SlideShare uma empresa Scribd logo
1 de 2
Baixar para ler offline
0021-7557/04/80-03/167
              Jornal de Pediatria
              Copyright © 2004 by Sociedade Brasileira de Pediatria
                                                                                                                               EDITORIAIS




                                       Constipação crônica funcional.
                                        Com que fibra suplementar?
                     Chronic functional constipation. Which supplementary fiber to choose?

                                                           Helga Verena L. Maffei*



    A   fibra alimentar (FA) aumenta o volume fecal por         cristalização e pequena área superficial, é menos digerida
mecanismos que dependem da estrutura de seus compo-             que a de frutas e vegetais. O farelo de trigo, por ter a parede
nentes e da intrincada relação entre suas propriedades          celular muito lignificada, é menos fermentado que o repolho
físico-químicas (capacidade de reter água, solubilidade,        e a maçã, sendo considerado fermentador lento – mas o
tamanho das partículas, grau de lignificação, teor de pen-      farelo fino é mais digerível que o grosso, pela maior área
toses, etc.) com a população bacteriana do cólon. Os            exposta1,2.
componentes insolúveis da fibra, por resistirem à digestão          Embora poucos estudos tenham avaliado o emprego da
pela microflora colônica, são eliminados intactos e man-        FA no tratamento da constipação crônica na infância,
têm a água retida, gerando grande volume fecal. Durante         trabalhos em adultos e em animais demonstram que, de
o trajeto colônico, este grande volume é                                           fato, em geral, suplementos contendo
um importante estímulo para contrações                                             muita fibra insolúvel geram maior volume
propulsivas e, em se encurtando o tem-                                             fecal que os contendo muita fibra solúvel
                                                 Veja artigo relacionado
po de trânsito, haveria menor reabsor-                                             e/ou diminuem o tempo de trânsito colô-
ção de água e fezes mais úmidas. Por                   na página 183
                                                                                   nico1,3-5. Recentemente, no entanto, Chen
outro lado, 90-100% das fibras solúveis                                            et al.6 não encontraram diferenças no
e apenas 30-80% das insolúveis são                                                 peso fecal úmido de voluntários humanos
fermentadas pela flora intestinal, libe-                                           recebendo farelos de trigo ou de aveia
rando a água retida e produzindo ácidos graxos de cadeia        (aparentemente cozidos) contendo 95 ou 50% de fibra
curta. Estes são absorvidos, gerando absorção de água e         insolúvel. Nesse trabalho, o peso fecal aumentou, respec-
eletrólitos, o que, somado à absorção da água liberada,         tivamente, 4,8 e 4,5 g por g de FA consumida, ao passo que,
tende a diminuir a água fecal. Entretanto, a fermentação        em extensa compilação realizada por Cummings et al. 1, os
é também um grande estímulo para o aumento da popu-             valores eram 4,9 g (farelo de trigo cozido) e 3,4 g (farelo de
lação bacteriana, a qual, por constituir em torno de 50%        aveia). As diferenças entre os métodos de dosagem de fibra,
das fezes secas, contribui para o peso fecal. Há indícios       conforme os autores, explicariam as interpretações diver-
de que a fermentação aumente com o uso prolongado de            gentes. Segundo Chen et al.6, o comportamento semelhan-
fibras, pois as polissacaridases bacterianas da flora são       te entre os dois farelos teria ocorrido porque a fibra solúvel
induzíveis. Em resumo, classicamente são atribuídas à           do farelo de aveia estimula o crescimento bacteriano no
fração insolúvel da fibra as principais características para    cólon proximal, e, em seguida, a fração insolúvel deste
uma boa laxação, cabendo à fração solúvel neste aspecto         farelo, por fermentar mais lentamente, manteria a popula-
um papel contributivo (embora cumpra outras importan-           ção bacteriana durante o restante do trajeto colônico. Tal
tes funções metabólicas)1,2 . Além disso, o excesso de          hipótese é consistente com o aumento desprezível do peso
fermentação tem efeitos clínicos indesejáveis.                  fecal quando se fornece apenas fibra solúvel. O rápido
     Ocorrem variantes de acordo com a forma como as                              crescimento bacteriano no cólon proximal não seria susten-
fibras são ingeridas: puras, como em muitos trabalhos                             tado, pois, pela falta da fração insolúvel, a autólise consu-
experimentais, ou como constituintes de alimentos. Exem-                          miria a maior parte do aumento bacteriano até a excreção
plificando, a celulose pura isolada da madeira, por sua alta                      fecal, aproximadamente 2 dias após6.
                                                                                      Na compilação acima citada1, o aumento do peso fecal
                                                                                  úmido variou de acordo com a fibra ingerida, sendo o menor
* Professora titular de Gastroenterologia Pediátrica e Nutrição, Departa-         incremento 1,2 g por g ingerida, com a fibra solúvel pectina,
  mento de Pediatria, Faculdade de Medicina de Botucatu, Universidade             e o maior 7,2 g, com o farelo de trigo cru, com 76% de fibra
  Estadual de São Paulo (UNESP), Botucatu, SP.
                                                                                  insolúvel. Para produtos da soja, o peso fecal aumentou



                                                                            167
168 Jornal de Pediatria - Vol. 80, Nº3, 2004                     Constipação crônica funcional. Com que fibra suplementar? – Maffei HVL



apenas 2,5 g para cada g ingerida, e isso vem ao encontro           fecais dos ratos, pergunta-se se não seriam desejáveis
do pouco efeito observado nos ensaios clínicos com o                teores mais altos de FA. Como em grande parte dos
polissacarídeo da soja2,7. Este produto tem sido classica-          trabalhos experimentais com animais se oferece as 100 g5,9,
mente utilizado em dietas enterais, por permitir fácil infusão      surge a questão: que influência a quantia menor teria tido
pelas sondas, o que levou Silk a questionar se o processa-          sobre os resultados de Freitas et al.8?
mento de partículas muito pequenas para se obter baixa                  Os autores também poderiam nos brindar com o cami-
viscosidade aceitável para dietas enterais aumentou a               nho inverso, a partir da observação experimental, verifican-
digestibilidade e reduziu a capacidade de reter água, fatores       do em crianças se a suplementação com produto contendo
sabidamente desestimuladores do aumento de volume                   muita celulose é mais eficaz para peso fecal seco que a com
fecal2. De fato, apesar do polissacarídeo de soja conter            polissacarídeo de soja e se tem efeito benéfico no tratamen-
entre 75 e 90% de material insolúvel e ser, portanto,               to da constipação crônica. Também seria interessante
potencialmente pouco fermentescível, estudos in vitro de-           verificar o efeito dos diferentes suplementos de FA sobre
monstram maior fermentação do que seria esperado7.                  ratos previamente submetidos à dieta sem FA, para melhor
    O artigo de Freitas et al., publicado no presente fascícu-      reproduzir a situação clínica de crianças constipadas.
lo8, também relata ausência de eficácia do polissacarídeo de            Enquanto se discutem as questões metodológicas e se
soja em crianças com constipação crônica funcional e é um           procuram novos produtos bem aceitos pela população em
ótimo exemplo de investigação experimental a partir de              geral, cabe aos clínicos encontrar formas de fazer as
observações clínicas. Assim é que os autores procuraram             crianças constipadas aceitarem a dieta contendo cereais
avaliar se a ausência de eficácia por eles observada no             integrais, frutas com casca e bagaço, hortaliças e legumi-
ensaio clínico, em comparação com fórmula de soja sem FA,           nosas, além das necessárias intervenções, aí incluídas
reproduzia-se experimentalmente. Mas, ao contrário do               eventuais suplementações com fibra, dentro de conheci-
observado nas crianças, em ratos a ração contendo polissa-          mentos já estabelecidos. O farelo de trigo, por seu alto teor
carídeo de soja mostrou-se eficaz, assim como a ração               de fibra insolúvel (lignina, celulose e polissacarídeos não-
padrão contendo celulose. Ademais, o peso seco foi signifi-         celulósicos) e grande teor de pentose, parece a fibra ideal,
cativamente menor e a umidade fecal maior nos ratos com             o que já foi comprovado em diversos estudos com adultos
polissacarídeo de soja do que nos com celulose, sendo o             constipados3. O grande problema, no entanto, é sua acei-
maior percentual de umidade fecal, em todos momentos (61            tação ao longo prazo, principalmente em nosso meio, o que
versus 36%), atribuído à maior fermentação8. No trabalho            enseja a salutar procura de outros produtos que o possam
de McIntyre et al.9, no entanto, o percentual de umidade foi        substituir e sejam mais bem aceitos pela população. Insere-
semelhante em ratos com dietas contendo goma guar ou                se neste contexto a louvável tentativa de tratar crianças
farelo de trigo, embora o percentual de fibra solúvel fosse         constipadas oferecendo produto comercial contendo polis-
muito diferente (85 versus 24%). Também em humanos, a               sacarídeo de soja8.
umidade, além de ser sempre bem maior que nos ratos,
varia pouco, entre 68 e 82% na quase totalidade dos
trabalhos (inclusive os com celulose), sem diferenças entre              Referências
os com suplementação ou com pouca FA1. Pergunta-se,                 1.  Cummings JH. The effect of dietary fiber on fecal weight and
                                                                        composition. In: Spiller GA, editor. CRC Handbook of dietary
portanto, quanto os dados de umidade fecal em ratos podem               fiber in human nutrition. Boca Raton, FL: CRC Press; 2001. p.
ser transpostos para humanos.                                           183-252.
    Por conter principalmente fibra insolúvel, a celulose é         2. Silk DBA. Fibre and enteral nutrition. Gut. 1989;30:246-64.
                                                                    3. Tomlin J, Read NW. Comparison of the effects on colonic
considerada adequada para prover boa laxação, razão pela                function caused by feeding rice bran and wheat bran. Eur J Clin
qual é utilizada nas rações animais5,9. Por outro lado, como            Nutr. 1988;42:857-61.
já referido, tem sido questionada na literatura a eficácia dos      4. Meier R, Beglinger C, Schneider H, Rowedder A, Gyr K. Effect of
                                                                        a liquid diet with and without soluble fiber supplementation on
polissacarídeos da soja2,7. Portanto, a nosso ver, os resul-            intestinal transit and cholecystokinin release in volunteers. J
tados do ensaio clínico prévio não foram inesperados, mas               Parenter Enteral Nutr. 1993;17:231-5.
os resultados experimentais do trabalho em pauta8 surpre-           5. Nyman M, Asp NG. Fermentation of dietary fibre components in
                                                                        the rat intestinal tract. Br J Nutr. 1982;47:357-66.
enderam, em parte. Seria interessante confirmar tais dados
                                                                    6. Chen HL, Haack VS, Janecky CW, Vollendorf NW, Marlett JA.
levando em conta o volume ingerido, pois eventuais diferen-             Mechanisms by which wheat bran and oat bran increase stool
ças nas características das rações, como sabor, aroma,                  weight in humans. Am J Clin Nutr. 1998;68:711-9.
                                                                    7. Kapadia SA, Raimundo AH, Grimble GK, Aimer P, Silk DB.
viscosidade, etc. podem levar a diferenças nos volumes e,               Influence of three different fiber-supplemented enteral diets on
conseqüentemente, no teor de FA ingeridos. De fato, o                   bowel function and short-chain fatty acid production. J Parenter
mesmo grupo de pesquisa observou, em excelente trabalho                 Enteral Nutr. 1995;19:63-8.
                                                                    8. Freitas KC, Motta MEFA, Amâncio OMS, Fagundes-Neto U,
prévio, ingestão significativamente maior da ração conten-              Morais MB. Efeito da fibra do polissacarídeo de soja no peso e
do celulose que da sem FA10 . Também chamou atenção que,                na umidade das fezes de ratos em fase de crescimento. J Pediatr
neste trabalho10, ofereceram exatamente o dobro de FA                   (Rio J). 2004;80:183-8.
                                                                    9. McIntyre A, Young GP, Taranto PRG, Gibson PR, Ward PB.
(100 g de celulose por quilo de ração) que no de Freitas et             Different fibers have different regional effects on luminal contents
al.8, gerando peso fecal bem maior (10,7 versus 5,2 g).                 of rat colon. Gastroenterology. 1991;101:1274-81.
Segundo Catani et al.10, 50 g de celulose corresponderiam           10. Catani M, Amâncio OMS, Fagundes-Neto U, Morais MB. Dietary
                                                                        cellulose has no effect on the regeneration of hemoglobin in
a 12,5 g de fibra por 1.000 kcal, que seria o recomendado               growing rats with iron deficiency anemia. Braz J Med Biol Res.
para crianças. No entanto, tendo em vista as características            2003;36:693-7.

Mais conteúdo relacionado

Semelhante a Constipação cronica funcional

Saúde e Nutrição - Fibras Alimentares
Saúde e Nutrição - Fibras AlimentaresSaúde e Nutrição - Fibras Alimentares
Saúde e Nutrição - Fibras AlimentaresMayara Mônica
 
Nutrindo a Microbiota Intestinal
Nutrindo a Microbiota IntestinalNutrindo a Microbiota Intestinal
Nutrindo a Microbiota IntestinalLívea Maria Gomes
 
A importância das fibras para o paciente diabético
A importância das fibras para o paciente diabéticoA importância das fibras para o paciente diabético
A importância das fibras para o paciente diabéticoAna Paula Lapponi
 
Receitas Ricas Em Fibras
Receitas Ricas Em FibrasReceitas Ricas Em Fibras
Receitas Ricas Em FibrasClaudia Cozinha
 
Período de Transição – Conceitos essenciais para entender esta fase crítica
Período de Transição – Conceitos essenciais para entender esta fase críticaPeríodo de Transição – Conceitos essenciais para entender esta fase crítica
Período de Transição – Conceitos essenciais para entender esta fase críticaAgriPoint
 
O quê faz um cordeiro confinado?
O quê faz um cordeiro confinado?O quê faz um cordeiro confinado?
O quê faz um cordeiro confinado?Rural Pecuária
 
CORRECÇÃO DOS EXERCÍCIOS DO 10ºANO
CORRECÇÃO DOS EXERCÍCIOS DO 10ºANOCORRECÇÃO DOS EXERCÍCIOS DO 10ºANO
CORRECÇÃO DOS EXERCÍCIOS DO 10ºANOsandranascimento
 
Considerações sobre a anatomofisiologia do sistema digestório dos equinos: ap...
Considerações sobre a anatomofisiologia do sistema digestório dos equinos: ap...Considerações sobre a anatomofisiologia do sistema digestório dos equinos: ap...
Considerações sobre a anatomofisiologia do sistema digestório dos equinos: ap...Lilian De Rezende Jordão
 
Kerfir alimento funcional modulo 1
Kerfir  alimento funcional modulo 1Kerfir  alimento funcional modulo 1
Kerfir alimento funcional modulo 1Camila Viana
 

Semelhante a Constipação cronica funcional (20)

Saúde e Nutrição - Fibras Alimentares
Saúde e Nutrição - Fibras AlimentaresSaúde e Nutrição - Fibras Alimentares
Saúde e Nutrição - Fibras Alimentares
 
fibras
fibras fibras
fibras
 
Nutrindo a Microbiota Intestinal
Nutrindo a Microbiota IntestinalNutrindo a Microbiota Intestinal
Nutrindo a Microbiota Intestinal
 
A importância das fibras para o paciente diabético
A importância das fibras para o paciente diabéticoA importância das fibras para o paciente diabético
A importância das fibras para o paciente diabético
 
Mod. 7 - Manejo Alimentar
Mod. 7 - Manejo AlimentarMod. 7 - Manejo Alimentar
Mod. 7 - Manejo Alimentar
 
Acidose ruminal
Acidose ruminalAcidose ruminal
Acidose ruminal
 
Fibras em pães
Fibras em pãesFibras em pães
Fibras em pães
 
Receitas Ricas Em Fibras
Receitas Ricas Em FibrasReceitas Ricas Em Fibras
Receitas Ricas Em Fibras
 
V21n2a01
V21n2a01V21n2a01
V21n2a01
 
V21n2a01
V21n2a01V21n2a01
V21n2a01
 
Período de Transição – Conceitos essenciais para entender esta fase crítica
Período de Transição – Conceitos essenciais para entender esta fase críticaPeríodo de Transição – Conceitos essenciais para entender esta fase crítica
Período de Transição – Conceitos essenciais para entender esta fase crítica
 
S7 lamabri em bft
S7 lamabri em bftS7 lamabri em bft
S7 lamabri em bft
 
Fibras alimentares e saúde
Fibras alimentares e saúdeFibras alimentares e saúde
Fibras alimentares e saúde
 
Fibras alimentares e saúde
Fibras alimentares e saúdeFibras alimentares e saúde
Fibras alimentares e saúde
 
Leptina
Leptina Leptina
Leptina
 
O quê faz um cordeiro confinado?
O quê faz um cordeiro confinado?O quê faz um cordeiro confinado?
O quê faz um cordeiro confinado?
 
CORRECÇÃO DOS EXERCÍCIOS DO 10ºANO
CORRECÇÃO DOS EXERCÍCIOS DO 10ºANOCORRECÇÃO DOS EXERCÍCIOS DO 10ºANO
CORRECÇÃO DOS EXERCÍCIOS DO 10ºANO
 
Estudo dirigido 3
Estudo dirigido 3Estudo dirigido 3
Estudo dirigido 3
 
Considerações sobre a anatomofisiologia do sistema digestório dos equinos: ap...
Considerações sobre a anatomofisiologia do sistema digestório dos equinos: ap...Considerações sobre a anatomofisiologia do sistema digestório dos equinos: ap...
Considerações sobre a anatomofisiologia do sistema digestório dos equinos: ap...
 
Kerfir alimento funcional modulo 1
Kerfir  alimento funcional modulo 1Kerfir  alimento funcional modulo 1
Kerfir alimento funcional modulo 1
 

Mais de lactivos

Folder final trantorno alimentar 1.ppt
Folder final trantorno alimentar 1.pptFolder final trantorno alimentar 1.ppt
Folder final trantorno alimentar 1.pptlactivos
 
Folder diabetes pdf
Folder diabetes pdfFolder diabetes pdf
Folder diabetes pdflactivos
 
Folder curso suplementação
Folder curso suplementaçãoFolder curso suplementação
Folder curso suplementaçãolactivos
 
Trabalho probiótico em pediatria
Trabalho probiótico em pediatriaTrabalho probiótico em pediatria
Trabalho probiótico em pediatrialactivos
 
Probioticos x antibóticos
Probioticos x antibóticosProbioticos x antibóticos
Probioticos x antibóticoslactivos
 
Intestinal Infection
Intestinal InfectionIntestinal Infection
Intestinal Infectionlactivos
 
Tratamento não antibiótico para enterocolites
Tratamento não antibiótico para enterocolites Tratamento não antibiótico para enterocolites
Tratamento não antibiótico para enterocolites lactivos
 

Mais de lactivos (7)

Folder final trantorno alimentar 1.ppt
Folder final trantorno alimentar 1.pptFolder final trantorno alimentar 1.ppt
Folder final trantorno alimentar 1.ppt
 
Folder diabetes pdf
Folder diabetes pdfFolder diabetes pdf
Folder diabetes pdf
 
Folder curso suplementação
Folder curso suplementaçãoFolder curso suplementação
Folder curso suplementação
 
Trabalho probiótico em pediatria
Trabalho probiótico em pediatriaTrabalho probiótico em pediatria
Trabalho probiótico em pediatria
 
Probioticos x antibóticos
Probioticos x antibóticosProbioticos x antibóticos
Probioticos x antibóticos
 
Intestinal Infection
Intestinal InfectionIntestinal Infection
Intestinal Infection
 
Tratamento não antibiótico para enterocolites
Tratamento não antibiótico para enterocolites Tratamento não antibiótico para enterocolites
Tratamento não antibiótico para enterocolites
 

Constipação cronica funcional

  • 1. 0021-7557/04/80-03/167 Jornal de Pediatria Copyright © 2004 by Sociedade Brasileira de Pediatria EDITORIAIS Constipação crônica funcional. Com que fibra suplementar? Chronic functional constipation. Which supplementary fiber to choose? Helga Verena L. Maffei* A fibra alimentar (FA) aumenta o volume fecal por cristalização e pequena área superficial, é menos digerida mecanismos que dependem da estrutura de seus compo- que a de frutas e vegetais. O farelo de trigo, por ter a parede nentes e da intrincada relação entre suas propriedades celular muito lignificada, é menos fermentado que o repolho físico-químicas (capacidade de reter água, solubilidade, e a maçã, sendo considerado fermentador lento – mas o tamanho das partículas, grau de lignificação, teor de pen- farelo fino é mais digerível que o grosso, pela maior área toses, etc.) com a população bacteriana do cólon. Os exposta1,2. componentes insolúveis da fibra, por resistirem à digestão Embora poucos estudos tenham avaliado o emprego da pela microflora colônica, são eliminados intactos e man- FA no tratamento da constipação crônica na infância, têm a água retida, gerando grande volume fecal. Durante trabalhos em adultos e em animais demonstram que, de o trajeto colônico, este grande volume é fato, em geral, suplementos contendo um importante estímulo para contrações muita fibra insolúvel geram maior volume propulsivas e, em se encurtando o tem- fecal que os contendo muita fibra solúvel Veja artigo relacionado po de trânsito, haveria menor reabsor- e/ou diminuem o tempo de trânsito colô- ção de água e fezes mais úmidas. Por na página 183 nico1,3-5. Recentemente, no entanto, Chen outro lado, 90-100% das fibras solúveis et al.6 não encontraram diferenças no e apenas 30-80% das insolúveis são peso fecal úmido de voluntários humanos fermentadas pela flora intestinal, libe- recebendo farelos de trigo ou de aveia rando a água retida e produzindo ácidos graxos de cadeia (aparentemente cozidos) contendo 95 ou 50% de fibra curta. Estes são absorvidos, gerando absorção de água e insolúvel. Nesse trabalho, o peso fecal aumentou, respec- eletrólitos, o que, somado à absorção da água liberada, tivamente, 4,8 e 4,5 g por g de FA consumida, ao passo que, tende a diminuir a água fecal. Entretanto, a fermentação em extensa compilação realizada por Cummings et al. 1, os é também um grande estímulo para o aumento da popu- valores eram 4,9 g (farelo de trigo cozido) e 3,4 g (farelo de lação bacteriana, a qual, por constituir em torno de 50% aveia). As diferenças entre os métodos de dosagem de fibra, das fezes secas, contribui para o peso fecal. Há indícios conforme os autores, explicariam as interpretações diver- de que a fermentação aumente com o uso prolongado de gentes. Segundo Chen et al.6, o comportamento semelhan- fibras, pois as polissacaridases bacterianas da flora são te entre os dois farelos teria ocorrido porque a fibra solúvel induzíveis. Em resumo, classicamente são atribuídas à do farelo de aveia estimula o crescimento bacteriano no fração insolúvel da fibra as principais características para cólon proximal, e, em seguida, a fração insolúvel deste uma boa laxação, cabendo à fração solúvel neste aspecto farelo, por fermentar mais lentamente, manteria a popula- um papel contributivo (embora cumpra outras importan- ção bacteriana durante o restante do trajeto colônico. Tal tes funções metabólicas)1,2 . Além disso, o excesso de hipótese é consistente com o aumento desprezível do peso fermentação tem efeitos clínicos indesejáveis. fecal quando se fornece apenas fibra solúvel. O rápido Ocorrem variantes de acordo com a forma como as crescimento bacteriano no cólon proximal não seria susten- fibras são ingeridas: puras, como em muitos trabalhos tado, pois, pela falta da fração insolúvel, a autólise consu- experimentais, ou como constituintes de alimentos. Exem- miria a maior parte do aumento bacteriano até a excreção plificando, a celulose pura isolada da madeira, por sua alta fecal, aproximadamente 2 dias após6. Na compilação acima citada1, o aumento do peso fecal úmido variou de acordo com a fibra ingerida, sendo o menor * Professora titular de Gastroenterologia Pediátrica e Nutrição, Departa- incremento 1,2 g por g ingerida, com a fibra solúvel pectina, mento de Pediatria, Faculdade de Medicina de Botucatu, Universidade e o maior 7,2 g, com o farelo de trigo cru, com 76% de fibra Estadual de São Paulo (UNESP), Botucatu, SP. insolúvel. Para produtos da soja, o peso fecal aumentou 167
  • 2. 168 Jornal de Pediatria - Vol. 80, Nº3, 2004 Constipação crônica funcional. Com que fibra suplementar? – Maffei HVL apenas 2,5 g para cada g ingerida, e isso vem ao encontro fecais dos ratos, pergunta-se se não seriam desejáveis do pouco efeito observado nos ensaios clínicos com o teores mais altos de FA. Como em grande parte dos polissacarídeo da soja2,7. Este produto tem sido classica- trabalhos experimentais com animais se oferece as 100 g5,9, mente utilizado em dietas enterais, por permitir fácil infusão surge a questão: que influência a quantia menor teria tido pelas sondas, o que levou Silk a questionar se o processa- sobre os resultados de Freitas et al.8? mento de partículas muito pequenas para se obter baixa Os autores também poderiam nos brindar com o cami- viscosidade aceitável para dietas enterais aumentou a nho inverso, a partir da observação experimental, verifican- digestibilidade e reduziu a capacidade de reter água, fatores do em crianças se a suplementação com produto contendo sabidamente desestimuladores do aumento de volume muita celulose é mais eficaz para peso fecal seco que a com fecal2. De fato, apesar do polissacarídeo de soja conter polissacarídeo de soja e se tem efeito benéfico no tratamen- entre 75 e 90% de material insolúvel e ser, portanto, to da constipação crônica. Também seria interessante potencialmente pouco fermentescível, estudos in vitro de- verificar o efeito dos diferentes suplementos de FA sobre monstram maior fermentação do que seria esperado7. ratos previamente submetidos à dieta sem FA, para melhor O artigo de Freitas et al., publicado no presente fascícu- reproduzir a situação clínica de crianças constipadas. lo8, também relata ausência de eficácia do polissacarídeo de Enquanto se discutem as questões metodológicas e se soja em crianças com constipação crônica funcional e é um procuram novos produtos bem aceitos pela população em ótimo exemplo de investigação experimental a partir de geral, cabe aos clínicos encontrar formas de fazer as observações clínicas. Assim é que os autores procuraram crianças constipadas aceitarem a dieta contendo cereais avaliar se a ausência de eficácia por eles observada no integrais, frutas com casca e bagaço, hortaliças e legumi- ensaio clínico, em comparação com fórmula de soja sem FA, nosas, além das necessárias intervenções, aí incluídas reproduzia-se experimentalmente. Mas, ao contrário do eventuais suplementações com fibra, dentro de conheci- observado nas crianças, em ratos a ração contendo polissa- mentos já estabelecidos. O farelo de trigo, por seu alto teor carídeo de soja mostrou-se eficaz, assim como a ração de fibra insolúvel (lignina, celulose e polissacarídeos não- padrão contendo celulose. Ademais, o peso seco foi signifi- celulósicos) e grande teor de pentose, parece a fibra ideal, cativamente menor e a umidade fecal maior nos ratos com o que já foi comprovado em diversos estudos com adultos polissacarídeo de soja do que nos com celulose, sendo o constipados3. O grande problema, no entanto, é sua acei- maior percentual de umidade fecal, em todos momentos (61 tação ao longo prazo, principalmente em nosso meio, o que versus 36%), atribuído à maior fermentação8. No trabalho enseja a salutar procura de outros produtos que o possam de McIntyre et al.9, no entanto, o percentual de umidade foi substituir e sejam mais bem aceitos pela população. Insere- semelhante em ratos com dietas contendo goma guar ou se neste contexto a louvável tentativa de tratar crianças farelo de trigo, embora o percentual de fibra solúvel fosse constipadas oferecendo produto comercial contendo polis- muito diferente (85 versus 24%). Também em humanos, a sacarídeo de soja8. umidade, além de ser sempre bem maior que nos ratos, varia pouco, entre 68 e 82% na quase totalidade dos trabalhos (inclusive os com celulose), sem diferenças entre Referências os com suplementação ou com pouca FA1. Pergunta-se, 1. Cummings JH. The effect of dietary fiber on fecal weight and composition. In: Spiller GA, editor. CRC Handbook of dietary portanto, quanto os dados de umidade fecal em ratos podem fiber in human nutrition. Boca Raton, FL: CRC Press; 2001. p. ser transpostos para humanos. 183-252. Por conter principalmente fibra insolúvel, a celulose é 2. Silk DBA. Fibre and enteral nutrition. Gut. 1989;30:246-64. 3. Tomlin J, Read NW. Comparison of the effects on colonic considerada adequada para prover boa laxação, razão pela function caused by feeding rice bran and wheat bran. Eur J Clin qual é utilizada nas rações animais5,9. Por outro lado, como Nutr. 1988;42:857-61. já referido, tem sido questionada na literatura a eficácia dos 4. Meier R, Beglinger C, Schneider H, Rowedder A, Gyr K. Effect of a liquid diet with and without soluble fiber supplementation on polissacarídeos da soja2,7. Portanto, a nosso ver, os resul- intestinal transit and cholecystokinin release in volunteers. J tados do ensaio clínico prévio não foram inesperados, mas Parenter Enteral Nutr. 1993;17:231-5. os resultados experimentais do trabalho em pauta8 surpre- 5. Nyman M, Asp NG. Fermentation of dietary fibre components in the rat intestinal tract. Br J Nutr. 1982;47:357-66. enderam, em parte. Seria interessante confirmar tais dados 6. Chen HL, Haack VS, Janecky CW, Vollendorf NW, Marlett JA. levando em conta o volume ingerido, pois eventuais diferen- Mechanisms by which wheat bran and oat bran increase stool ças nas características das rações, como sabor, aroma, weight in humans. Am J Clin Nutr. 1998;68:711-9. 7. Kapadia SA, Raimundo AH, Grimble GK, Aimer P, Silk DB. viscosidade, etc. podem levar a diferenças nos volumes e, Influence of three different fiber-supplemented enteral diets on conseqüentemente, no teor de FA ingeridos. De fato, o bowel function and short-chain fatty acid production. J Parenter mesmo grupo de pesquisa observou, em excelente trabalho Enteral Nutr. 1995;19:63-8. 8. Freitas KC, Motta MEFA, Amâncio OMS, Fagundes-Neto U, prévio, ingestão significativamente maior da ração conten- Morais MB. Efeito da fibra do polissacarídeo de soja no peso e do celulose que da sem FA10 . Também chamou atenção que, na umidade das fezes de ratos em fase de crescimento. J Pediatr neste trabalho10, ofereceram exatamente o dobro de FA (Rio J). 2004;80:183-8. 9. McIntyre A, Young GP, Taranto PRG, Gibson PR, Ward PB. (100 g de celulose por quilo de ração) que no de Freitas et Different fibers have different regional effects on luminal contents al.8, gerando peso fecal bem maior (10,7 versus 5,2 g). of rat colon. Gastroenterology. 1991;101:1274-81. Segundo Catani et al.10, 50 g de celulose corresponderiam 10. Catani M, Amâncio OMS, Fagundes-Neto U, Morais MB. Dietary cellulose has no effect on the regeneration of hemoglobin in a 12,5 g de fibra por 1.000 kcal, que seria o recomendado growing rats with iron deficiency anemia. Braz J Med Biol Res. para crianças. No entanto, tendo em vista as características 2003;36:693-7.