987, es-
tabelece novas ressalvas sobre a integridade de
medicamentos vendidos sob prescrição. Devido a
John Dingell e sua proposta de prevenir o desvir-
* N. de R.T. No Brasil, a Resolução RDC 135, de 29 de
maio de 2003, aprova o Regulamento Técnico para Me-
dicamentos, determinando que as empresas interessadas
no registro de medicamentos genéricos cumpram, na ín-
tegra, os dispositivos desse regulamento e que somente os
centros autorizados pela ANVISA podem realizar testes
de equivalência farmacêutica e biodisponibilidade relati-
va/bioequivalência. A Lei no 9.787, de 10 de fevereiro de
1999, estabelece as bases legais para a instituição do me-
dicamento genérico no país.
CAPÍTULO 1 – Introdução à Farmácia e aos Medicamentos 31
tuamento quanto à comercialização de medica-
mentos, a lei tem sido freqüentemente referida
como “Dingell Bill ”e “Drug Diversion Act”. Ela
destina-se a reduzir os riscos da entrada no mer-
cado de medicamentos adulterados, falsificados e
reembalados, por meio de “fontes secundárias”.
Seus principais trechos podem ser resumidos da
seguinte forma:
1. Reimportação: proíbe a reimportação de me-
dicamentos produzidos nos Estados Unidos,
exceto pelo fabricante do produto.
2. Restrições à venda: proíbe a venda, transação,
aquisição ou oferecimento para venda, transa-
ção ou aquisição de amostras de medicamen-
tos. Também proíbe a revenda, por institui-
ções de cuidados com a saúde, de produtos
adquiridos explicitamente para o seu uso. Ins-
tituições de caridade que recebem medicamen-
tos a preços reduzidos ou gratuitos não po-
dem revendê-los.
3. Distribuição de amostras: amostras podem ser
distribuídas apenas para (a) profissionais licen-
ciados para prescrever medicamentos e (b) por
solicitação escrita dos profissionais, para far-
mácias de hospitais ou de outras instituições
de saúde. A distribuição de amostras pode
ser feita pelo correio comum e não direta-
mente por empregados ou funcionários da
empresa.
4. Distribuidores atacadistas: os fabricantes são
solicitados a manter uma lista de seus distri-
buidores autorizados. Os atacadistas que de-
sejem distribuir um medicamento para quem
não é autorizado pelo fabricante devem infor-
mar a seus clientes, antes da venda, o nome da
pessoa de quem eles obtiveram o produto e
todas as vendas anteriores.
Dietary Supplement Health and
Education Act, de 1994
Ao aprovar o Dietary Supplement Health and
Education Act (DSHEA) de 1994, o Congresso
reconheceu o crescente interesse no uso de várias
plantas e suplementos nutricionais e verificou a
necessidade de regulamentar o uso desses produ-
tos. Eles incluem vitaminas, minerais, aminoáci-
dos e plantas que legalmente não são considera-
dos medicamentos, não foram submetidos à ava-
liação por meio de uma NDA e, portanto, não
foram avaliados quanto à segurança e eficácia pela
FDA.
A lei proíbe fabricantes e distribuidores desses
produtos de fazer qualquer tipo de propaganda
indicando que o uso possa prevenir ou curar uma
doença específica. De fato, uma legenda deve apa-
recer no rótulo: “Este produto não é destinado ao
tratamento, cura ou prevenção de qualquer tipo
de doença”. Entretanto, a lei permite indicar os
benefícios relacionados à deficiência de nutrien-
tes ou, com base em evidências científicas, a ma-
neira como um componente pode afetar uma es-
trutura ou função corporal (p. ex., aumento da
circulação ou diminuição do colesterol), ou como
o uso do produto pode afetar o bem-estar geral
do indivíduo. Antes que qualquer tipo de propa-
ganda promocional seja feita, o fabricante deve
antes submeter os dados verdadeiros e não-enga-
nosos à FDA (13).
O uso de plantas e suplementos nutricionais
faz parte das “terapias alternativas” atuais, que es-
tão recebendo crescente atenção por parte da FDA
e da comunidade científica. Muitos desses produ-
tos, incluindo ginseng, ginko, saw palmetto, erva-
de-São-João, Echinacea, são empregados mundial-
mente e suas propriedades têm sido relatadas na
literatura, a partir de pesquisas conduzidas na
Europa e na Ásia. Em 1997, um relato da U.S.
Presidential Commission on Dietary Supplement
Labels recomendou mais pesquisa no país sobre
os benefícios de suplementos alimentares. Em res-
posta, estudos acadêmicos e do National Institu-
tes of Health (NIH) estão sendo realizados para
avaliar a utilidade terapêutica de alguns desses
produtos e determinar a segurança no seu uso. O
compêndio USP-NF está adotando especificações
para esses produtos, usando substâncias marcado-
ras que devem estar presentes na faixa de concen-
tração especificada.
A FDA e o Food and Drug
Modernization Act, de 1997
Conforme observado previamente, a FDA foi
criada em 1938 para administrar e executar o
32 SEÇÃO I – Introdução aos Fármacos, Formas Farmacêuticas e Sistemas de Liberação
Federal Food and Drug Modernization Act.
Atualmente é o órgão americano responsável pela
execução de muitas leis que foram aprovadas.
Sua missão é proteger a saúde pública contra
riscos associados com a produção, distribuição e
venda de alimentos, aditivos para alimentos, me-
dicamentos e produtos biológicos de uso huma-
no, dispositivos médicos e radiológicos, produtos
de uso veterinário e cosméticos. É da competên-
cia da FDA:
• Estabelecer políticas e padrões, publicar reco-
mendações e promulgar e executar as normas
e regulamentações que regem as indústrias e
seus produtos.
• Monitorar a adesão à legislação por meio da
solicitação de relatórios, amostragem e rea-
lização de análises dos produtos e de inspe-
ções.
• Estabelecer as exigências para rotulagem, di-
vulgar informações sobre o uso e a segurança
do produto, publicar precauções quanto ao seu
uso e orientar sobre a nova solicitação de re-
gistro.
• Agir como o guardião do governo para tornar
novos medicamentos, ensaios laboratoriais e
dispositivos médicos seguros e efetivos, por
meio de um processo cuidadoso de petição e
avaliação.
A FDA, uma agência do Department of
Health and Human Services, encontra-se orga-
nizada em unidades, de modo a permitir a rea-
lização de suas funções (p. ex., avaliação de no-
vos fármacos, adesão às regulamentações). O
Center for Drug Evaluation and Research e o
Center for Biologics Evaluation and Research
são responsáveis pelo processo de aprovação de
medicamentos e produtos biológicos, confor-
me descrito no Capítulo 2. A FDA está locali-
zada em Rockville, Maryland, com empregados
espalhados pelas seis regiões dos Estados Uni-
dos, cada uma tendo seus escritórios distritais e
postos de inspeção.
O FDA Modernization Act, de 1997, foi de-
cretado para simplificar as políticas da FDA e sis-
tematizar muitas das mais novas regulamentações
da agência (14). O projeto de lei expandiu o aces-
so dos pacientes aos tratamentos sob investigação
para a AIDS, câncer, doença de Alzheimer e ou-
tras que ameaçam gravemente a vida. Também
permitiu a aprovação mais rápida de novos medi-
camentos pelo emprego de taxas pagas pelo soli-
citante para contratar revisores internos adicio-
nais e revisores externos, e por meio de mudanças
das exigências que demonstram a eficácia clínica
do medicamento. Ele também fornece incentivos
para pesquisas de medicamentos pediátricos.
A legislação incluiu provisões para a realização
de ensaios clínicos em conjunto com o NIH, es-
tabeleceu um sistema para a realização de estudos
sobre a segurança e eficácia de medicamentos co-
mercializados, estabeleceu um programa para a
disseminação de informações dos usos não-rotu-
lados, encorajou as petições de registro de medi-
camentos com indicações terapêuticas adicionais,
promoveu a expansão do sistema de informações
da FDA e permitiu a agilização do trabalho da
agência com utilização de formatos não-impres-
sos para petições de registro de medicamentos para
seres humanos.
Para sistematizar, viabilizar e executar a auto-
ridade legislativa, a FDA tem elaborado um con-
junto de normas e recomendações relevantes. Es-
sas são as primeiras normas publicadas no Federal
Register e colocadas para consulta pública; quan-
do o trabalho estiver terminado, elas serão publi-
cadas no Code of Federal Regulations.
Code of Federal Regulations e o
Federal Register
A Edição 21 do Code of Federal Regulations
(CFR) consiste em oito volumes contendo todas
regulamentações publicadas no Federal Food,
Drug and Cosmetic Act e outros estatutos admi-
nistrados pela FDA. O nono volume contém re-
gulamentações publicadas no estatuto administra-
do pela DEA. Os volumes são atualizados cada
ano para incorporar todas as regulamentações pu-
blicadas durantes os 12 meses precedentes. O Fe-
deral Register (FR) é publicado em cada dia de tra-
balho pelo Superintendent of Documents, U.S.
Government Printing Office (GPO) e contém as re-
gulamentações propostas e finais, além de notas le-
gais das agências federais, incluindo a FDA e a DEA.
Essas publicações fornecem informações mais defi-
CAPÍTULO 1 – Introdução à Farmácia e aos Medicamentos 33
nitivas sobre leis federais e regulamentações perti-
nentes aos medicamentos. O FR e o CFR estão dis-
poníveis no formato impresso e on-line, por meio do
acesso GPO (http://www.acess.gpo.gov/nara/cfr).
Retirada de medicamentos do
mercado
Se a FDA ou um fabricante achar que um produ-
to comercializado representa uma ameaça ou uma
possível ameaça à segurança do consumidor, ele
deve ser retirado do mercado. O fabricante do
medicamento está legalmente comprometido a
relatar efeitos adversos graves não-declarados ao
FDA, por meio do FDA MedWatch Program
(800-FDA-1088 ou www.FDA.gov). O profissio-
nal também tem responsabilidade de relatar um
problema com qualquer medicamento ou dispo-
sitivo médico, usando o MedWatch Program. Os
problemas podem incluir defeitos no produto,
adulteração, rompimento do recipiente, rotulagem
inadequada, reações adversas inesperadas, entre
outros.
A retirada do mercado pode ser iniciada pela
FDA ou pelo fabricante, sendo a última denomi-
nada “retirada voluntária”. Uma classificação nu-
mérica, conforme demonstrado abaixo, indica
o grau de prejuízo associado ao produto:
Classe I: Existe probabilidade razoável de que
o uso ou a exposição ao produto causem
problemas à saúde ou morte.
Classe II: O uso ou a exposição ao produto
podem causar danos graves à saúde de for-
ma temporária ou reversível, ou a probabi-
lidade de ocorrerem problemas graves à
saúde é remota.
Classe III: O uso ou a exposição ao produto
provavelmente não causam problemas
graves à saúde.
O grau de remoção do mercado (p. ex., a par-
tir do atacadista, varejista, consumidor) depende
da natureza do produto, urgência da situação e
extensão em que o produto foi distribuído. Os
números de lote colocados nos números de con-
trole da embalagem ajudam na identificação do
produto para sua remoção.
A Importância do Farmacêutico
nos Dias de Hoje*
O curso de farmácia proporciona diplomas de
bacharel em Ciências Farmacêuticas (BS, do in-
glês Bachelor of Science in Pharmacy) ou doutor
em Farmácia (Pharm D) para que os profissionais
exerçam atividades em uma ampla variedade de se-
tores, aplicando os conhecimentos das ciências far-
macêuticas básicas e da clínica e a experiência e com-
petência profissional. Esses setores incluem as farmá-
cias públicas, instituições de saúde, serviços gover-
namentais e militares, associações de profissionais,
produção e pesquisa, bem como outros setores que
necessitam da competência do farmacêutico.
Historicamente a abreviação RPh (do inglês
registered pharmacist) tem sido usada como desig-
nação de um profissional licenciado pelo Conse-
lho de Farmácia para exercer a profissão, em um
determinado Estado. Doutores em farmácia usam
o termo PharmD após seu nome, no lugar de RPh.
Para minimizar qualquer confusão com os pacien-
tes, alguns Estados usam o título DPh (doutor
em farmácia) para designar farmacêuticos licenci-
ados. Essa designação é usada pelos farmacêuti-
cos que receberam o título de bacharel em ciên-
cias farmacêuticas. Nesse caso, todos os farmacêu-
ticos que residem nos Estados onde isso foi im-
plementado podem ser denominados doutores,
sendo uns em função do título recebido e outros
por serem licenciados.
A maioria dos farmacêuticos exerce suas ativi-
dades em farmácias ou instituições de saúde. Nes-
ses setores, eles desempenham um papel ativo no
uso pelos pacientes de medicamentos prescritos e
não-prescritos, agentes de diagnóstico e dispositi-
* N. de R.T. No Brasil, os cursos de farmácia credencia-
dos pelo Conselho Federal de Farmácia (CFF) conferem
aos egressos o diploma de farmacêutico, dando o direito
a registrá-lo no Conselho Regional de Farmácia de sua
jurisdição. Os Conselhos Federal e Regionais de Farmá-
cia são órgãos dotados de personalidade jurídica de direi-
to público, autonomia administrativa e financeira, desti-
nados a zelar pela fiel observância dos princípios da ética
e da disciplina da classe dos que exercem atividades pro-
fissionais farmacêuticas no país. Os Conselhos Federal e
Regionais de Farmácia foram criados pela Lei no 3.820,
de 11 de novembro de 1960, com dispositivos alterados
pela Lei no 9.120 de 26/10/1995.
34 SEÇÃO I – Introdução aos Fármacos, Formas Farmacêuticas e Sistemas de Liberação
vos e equipamentos médicos duráveis. O farma-
cêutico desenvolve perfis individuais de medica-
ção, publica brochuras contendo informações
sobre medicamentos, aconselha os pacientes sobre
seu estado de saúde e fornece dados sobre o uso
de medicamentos e de procedimentos não-medi-
camentosos. Como membro da equipe de profis-
sionais da saúde, eles servem como fonte de in-
formação e participam na seleção, monitoramen-
to e avaliação da terapia medicamentosa.
Um número substancial de profissionais exer-
ce suas atividades em instituições de saúde, como
os hospitais, clínicas, instalações de cuidados ex-
tensivos e organizações de saúde. Nesses setores,
o farmacêutico dirige os sistemas de controle e
distribuição de medicamentos e fornece diversos
serviços clínicos, incluindo a DUR (Revisão da
Utilização de Medicamentos), monitoramento
terapêutico, programas de misturas intravenosas,
serviços de consultas sobre dados farmacocinéti-
cos, controle de medicamentos que estão sob in-
vestigação e serviço de informações toxicológicas.
A Board of Pharmaceutical Specialties certifi-
ca a prática em farmácias nuclear, nutricional,
psiquiátrica e oncológica, e em farmacoterapia.
Atualmente os programas de cuidados com a
saúde têm crescido extraordinariamente. Organi-
zações de cuidados com a saúde têm registrado
dados dos pacientes e assumido muitas responsa-
bilidades na atenção à saúde, incluindo aquelas
referentes aos serviços farmacêuticos. Muitas
novas áreas de atuação farmacêutica têm surgi-
do, incluindo posições de direção, consultoria
em determinadas doenças, pesquisa dos resul-
tados dos pacientes, especialistas na revisão da
utilização de medicamentos, entre outros
(15,16). Nessas funções, os farmacêuticos apli-
cam sua competência em administração, reali-
zação de estudos clínicos e epidemiológicos,
tecnologia da informação e comunicação, no
exercício da prática profissional.
Vários farmacêuticos, particularmente aque-
les interessados na prática institucional, partici-
pam de residências e/ou programas de formação
que lhes conferem novas competências. A residên-
cia em farmácia consiste em curso de pós-gradua-
ção em uma área de atuação definida. A principal
finalidade é treinar os farmacêuticos em práticas
profissionais. Um programa de formação em pes-
quisa consiste em um curso de pós-graduação des-
tinado a preparar o indivíduo para tornar-se um
pesquisador independente. Ambos os cursos de
formação duram 12 meses ou mais e requerem a
orientação próxima de um preceptor.
Os profissionais que trabalham em empresas de
produção, desenvolvimento e pesquisa podem par-
ticipar de várias atividades, incluindo a pesquisa de
novos fármacos, desenvolvimento e produção de
medicamentos, estudos clínicos e avaliação de me-
dicamentos, propaganda e comercialização. Os co-
nhecimentos do farmacêutico sobre química, ciên-
cias biológicas e farmacêuticas, junto com o conhe-
cimento técnico sobre formulação, desenho de for-
mas farmacêuticas e usos clínicos são integrados de
forma a atender às exigências da indústria farmacêu-
tica. Farmacêuticos com titulações maiores (Master
of Science [MS] ou Doctor of Philosophy [PhD])
em ciências básicas ou farmacêuticas são altamente
visados pela indústria farmacêutica.
Em serviços governamentais, os farmacêuticos
realizam funções administrativas e técnicas para o
desenvolvimento e implementação de programas
de cuidado com a saúde, e no desenho e execução
de regulamentações envolvendo a distribuição e o
controle da qualidade de medicamentos. Opor-
tunidades de carreira para farmacêuticos em ins-
tituições governamentais em nível federal incluem
posições no serviço militar, serviços de saúde pú-
blica e agências civis como FDA, Veteran Admi-
nistration, Department of Health and Human
Services, DEA, NIH, entre outros. Em níveis es-
tadual e local, muitos farmacêuticos têm posições
nos departamentos de saúde, serviços de atenção
farmacêutica para adultos e crianças, controle e
investigação do uso de medicamentos e nos Con-
selhos de Farmácia.
Escolas de farmácia contratam farmacêuticos
com ou sem formação avançada, para servir como
preceptores e ensinar sobre temas específicos dentro
da instituição acadêmica, participar de pesquisas e
contribuir com os serviços de educação continuada
daescola.Algunsfarmacêuticostrabalhamemtempo
integral em setores acadêmicos, enquanto outros
dedicam meio turno para instrução profissional na
comunidade ou em farmácias de hospitais, para en-
sinar em hospitais ou clínicas, centros de informa-
ções sobre medicamentos, instalações de cuidados
extensivos com a saúde, departamentos de saúde
CAPÍTULO 1 – Introdução à Farmácia e aos Medicamentos 35
e outras áreas nas quais os serviços farmacêuticos
são necessários.
Vários farmacêuticos atuam como voluntários
em associações locais, estaduais e nacionais.
Os farmacêuticos exercem um papel funda-
mental nas suas comunidades, participando de
fóruns de educação sobre saúde e medicamentos,
dando palestras em escolas sobre questões ligadas
aos medicamentos, dirigindo programas de edu-
cação ao paciente e fornecendo informações sobre
questões relacionadas à saúde e aos medicamen-
tos para legisladores e outros líderes oficiais.
A missão da farmácia
Em 1990, a comissão de especialistas da APhA
adotou a seguinte missão para a farmácia (17):
A missão da farmácia é servir a sociedade como a pro-
fissão responsável pelo uso apropriado de medicamen-
tos, dispositivos e serviços de atenção à saúde, de modo
a obter os melhores resultados terapêuticos.
Os elementos da declaração foram definidos pe-
los seguintes aspectos:
Farmácia é a profissão da saúde que engloba a aplica-
ção de conhecimentos que resultam na descoberta,
desenvolvimento e uso de medicamentos, e nas in-
formações destinadas ao cuidado da saúde dos pa-
cientes. Ela envolve aspectos clínicos, científicos, eco-
nômicos e educacionais com base nos conhecimen-
tos dos profissionais farmacêuticos e na comunicação
com outros profissionais do sistema de saúde.
Sociedade envolve pacientes, outros provedores de
saúde, tomadores de decisões sobre políticas de saúde, a
população saudável e outros indivíduos e grupos cujos
cuidados com a saúde e medicamentos são importantes.
Apropriado é o termo que se refere à responsabi-
lidade do farmacêutico em assegurar que um regime
terapêutico seja especificamente direcionado a um pa-
ciente individual, fundamentado em parâmetros far-
macológicos e clínicos aceitáveis. Além disso, o farma-
cêutico deve avaliar o regime terapêutico para propor-
cionar o máximo de segurança, custos acessíveis e ade-
são do paciente ao tratamento.
Medicamentos são produtos com ou sem tarja, usa-
dos no diagnóstico, tratamento, prevenção e/ou cura de
uma doença. O termo é específica e propositalmente
usado para distinguir do termo droga o qual fornece uma
imagem não-terapêutica e negativa à população.
Dispositivos referem-se a equipamentos, proces-
sos, produtos biotecnológicos, agentes de diagnósti-
co, entre outros, que são usados para auxiliar na utili-
zação efetiva do regime terapêutico.
Serviços referem-se àqueles destinados à educa-
ção de pacientes, profissionais da saúde e da população,
programas de seleção e monitoramento de medicamen-
tos, direção e atividades relacionadas que contribuem
para o uso efetivo dos medicamentos pelos pacientes.
O termo “melhores resultados terapêuticos” afir-
ma a contribuição final da profissão à saúde pública.
A farmácia reivindica isso como tendo a responsabili-
dade, privilégio e direito único – e aceita as suas con-
seqüências – sobre o uso de medicamentos. Ela reco-
nhece a necessidade de integrar-se à saúde pública,
com os papéis complementares dos pacientes e de
outros profissionais da saúde.
Definição de atenção
farmacêutica
Atualmente o papel do farmacêutico na prática
contemporânea consiste em fornecer cuidados, os
quais foram primeiramente propostos em 1975
por Mikeal e colaboradores como “o cuidado que
um determinado paciente requer e recebe e que
assegura o uso racional de medicamentos” (18).
Desde então, o termo “atenção farmacêutica” tem
sido definido por muitos autores, incluindo Strand
e colaboradores, que em 1992 afirmaram (19):
Atenção farmacêutica é um componente da prática
profissional que envolve a interação direta do farma-
cêutico com o paciente, com a finalidade de propor-
cionar-lhe cuidados referentes às suas necessidades
quanto ao uso de medicamentos.
A American Society of Health-System Phar-
macists (ASHP), um organismo nacional que re-
presenta farmacêuticos que atuam em hospitais,
HMOs (do inglês, health maintenance organizati-
ons), instalações de cuidados extensivos e outros
componentes de sistemas de cuidados com a saú-
de, deram a seguinte definição para atenção far-
macêutica, em 1993 (20):
36 SEÇÃO I – Introdução aos Fármacos, Formas Farmacêuticas e Sistemas de Liberação
A missão do farmacêutico é fornecer atenção far-
macêutica. A atenção farmacêutica é a provisão di-
reta, responsável, de cuidados relacionados aos me-
dicamentos, com o propósito de alcançar resultados
definitivos, que melhorem a qualidade de vida do
paciente.
A American Pharmaceutical Association, em 1996,
publicou seus Princípios de Prática da Atenção
Farmacêutica, incluindo as seguintes definições
(21):
Atenção farmacêutica é uma prática orientada e cen-
trada no paciente que requer a atuação do farmacêu-
tico junto com outros profissionais, para promover a
saúde, prevenir doenças e avaliar, monitorar, iniciar e
modificar o uso de medicamentos, de modo a garan-
tir sua segurança e eficácia.
O objetivo da atenção farmacêutica é otimizar a
qualidade de vida relacionada à saúde do paciente e
obter resultados positivos com custos realistas.
Implícita nessas afirmações está a exigência
aos farmacêuticos de participarem em todos os
aspectos relacionados à distribuição de medica-
mentos e ao seu uso clínico para obter resulta-
dos terapêuticos ótimos. A literatura farmacêu-
tica atual é repleta de artigos que dão suporte
ao conceito e à prática da atenção farmacêuti-
ca, incluindo: desenvolvimento de habilidades
clínicas (22), banco de dados sobre atenção far-
macêutica (23), tecnologia da informação (24),
revisão bibliográfica (25), monitoramento e
avaliação dos resultados terapêuticos (26 – 29),
revisão da utilização de medicamentos (30), far-
macoterapia e tratamento da doença (31 – 32),
protocolos de tratamento (33), monitoramen-
to das reações adversas (34), serviços farmaco-
cinéticos (35) e estratégias para a implementa-
ção da atenção farmacêutica (36).
Em 1997, a American Association of Colleges
of Pharmacy’s Janus Commission publicou um
relatório, Approaching the Millenium, no qual afir-
ma que, para fornecer atenção farmacêutica, o far-
macêutico deve ser (37):
• Um solucionador de problemas, capaz de adap-
tar-se às mudanças relacionadas aos cuidados
com a saúde.
• Capaz de obter resultados terapêuticos por
meio do uso de medicamentos eficazes ofere-
cidos pelo sistema de saúde.
• Capaz de colaborar com médicos, enfermei-
ros e outros membros da equipe de saúde.
• Um eterno aprendiz.
A prática farmacêutica
O objetivo e a competência dos farmacêuticos são
definidos em cada Estado por meio de leis e regu-
lamentações promulgadas no Conselho Estadual
de Farmácia. Juntamente com as leis federais, elas
constituem a base para a prática legal da farmácia.
Durante anos, várias associações farmacêuti-
cas elaboraram documentos considerados mode-
los para a prática farmacêutica. Um desses docu-
mentos, Practice Standards of the American Society
of Health-System Pharmacists, é atualizado e pu-
blicado anualmente. Em 1991, a APhA, a Ameri-
can Association of Colleges of Pharmacy e a Na-
tional Association of Boards of Pharmacy estuda-
ram o objetivo da prática farmacêutica e substi-
tuíram o Standards of Practice for the Profession
of Pharmacy (o qual foi publicado em 1979 e atua-
lizado em 1986) pelo Competency Statements for
Pharmacy Practice (38). As competências dos far-
macêuticos podem ser resumidas da seguinte
maneira:
Administração geral da farmácia: seleciona e
supervisiona farmacêuticos e outros pro-
fissionais da equipe da farmácia; estabele-
ce uma estrutura para serviços e produtos
farmacêuticos; administra orçamentos e
negocia com vendedores; desenvolve e
mantém um sistema de aquisição de todos
os medicamentos e produtos farmacêuti-
cos; elabora um sistema de formulários. Em
geral, estabelece e administra a farmácia e
o pessoal.
Processamento da prescrição: verifica a pres-
crição quanto à legalidade e compatibili-
dades físicas e químicas; verifica os regis-
tros do paciente antes de dispensar o me-
dicamento; mede a quantidade necessária
para atender a prescrição; realiza a verifi-
cação final e dispensa o medicamento.
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Introdução aos Princípios Fundamentais da Farmácia e dos Medicamentos

  • 1. SEÇÃO I Introdução aos Fármacos, Formas Farmacêuticas e Sistemas de Liberação
  • 2. Um medicamento é definido como o agente des- tinado a diagnóstico, mitigação, tratamento, cura ou prevenção de doenças em seres humanos ou animais. Uma das suas mais surpreendentes qua- lidades reside na diversidade de suas ações e efei- tos sobre o organismo. Essa qualidade torna seu uso seletivo em várias condições patológicas comuns e raras, envolvendo órgãos, tecidos ou células. Alguns medicamentos contêm fármacos que estimulam seletivamente o músculo cardíaco, o sistema nervoso central, o trato gastrintestinal, en- quanto outros produzem o efeito contrário. Fár- macos midriáticos dilatam a pupila, e mióticos contraem ou reduzem o tamanho pupilar. Fárma- cos podem tornar o sangue mais ou menos coa- gulável; podem aumentar o teor de hemoglobina dos eritrócitos, reduzir o colesterol sérico ou ex- pandir o volume sangüíneo. Fármacos denominados eméticos induzem o vômito, enquanto os antieméticos o previnem. Diuréticos aumentam o fluxo de urina; expecto- rantes aumentam o fluido do trato respiratório; catárticos ou laxantes causam evacuação do intes- tino. Outros fármacos reduzem o fluxo de urina, diminuem as secreções corporais ou induzem a constipação. Os medicamentos podem ser usados para re- duzir dor, febre, atividade da tireóide, rinite, in- sônia, acidez gástrica, náuseas, pressão sangüínea e depressão. Outros elevam o humor, a pressão Introdução à Farmácia e aos Medicamentos O LEGADO DA FARMÁCIA .................................. 17 O primeiro boticário ....................................... 18 Medicamentos antigos .................................... 18 Introdução ao ponto de vista científico ............ 19 Pesquisas iniciais............................................. 20 PADRÕES DE QUALIDADE ................................... 21 United States Pharmacopeia e o National Formulary ................................................... 21 Monografias da USP e do NF .......................... 24 Outras farmacopéias ...................................... 24 Conjunto de especificações de medicamentos aprovados pela FDA .................................. 26 Organização Internacional para Normalização ............................................ 26 REGULAMENTAÇÃO E CONTROLE DE MEDICAMENTOS .................................. 27 Federal Food, Drug, and Cosmetic Act, de 1938 .................................................... 27 Emenda Durham-Humphrey, de 1952............. 27 Emenda Kefauver-Harris, de 1962 .................. 28 Comprehensive Drug Abuse Prevention and Control Act, de 1970 ................................. 28 Drug Listing Act, de 1972 ............................... 29 Conteúdo 1 Drug Price Competition and Patent Term Restoration Act, de 1984 ............................ 30 Prescription Drug Marketing Act, de 1987 ....... 30 Dietary Supplement Health and Education Act, de 1994 .............................................. 31 A FDA e o Food and Drug Modernization Act, de 1997 .............................................. 31 Code of Federal Regulations e o Federal Register...................................................... 32 Retirada de medicamentos do mercado .......... 33 A IMPORTÂNCIA DO FARMACÊUTICO NOS DIAS DE HOJE ................................................... 33 A missão da farmácia ..................................... 35 Definição de atenção farmacêutica ................. 35 A prática farmacêutica .................................... 36 Omnibus Budget Reconciliation Act, de 1990 ..... 37 CÓDIGO DE ÉTICA FARMACÊUTICA DA AMERICAN PHARMACEUTICAL ASSOCIATION ........................................... 37 CÓDIGO DE ÉTICA DA AMERICAN ASSOCIATION OF PHARMACEUTICAL SCIENTISTS ................................................ 38
  • 3. 16 SEÇÃO I – Introdução aos Fármacos, Formas Farmacêuticas e Sistemas de Liberação sangüínea ou a atividade das glândulas endócri- nas. Os medicamentos podem combater doenças infecciosas, destruir parasitas intestinais ou agir como antídotos contra os efeitos dos venenos ou de outras drogas. Eles podem auxiliar no combate ao fumo ou na abstinência de álcool, ou modifi- car transtornos obsessivo-compulsivos. Os medicamentos são usados para tratar in- fecções comuns, AIDS, hiperplasia prostática be- nigna, câncer, doença cardiovascular, asma, glau- coma, doença de Alzheimer e impotência mascu- lina. Eles podem proteger contra a rejeição de te- cidos e órgãos transplantados ou reduzir a inci- dência de sarampo e caxumba. Antineoplásicos oferecem um meio para combater processos can- cerosos; os radiofármacos oferecem outro. Os medicamentos são usados para diagnosti- car o diabete, a disfunção hepática, a tuberculose ou a gravidez. Podem repor a deficiência corporal de anticorpos, vitaminas, hormônios, eletrólitos, proteínas, enzimas ou sangue. Previnem a gravi- dez, auxiliam na fertilidade e mantêm a vida. Certamente a vasta gama de agentes medici- nais efetivos disponíveis, usados na preparação de medicamentos, é uma das nossas maiores realiza- ções científicas. É difícil conceber nossa civiliza- ção privada dessas remarcáveis e benéficas subs- tâncias. Por meio de seu uso, muitas das doenças que trouxeram sofrimento ao longo da nossa his- tória, como a varíola ou a poliomielite, estão ago- ra extintas. Doenças como diabete, depressão ou hipertensão são efetivamente controladas por medicamentos modernos. Os procedimentos ci- rúrgicos de hoje seriam impossíveis sem os bene- fícios dos anestésicos, analgésicos, antibióticos, das transfusões sangüíneas e dos fluidos intravenosos. Novas substâncias com propriedades terapêu- ticas podem ser obtidas a partir de plantas ou ani- mais, subprodutos do crescimento microbiano, ou por meio de síntese química, modificação mole- cular ou processos biotecnológicos. Bibliotecas virtuais, bancos de dados de compostos químicos e métodos sofisticados de screening para potenciais atividades biológicas auxiliam no descobrimento de novos fármacos. O processo de descobrimento e desenvolvi- mento de novos fármacos é complexo. Ele englo- ba as contribuições específicas de muitos especia- listas, incluindo químicos orgânicos, físico-quí- micos ou químicos analíticos; bioquímicos; bió- logos moleculares; bacteriologistas; fisiologistas; farmacologistas; toxicologistas; hematologistas; imunologistas; endocrinologistas; patologistas; bi- oestatísticos; farmacêuticos pesquisadores e clíni- cos; médicos e muitos outros. Após uma potencial nova substância ser des- coberta e ter sido completamente caracterizada química e físico-quimicamente, um grande nú- mero de informações biológicas deve ser coleta- do. Aspectos sobre farmacologia básica, ou seja, natureza e mecanismo de ação da substância no organismo, devem ser avaliados, incluindo suas características toxicológicas. O local e a velocida- de de absorção, o perfil de distribuição e a con- centração no organismo, duração de ação e tipo e velocidade de eliminação ou excreção devem ser estudados. Informações sobre o metabolismo e a atividade dos seus metabólitos devem ser obtidas. Um estudo completo sobre os efeitos a curto e a longo prazo, nas células, nos tecidos e órgãos deve ser realizado. Informações altamente específicas, como o efeito do fármaco sobre o feto ou a capa- cidade de passar para o bebê por intermédio do leite, devem ser obtidas. Muitos fármacos promis- sores foram abandonados devido a seu potencial de causar efeitos colaterais excessivos ou danosos. As vias de administração (p.ex., oral, retal, parenteral, tópica) mais efetivas devem ser deter- minadas, e as doses recomendadas precisam ser estabelecidas para pessoas de várias idades (p.ex., neonatos, crianças, adultos, idosos), pesos e con- dições de saúde. Tem-se afirmado que a única di- ferença entre fármaco e veneno é a dose. Para fa- cilitar o uso de fármaco pelas diferentes vias de administração, formas farmacêuticas, como com- primidos, cápsulas, injetáveis, supositórios, poma- das, aerossóis, entre outras, são formuladas e pre- paradas. Cada uma dessas unidades de dosagem deve conter uma quantidade específica de medi- cação de modo a facilitar e permitir a exatidão da dose durante a administração. Essas formas far- macêuticas são sistemas de liberação altamente so- fisticados. Seu desenho, desenvolvimento, produ- ção e uso resultam da aplicação das ciências far- macêuticas – a mistura das ciências básica, aplica- da e clínica com a tecnologia farmacêutica. Cada produto farmacêutico em particular é uma formulação específica. Em adição aos com-
  • 4. CAPÍTULO 1 – Introdução à Farmácia e aos Medicamentos 17 ponentes terapeuticamente ativos, uma formula- ção farmacêutica contém várias outras substân- cias. É por meio de seu uso que uma formulação apresenta determinada composição que confere características físicas ao produto. Adjuvantes far- macêuticos incluem materiais como diluentes, espessantes, solventes, agentes suspensores, mate- riais de revestimentos, desintegrantes, promoto- res de permeação, agentes estabilizantes, conser- vantes, flavorizantes, corantes e edulcorantes. Para assegurar a estabilidade do fármaco em uma formulação e manter a eficácia do medica- mento durante sua vida de prateleira, os princí- pios de química, física farmacêutica, microbiolo- gia e tecnologia farmacêutica devem ser aplica- dos. Todos os componentes da formulação devem ser compatíveis, incluindo fármacos, adjuvantes e materiais de embalagem. A formulação deve ser resguardada da decomposição decorrente da degra- dação química e protegida da contaminação micro- biológica e de influências destrutivas do calor, da luz e da umidade. Os componentes ativos devem ser liberados a partir da forma farmacêutica em quanti- dades apropriadas, de maneira a proporcionar o iní- cio e a duração de ação desejados. O medicamento deve oferecer administração eficiente e possuir ca- racterísticas atrativas de sabor, odor, cor e textura, que aumentem a aceitação pelo paciente. Finalmen- te, o produto deve ser embalado de forma adequada e rotulado de acordo com as exigências legais. Uma vez preparado, o medicamento deve ser apropriadamente administrado ao paciente para proporcionar o máximo benefício. Ele deve ser to- mado em quantidade suficiente, em intervalos de tempo específicos e durante o período indicado para o alcance dos resultados terapêuticos deseja- dos. Sua eficácia, em respeito aos objetivos do médico prescritor deve ser reavaliada periodica- mente, e os ajustes necessários na dose, no regi- me, na posologia ou na forma farmacêutica, ou, ainda, quanto ao fármaco administrado, devem ser realizados. Expressões de insatisfação do pa- ciente quanto à velocidade de progresso da tera- pia e reclamações quanto aos efeitos colaterais devem ser avaliadas e tomadas decisões quanto à continuidade ou ajuste do tratamento. Antes de tomar o medicamento, o paciente deve ser avisa- do em relação aos efeitos colaterais esperados e aos efeitos de alguns alimentos e bebidas, e outros medicamentos, que podem interferir na eficácia do tratamento. Por meio da interação e da comunicação com outros profissionais da saúde, o farmacêutico pode contribuir muito para a saúde do paciente. O gran- de conhecimento sobre a ação dos fármacos, far- macoterapêutica, desenho e formulação de formas farmacêuticas, produtos disponíveis e fontes de informação torna-o um membro essencial nas equipes de saúde. Ele tem a responsabilidade le- gal para a aquisição, o armazenamento, o contro- le e a distribuição de medicamentos e para a ma- nipulação e o atendimento das prescrições. Ca- racterizado por sua larga experiência e seu conhe- cimento, atua como conselheiro sobre medica- mentos e encoraja seu uso seguro e apropriado. O farmacêutico fornece seus serviços em várias ins- tituições de cuidado com a saúde e realiza regis- tros de medicamentos, monitoramento de pacien- tes e técnicas de avaliação, com vistas à melhoria da saúde pública. Para compreender o progresso obtido na des- coberta e no desenvolvimento de novos medica- mentos e fornecer um suporte para o estudo dos medicamentos modernos, é importante examinar o legado da farmácia. O Legado da Farmácia As terapias com o uso de vegetais e minerais exis- tem a tanto tempo quanto os seres humanos. As doenças humanas e o instinto de sobrevivência têm levado a sua descoberta ao longo das épocas. O uso de terapias, mesmo que bastante rústicas, começou antes dos registros históricos, graças ao instinto do homem primitivo de aliviar a dor de uma lesão colocando-a em água fria, empregando folhas frescas ou protegendo-a com lama. Por meio dessas experiências, os seres humanos aprenderam que determinadas terapias eram mais eficazes que outras e, a partir desses achados, surgiu a terapia me- dicamentosa. Entre vários povos, acreditava-se que as doen- ças fossem causadas pela entrada de demônios e es- píritos malignos no organismo. O tratamento natu- ralmente envolvia a retirada dos intrusos sobrenatu- rais. A partir de registros antigos, sabe-se que os prin- cipais métodos de remoção de espíritos consistiam
  • 5. 18 SEÇÃO I – Introdução aos Fármacos, Formas Farmacêuticas e Sistemas de Liberação em encantamentos espirituais, aplicação de materiais repugnantes e administração de ervas e plantas. O primeiro boticário Antigamente, nas tribos, homens e mulheres que conheciam as qualidades curativas das plantas, habilidade adquirida com a experiência ou herda- da de antepassados, eram chamados para tratar doentes e lesionados e preparar produtos medica- mentosos. Foi a preparação desses produtos que originou a arte do boticário. A arte do boticário sempre foi associada ao mis- tério; acreditava-se que os práticos tinham alguma conexão com o mundo dos espíritos e, dessa forma, intermediavam o visto e o não-visto. A crença de que poções medicamentosas tinham poderes mági- cos significava que sua ação, para o bem ou para o mal, não dependia unicamente das suas qualidades naturais. A compaixão de um deus, a realização de cerimônias, a ausência de espíritos malignos e a in- tenção do dispensador eram individual e coletiva- mente necessárias para torná-la eficaz sob o ponto de vista terapêutico. Por isso, o boticário tribal era temido, respeitado, acreditado, confiado, algumas vezesdesconfiado,admiradoereverenciado.Pormeio de suas poções, acreditava-se que os contatos espiri- tuais fossem feitos, sendo a cura ou o fracasso da terapia dependente desse contato. Ao longo da história, o conhecimento dos medicamentos e de suas aplicações era traduzido em poder. No épico de Homero, o termo phar- makon (Gr.), que deu origem à palavra farmácia, conota uma poção, remédio* ou droga que po- dem ser usados para o bem ou para o mal. Muitos dos fracassos dos boticários tribais ocorriam pelo emprego de remédios impotentes ou inapropria- dos, sub ou superdosagem, ou mesmo por enve- nenamento. O sucesso poderia ser atribuído a ex- periência, mera coincidência, seleção adequada da terapia, poder curativo natural e efeitos-placebo não-relacionados à terapia, ou seja, efeitos obti- dos em decorrência de fatores psicológicos e não- biológicos. Mesmo nos dias de hoje, a terapia com placebo é empregada com sucesso no tratamento de pacientes, sendo rotineiramente empregada na avaliação clínica de novos medicamentos, em que a resposta dos indivíduos tratados com o medica- mento real é comparada com aquela produzida após a administração do placebo. Antigamente a arte do boticário combinava- se com a função de sacerdote, e, nas civilizações antigas, o sacerdote-mágico ou sacerdote-médico era visto como o curador do corpo e da alma. A farmácia e a medicina eram indistinguíveis, pois sua prática foi combinada à função de líder reli- gioso tribal. Medicamentos antigos Devido à paciência e à habilidade dos arqueólo- gos, os tipos de terapias e fármacos usados na his- tória antiga para o tratamento de doenças não são tão indefiníveis como se suspeitava. Várias tábu- as, rolos antigos e outras relíquias de cerca de 3000 a.C. têm sido descobertos e decifrados por arqueó- logos para a satisfação de historiadores da farmá- cia e da medicina; esses documentos antigos estão associados ao nosso legado (Fig. 1.1). Talvez o mais famoso documento seja o pa- piro de Ebers, um rolo contínuo de cerca de 18 metros, datado do décimo sexto século antes de Cristo (XVI a.C.). Esse documento, manti- do na Universidade de Leipzig, recebeu o nome do egiptologista alemão Georg Ebers, que o des- cobriu na tumba de uma múmia e o traduziu parcialmente durante a última metade do sécu- lo XIX. Uma vez que muitos acadêmicos parti- ciparam do desafio da tradução dos hieróglifos do documento, e embora não tenham sido unâ- nimes em suas interpretações, existe pouca dú- vida de que, por volta de 1550 a.C., os egípcios * N. de R.T. Deve-se chamar atenção para o uso de alguns termos em farmácia. Remédio: é qualquer substância ou re- curso (p. ex., radioterapia...) usado para combater uma mo- léstia. Apesar de ser muito usado, sobretudo popularmente, este termo deve ser trocado por medicamento quando se quer falar especificamente de uma formulação farmacêutica (contendo um ou vários princípios ativos, denominados fár- macos) usada para tratar (ou prevenir) uma doença. Neste contexto, vale a pena conferir a definição legal e muito apro- priada, dada pela ANVISA (RDC no 135 de 29/05/2003): Medicamento: produto farmacêutico, tecnicamente obtido ou elaborado, com finalidade profilática, curativa, paliativa ou para fins de diagnóstico (Lei no 5.991, de 17/12/73). É uma forma farmacêutica terminada que contém o fármaco, geralmente em associação com adjuvantes farmacotécnicos” (http://www.ivfrj.ccsdecania.ufrj.br).
  • 6. CAPÍTULO 1 – Introdução à Farmácia e aos Medicamentos 19 usavam algumas substâncias e formas farmacêu- ticas que são utilizadas até hoje. O texto do papiro de Ebers é dominado por fórmulas, men- cionando mais de 800 formulações e prescri- ções e mais de 700 substâncias. Estas eram pre- dominantemente de origem vegetal, embora muitas substâncias de origem animal e mineral também sejam citadas. Plantas como acácia, mamona (óleo de rícino) e funcho são mencio- nadas juntamente com substâncias minerais como óxido de ferro, carbonato de sódio, clo- reto de sódio e enxofre. Os excrementos de ani- mais eram usados em terapias medicamentosas. Os veículos consistiam em cerveja, vinho, lei- te e mel. Muitas fórmulas empregavam duas dú- zias ou mais de agentes medicinais, um tipo de preparação que depois foi chamada de “polyphar- macal ”. Os egípcios costumavam empregar gral e pistilo, moinhos, tamises e balanças na manipu- lação de supositórios, gargarejos, pílulas, inalações, loções, pomadas, emplastros e enemas. Introdução ao ponto de vista científico Ao longo da história, muitos indivíduos contri- buíram para o avanço das ciências da saúde. No- táveis entre esses, cuja genialidade e criatividade revolucionaram o desenvolvimento da farmácia e da medicina, encontram-se Hipócrates (460-377 a.C.), Dioscórides (I d.C.), Galeno (130-200 d.C.) e Paracelso (1493-1541 d.C.). Hipócrates, um médico grego, recebeu o cré- dito da introdução da farmácia e da medicina cien- tífica. Ele racionalizou a medicina, sistematizou o conhecimento médico e colocou a prática da me- dicina num plano ético elevado. Seus pensamen- tos sobre ética e ciência dominaram os escritos médicos tanto da sua como de gerações sucessi- vas, e seus conceitos e preceitos tomaram forma no renomado Juramento Hipocrático sobre a con- duta ética para profissionais da saúde. Seu traba- lho inclui a descrição de centenas de medicamen- tos. Foi durante esse período que o termo phar- makon veio a significar um material ou produto purificado, usado unicamente para o bem, mu- dando a conotação prévia de um remédio, droga ou poção empregado para propósitos do bem ou do mal. Graças a seu trabalho pioneiro na ciência mé- dica e seus ensinamentos e filosofias avançadas, que se tornaram uma parte da medicina moderna, Hi- pócrates é aclamado o “Pai da Medicina”. Dioscórides, um médico e botânico grego, foi o primeiro a lidar com a botânica como uma ciên- cia aplicada à farmácia. Seu trabalho, De Materia Medica, é considerado o marco no desenvolvimen- to da botânica farmacêutica e no estudo de pro- dutos medicinais naturais. Essa área de estudo é conhecida hoje como farmacognosia, um termo formado por duas palavras gregas, pharmakon, fármaco, e gnosis, conhecimento. Algumas plan- tas descritas por Dioscórides, incluindo ópio, er- got e meimendro, continuam a ter uso na medici- FIGURA 1.1 Tábua suméria do terceiro milênio a.C., na qual se acredita que estejam as mais antigas prescri- ções do mundo. Entre elas há uma preparação de se- mente de carpenter plant, resina da goma de markhazi e tomilho, pulverizados e dissolvidos em cerveja, e uma combinação de raízes pulverizadas de moon plant e ár- vore de pêra branca, também dissolvidas em cerveja. (Cor- tesia do University Museum, University of Pennsylvania.)
  • 7. 20 SEÇÃO I – Introdução aos Fármacos, Formas Farmacêuticas e Sistemas de Liberação na. Suas descrições sobre a arte da identificação e coleta de produtos naturais, métodos adequados de armazenamento e meio de detectar adultera- ções e contaminações serviram de modelo para a época e evidenciaram a necessidade de trabalhos adicionais para futuros investigadores. Cláudio Galeno, um médico e farmacêutico grego que obteve cidadania romana, visava a criar um sistema perfeito de fisiologia, patologia e tra- tamento. Ele formulou doutrinas que foram se- guidas por 1.500 anos. Foi um dos mais prolífi- cos autores de sua ou de qualquer época, tendo recebido o crédito da realização de 500 tratados sobre medicina e de outros 250 sobre filosofia, leis e gramática. Seus escritos médicos incluem a descrição de várias drogas de origem natural, jun- tamente com fórmulas e métodos de manipula- ção. Ele obteve tantas preparações de drogas ve- getais pela mistura ou fusão dos componentes in- dividuais que esta área da farmácia foi comumen- te designada de “Farmácia Galênica”.Talvez a mais famosa de suas fórmulas seja o cold cream, chama- do de Cerato de Galeno, o qual é similar a algu- mas preparações usadas ainda hoje. A farmácia permaneceu atrelada à medicina até que a crescente quantidade de fármacos e a complexidade da preparação de medicamentos exigiram especialistas que se dedicassem somente a ela. A farmácia foi oficialmente separada da me- dicina em 1240 d.C., quando um decreto do im- perador Frederico II, da Alemanha, regulamen- tou a prática da farmácia dentro de parte de seu reino, chamado Duas Sicílias. Seu edito separou as duas profissões, reconhecendo que a prática da farmácia requeria conhecimentos, habilidades, ini- ciativas e responsabilidades especiais, para que cui- dados adequados às necessidades médicas das pes- soas fossem garantidos. Os farmacêuticos passa- ram a ser obrigados a prestar juramento quanto à preparação de medicamentos confiáveis e de qua- lidade uniforme, de acordo com a arte. Qualquer exploração do paciente, por meio de relações co- merciais entre o farmacêutico e o médico, era es- tritamente proibida. Entre esse período e a con- solidação da química como ciência exata, a farmá- cia e a química permaneceram unidas, assim como a farmácia e a medicina foram um dia. Talvez nenhuma pessoa na história tenha exer- cido uma influência revolucionária na farmácia e na medicina como o fez Aureolus Theophrastus Bombastus von Hohenheim (1493-1541), um médico e químico suíço que se autodenominou Paracelso. Ele influenciou a transformação da far- mácia, originalmente uma profissão que tinha botânica como base, em uma profissão que tem a química como base. Algumas de suas observações químicas foram surpreendentes para sua época e anteciparam descobertas posteriores. Ele acredi- tava que era possível preparar substâncias medici- nais para combater doenças específicas e introdu- ziu uma vasta gama de substâncias na terapêutica. Pesquisas iniciais À medida que o conhecimento das ciências bá- sicas aumentava, elas tornavam-se aplicáveis à farmácia. Isso oportunizou a investigação de agentes medicinais com base científica e o de- safio foi aceito por vários farmacêuticos que conduziam suas pesquisas nas dependências das suas farmácias. Notavelmente, entre eles estava o sueco Karl Wilhelm Scheele (1742-1786), talvez o mais famoso de todos os farmacêuti- cos, graças a sua genialidade científica e às suas importantes descobertas. Entre elas estão os ácidos lático, cítrico, tartárico e arsênico. Ele identificou a glicerina, inventou novos méto- dos de preparação do calomelano e ácido ben- zóico e descobriu o oxigênio um ano antes de Priestley. O isolamento da morfina a partir do ópio pelo farmacêutico alemão Friedrich Sertürner (1783- 1841), em 1805, conduziu a uma série de isola- mentos de outros compostos ativos de plantas por farmacêuticos franceses. Joseph Caventou (1795- 1877) e Joseph Pelletier (1788-1842) combina- ram seus talentos e isolaram a quinina e a cincho- nina a partir da chinchona e a estriquinina e a brucina a partir da noz vômica. Pelletier e Pierre Robiquet (1780-1840) isolaram a cafeína, e Ro- biquet sozinho separou a codeína a partir do ópio. Metodicamente, uma substância após outra foi isolada a partir de plantas e identificada como sendo responsável pela atividade medicinal da planta. Até os dias de hoje, estamos engajados nessa atividade fascinante, uma vez que testa- mos agentes terapêuticos naturais cada vez mais
  • 8. CAPÍTULO 1 – Introdução à Farmácia e aos Medicamentos 21 úteis e específicos. Exemplos recentes de fárma- cos isolados a partir de fontes naturais incluem o paclitaxel (Taxol), uma substância com atividade antitumoral obtida do teixo do Pacífico (Taxus baccata) e empregada para o tratamento do carci- noma metastático do ovário; a vincaleucoblasti- na, outro antineoplásico obtido da Vinca rosea e a digoxina, um glicosídeo cardíaco obtido da Digi- talis lanata. Na Europa, farmacêuticos como Pelletier e Sertürner foram muito considerados por sua in- teligência e suas habilidades durante o final do século XVII e início do século XIX. Eles aplica- ram a arte e a ciência da farmácia na preparação de medicamentos com as mais altas qualidades de pureza, uniformidade e eficácia do seu tempo. A ex- tração e o isolamento de constituintes ativos de ma- térias-primas vegetais brutas (não-processadas) leva- ram ao desenvolvimento de formas farmacêuticas com concentração uniforme de eficazes agentes te- rapêuticos de origem natural. Muitos farmacêuticos da época iniciaram a fabricação de produtos farma- cêuticos de qualidade em pequena escala, mas que logo foi aumentada para atender às necessidades da comunidadelocal.Algumasdasmaiorescompanhias de produção e pesquisa de hoje se desenvolveram a partir dos laboratórios de dois séculos atrás. Embora muitos dos fármacos inicialmente usa- dos por índios nativos tenham sido adotados pelos colonizadores, a maior parte das necessidades deste país (EUA), antes do século XIX, foi importada da Europa, seja na forma de matéria-prima, seja como produto acabado. Com a Revolução, entretanto, tornou-se mais difícil importar fármacos, e far- macêuticos americanos foram estimulados a ad- quirir a experiência científica e tecnológica de seus colegas europeus. A partir desse período até a Guerra Civil, a produção farmacêutica esteve em sua infância nos Estados Unidos. Algumas das in- dústrias farmacêuticas estabelecidas no início do século XVIII ainda estão em operação. Em 1821, a Faculdade de Farmácia da Filadélfia foi criada como a primeira escola de farmácia da nação. Padrões de Qualidade Em decorrência do avanço científico dos fárma- cos e medicamentos, houve a necessidade da ob- tenção de padrões uniformes para assegurar a qua- lidade. Tal necessidade levou ao desenvolvimento e à publicação de monografias e livros de referên- cia contendo especificações para serem usadas por aqueles envolvidos na produção de fármacos e medicamentos. Os conjuntos organizados de mo- nografias foram chamados de farmacopéias ou for- mulários. United States Pharmacopeia e o National Formulary Otermofarmacopéiaorigina-sedogregopharmakon, que significa substância medicinal, e poiein, que sig- nifica fazer; a combinação indica as especificações requeridas para fazer ou preparar um medicamento. O termo foi primeiramente usado em 1580 em co- nexão com um livro local contendo especificações de medicamentos, em Bérgamo, na Itália. Desde então, várias farmacopéias nacionais, estaduais e lo- cais foram publicadas por várias sociedades farma- cêuticas européias. À medida que o tempo passava, o valor de um conjunto uniforme de especificações nacionaisparamedicamentostornou-seaparente.Na Grã-Bretanha, por exemplo, três farmacopéias locais – Londres, Edinburgo e Dublin – foram oficiais até 1864, quando foram substituídas pela British Phar- macopeia (BP). Nos Estados Unidos, especificações para pre- parações farmacêuticas surgiram em 1820, quan- do a primeira United States Pharmacopeia (USP) foi publicada. Por conveniência e devido à fami- liaridade, médicos coloniais e boticários usavam as farmacopéias e outras obras de referência de suas terras natais. A primeira farmacopéia ameri- cana foi chamada de Lilitz Pharmacopeia, publi- cada em 1778 em Lilitz, Pensilvânia, para uso em um Hospital Militar do Exército dos Estados Uni- dos. Era um livro de 32 páginas contendo infor- mações sobre fármacos e preparações de uso in- terno (84) e de uso externo (16). Durante a última década do século XVIII, vá- rias tentativas foram feitas por diferentes socieda- des médicas locais para coletar informações sobre preparações farmacêuticas, especificações apropria- das e preparar uma farmacopéia americana de medicamentos usados na época. Em 1808, a Massachusetts Medical Society publicou uma far-
  • 9. 22 SEÇÃO I – Introdução aos Fármacos, Formas Farmacêuticas e Sistemas de Liberação macopéia de 272 páginas contendo informações e monografias de 536 fármacos e preparações far- macêuticas. Nessa publicação foram incluídos muitos fármacos nativos dos Estados Unidos, os quais não eram descritos nas farmacopéias euro- péias da época. Em 6 janeiro de 1817, Lyman Spalding, um médico da cidade de Nova York, submeteu um projeto para a Medical Society of the County of New York, para a criação de uma farmacopéia na- cional. Os esforços de Spalding resultaram no seu reconhecimento como “Pai” da United States Phar- macopeia. Ele propôs a divisão dos Estados Uni- dos em quatro distritos geográficos – norte, cen- tro, sul e oeste –, de modo a conter delegações de sociedades e escolas de medicina. Onde ainda não existiam associações e escolas médicas, associações voluntárias de médicos e cirurgiões foram convi- dadas para auxiliar na empreitada. Cada uma das convenções distritais deveria esboçar uma farma- copéia e indicar delegados para a convenção que seria realizada em Washington. Na convenção nacional, as quatro farmacopéias distritais seriam compiladas em uma única farmacopéia nacional. Esboçosdafarmacopéiaforamsubmetidosàcon- venção somente pelos distritos do norte e do centro. Eles foram revisados, consolidados e adotados pela United States Pharmacopeial Convention, reunida em Washington D.C., em 1o de janeiro de 1820. A primeira USP foi publicada em 15 de dezembro de 1820, em inglês e latim, então a língua internacio- nal de médicos e farmacêuticos, tornando-se a refe- rência mais inteligível para esses profissionais inde- pendentemente de sua nacionalidade. Em 272 pági- nas foram listados 217 fármacos de notável reconhe- cimento, muitos deles tendo sido retirados da Mas- sachusetts Pharmacopeia, que é considerada por al- guns como a precursora da USP. O objetivo da pri- meira edição da USP foi descrito em seu prefácio e mantém sua importância. Ele contém este trecho: É o objetivo de uma farmacopéia selecionar, entre as substâncias que possuem propriedades medicinais, aquelas que são completamente estabelecidas e com- preendidas, e preparar, a partir delas, formulações em concentrações que proporcionem grande benefício. Deve-se distinguir aqueles artigos por nomes conve- nientemente definidos, para prevenir problemas e enganos por médicos e boticários. Antes de aprová-la, a convenção adotou reso- luções e normas, com provisões para os subseqüen- tes encontros, que levariam à revisão da USP a cada 10 anos. Como muitos fármacos novos en- traram em uso, a necessidade de publicações mais freqüentes de especificações tornou-se maior. Em 1900, a Pharmacopeial Convention ganhou au- toridade para publicar suplementos da USP quan- do houvesse necessidade. No encontro de 1940, foi decidido que a revisão da USP ocorreria a cada cinco anos, mantendo o uso de suplementos pe- riódicos, quando necessário. A primeira United States Pharmacopeial Convention foi composta exclusivamente de médicos. Em 1830 e em 1840, farmacêuticos proeminentes foram convidados a participar da revisão e, em reconhecimento às suas contri- buições, foram mantidos como membros natos da convenção de 1950, participando com regu- laridade desde então. Na década de 1870, a USP esteve quase que completamente nas mãos dos farmacêuticos, e intensos esforços foram reque- ridos para reavivar o interesse da comunidade médica. A presente United States Pharmacopeial Convention é constituída por delegados repre- sentando institutos educacionais, organizações científicas e profissionais, divisões de órgãos go- vernamentais, organizações americanas não-go- vernamentais, organizações e comissões inter- nacionais de farmacopéias, pessoas que possuem competência científica específica ou conheci- mento de tecnologias emergentes e membros públicos (2). Dos sete membros eleitos da co- missão de especialistas, pelo menos dois devi- am ser representantes das ciências médicas, dois das ciências farmacêuticas e um da sociedade. Após o aparecimento da primeira USP, a arte e a ciência da farmácia e da medicina mudaram significativamente. Antes de 1820, fármacos usa- dos para tratar doenças foram os mesmos durante séculos. A USP de 1820 refletiu o fato de que os boticários da época eram competentes para cole- tar e identificar matérias-primas vegetais e prepa- rar, a partir delas, formulações e misturas solicita- das pelos médicos. O farmacêutico tornou-se im- portante, uma vez que aplicava toda sua arte para a elaboração de preparações farmacêuticas dife- rentes, a partir de matérias-primas vegetais bru- tas. Esse tempo nunca mais seria visto, devido ao
  • 10. CAPÍTULO 1 – Introdução à Farmácia e aos Medicamentos 23 surgimento de novas tecnologias e ao desenvolvi- mento das ciências básicas, particularmente da quí- mica da síntese orgânica. A segunda metade do século XIX trouxe gran- des mudanças. A revolução industrial proporcio- nou uma completa mudança nos Estados Unidos. A máquina a vapor, que usava a força da água para mover moinhos para triturar matérias-primas ve- getais, foi substituída por máquinas movidas por gasolina, diesel e eletricidade. Novas máquinas fo- ram usadas para substituir as antigas e freqüente- mente outras foram adaptadas para atender às necessidades especiais da indústria farmacêutica. Misturadores de padarias, centrífugas de lavande- rias, turbinas de revestimento das indústrias de doces foram alguns exemplos de improvisações. A produção aumentou rapidamente, mas a nova indústria teve de esperar a revolução científica an- tes de poder produzir novos e melhorados medi- camentos. A simbiose entre ciência e avanço tec- nológico foi necessária. Por volta de 1880, a produção industrial de produtos químicos e farmacêuticos tinha se tor- nado bem-estabelecida no país, e o farmacêutico foi buscar fontes comerciais para a aquisição de fármacos. A síntese orgânica começou a ter in- fluência sobre a terapia medicamentosa. O isola- mento de alguns constituintes ativos de vegetais levou ao conhecimento de sua estrutura química. A partir disso surgiram métodos de síntese desses compostos, bem como de manipulação da sua es- trutura molecular para produzir substâncias ain- da não encontradas na natureza. Em 1872, a síntese do ácido salicílico a partir do fenol inau- gurou a obtenção de compostos analgésicos, in- cluindo o ácido acetilsalicílico (aspirina), o qual foi introduzido na medicina em 1899. Entre outras substâncias químicas sintetizadas pela primeira vez estavam as originadas do ácido bar- bitúrico, com propriedade de indução do sono, chamadas de barbituratos. Essa nova fonte de fármacos, obtidos da síntese orgânica, foi bem recebida no século XX. Até esse momento, fármacos criados pela ge- nialidade da química orgânica aliviaram os sinto- mas e as doenças, mas nenhum ainda tinha pro- priedades curativas, até que, em 1910, a arsfenami- na, um agente específico contra sífilis, foi introduzi- do na medicina. Era o início da quimioterapia, uma época na qual as doenças humanas se tornaram curáveis pelo emprego de substâncias químicas. Os conceitos, as descobertas e as inspirações que fizeram essa época gloriosa foram creditados a Paul Ehrlich, um bacteriologista alemão que, junto com seu colega japonês Sahachiro Hata, descobriu a arsfenamina. Atualmente a maioria dos fármacos novos, seja com propriedades paliativas ou curati- vas, tem origem nos frascos da química orgânica sintética. O avanço das ciências básicas e aplicadas le- vou ao desenvolvimento de fármacos mais com- plexos. As especificações estabelecidas pela USP foram mais do que necessárias para proteger a comunidade, assegurando a pureza e a uniformi- dade das substâncias. Quando a American Pharmaceutical Associa- tion (APhA) foi criada, em 1852, a única referên- cia disponível de reconhecida autoridade sobre especificações de fármacos e medicamentos era a terceira revisão da USP. Para servir como guia te- rapêutico à profissão médica, seu objetivo foi res- trito a fármacos de reconhecido mérito terapêuti- co. Devido a essa seleção estrita, muitos fármacos e formulações que eram aceitos e usados pela pro- fissão médica não foram admitidos nas edições mais antigas da USP. Como forma de protesto, e baseando-se nos objetivos da APhA sobre a pa- dronização de fármacos e formulações, alguns far- macêuticos, com o consentimento da associação nacional, elaboraram um formulário contendo muitos dos fármacos e formulações de uso popu- lar, cuja admissão na USP tinha sido negada. A primeira edição foi publicada em 1888 com o nome de National Formulary of Unofficial Prepa- rations (3). A designação “preparações não-oficiais” (unofficial preparations) refletia o sentimento de protesto dos autores, visto que a USP tinha ado- tado o termo “oficial” para fármacos que possuíam especificações. O título foi alterado para National Formulary (NF) em 30 de junho de 1906, quan- do o presidente Theodore Roosevelt assinou a pri- meira lei federal denominada Pure Food and Drug Act, designando tanto a USP quanto o NF como referências legais sobre substâncias farmacêuticas e medicinais. Assim, as duas publicações torna- ram-se oficiais. Entre outros aspectos, a lei exigia que, se a designação USP ou NF fosse usada ou colocada no rótulo, o produto deveria estar em
  • 11. 24 SEÇÃO I – Introdução aos Fármacos, Formas Farmacêuticas e Sistemas de Liberação conformidade com o conjunto de especificações físicas e químicas descrito na monografia. As primeiras edições do NF serviram princi- palmente como uma referência que fornecia no- mes de fármacos e preparações e orientações para a preparação dos produtos farmacêuticos prescri- tos pelos médicos em pequena escala. Antes de 1940, o NF, assim como a USP, era revisado a cada 10 anos. Após essa data, novas edições apa- reciam a cada cinco anos, com suplementos sen- do publicados periodicamente, conforme a neces- sidade. Em 1975, a United States Pharmacopeial Con- vention Inc. comprou o NF, unificando o com- pêndio oficial e fornecendo mecanismos para a elaboração de um único compêndio nacional. O primeiro compêndio combinado, conten- do a USP XX e o NF XV, tornou-se oficial em 1o de julho de 1980. Todas as monografias de subs- tâncias terapeuticamente ativas apareceram na se- ção da USP, enquanto todas as monografias sobre produtos farmacêuticos apareceram na seção do NF. Esse formato foi mantido nas revisões subse- qüentes. A USP 23 – National Formulary 18, que se tornou oficial em 1995, foi a primeira a usar nú- meros arábicos, em vez de romanos, para indicar a edição. USP-NF tornou-se uma publicação anual em 2002 com USP 25 – NF 20 e a edição de 2003, USP62–NF21,contendoaproximadamente4.000 monografias sobre drogas, que se encontra publica- da em formato impresso e em CD-ROM. Os padrões de qualidade descritos pela USP e pelo NF destinam-se a todos os membros relaciona- dos à indústria farmacêutica, que compartilham a responsabilidade e a satisfação de ter a confiança da população, por assegurar a disponibilidade de fár- macos e produtos farmacêuticos de qualidade. Es- tão incluídos nesse grupo: médicos, farmacêuticos, dentistas, veterinários, enfermeiros, produtores, for- necedores de substâncias químicas brutas, fabrican- tes de produtos farmacêuticos em pequena e grande escalas, instituições e agências de saúde públicas e privadas e agências de regulamentação, entre outros. Monografias da USP e do NF A USP e o NF adotam especificações para fárma- cos, adjuvantes farmacêuticos e formas farmacêu- ticas que se refletem na melhor prática médica e farmacêutica, e procedimentos e ensaios aceitá- veis que demonstram a adesão a essas especifica- ções. Com essa função, os compêndios tornam-se documentos legais, sendo que cada afirmação deve ter alto grau de clareza e especificidade. Muitos produtos farmacêuticos do mercado, especialmente contendo associações de substân- cias ativas, não são descritos nas monografias de formulações ou formas farmacêuticas dos compên- dios oficiais. Entretanto, os componentes indivi- duais desses produtos são descritos nas monogra- fias, nos suplementos ou em petições para comer- cialização de medicamentos aprovadas pela Food and Drug Administration (FDA). O exemplo típico de monografia de um fár- maco, que aparece na USP, é demonstrado na Fi- gura 1.2. Estas mostra o tipo de informação que aparece para substâncias ativas orgânicas. A parte inicial da monografia consiste no títu- lo oficial (nome genérico) da substância, seguido por sua fórmula estrutural e empírica, peso mole- cular, nomes químicos e o número de registro do fármaco no Chemical Abstracts Service (CAS). O registro do CAS identifica cada um dos compos- tos num sistema de informações. Em seguida, aparece na monografia a declaração de pureza, uma advertência que reflete sua toxicidade, a forma de acondicionamento e recomendações sobre o ar- mazenamento e os ensaios físicos e químicos e métodos de análise usados para a identificação e determinação da pureza da substância. Em cada monografia, conjuntos de especifi- cações são relacionados ao fármaco, a matéria-pri- ma ou a forma farmacêutica para assegurar sua pureza, potência e qualidade. Laboratórios de pesquisa da USP fornecem assistência direta. As principais funções do labo- ratório consistem na avaliação e no desenvolvi- mento de métodos analíticos que serão incluídos nos compêndios. Outras farmacopéias Além da USP e do NF, outras referências con- tendo especificações, como a Homeopathic Phar- macopeia of the United States (HPUS) e a Phar- macopeia Internationalis ou International Phar-
  • 12. CAPÍTULO 1 – Introdução à Farmácia e aos Medicamentos 25 macopeia (IP), fornecem informações adicionais quanto à qualidade de fármacos e medicamen- tos necessários para determinadas instituições e profissionais. A HPUS é empregada por far- macêuticos e médicos homeopatas, bem como por agências de regulamentação que devem as- segurar a qualidade de medicamentos homeo- páticos. O termo homeopatia foi criado por Samuel Hahnemann (1755-1843) a partir do grego homoios, significando similar, e pathos, significando doença. Na essência, a base da ho- meopatia consiste na lei da similaridade: o se- FIGURA 1.2 Amoxicilina. melhante cura o semelhante, ou seja, o fármaco que produz os sintomas da doença em pessoas saudáveis será capaz de tratar e curar aquelas apresentando os mesmos sintomas. Envolven- do a abordagem da homeopatia estão (a) a ava- liação de um fármaco em pessoas saudáveis, para encontrar os efeitos que podem ser empregados contra os mesmos sintomas que se manifestam naquelas doentes; (b) o uso de doses diminutas na terapia, em diluições expressas com “1x” (di- luição 1:10), “2x”(diluição 1:100), e assim por diante; (c) a administração de não mais de um C16H19N3O5S·3H2O 419,45 4-Thia-1-azabicyclo [3.2.0] hepane-2-carboxylic acid, 6- [[amino(4-hydroxyphenyl)acetyl]amino-3, 3-dimethyl-7- oxo-, trihydrate 2S-[2α,[5α,6β(S*)]]-. (2S,5R,6R)-6-[(R)-(–)-2-Amino-2-(p-hydroxyphenyl) acetamidol]-3,3-dimethyl-7-oxo-4-thia-1-azabicyclo [3.2.0]heptane-2-carboxylic acid trihydtate [61336-70- 7]. Anhydrous 365,41 [26787-78-0]. Amoxicillin contains not less than 900µg mg and not more than 1050 µg of C16H19N3O5S per mg, calculated on the anhydrous basis. Packaging and storage – Preserve in tight containers, at con- trolled room temperature. Labeling – Where it is intended for use in preparing in- jectable dosage forms, the label states that it is intended for veterinary use only and that it is sterile or must be subjected to further processing during the preparation of injectable dosage forms. Label all other Amoxicillin to indicate that it is to be used in the manufacture of nonparenteral drugs only. USP Reference standards [11] – USP Amoxicillin RS. USP Endotoxin RS. Identification, Infrared Absorption (197K). Crystallinity, [695]: meets the requirements. Water, Method I [921]: between 11.5% and 14.5%. Dimethylaniline [223]: meets the requirement. Other requirements – Where the label states that Amoxicillin is sterile, it meets the requirements for Sterility and Bacterial endotoxins under Amoxicillin for Injectable Suspension. Where the label states that Amoxicillin must be subjected to further processing during the preparation of injectable dosage forms, it meets the requirements for Bacterial endotoxins under Amoxicillin for Injectable Suspension. Assay – Diluent – Dissolve 13.6 g of monobasic potassium phos- phate in 2000 mL of water, and adjust with a 45% (w/w) solution of potassium hydroxide to a pH of 5.0%±0.1. Mobile phase – Prepare a suitable filtered mixture of Diluent and acetonitrile (96:4). Make adjustments if neces- sary (see System Suitability under Chromatography [621]). Decrease the acetonitrile concentration to increase the re- tention time of amoxicillin. Standard preparation – Dissolve an accurately weighed quantity of USP Amoxicillin RS quantitatively in Diluent to obtain a solution having a known concentration of about 1.2 mg per mL. Use this solution within 6 hours. Assay preparation – Transfer about 240 mg of Amoxicillin, accurately weighed, to a 200-mL volumetric flask, dissolve in and dilute with Diluent to volume, and mix. Use this so- lution within 6 hours. Chromatographic system (see Chromatography [621]) –The liquid chromatograph is equipped with a 230-nm detector and a 4-mm × 25-cm column that contains packing L1. The flow rate is about 1.5 mL per minute. Chromatograph the Standard preparation, and record the peak responses as di- rected for Procedure: the capacity factor, kr, is between 1.1 and 2.8, the column efficiency is not less than 1700 theo- retical plates, the tailing factor is not more than 2.5, and the relative standard deviation for replicate injections is not more than 2.0%. Procedure – Separately inject equal volumes (about 10 µL) of the Standard preparation and the Assay preparation into the chromatograph, record the chromatograms, and measure the responses for the major peaks. Calculate the quantity, in µg, of C16H19N3O5S per mg of the Amoxicillin taken by the formula: 200(CP/W)(ru/rs), in which C is the concentration, in mg per mL, of USP Amoxicillin RS in the Standard preparation, P is the stated amoxicillin content, in µg per mg, of USP Amoxicillin S, W is the quantity, in mg, of Amoxicillin taken to prepare the Assay preparation, and ru and rs are the amoxicillin peak responses obtained form the Assay preparation and the Stan- dard preparation, respectively. HO H2N H H H O O HO O N H CH3 CH3 S 3H2O N H
  • 13. 26 SEÇÃO I – Introdução aos Fármacos, Formas Farmacêuticas e Sistemas de Liberação fármaco de cada vez; e (d) o tratamento de to- dos os sintomas do paciente e não somente um dos sintomas (4 – 6). A HPUS é essencial aos farmacêuticos que preparam medicamentos que serão usados na prática homeopática. A IP é publicada pela Organização Mundial da Saúde (OMS ou, em inglês, WHO, World Health Organization) das Nações Unidas, com a cooperação dos países-membros. Serve de mode- lo aos comitês de revisão das farmacopéias nacio- nais para introduzir modificações de acordo com os padrões internacionais. Não possui autoridade legal, apenas o respeito e o reconhecimento dos países participantes, no esforço de fornecer es- pecificações de fármacos aceitáveis com base internacional. O primeiro volume da IP foi publicado em 1951. Ela tem sido revisada pe- riodicamente desde então. Por vários anos, muitos países publicaram suas próprias farmacopéias, incluindo Reino Unido, França, Itália, Japão, Índia, México, Noruega e os integrantes da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas.* Essas farmacopéias e a European Phar- macopeia (EP ou Ph Eur) são empregadas dentro de suas jurisdições legais e por companhias far- macêuticas multinacionais que desenvolvem e co- mercializam medicamentos. Países que não têm uma farmacopéia nacional freqüentemente ado- tam uma de outro país. A seleção da farmacopéia geralmente é baseada na proximidade geográfica, em uma língua ou herança comum, ou na simila- ridade dos fármacos e produtos farmacêuticos em- pregados. Por exemplo, o Canadá, que não possui sua farmacopéia, costuma usar os padrões USP- NF. A farmacopéia mexicana (Farmacopea de los Estados Unidos Mexicanos) é a única outra ativa- mente mantida neste hemisfério (7). Conjunto de especificações de medicamentos aprovados pela FDA Nos Estados Unidos, além do compêndio oficial, algumas especificações e métodos de análise de fár- macos e medicamentos são estabelecidos no con- junto de especificações das petições de registro de medicamentos novos da FDA (ver Capítulo 2). O fabricante deve aderir rigidamente a tais espe- cificações para manter a continuidade da aprova- ção da FDA e a comercialização do produto. Fi- nalmente, essas ou subseqüentes especificações esta- belecidas são adotadas pela USP-NF. Organização Internacional para Normalização A Organização Internacional para Normalização (ISO, do inglês International Organization for Standardization) é um consórcio internacional de órgãos representativos constituídos para desenvol- ver e promover padrões internacionais uniformes ou harmonizados. Representando os Estados Uni- dos, nesse consórcio, está o American National Standards Institute. Entre os vários padrões ISO usados na indús- tria farmacêutica encontram-se aqueles das séries ISO 9000 a ISO 9004. Incluídos aqui estão os padrões pertinentes a desenvolvimento, produção, segurança da qualidade, detecção de produtos defeituosos, administração da qualidade e outros aspectos, como segurança e confiabilidade. A ade- * N. de R.T. A Farmacopéia Brasileira é o Código Oficial Farmacêutico do País, na qual se estabelece a qualidade dos medicamentos em uso no Brasil. A Farmacopéia Bra- sileira é elaborada pela Comissão Permanente de Revisão da Farmacopéia Brasileira (CPRFB), que é uma comissão oficial nomeada pelo Diretor-Presidente da Agência Na- cional de Vigilância Sanitária (ANVISA), e que foi insti- tuída junto à Diretoria de Medicamentos e Produtos, cons- tituindo-se, portanto, em uma entidade da própria ANVISA. O primeiro código do Brasil-colônia foi a Far- macopéia Geral para o Reino e os Domínios de Portugal, sancionada em 1794 e obrigatória em nosso país a partir de 1809. Após a Independência, foram utilizados, além desta, o Codex Medicamentarius Gallicus francês e o Códi- go Farmacêutico Lusitano, hoje considerado como a 2a edição da Farmacopéia Portuguesa. Isso, até que o Decre- to n° 8.387, de 19/01/1882, estabeleceu que “para o pre- paro dos medicamentos oficiais seguir-se-á a Farmacopéia Francesa, até que seja composta uma farmacopéia brasi- leira...” Em 1926, as autoridades sanitárias do país apro- varam a proposta de um Código Farmacêutico Brasileiro, apresentada pelo farmacêutico e professor de Farmácia Rodolpho Albino Dias da Silva. Aprovado pelas autori- dades sanitárias da época, esse código foi oficializado em 1929 e tornou-se a primeira edição da Farmacopéia Brasi- leira. Maiores informações em www.farmacopeia.org.br.
  • 14. CAPÍTULO 1 – Introdução à Farmácia e aos Medicamentos 27 são da indústria a esses padrões é voluntária. En- tretanto, muitas empresas encontram vantagens em ser reconhecidas pelos padrões ISO. Algumas companhias optam por ter o Certificado ISO, passando por um rigoroso processo de avaliação e a creditação (8). Regulamentação e Controle de Medicamentos* A primeira lei federal norte-americana destinada a regulamentar a fabricação de produtos farma- cêuticos foi o Food and Drug Act, de 1906. A lei exigia que medicamentos comercializados entre Estados apresentassem as especificações quanto a potência, pureza e qualidade. Declarações dos fa- bricantes sobre prováveis benefícios terapêuticos não foram regulamentadas até 1912, quando a Emenda Sherley especificamente proibiu a falsa declaração de efeitos terapêuticos, chamando tais produtos de enganosos. Federal Food, Drug, and Cosmetic Act, de 1938 A necessidade de especificações adicionais foi de- monstrada de forma trágica em 1938. Um então maravilhoso medicamento contendo sulfanilami- da, que é insolúvel na maioria dos solventes far- macêuticos comuns, foi preparado e distribuído por um renomado fabricante na forma de elixir, usando o dietilenoglicol como solvente, uma subs- tância altamente tóxica empregada em soluções para evitar congelamento. Mais de 100 pessoas morreram por envenenamento com dietilenogli- col antes de o produto ser retirado do mercado. A necessidade de uma formulação adequada e da realização de ensaios farmacológicos e toxicológi- cos dos fármacos, adjuvantes e produtos acabados foi dolorosamente reconhecida. O congresso res- pondeu a isso com a aprovação do Federal Food, Drug, and Cosmetic Act, em 1938, e a criação da FDA para administrar e executar a legislação. A lei de 1938 proibia a distribuição e o uso de qual- quer fármaco ou medicamento sem antes preen- cher a petição de registro de um medicamento novo (NDA, do inglês new drug application) e submetê-los à aprovação pela FDA. Isso fez com que a FDA fosse responsável por conceder ou ne- gar a permissão para distribuir novos produtos após avaliação dos dados fornecidos pelo solici- tante quanto a componentes, métodos de ensaio, padrões de qualidade, processo de fabricação, estu- dos pré-clínicos (animal ou cultura de células), in- cluindo estudos farmacológicos e toxicológicos e ensaios clínicos em humanos. Embora a lei de 1938 exigisse que os produtos fossem seguros para seres humanos, ela não exigia que fossem eficazes. Emenda Durham-Humphrey, de 1952 Medicamentos aprovados para comercialização pela FDA são classificados de acordo com a ma- neira pela qual eles podem ser legalmente obtidos pelo paciente. Medicamentos considerados segu- ros o suficiente para serem usados por pessoas lei- gas na automedicação, em condições simples, para as quais os cuidados médicos não são essenciais, são classificados como de venda livre (OTC, do inglês over the counter) ou como não-prescritos, e podem ser vendidos pelos farmacêuticos sem pres- crição médica. O status de venda livre do medica- mento pode ser alterado se controles da distribui- ção do mesmo forem posteriormente requeridos. Outros medicamentos considerados úteis apenas após o diagnóstico de especialistas ou muito peri- gosos para a automedicação são disponibilizados somente por meio de uma prescrição. Tais medi- camentos devem conter uma tarja com a legen- da “RX unicamente” ou “Atenção: a lei federal proíbe a dispensação sem prescrição médica”. Entretanto, seu status legal pode ser alterado para de venda livre, embora em geral na menor dose recomendada, se forem considerados úteis e suficientemente seguros para uso por pessoas leigas. Exemplos incluem medicamentos con- tendo ibuprofeno, cetoprofeno, cimetidina, lo- ratidina e ranitidina. * N. de R.T. Esta seção descreve aspectos relacionados à legislação americana sobre desenvolvimento, produção e uso de medicamentos. Para evitar erros e traduções ina- dequadas, os nomes das leis e outras regulamentações fo- ram mantidos em inglês.
  • 15. 28 SEÇÃO I – Introdução aos Fármacos, Formas Farmacêuticas e Sistemas de Liberação De acordo com a emenda de Durham-Hum- phrey, prescrições de medicamentos com tarja não podem ser dispensadas novamente sem o expres- so consentimento do médico. O reaviamento de certas prescrições, reconhecidas como de abuso pú- blico, foi mais tarde regulamentado com a apro- vação da Drug Abuse Control Amendments, de 1965, e pelo Comprehensive Drug Abuse Preven- tion and Control Act, de 1970. Emenda Kefauver-Harris, de 1962 A tragédia de 1960 levou à aprovação da Emen- da Kefauver-Harris ao Federal Food Drug na Cosmetic Act, de 1938. Um fármaco sintético novo, a talidomida, recomendado como sedati- vo e tranqüilizante, foi comercializado na Eu- ropa como medicamento de venda livre. Trata- va-se de um fármaco de especial interesse devi- do a sua aparente ausência de toxicidade, mes- mo em doses muito altas. Esperava-se que a ta- lidomida fosse empregada em substituição aos barbituratos e, portanto, prevenisse as freqüen- tes mortes causadas por ingestão acidental ou intencional desses medicamentos. Uma compa- nhia farmacêutica, nos Estados Unidos, aguar- dava a aprovação para comercialização, quando relatos de toxicidade relacionados ao uso da ta- lidomida começaram a aparecer na Europa. Esse medicamento, quando administrado em mulhe- res grávidas, produzia defeitos no feto, mais notavelmente a focomelia, uma malformação dos membros de recém-nascidos. Milhares de crianças foram afetadas em várias extensões (9). Algumas nasceram sem braços e pernas; outras com os membros parcialmente formados. Os mais afortunados nasceram somente com des- figurações do nariz, olhos e orelhas. Os mais gravemente afetados faleceram de malformações do coração e trato gastrintestinal. Essa catástrofe relacionada ao uso de um medicamento estimu- lou o Congresso a reforçar a legislação sobre a co- mercialização de novos medicamentos. Sem con- testação, em 10 de outubro de 1962, a emenda Kefauver-Harris ao Food, Drug and Cosmetic Act foi aprovada. O objetivo do decreto foi assegurar o maior grau de segurança dos medicamentos aprovados e exigir dos fabricantes a comprovação da segurança e eficácia antes dos mesmos serem liberados para comercialização pela FDA. Com essa emenda, o responsável por uma nova droga necessita submetê-la a uma petição de me- dicamentos sob investigação (IND, do inglês in- vestigational new-drug application) antes de ser cli- nicamente testada em seres humanos. Somente após a realização de ensaios clínicos cuidadosos e bem-estruturados, nos quais o medicamento é ava- liado quanto a sua eficácia e segurança, o respon- sável encaminha uma NDA para solicitar a co- mercialização do produto. As exigências para isso e outras petições à FDA são apresentadas no Ca- pítulo 2. É interessante ressaltar que atualmente a OMS considera a talidomida como sendo um fármaco- modelo para o tratamento da febre e lesões asso- ciadas ao eritema nodoso leproso (ENL) em pa- cientes com lepra e ela tem sido usada no mundo todo com essa finalidade durante anos (10). Em 1997, um comitê de especialistas recomendou que a FDA aprovasse o uso da talidomida para o tra- tamento do ENL nos Estados Unidos, sob um rígido controle de distribuição e com a realização de programas apropriados de educação ao paciente (11). A utilidade da talidomida em outras condi- ções, como artrite reumatóide, esclerose múltipla, caquexia relacionada ao câncer e à AIDS, progres- são da AIDS/HIV e úlcera aftosa está sob investi- gação (12). Comprehensive Drug Abuse Prevention and Control Act, de 1970 O Comprehensive Drug Abuse Prevention and Control Act, de 1970, serviu para consolidar e regulamentar o controle de drogas de abuso em um único estatuto. Sob essas provisões, a Drug Abuse Control Amendments, de 1965, o Harri- son Narcotic Act, de 1914, e outras leis relaciona- das ao uso de estimulantes, depressores, narcóti- cos e alucinógenos foram substituídas por uma estrutura de regulamentação atualmente adminis- trada pela Drug Enforcement Administration (DEA) no Departamento de Justiça (Department of Justice).
  • 16. CAPÍTULO 1 – Introdução à Farmácia e aos Medicamentos 29 O Comprehensive Drug Abuse Prevention and Control Act, de 1970, estabeleceu cinco “catego- rias” para a classificação e controle de substâncias que são passíveis de abuso. Essas categorias classi- ficam as substâncias em níveis cujo controle di- minui a partir de I a V. Os fármacos podem ser classificados numa das cinco categorias, da seguin- te forma: Categoria I: Substâncias não-aceitáveis para uso na medicina ou outras substâncias apre- sentando alto grau de abuso. Nessa cate- goria estão incluídos agentes como heroí- na, LSD, peiote, mescalina, metaqualona, maconha e outros similares. Qualquer subs- tância que não apresente utilidade na me- dicina e que seja usada como droga de abu- so pode ser colocada nessa categoria. Categoria II: Substâncias com usos médicos aceitáveis e alto potencial para abuso, po- dendo levar à dependência física ou psico- lógica grave. Nessa categoria estão incluí- dos morfina, cocaína, metanfetamina, amobarbital, entre outras. Categoria III: Substâncias com usos médicos aceitáveis e potencial para abuso menor do que aquelas listadas nas categorias I e II, podendo levar à dependência física e psico- lógicamoderada.Nessacategoriaencontram- se codeína, hidrocodona e substâncias simi- lares, em quantidades especificadas. Categoria IV: Substâncias com usos médicos aceitáveis e potencial para abuso baixo em relação àquelas listadas na categoria III, podendo levar a uma limitada dependên- cia física e psicológica, quando compara- das com as substâncias listadas na catego- ria III. Nessa categoria encontram-se dife- noxina, diazepam, oxazepam e substâncias similares, em quantidades especificadas. Categoria V: Substâncias com usos médicos aceitáveis e potencial para abuso baixo em relação àquelas listadas na categoria IV, podendo levar a uma limitada dependên- cia física e psicológica, quando compara- das com as substâncias listadas na catego- ria IV. Nessa categoria encontram-se a dii- drocodeína, difenoxilato e substâncias si- milares, em quantidades especificadas. Em todos os casos, as leis estaduais e locais podem reforçar as leis federais, mas nunca contradizê-las. Drug Listing Act, de 1972 O Drug Listing Act foi decretado para fornecer à FDA a autoridade para compilar uma lista de medicamentos comercializados, auxiliando na exe- cução das leis federais que exigem que estes sejam seguros e eficazes, não sejam adulterados ou dei- xem de atender à legislação. Sob as regulamenta- ções da lei, cada empresa que fabrica ou reembala medicamentos para a distribuição ou comerciali- zação final aos pacientes ou consumidores deve ter registro na FDA e fornecer informações ade- quadas. Todas as empresas de distribuição e co- mercialização estrangeiras, cujos produtos são im- portados pelos Estados Unidos, estão sujeitas a essa regulamentação. Exceções dessas exigências são os hospitais, clínicas e instituições de saúde que preparam produtos para seu uso próprio.Tam- bém estão isentas as instituições de ensino e pes- quisa, nas quais os medicamentos são preparados por outras razões. Cada produto recebe um nú- mero de registro permanente, segundo o formato do National Drug Code (NDC). Nesse sistema, os primeiros quatro números, de um total de 10, identificam o fabricante ou distribuidor. Os últi- mos seis números identificam a formulação do medicamento, o tamanho e o tipo de embalagem. O segmento que identifica a formulação é o códi- go do produto e o que identifica o tamanho e tipo de embalagem é o código da embalagem. O fabri- cante ou distribuidor determina a proporção des- ses seis números para os dois códigos; por exemplo, um código com configuração do tipo 3:3 (p. ex., 542-112) ou 4:2 (p. ex., 5421-12). Unicamente um dos tipos de configuração pode ser seleciona- do pelo fabricante ou distribuidor, designando um código para cada produto que será colocado na listagem. O código final é apresentado como este exemplo: NDC 0081-5421-12. Os números do NDC aparecem no rótulo de todos os medicamentos. Em alguns casos, o fa- bricante os imprime diretamente sobre as uni- dades de dosagem, tais como cápsulas e com- primidos, para a rápida identificação quando o número é verificado no diretório do NDC ou
  • 17. 30 SEÇÃO I – Introdução aos Fármacos, Formas Farmacêuticas e Sistemas de Liberação na listagem fornecida pelo próprio fabricante. Quando um número é designado ao produto, ele permanece para sempre. Mesmo quando o fabri- cante deixa de produzi-lo, o número não pode ser usado novamente. Se um medicamento for subs- tancialmente alterado, seja no que se refere às subs- tâncias ativas, seja na forma farmacêutica ou ao nome, à empresa deve designar outra numeração e submetê-la à FDA. A informação acerca do produto, recebida pela FDA, é processada e armazenada em arquivos de computador, de modo a fornecer o fácil acesso aos seguintes dados: 1.Lista de todos os medicamentos. 2.Lista de todos os medicamentos por indica- ções rotuladas ou classe terapêutica. 3.Lista de todos os medicamentos por fabricante. 4.Lista dos fármacos do medicamento. 5.Lista de todos os adjuvantes do medicamento. 6.Lista de todos os medicamentos contendo um adjuvante em particular. 7.Lista dos medicamentos recentemente comer- cializados. 8.Lista dos medicamentos descontinuados. 9.Todos os rótulos dos medicamentos. 10.Todas as advertências dos medicamentos. Esse programa de listagem possibilita à FDA monitorar a qualidade de todos os medicamentos comercializados nos Estados Unidos. Em continuidade aos esforços para assegurar os padrões de qualidade, as regulamentações da FDA fornecem não somente critérios para a ins- peção e certificação das instalações e procedimen- tos adotados para a fabricação dos medicamen- tos, mas também para a fiscalização e realização de análises de produtos obtidos de prateleiras de distribuidores. Se um fabricante não atender aos padrões de qualidade para um determinado produ- to,terásuapermissãoparacontinuaraproduçãocan- celada, até que as exigências sejam atendidas. Drug Price Competition and Patent Term Restoration Act, de 1984 Alterações para acelerar a aprovação de medica- mentos genéricos pela FDA e a extensão do prazo de vigor da patente de medicamentos inovadores foram os principais aspectos descritos no Drug Price Competition and Patent Term Restoration Act, de 1984. Sob as provisões da legislação, solicitações para a comercialização de cópias genéricas de um me- dicamento originalmente aprovado podem ser rea- lizadas por meio do preenchimento de um ANDA (abbreviated new drug application), não reque- rendo a realização de ensaios em animais e se- res humanos, como no caso de um NDA. Isso reduz consideravelmente o tempo e o custo de colocar no mercado uma versão do medicamen- to na forma de um genérico. A FDA avalia as características químicas, produção, padrões de qualidade e biodisponibilidade do medicamen- to, para verificar se ele é equivalente ao produ- to originalmente aprovado.* Para os detentores de medicamentos patente- ados, a legislação fornece uma extensão do prazo de vigor da patente igual ao tempo requerido pela FDA para a revisão de uma NDA, mais a metade do tempo gasto na fase de análise, até um máxi- mo de cinco anos, sem exceder o prazo usual de 20 anos da patente. Isso estende o prazo da pa- tente e o período de comercialização exclusiva de medicamentos considerados inovadores, encora- jando, portanto, o desenvolvimento e a pesquisa nessa área. Prescription Drug Marketing Act, de 1987 O Prescription Drug Marketing Act, de 1987, es- tabelece novas ressalvas sobre a integridade de medicamentos vendidos sob prescrição. Devido a John Dingell e sua proposta de prevenir o desvir- * N. de R.T. No Brasil, a Resolução RDC 135, de 29 de maio de 2003, aprova o Regulamento Técnico para Me- dicamentos, determinando que as empresas interessadas no registro de medicamentos genéricos cumpram, na ín- tegra, os dispositivos desse regulamento e que somente os centros autorizados pela ANVISA podem realizar testes de equivalência farmacêutica e biodisponibilidade relati- va/bioequivalência. A Lei no 9.787, de 10 de fevereiro de 1999, estabelece as bases legais para a instituição do me- dicamento genérico no país.
  • 18. CAPÍTULO 1 – Introdução à Farmácia e aos Medicamentos 31 tuamento quanto à comercialização de medica- mentos, a lei tem sido freqüentemente referida como “Dingell Bill ”e “Drug Diversion Act”. Ela destina-se a reduzir os riscos da entrada no mer- cado de medicamentos adulterados, falsificados e reembalados, por meio de “fontes secundárias”. Seus principais trechos podem ser resumidos da seguinte forma: 1. Reimportação: proíbe a reimportação de me- dicamentos produzidos nos Estados Unidos, exceto pelo fabricante do produto. 2. Restrições à venda: proíbe a venda, transação, aquisição ou oferecimento para venda, transa- ção ou aquisição de amostras de medicamen- tos. Também proíbe a revenda, por institui- ções de cuidados com a saúde, de produtos adquiridos explicitamente para o seu uso. Ins- tituições de caridade que recebem medicamen- tos a preços reduzidos ou gratuitos não po- dem revendê-los. 3. Distribuição de amostras: amostras podem ser distribuídas apenas para (a) profissionais licen- ciados para prescrever medicamentos e (b) por solicitação escrita dos profissionais, para far- mácias de hospitais ou de outras instituições de saúde. A distribuição de amostras pode ser feita pelo correio comum e não direta- mente por empregados ou funcionários da empresa. 4. Distribuidores atacadistas: os fabricantes são solicitados a manter uma lista de seus distri- buidores autorizados. Os atacadistas que de- sejem distribuir um medicamento para quem não é autorizado pelo fabricante devem infor- mar a seus clientes, antes da venda, o nome da pessoa de quem eles obtiveram o produto e todas as vendas anteriores. Dietary Supplement Health and Education Act, de 1994 Ao aprovar o Dietary Supplement Health and Education Act (DSHEA) de 1994, o Congresso reconheceu o crescente interesse no uso de várias plantas e suplementos nutricionais e verificou a necessidade de regulamentar o uso desses produ- tos. Eles incluem vitaminas, minerais, aminoáci- dos e plantas que legalmente não são considera- dos medicamentos, não foram submetidos à ava- liação por meio de uma NDA e, portanto, não foram avaliados quanto à segurança e eficácia pela FDA. A lei proíbe fabricantes e distribuidores desses produtos de fazer qualquer tipo de propaganda indicando que o uso possa prevenir ou curar uma doença específica. De fato, uma legenda deve apa- recer no rótulo: “Este produto não é destinado ao tratamento, cura ou prevenção de qualquer tipo de doença”. Entretanto, a lei permite indicar os benefícios relacionados à deficiência de nutrien- tes ou, com base em evidências científicas, a ma- neira como um componente pode afetar uma es- trutura ou função corporal (p. ex., aumento da circulação ou diminuição do colesterol), ou como o uso do produto pode afetar o bem-estar geral do indivíduo. Antes que qualquer tipo de propa- ganda promocional seja feita, o fabricante deve antes submeter os dados verdadeiros e não-enga- nosos à FDA (13). O uso de plantas e suplementos nutricionais faz parte das “terapias alternativas” atuais, que es- tão recebendo crescente atenção por parte da FDA e da comunidade científica. Muitos desses produ- tos, incluindo ginseng, ginko, saw palmetto, erva- de-São-João, Echinacea, são empregados mundial- mente e suas propriedades têm sido relatadas na literatura, a partir de pesquisas conduzidas na Europa e na Ásia. Em 1997, um relato da U.S. Presidential Commission on Dietary Supplement Labels recomendou mais pesquisa no país sobre os benefícios de suplementos alimentares. Em res- posta, estudos acadêmicos e do National Institu- tes of Health (NIH) estão sendo realizados para avaliar a utilidade terapêutica de alguns desses produtos e determinar a segurança no seu uso. O compêndio USP-NF está adotando especificações para esses produtos, usando substâncias marcado- ras que devem estar presentes na faixa de concen- tração especificada. A FDA e o Food and Drug Modernization Act, de 1997 Conforme observado previamente, a FDA foi criada em 1938 para administrar e executar o
  • 19. 32 SEÇÃO I – Introdução aos Fármacos, Formas Farmacêuticas e Sistemas de Liberação Federal Food and Drug Modernization Act. Atualmente é o órgão americano responsável pela execução de muitas leis que foram aprovadas. Sua missão é proteger a saúde pública contra riscos associados com a produção, distribuição e venda de alimentos, aditivos para alimentos, me- dicamentos e produtos biológicos de uso huma- no, dispositivos médicos e radiológicos, produtos de uso veterinário e cosméticos. É da competên- cia da FDA: • Estabelecer políticas e padrões, publicar reco- mendações e promulgar e executar as normas e regulamentações que regem as indústrias e seus produtos. • Monitorar a adesão à legislação por meio da solicitação de relatórios, amostragem e rea- lização de análises dos produtos e de inspe- ções. • Estabelecer as exigências para rotulagem, di- vulgar informações sobre o uso e a segurança do produto, publicar precauções quanto ao seu uso e orientar sobre a nova solicitação de re- gistro. • Agir como o guardião do governo para tornar novos medicamentos, ensaios laboratoriais e dispositivos médicos seguros e efetivos, por meio de um processo cuidadoso de petição e avaliação. A FDA, uma agência do Department of Health and Human Services, encontra-se orga- nizada em unidades, de modo a permitir a rea- lização de suas funções (p. ex., avaliação de no- vos fármacos, adesão às regulamentações). O Center for Drug Evaluation and Research e o Center for Biologics Evaluation and Research são responsáveis pelo processo de aprovação de medicamentos e produtos biológicos, confor- me descrito no Capítulo 2. A FDA está locali- zada em Rockville, Maryland, com empregados espalhados pelas seis regiões dos Estados Uni- dos, cada uma tendo seus escritórios distritais e postos de inspeção. O FDA Modernization Act, de 1997, foi de- cretado para simplificar as políticas da FDA e sis- tematizar muitas das mais novas regulamentações da agência (14). O projeto de lei expandiu o aces- so dos pacientes aos tratamentos sob investigação para a AIDS, câncer, doença de Alzheimer e ou- tras que ameaçam gravemente a vida. Também permitiu a aprovação mais rápida de novos medi- camentos pelo emprego de taxas pagas pelo soli- citante para contratar revisores internos adicio- nais e revisores externos, e por meio de mudanças das exigências que demonstram a eficácia clínica do medicamento. Ele também fornece incentivos para pesquisas de medicamentos pediátricos. A legislação incluiu provisões para a realização de ensaios clínicos em conjunto com o NIH, es- tabeleceu um sistema para a realização de estudos sobre a segurança e eficácia de medicamentos co- mercializados, estabeleceu um programa para a disseminação de informações dos usos não-rotu- lados, encorajou as petições de registro de medi- camentos com indicações terapêuticas adicionais, promoveu a expansão do sistema de informações da FDA e permitiu a agilização do trabalho da agência com utilização de formatos não-impres- sos para petições de registro de medicamentos para seres humanos. Para sistematizar, viabilizar e executar a auto- ridade legislativa, a FDA tem elaborado um con- junto de normas e recomendações relevantes. Es- sas são as primeiras normas publicadas no Federal Register e colocadas para consulta pública; quan- do o trabalho estiver terminado, elas serão publi- cadas no Code of Federal Regulations. Code of Federal Regulations e o Federal Register A Edição 21 do Code of Federal Regulations (CFR) consiste em oito volumes contendo todas regulamentações publicadas no Federal Food, Drug and Cosmetic Act e outros estatutos admi- nistrados pela FDA. O nono volume contém re- gulamentações publicadas no estatuto administra- do pela DEA. Os volumes são atualizados cada ano para incorporar todas as regulamentações pu- blicadas durantes os 12 meses precedentes. O Fe- deral Register (FR) é publicado em cada dia de tra- balho pelo Superintendent of Documents, U.S. Government Printing Office (GPO) e contém as re- gulamentações propostas e finais, além de notas le- gais das agências federais, incluindo a FDA e a DEA. Essas publicações fornecem informações mais defi-
  • 20. CAPÍTULO 1 – Introdução à Farmácia e aos Medicamentos 33 nitivas sobre leis federais e regulamentações perti- nentes aos medicamentos. O FR e o CFR estão dis- poníveis no formato impresso e on-line, por meio do acesso GPO (http://www.acess.gpo.gov/nara/cfr). Retirada de medicamentos do mercado Se a FDA ou um fabricante achar que um produ- to comercializado representa uma ameaça ou uma possível ameaça à segurança do consumidor, ele deve ser retirado do mercado. O fabricante do medicamento está legalmente comprometido a relatar efeitos adversos graves não-declarados ao FDA, por meio do FDA MedWatch Program (800-FDA-1088 ou www.FDA.gov). O profissio- nal também tem responsabilidade de relatar um problema com qualquer medicamento ou dispo- sitivo médico, usando o MedWatch Program. Os problemas podem incluir defeitos no produto, adulteração, rompimento do recipiente, rotulagem inadequada, reações adversas inesperadas, entre outros. A retirada do mercado pode ser iniciada pela FDA ou pelo fabricante, sendo a última denomi- nada “retirada voluntária”. Uma classificação nu- mérica, conforme demonstrado abaixo, indica o grau de prejuízo associado ao produto: Classe I: Existe probabilidade razoável de que o uso ou a exposição ao produto causem problemas à saúde ou morte. Classe II: O uso ou a exposição ao produto podem causar danos graves à saúde de for- ma temporária ou reversível, ou a probabi- lidade de ocorrerem problemas graves à saúde é remota. Classe III: O uso ou a exposição ao produto provavelmente não causam problemas graves à saúde. O grau de remoção do mercado (p. ex., a par- tir do atacadista, varejista, consumidor) depende da natureza do produto, urgência da situação e extensão em que o produto foi distribuído. Os números de lote colocados nos números de con- trole da embalagem ajudam na identificação do produto para sua remoção. A Importância do Farmacêutico nos Dias de Hoje* O curso de farmácia proporciona diplomas de bacharel em Ciências Farmacêuticas (BS, do in- glês Bachelor of Science in Pharmacy) ou doutor em Farmácia (Pharm D) para que os profissionais exerçam atividades em uma ampla variedade de se- tores, aplicando os conhecimentos das ciências far- macêuticas básicas e da clínica e a experiência e com- petência profissional. Esses setores incluem as farmá- cias públicas, instituições de saúde, serviços gover- namentais e militares, associações de profissionais, produção e pesquisa, bem como outros setores que necessitam da competência do farmacêutico. Historicamente a abreviação RPh (do inglês registered pharmacist) tem sido usada como desig- nação de um profissional licenciado pelo Conse- lho de Farmácia para exercer a profissão, em um determinado Estado. Doutores em farmácia usam o termo PharmD após seu nome, no lugar de RPh. Para minimizar qualquer confusão com os pacien- tes, alguns Estados usam o título DPh (doutor em farmácia) para designar farmacêuticos licenci- ados. Essa designação é usada pelos farmacêuti- cos que receberam o título de bacharel em ciên- cias farmacêuticas. Nesse caso, todos os farmacêu- ticos que residem nos Estados onde isso foi im- plementado podem ser denominados doutores, sendo uns em função do título recebido e outros por serem licenciados. A maioria dos farmacêuticos exerce suas ativi- dades em farmácias ou instituições de saúde. Nes- ses setores, eles desempenham um papel ativo no uso pelos pacientes de medicamentos prescritos e não-prescritos, agentes de diagnóstico e dispositi- * N. de R.T. No Brasil, os cursos de farmácia credencia- dos pelo Conselho Federal de Farmácia (CFF) conferem aos egressos o diploma de farmacêutico, dando o direito a registrá-lo no Conselho Regional de Farmácia de sua jurisdição. Os Conselhos Federal e Regionais de Farmá- cia são órgãos dotados de personalidade jurídica de direi- to público, autonomia administrativa e financeira, desti- nados a zelar pela fiel observância dos princípios da ética e da disciplina da classe dos que exercem atividades pro- fissionais farmacêuticas no país. Os Conselhos Federal e Regionais de Farmácia foram criados pela Lei no 3.820, de 11 de novembro de 1960, com dispositivos alterados pela Lei no 9.120 de 26/10/1995.
  • 21. 34 SEÇÃO I – Introdução aos Fármacos, Formas Farmacêuticas e Sistemas de Liberação vos e equipamentos médicos duráveis. O farma- cêutico desenvolve perfis individuais de medica- ção, publica brochuras contendo informações sobre medicamentos, aconselha os pacientes sobre seu estado de saúde e fornece dados sobre o uso de medicamentos e de procedimentos não-medi- camentosos. Como membro da equipe de profis- sionais da saúde, eles servem como fonte de in- formação e participam na seleção, monitoramen- to e avaliação da terapia medicamentosa. Um número substancial de profissionais exer- ce suas atividades em instituições de saúde, como os hospitais, clínicas, instalações de cuidados ex- tensivos e organizações de saúde. Nesses setores, o farmacêutico dirige os sistemas de controle e distribuição de medicamentos e fornece diversos serviços clínicos, incluindo a DUR (Revisão da Utilização de Medicamentos), monitoramento terapêutico, programas de misturas intravenosas, serviços de consultas sobre dados farmacocinéti- cos, controle de medicamentos que estão sob in- vestigação e serviço de informações toxicológicas. A Board of Pharmaceutical Specialties certifi- ca a prática em farmácias nuclear, nutricional, psiquiátrica e oncológica, e em farmacoterapia. Atualmente os programas de cuidados com a saúde têm crescido extraordinariamente. Organi- zações de cuidados com a saúde têm registrado dados dos pacientes e assumido muitas responsa- bilidades na atenção à saúde, incluindo aquelas referentes aos serviços farmacêuticos. Muitas novas áreas de atuação farmacêutica têm surgi- do, incluindo posições de direção, consultoria em determinadas doenças, pesquisa dos resul- tados dos pacientes, especialistas na revisão da utilização de medicamentos, entre outros (15,16). Nessas funções, os farmacêuticos apli- cam sua competência em administração, reali- zação de estudos clínicos e epidemiológicos, tecnologia da informação e comunicação, no exercício da prática profissional. Vários farmacêuticos, particularmente aque- les interessados na prática institucional, partici- pam de residências e/ou programas de formação que lhes conferem novas competências. A residên- cia em farmácia consiste em curso de pós-gradua- ção em uma área de atuação definida. A principal finalidade é treinar os farmacêuticos em práticas profissionais. Um programa de formação em pes- quisa consiste em um curso de pós-graduação des- tinado a preparar o indivíduo para tornar-se um pesquisador independente. Ambos os cursos de formação duram 12 meses ou mais e requerem a orientação próxima de um preceptor. Os profissionais que trabalham em empresas de produção, desenvolvimento e pesquisa podem par- ticipar de várias atividades, incluindo a pesquisa de novos fármacos, desenvolvimento e produção de medicamentos, estudos clínicos e avaliação de me- dicamentos, propaganda e comercialização. Os co- nhecimentos do farmacêutico sobre química, ciên- cias biológicas e farmacêuticas, junto com o conhe- cimento técnico sobre formulação, desenho de for- mas farmacêuticas e usos clínicos são integrados de forma a atender às exigências da indústria farmacêu- tica. Farmacêuticos com titulações maiores (Master of Science [MS] ou Doctor of Philosophy [PhD]) em ciências básicas ou farmacêuticas são altamente visados pela indústria farmacêutica. Em serviços governamentais, os farmacêuticos realizam funções administrativas e técnicas para o desenvolvimento e implementação de programas de cuidado com a saúde, e no desenho e execução de regulamentações envolvendo a distribuição e o controle da qualidade de medicamentos. Opor- tunidades de carreira para farmacêuticos em ins- tituições governamentais em nível federal incluem posições no serviço militar, serviços de saúde pú- blica e agências civis como FDA, Veteran Admi- nistration, Department of Health and Human Services, DEA, NIH, entre outros. Em níveis es- tadual e local, muitos farmacêuticos têm posições nos departamentos de saúde, serviços de atenção farmacêutica para adultos e crianças, controle e investigação do uso de medicamentos e nos Con- selhos de Farmácia. Escolas de farmácia contratam farmacêuticos com ou sem formação avançada, para servir como preceptores e ensinar sobre temas específicos dentro da instituição acadêmica, participar de pesquisas e contribuir com os serviços de educação continuada daescola.Algunsfarmacêuticostrabalhamemtempo integral em setores acadêmicos, enquanto outros dedicam meio turno para instrução profissional na comunidade ou em farmácias de hospitais, para en- sinar em hospitais ou clínicas, centros de informa- ções sobre medicamentos, instalações de cuidados extensivos com a saúde, departamentos de saúde
  • 22. CAPÍTULO 1 – Introdução à Farmácia e aos Medicamentos 35 e outras áreas nas quais os serviços farmacêuticos são necessários. Vários farmacêuticos atuam como voluntários em associações locais, estaduais e nacionais. Os farmacêuticos exercem um papel funda- mental nas suas comunidades, participando de fóruns de educação sobre saúde e medicamentos, dando palestras em escolas sobre questões ligadas aos medicamentos, dirigindo programas de edu- cação ao paciente e fornecendo informações sobre questões relacionadas à saúde e aos medicamen- tos para legisladores e outros líderes oficiais. A missão da farmácia Em 1990, a comissão de especialistas da APhA adotou a seguinte missão para a farmácia (17): A missão da farmácia é servir a sociedade como a pro- fissão responsável pelo uso apropriado de medicamen- tos, dispositivos e serviços de atenção à saúde, de modo a obter os melhores resultados terapêuticos. Os elementos da declaração foram definidos pe- los seguintes aspectos: Farmácia é a profissão da saúde que engloba a aplica- ção de conhecimentos que resultam na descoberta, desenvolvimento e uso de medicamentos, e nas in- formações destinadas ao cuidado da saúde dos pa- cientes. Ela envolve aspectos clínicos, científicos, eco- nômicos e educacionais com base nos conhecimen- tos dos profissionais farmacêuticos e na comunicação com outros profissionais do sistema de saúde. Sociedade envolve pacientes, outros provedores de saúde, tomadores de decisões sobre políticas de saúde, a população saudável e outros indivíduos e grupos cujos cuidados com a saúde e medicamentos são importantes. Apropriado é o termo que se refere à responsabi- lidade do farmacêutico em assegurar que um regime terapêutico seja especificamente direcionado a um pa- ciente individual, fundamentado em parâmetros far- macológicos e clínicos aceitáveis. Além disso, o farma- cêutico deve avaliar o regime terapêutico para propor- cionar o máximo de segurança, custos acessíveis e ade- são do paciente ao tratamento. Medicamentos são produtos com ou sem tarja, usa- dos no diagnóstico, tratamento, prevenção e/ou cura de uma doença. O termo é específica e propositalmente usado para distinguir do termo droga o qual fornece uma imagem não-terapêutica e negativa à população. Dispositivos referem-se a equipamentos, proces- sos, produtos biotecnológicos, agentes de diagnósti- co, entre outros, que são usados para auxiliar na utili- zação efetiva do regime terapêutico. Serviços referem-se àqueles destinados à educa- ção de pacientes, profissionais da saúde e da população, programas de seleção e monitoramento de medicamen- tos, direção e atividades relacionadas que contribuem para o uso efetivo dos medicamentos pelos pacientes. O termo “melhores resultados terapêuticos” afir- ma a contribuição final da profissão à saúde pública. A farmácia reivindica isso como tendo a responsabili- dade, privilégio e direito único – e aceita as suas con- seqüências – sobre o uso de medicamentos. Ela reco- nhece a necessidade de integrar-se à saúde pública, com os papéis complementares dos pacientes e de outros profissionais da saúde. Definição de atenção farmacêutica Atualmente o papel do farmacêutico na prática contemporânea consiste em fornecer cuidados, os quais foram primeiramente propostos em 1975 por Mikeal e colaboradores como “o cuidado que um determinado paciente requer e recebe e que assegura o uso racional de medicamentos” (18). Desde então, o termo “atenção farmacêutica” tem sido definido por muitos autores, incluindo Strand e colaboradores, que em 1992 afirmaram (19): Atenção farmacêutica é um componente da prática profissional que envolve a interação direta do farma- cêutico com o paciente, com a finalidade de propor- cionar-lhe cuidados referentes às suas necessidades quanto ao uso de medicamentos. A American Society of Health-System Phar- macists (ASHP), um organismo nacional que re- presenta farmacêuticos que atuam em hospitais, HMOs (do inglês, health maintenance organizati- ons), instalações de cuidados extensivos e outros componentes de sistemas de cuidados com a saú- de, deram a seguinte definição para atenção far- macêutica, em 1993 (20):
  • 23. 36 SEÇÃO I – Introdução aos Fármacos, Formas Farmacêuticas e Sistemas de Liberação A missão do farmacêutico é fornecer atenção far- macêutica. A atenção farmacêutica é a provisão di- reta, responsável, de cuidados relacionados aos me- dicamentos, com o propósito de alcançar resultados definitivos, que melhorem a qualidade de vida do paciente. A American Pharmaceutical Association, em 1996, publicou seus Princípios de Prática da Atenção Farmacêutica, incluindo as seguintes definições (21): Atenção farmacêutica é uma prática orientada e cen- trada no paciente que requer a atuação do farmacêu- tico junto com outros profissionais, para promover a saúde, prevenir doenças e avaliar, monitorar, iniciar e modificar o uso de medicamentos, de modo a garan- tir sua segurança e eficácia. O objetivo da atenção farmacêutica é otimizar a qualidade de vida relacionada à saúde do paciente e obter resultados positivos com custos realistas. Implícita nessas afirmações está a exigência aos farmacêuticos de participarem em todos os aspectos relacionados à distribuição de medica- mentos e ao seu uso clínico para obter resulta- dos terapêuticos ótimos. A literatura farmacêu- tica atual é repleta de artigos que dão suporte ao conceito e à prática da atenção farmacêuti- ca, incluindo: desenvolvimento de habilidades clínicas (22), banco de dados sobre atenção far- macêutica (23), tecnologia da informação (24), revisão bibliográfica (25), monitoramento e avaliação dos resultados terapêuticos (26 – 29), revisão da utilização de medicamentos (30), far- macoterapia e tratamento da doença (31 – 32), protocolos de tratamento (33), monitoramen- to das reações adversas (34), serviços farmaco- cinéticos (35) e estratégias para a implementa- ção da atenção farmacêutica (36). Em 1997, a American Association of Colleges of Pharmacy’s Janus Commission publicou um relatório, Approaching the Millenium, no qual afir- ma que, para fornecer atenção farmacêutica, o far- macêutico deve ser (37): • Um solucionador de problemas, capaz de adap- tar-se às mudanças relacionadas aos cuidados com a saúde. • Capaz de obter resultados terapêuticos por meio do uso de medicamentos eficazes ofere- cidos pelo sistema de saúde. • Capaz de colaborar com médicos, enfermei- ros e outros membros da equipe de saúde. • Um eterno aprendiz. A prática farmacêutica O objetivo e a competência dos farmacêuticos são definidos em cada Estado por meio de leis e regu- lamentações promulgadas no Conselho Estadual de Farmácia. Juntamente com as leis federais, elas constituem a base para a prática legal da farmácia. Durante anos, várias associações farmacêuti- cas elaboraram documentos considerados mode- los para a prática farmacêutica. Um desses docu- mentos, Practice Standards of the American Society of Health-System Pharmacists, é atualizado e pu- blicado anualmente. Em 1991, a APhA, a Ameri- can Association of Colleges of Pharmacy e a Na- tional Association of Boards of Pharmacy estuda- ram o objetivo da prática farmacêutica e substi- tuíram o Standards of Practice for the Profession of Pharmacy (o qual foi publicado em 1979 e atua- lizado em 1986) pelo Competency Statements for Pharmacy Practice (38). As competências dos far- macêuticos podem ser resumidas da seguinte maneira: Administração geral da farmácia: seleciona e supervisiona farmacêuticos e outros pro- fissionais da equipe da farmácia; estabele- ce uma estrutura para serviços e produtos farmacêuticos; administra orçamentos e negocia com vendedores; desenvolve e mantém um sistema de aquisição de todos os medicamentos e produtos farmacêuti- cos; elabora um sistema de formulários. Em geral, estabelece e administra a farmácia e o pessoal. Processamento da prescrição: verifica a pres- crição quanto à legalidade e compatibili- dades físicas e químicas; verifica os regis- tros do paciente antes de dispensar o me- dicamento; mede a quantidade necessária para atender a prescrição; realiza a verifi- cação final e dispensa o medicamento.