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TECNOLOGIAS DO IMAGINÁRIO




Da cultura das
mídias à
cibercultura: o
advento do pós-
humano                                                          JÁ ESTÁ SE TORNANDO lugar-comum afirmar
                                                                que as novas tecnologias da informação
                                                                e comunicação estão mudando não
RESUMO                                                          apenas as formas do entretenimento
Este artigo trata da questão do desenvolvimento das             e do lazer, mas potencialmente todas
tecnologias da informação e da comunicação e sua implicação     as esferas da so ci e da de: o trabalho
em todas as esferas da sociedade.                               (robótica e tecnologias para escritórios),
                                                                gerenciamento político, atividades militares
ABSTRACT                                                        e policiais (a guerra eletrônica), consumo
This text discusses the evolution of information and communic   (transferência de fundos ele trô ni cos),
ationtechnologies and its effect upon society.                  comunicação e educação (aprendizagem
                                                                a distância), enfim, estão mudando toda a
PALAVRAS-CHAVE (KEY WORDS)                                      cultura em geral. Para Robins e Webster
- Tecnologias (Technologies)                                    (1999, p. 111), se as forças do capital
- Complexidade (Complexity)                                     corporativista e os interesses po lí ti cos
- Cultura das mídias (Media cultures)                           forem bem-sucedidos na introdução
                                                                sistemática dessas novas tecnologias – da
                                                                robótica aos bancos de dados, da internet
                                                                aos jogos de realidade virtual, então a vida
                                                                social será transformada em quase todos
                                                                os seus aspectos. O desenvolvimento
                                                                estratégico das tecnologias da informática
                                                                e comunicação terá, então, reverberações
                                                                por toda a estrutura social das sociedades
                                                                capitalistas avançadas.
                                                                      Tendo em vista a relevância das
                                                                reverberações que já se fazem presentes
                                                                e da que las que estão por vir, tenho
                                                                defendido a idéia de que nós, intelectuais,
                                                                pesquisadores e mestres, devemos nos
                                                                dedicar à tarefa de gerar conceitos que
                                                                sejam capazes de nos levar a compreender
                                                                de modo mais efetivo as complexidades
                                                                com que a re a li da de em mutação nos
                                                                desafia. Este trabalho que aqui apresento
                                                                é parte do esforço que tenho desenvolvido
                                                                para ir ao encontro dessa tarefa. Prova
                                                                desse esforço está no meu livro recém-
                                                                lançado Culturas e Artes do Pós-Humano.
Lúcia Santaella                                                 Da cultura das mídias à cibercultura (2003).


                                         Revista FAMECOS • Porto Alegre • nº 22 • dezembro 2003 • quadrimestral   23
As idéias que apresentarei a seguir fazem                1     As formações socioculturais
parte dos argumentos que de sen vol vi
nesse livro.                                             Para compreender essas passagens de
      A bem da verdade, esse livro recente               uma cultura à outra, que considero sutis,
funciona como uma espécie de segundo                     tenho utilizado uma divisão das eras
volume de um livro anterior, sob o título de             culturais em seis tipos de formações: a
Cultura das Mídias, cuja primeira edição                 cultura oral, a cultura escrita, a cultura
foi lançada em 1992. Foi ousado para                     impressa, a cultura de massas, a cultura
aquela época o título escolhido. Ousado                  das mídias e a cultura digital. Antes de
não ape nas por que a palavra “mídias”                   tudo, deve ser de cla ra do que essas
ainda não havia se disseminado, mas                      divisões estão pautadas na convicção
prin ci pal men te porque devo confessar                 de que os meios de comunicação, desde
que, naquele momento, não tinha perfeita                 o aparelho fonador até as redes digitais
clareza do significado exato que estava                  atuais, não passam de meros canais
dando para a ex pres são “cul tu ra das                  para a transmissão de informação.
mídias”. Sabia que se tratava de formas                  Por isso mesmo, não devemos cair no
culturais com uma lógica distinta da cultura             equívoco de julgar que as transformações
das massas, mas não podia ainda precisar                 culturais são devidas apenas ao advento
sua natureza com exatidão. Foi a leitura,                de novas tecnologias e novos meios de
em 1997, do livro Culturas híbridas, de                  comunicação e cultura. São, isto sim, os
Néstor Garcia Canclini (pu bli ca do em                  tipos de signos que circulam nesses meios,
1990, com tradução brasileira de 1997)                   os tipos de mensagens e processos de
que trouxe uma primeira luz para precisar                comunicação que neles se engendram
minhas idéias. Depois disso, a explosão                  os verdadeiros responsáveis não só por
cada vez mais impressionante das redes e                 moldar o pensamento e a sensibilidade
a emergência indisfarçável da cibercultura               dos seres humanos, mas também por
ou cultura do virtual permitiram-me chegar               propiciar o surgimento de novos ambientes
a uma noção mais clara do sentido que,                   socioculturais.
no início ainda obscuro, desejava imprimir                     Certamente, há algo de McLuhan
para a expressão “cultura das mídias”.                   nes sa minha postulação. Entretanto,
      Hoje, com as idéias mais ajustadas,                diferentemente de McLuhan, ou daquilo
posso definir com mais precisão o que                    que se passou a se considerar como sendo
tenho entendido por cultura das mídias.                  mcluh ni a no, creio que devemos tirar a
Ela não se confunde nem com a cultura                    ênfase que se costuma colocar nos meios e
de massas, de um lado, nem com a cultura                 nas mídias em si para trazer à baila outras
virtual ou cibercultura de outro. É, isto sim,           determinações que tendem a ser ocultadas
uma cultura intermediária, situada entre                 pelo fetiche das mídias. Entre essas
ambas. Quer dizer, a cultura virtual não                 determinações, aquela que é central à
brotou diretamente da cultura de massas,                 comunicação e à cultura é a determinação
mas foi sendo semeada por processos                      da linguagem.
de produção, distribuição e consumo                            Nem mesmo McLuhan, com sua
comunicacionais a que chamo de “cultura                  célebre provocação O meio é a mensagem
das mídias”. Esses processos são distintos               (1964), tão criticada há algumas décadas
da lógica massiva e vieram fertilizando                  e hoje trans for ma da em axioma para
gra da ti va men te o terreno sociocultural              todos os “plugados”, chegou ao nível de
para o surgimento da cultura virtual ora em              obliteração da linguagem que o fetiche das
curso.                                                   mídias tem alcançado. Ao contrário, com
                                                         sua afirmação, McLuhan estava justamente
                                                         se desviando da tendência comum nas


24   Revista FAMECOS • Porto Alegre • nº 22 • dezembro 2003 • quadrimestral
teorias da comunicação de sua época, que          cima, considerar que as mediações sociais
separavam, de um lado, o modo como a              vêm das mídias em si é incorrer em uma
mensagem é transmitida, de outro lado,            ingenuidade e equívoco epistemológicos
o conteúdo da mensagem. Ao colocar                básicos, pois a mediação primeira não vem
ênfase nos meios, McLuhan insistia na             das mídias, mas dos signos, linguagem e
impossibilidade de se separar a mensagem          pensamento, que elas veiculam (Santaella,
do meio, pois a mensagem é determinada            1992 [2003a], p. 222-230).
muito mais pelo meio que a veicula do que                O segundo aspecto fundamental que
pelas intenções de seu autor. Portanto, em        o fe ti che das mídias oblitera encontra-
vez de serem duas funções separadas, o            se no fato de que quaisquer mídias, em
meio é a mensagem (Lunenfeld, 1999a, p.           função dos processos de comunicação que
130).                                             propiciam, são inseparáveis das formas
        Do mesmo modo que essa frase de           de socialização e cultura que são capazes
McLuhan foi denegrida pelos amantes dos           de criar, de modo que o advento de cada
conteúdos semânticos, sem que esses               novo meio de comunicação traz consigo
crí ti cos tivessem se dado ao trabalho           um ciclo cultural que lhe é próprio e que
de bem compreendê-la, hoje se fala                fica impregnado de todas as contradições
de mídia de maneira atabalhoada, sem              que caracterizam o modo de produção
a preocupação e compromisso com o                 econômica e as conseqüentes injunções
escrutínio das complexidades semióticas           políticas em que um tal ciclo cultural toma
que as constituem.                                corpo. Considerando-se que as mídias são
        Ora, mídias são meios, e meios, como      conformadoras de novos ambientes sociais,
o pró prio nome diz, são simplesmente             pode-se estudar sociedades cuja cultura se
meios, isto é, suportes materiais, canais         molda pela oralidade, então pela escrita,
físicos, nos quais as linguagens se               mais tarde pela explosão das imagens na
corporificam e através dos quais transitam.       revolução industrial-eletrônica etc.
Por isso mesmo, o veículo, meio ou mídia                Tendo isso em vista, cumpre ainda
de co mu ni ca ção é o componente mais            alertar para uma outra questão. Embora
superficial, no sentido de ser aquele que         a divisão que estabeleço de seis eras
primeiro aparece no processo comunicativo.        culturais refira-se, de fato, a eras, prefiro
Não obstante sua relevância para o estudo         também chamá-las de formações culturais
desse processo, veículos são meros canais,        para transmitir a idéia de que não se trata aí
tecnologias que estariam esvaziadas de            de períodos culturais lineares, como se uma
sentido não fossem as mensagens que               era fosse desaparecendo com o surgimento
nelas se configuram. Conseqüentemente,            da próxima. Ao contrário, há sempre um
processos co mu ni ca ti vos e formas de          processo cumulativo de complexificação:
cultura que nelas se realizam devem               uma nova formação comunicativa e cultural
pressupor tanto as diferentes linguagens          vai se integrando na anterior, provocando
e sistemas sígnicos que se configuram             nela reajustamentos e refuncionalizaçõe
dentro dos veículos em consonância com o          s. É certo que alguns elementos sempre
potencial e limites de cada veículo quanto        desaparecem, por exemplo, um tipo de
devem pressupor também as misturas entre          suporte que é substituído por outro, como
linguagens que se realizam nos veículos           no caso do papiro, ou um aparelho que
híbridos de que a televisão e, muito mais, a      é substituído por outro mais eficiente, o
hipermídia são exemplares.                        caso do telégrafo. É certo também que,
        Embora sejam responsáveis pelo            em cada período histórico, a cultura fica
crescimento e multiplicação dos códigos           sob o domínio da técnica ou da tecnologia
e lin gua gens, meios continuam sendo             de comunicação mais recente. Contudo,
meios. Deixar de ver isso e, ainda por            esse domínio não é suficiente para asfixiar


                             Revista FAMECOS • Porto Alegre • nº 22 • dezembro 2003 • quadrimestral   25
os princípios semióticos que definem as                  quando se trata de interpretar fenômenos
formações culturais preexistentes. Afinal,               cuja complexidade nos desafia, a paciência
a cultura comporta-se sempre como um                     do conceito é imprescindível. Isso não
organismo vivo e, sobretudo, inteligente,                significa recusar o caráter congenitamente
com poderes de adaptação imprevisíveis e                 polissêmico dos nossos discursos, fruto da
surpreendentes.                                          natureza complexa e contraditória tanto
      A divisão em seis eras pode parecer                das nossas mentes, de um lado, quanto
ex ces si va, mas, se não as levarmos                    daquilo que chamamos de realidade, do
em con si de ra ção, acabamos perdendo                   outro. Justamente o contrário, porque
especificidades importantes e reveladoras.               sabemos que há uma imprecisão congênita
Por exem plo: a cultura impressa não                     em tudo que dizemos, nossos esforços,
nasceu diretamente da cultura oral. Foi                  tanto de observação empírica quanto de
antecedida por uma rica cultura da escrita               clareza conceitual, devem se redobrar se
não alfabética. A memória dessas escritas                pretendemos trazer alguma contribuição
trouxe gran des contribuições para a                     para a compreensão menos superficial da
visualidade da arte moderna. Ela sobrevive               complexidade que nos rodeia.
na imaginação visual da profusão dos tipos
gráficos hoje existentes. Sobrevive ainda
nos processos diagramáticos do jornal, na                2     Da cultura das mídias à ciber-cultura
visualidade da poesia, no design atual de
páginas da Web. Enfim, de certa forma,                   Isso posto, passo a explicitar que
ela continua viva porque ainda se preserva               fe nô me nos tenho designado com
na memória da espécie. Assim também,                     a expressão “cul tu ra das mídias”.
embora a grande maioria dos autores                      Fenômenos, aliás, que só pude melhor
esteja vendo a cibercultura na continuidade              compreender après-coup, quando a cultura
da cultura de mas sas, considero que                     digital ou cibercultura decididamente se
o reconhecimento da fase transitória                     impôs. Por volta do início dos anos 80,
entre elas, a saber, o reconhecimento da                 começaram a se intensificar cada vez mais
cultura das mídias, é substancial para se                os casamentos e misturas entre linguagens
compreender a própria cibercultura.                      e meios, misturas essas que funcionam
      Com bastante imprecisão, muitos têm                como um multiplicador de mí di as.
se referido a todo o complexo contexto                   Estas produzem mensagens híbridas
atual sob o nome de “cultura midiática”.                 como se pode encontrar, por exemplo,
Essa generalização cobre o território com                nos suplementos literários ou culturais
uma cortina de fumaça. É claro que tudo                  especializados de jornais e revistas, nas
é mídia, até mesmo o aparelho fonador.                   revistas de cultura, no radiojornal, telejornal
Quais são elas, como se inserem na                       etc.
dinâmica social, em quais delas o capital                      Ao mesmo tempo, novas sementes
está investindo, como impõem sua lógica                  começaram a brotar no campo das mídias
ao conjunto da cultura? São todas questões               com o surgimento de equipamentos
irrespondíveis se não fizermos o esforço                 e dis po si ti vos que possibilitaram o
de precisar nossos conceitos. A confusão                 apa re ci men to de uma cultura do
conceitual é proporcional à confusão dos                 disponível e do transitório: fotocopiadoras,
modos como nos aparecem os fatos que                     videocassetes e aparelhos para gravação
pretendemos com pre en der. O cultivo                    de vídeos, equipamentos do tipo walkman
da ambigüidade e o es prai a men to das                  e walktalk, acom pa nha dos de uma
neblinas de sentido são tarefas da poesia                remarcável indústria de vi de o clips e
que nos traz maneiras de sentir e ver                    videogames, juntamente com a expansiva
que, sem ela, seriam impossíveis. Porém,                 indústria de filmes em vídeo para serem


26   Revista FAMECOS • Porto Alegre • nº 22 • dezembro 2003 • quadrimestral
alugados nas videolocadoras, tudo isso           p. 362-367) descreve em detalhes os
culminando no surgimento da TV a cabo.           processos que, a meu ver, constituem
Essas tecnologias, equipamentos e as             a cultura das mídias. Uma passagem,
linguagens criadas para circularem neles         citada pelo autor, extraída de um artigo de
têm como principal característica propiciar      F. Sabbah, escrito em 1985, é capaz de
a escolha e consumo individualizados, em         sintetizar à perfeição o perfil identificador
oposição ao consumo massivo. São esses           dessa formação cultural, como se segue:
processos comunicativos que considero
como cons ti tu ti vos de uma cultura das               “Em resumo, a nova mídia determina
mídias. Foram eles que nos arrancaram                   uma        audiência     segmentada,
da inér cia da re cep ção de mensagens                  di fe ren ci a da que, embora maciça
impostas de fora e nos treinaram para a                 em termos de números, já não é
busca da informação e do entretenimento                 uma audiência de massa em termos
que desejamos encontrar. Por isso mesmo,                de si mul ta nei da de e uniformidade
foram es ses meios e os processos de                    da mensagem re ce bi da. A nova
recepção que eles en gen dram que                       mídia não é mais mídia de massa
prepararam a sensibilidade dos usuários                 no sentido tradicional do envio de
para a chegada dos meios digitais cuja                  um número limitado de mensagens
marca principal está na busca dispersa,                 a uma audiência ho mo gê nea de
alinear, fragmentada, mas certamente uma                massa. Devido à multiplicação de
busca individualizada da mensagem e da                  men sa gens e fontes, a própria
informação.                                             audiência torna-se mais seletiva. A
      A proliferação midiática, provocada               audiência visada tende a escolher
pelo surgimento de meios cujas                          suas mensagens, assim aprofundando
mensagens tendem para a segmentação                     sua seg-mentação, intensificando
e di ver si fi ca ção, e a hibridização das             o relacionamento individual entre o
mensagens, pro vo ca da pela mistura                    emissor e o receptor”.
entre meios, foram sin crô ni cas aos
acalorados debates dos anos 80 sobre             3      A cultura digital e a moeda
a pós-modernidade. Por isso mesmo,                      corrente da informação
em contraposição a alguns autores que
consideram a pós-modernidade como a              Enfim, cultura de massas, cultura das
face identificadora da cibercultura, tenho       mídias e cultura digital, embora convivam
concebido as discussões sobre a pós-             hoje em um imenso caldeirão de misturas,
modernidade como sinais de alerta críticos       apresentam cada uma delas caracteres
para um período de mudanças profundas            que lhes são próprios e que precisam ser
que se insinuavam no seio da cultura e           distinguidos, sob pena de nos perdermos
que, naquele momento, anos 80, estavam           em um labirinto de confusões. Uma
sendo encubadas pela cultura das mídias e        diferença gritante entre a cultura das mídias
pelo hibridismo tanto nas artes quanto nos       e a cultura digital, por exemplo, está no fato
fenômenos comunicativos em geral que             muito evidente de que, nesta última, está
essa cultura propicia.                           ocorrendo a convergência das mídias, um
       Embora sem estabelecer as distinções      fenômeno muito distinto da convivência das
da cultura das mídias em relação à cultura       mídias típica da cultura das mídias.
de massas, de um lado, e a cultura digital,            Se, de um lado, é preciso perceber
de outro, no capítulo sobre “A cultura da        distinções, de outro lado essas distinções
virtualidade real”, no tópico sob o título       não po dem nos levar a negligenciar o
de “A nova mídia e a diversificação da           fato de que hoje vivemos uma verdadeira
au di ên cia de massas”, Castells (2000,         con fra ter ni za ção geral de todas as


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formas de co mu ni ca ção e de cultura,                  dependem do computador e das redes de
em um caldeamento denso e híbrido: a                     telecomunicação, estes, na verdade, os
comunicação oral que ainda persiste com                  grandes pivôs de toda essa história.
força, a escrita, no design, por exemplo, a                    Diante disso, Lunenfeld (1999b)
cultura de massas que também tem seus                    deve estar com a razão quando diz que
pontos positivos, a cul tu ra das mídias,                não importa o quanto as mídias digitais
que é uma cultura do dis po ní vel, e a                  podem, à primeira vista, assemelhar-se às
cibercultura, a cultura do acesso. Mas é a               mídias analógicas - foto, cinema, vídeo etc.
convergência das mídias, na coexistência                 -, elas são fundamentalmente diferentes
com a cultura de massas e a cultura das                  delas. Por isso mesmo, os teóricos da
mídias, estas últimas em plena atividade,                comunicação, cultura e sociedade devem
que tem sido responsável pelo nível de                   fazer um esforço para criar modelos de
exacerbação que a produção e circulação                  análise ade qua dos a essa emergência
da informação atingiu nos nossos dias                    que transcendam os modelos que eram
e que é uma das marcas registradas da                    aplicáveis a mídias anteriores e que
cultura digital.                                         transcendam prin ci pal men te os refrões
      De fato, como afirma Hayles (1996b,                sobre consumo e recepção, típicos da era
p. 259, 270), a informação se tornou a                   televisiva.
grande palavra de ordem, circulando como                       Questões resultantes da maneira
moeda corrente. Genética, assuntos de                    como o computador está recodificando
guerra, en tre te ni men to, comunicações,               as linguagens, as mídias, as formas de
produção de grãos e cifras do mercado                    arte e estéticas anteriores, assim como
financeiro es tão entre os setores da                    criando suas próprias, a relação entre
sociedade que passam por uma revolução                   imersão e velocidade, a dinâmica frenética
provocada pela en tra da no paradigma                    da WWW, com seus sites que pipocam e
informacional. Uma diferença significante                desaparecem como flores no deserto, a
entre informação e bens du rá veis está                  vida ciborg, o potencial das tecnologias vs.
na replicabilidade. Informação não é uma                 a viabilidade do mercado, os mecanismos
quantidade conservada. Se eu lhe dou                     de distribuição, a dinâmica social dos
informação, você a tem e eu tam bém.                     usuários, a contextualização desses novos
Passa-se aí da posse para o acesso. Este                 processos de comunicação nas sociedades
difere da posse porque o acesso vasculha                 do capitalismo globalizado são alguns dos
padrões em lugar de presenças.                           temas que aparecem na ponta do iceberg,
      É por essa razão que a era digital                 deixando entrever as complexidades que aí
vem sendo também chamada de cultura                      residem.
do acesso, uma formação cultural está                          Realmente, essas complexidades
nos colocando não só no seio de uma                      têm cha ma do a atenção de muitos
revolução técnica, mas também de uma                     estudiosos, tam bém no Brasil, onde
sublevação cultural cuja propensão é se                  alguns têm lançado alarmes críticos em
alastrar tendo em vista que a tecnologia                 relação às con se qü ên ci as filosóficas,
dos computadores tende a ficar cada vez                  psíquicas e político-sociais da era digital
mais barata. Do mi na da pelo microchip,                 (para nos limitarmos aos livros, ver, por
essa tecnologia dobra aproximadamente                    exemplo, Rüdiger, 2002; Trivinho, 1999,
de poder a cada 12 a 18 meses. À medida                  2001), enquanto outros têm apresentado
que cresce seu poder, seu preço declina e                panoramas detalhados das no vas
seu mercado aumenta. Esse crescimento                    paisagens ciber, colocando-nos a par das
é um indicador fun da men tal por que a                  raízes históricas e das linhas de força
produção, o arquivamento e a circulação                  comunicacionais e socioculturais que lhes
da moeda corrente da in for ma ção                       são próprias (ver, por exemplo, Lemos,


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2002a, 2002b; Costa 2002). No panorama            “Nenhuma dessas três posições nos ajuda
internacional, o número de estudos sobre o        a fazer sentido do que está acontecendo”,
assunto cresce assombrosamente a cada             Heim conclui.
dia, o que torna praticamente impossível                 Para que possamos enfrentar
qualquer tentativa de levantamento do             os de sa fi os do presente, ele propõe a
estado da arte dessa questão. O que se            posição dialética de um realismo virtual
pode delinear, de modo muito simplificado,        como posição mediadora entre o realismo
são algumas tendências que têm marcado            ingênuo e o ide a lis mo das redes. “Só
esses estudos.                                    assim se pode sustentar a oposição como
                                                  a polaridade que continuamente produz
                                                  as faíscas do diálogo, e o diálogo é a vida
4    Reações à ciberealidade                      do ciberespaço.” (ibid., p. 41) “O realismo
                                                  virtual vai ao encontro do destino sem
Uma avaliação detalhada das reações que           ficar cego às perdas que o progresso traz.”
a ciberealidade tem provocado em seus             (ibid., p. 45)
comentadores foi feita por Heim (1999, p.                Esse     texto     de    Heim     está
31-45). Para ele, o impacto do computador         prioritariamente voltado para uma avaliação
sobre a cultura e a economia tem dividido         das posições, digamos, epistemológicas
os críticos em três tipos de reação. De um        que têm sido assumidas frente ao mundo
lado, os realistas ingênuos. Estes tomam          digital. O que fal ta nessa avaliação é
a re a li da de como aquilo que pode ser          alguma indicação do conteúdo das críticas
experienciado imediatamente e alinham os          que são levantadas pelos comentadores,
computadores com os poluidores que são            sempre realistas, mas nem sempre tão
jogados no terreno da experiência pura,           ingênuos quanto o retrato de Heim os
não mediatizada. Quando dá voz a suas             pintou.
inquietações, o realista ingênuo faz soar                A maioria das críticas está preocupada
alarmes que estão em agudo contraste              com o fato - inolvidável - de que o mundo
com os bons augúrios dos idealistas das           digital nasceu e cresce no terreno das
redes. Estes con si de ram o mundo das            formações socioeconômicas e políticas do
redes o melhor dos mundos e apontam               capitalismo globalizado. Do que reclamam
para os ganhos evolutivos da espécie. “São        os críticos? Da separação que muitas
otimistas e, nos maus dias, exibem uma            apreciações sobre a era digital estabelecem
felicidade preocupada.” Para o autor (ibid.,      en tre o mundo lá fora, esquecido, e o
p. 38), tanto os realistas ingênuos quanto        mundo virtual, como se a turbulência
os idealistas são os dois lados da mesma          social e política do nosso tempo - o conflito
moeda. “Enquanto o idealista avança com           étnico, o ressurgimento do nacionalismo, a
otimismo sem reservas, o realista pisa para       fragmentação urbana, a miséria e a fome
trás movido pelo desejo de nos assentar           nas periferias do mundo - não tivesse nada
fora da tecnologia.”                              a ver com o espaço virtual (Robins, 2000,
       Além dos realistas e idealistas,           p. 79).
Heim encontra um terceiro grupo, o dos                   Querem, portanto, chamar atenção
céticos. Convictos de que as tentativas           para a evidência de que, mesmo que o
para compreender o processo, não importa          ciberespaço possa ser significantemente
quão inteligentes elas possam ser, são            di fe ren te de outras mídias culturais,
inócuas, eles insistem que o ciberespaço          seus pro gra mas, re a li da des virtuais e
está atra ves san do um processo de               experiências dos usu á ri os estão tão
nascimento muito confuso. Trata-se de um          firmemente en rai za dos no capitalismo
ceticismo que resulta em uma atitude de           contemporâneo quanto qual quer outra
deixar acontecer para ver como é que fica.        forma de cultura. “Aqueles que promovem


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seu caráter revolucionário muitas vezes se  cultura contemporânea - trabalho, arte,
esquecem de considerar as dificuldades      ciência e educação -, na verdade toda a
de se transcender formas e convenções       gama de interações sociais, é impensável.”
culturais estabelecidas em tecnologias e    (Aronowitz, 1995, p. 22) Buscar apagar
práticas culturais que se originam nessa    essa re a li da de através da denegação
mesma cultura.” (Hayward, 1993, p. 187).    implica, acima de tudo, uma recusa do
        Não obstante a relevância dessas    pensamento.
crí ti cas, não obstante também as                A cibercultura, tanto quanto quaisquer
constatações ins pi ra das e iluminadoras   outros tipos de cultura, são criaturas
de muitos da que les que, no dizer de       humanas. Não há uma separação entre
Heim, não passam de idealistas, o que       uma forma de cultura e o ser humano.
deve ser evitado, a meu ver, é a adesão     Nós somos essas culturas. Elas moldam
aos extremos. Na me di da em que as         nossa sensibilidade e nossa mente, muito
telecomunicações e os modos acelerados      es pe ci al men te as tecnologias digitais,
de transporte estão fazendo o planeta       com pu ta ci o nais, que são tecnologias
encolher cada vez mais, na medida mesma     da inteligência, conforme foi muito bem
em que se esfumam os parâmetros de          desenvolvido por Lévy e De Kerckhove.
tempo e espaço tradicionais, assume-se,     Por isso mesmo, são tecnologias auto-
via de regra, que as tecnologias são a      evolutivas, pois as má qui nas estão
medida de nossa salvação ou a causa de      ficando cada vez mais inteligentes. Mas,
nossa perdição. De um lado, celebrações     tanto quanto posso ver, não há por que
pós-modernas das tecnologias asseveram      desenvolver medos apocalípticos a respeito
que estas são tão benéficas que serão       disso. As máquinas vão ficar cada vez
ca pa zes de re a li zar proezas que os     mais parecidas com o ser humano, e não
discursos humanistas nunca conseguiram      o contrário. É nessa direção que caminham
atingir. De outro lado, elegias sobre a morte
                                            as pesquisas atuais em computação. Mas,
da natureza e os perigos da automação e     ao mesmo tempo, também não se trata de
desumanização contrariam as expressões      desenvolver ideologias salvacionistas a
salvacionistas.                             respeito das tecnologias. Se elas são crias
                                            nossas, inevitavelmente carregam dentro
                                            de si nossas contradições e paradoxos.
5    Desafios do pós-humano                       Dentro desse espírito, as reflexões
                                            que desenvolvi no livro buscam contribuir
No livro que publiquei recentemente, com sugestões de respostas às questões
Culturas e artes do pós-humano. Da cultura que estão no centro da atenção daqueles
das mídias à cibercultura, busquei evitar que têm sido movidos pelo desejo da
os ex tre mos. Nem esposar cegamente pesquisa sobre os temas do ciberespaço,
o “con su me ris mo” ou o apelo esnobe cibercultura e ciberarte: O que está
do high tech, de um lado, nem cair nos acontecendo à in ter fa ce ser humano-
lamentos nostálgicos, chorando a perda máquina e o que isso está significando
do paraíso, de outro. De resto, o lamento para as comunicações e a cul tu ra do
não traz nenhuma con se qü ên cia, além início do século 21? As respostas que
de soar histérico, es pe ci al men te neste encontro para essas perguntas, respostas
momento em que as novas relações entre são sempre tentativas em tempos de
a tecnologia e os humanos se tornaram incerteza, pretendem repensar o humano
sumamente complexas. “A tec no lo gia neste alvorecer do vir-a-ser tecnológico
não apenas penetra nos eventos, mas do mundo. É justamente da necessidade
se tornou um evento que não deixa nada desse repensamento que advém a
intocado. É um ingrediente sem o qual a expressão pós-humano. Os meios para


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isso vou buscar na história das novas              6). Vem daí a im por tân cia que tenho
tecnologias, da filosofia, da psicanálise, da      dado às metamorfoses, no mais das
comunicação e semiótica e, sobretudo, da           vezes invisíveis, do corpo humano e às
arte.                                              transformações na sensibilidade que vêm
       De fato, a arte, não a arte que se          sendo exploradas pelos artistas.
con for ta no estabelecido, mas a arte                   Atendendo      à     sugestão      de
que cria problemas, tem sido para mim o            Featherstone e Burrows (1996, p. 2), não
território privilegiado para o exercício da        são apenas as reconstituições da vida social
ousadia do pensamento que não teme                 e da cultura que procuro levar em conta,
abraçar sínteses, fazendo face aos enigmas         mas também o impacto dessas mudanças
e desafios do emergencial, um território           no corpo hu ma no. É nesse aspecto
privilegiado, en fim, para dar margem à            que os de sen vol vi men tos tecnológicos
imaginação que ausculta o presente, nele           apontam para as pos si bi li da des de
pressentindo o fu tu ro. É na ambiência            formas de existência pós-humanas que,
conjectural de uma reflexão pouco servil à         no seu visionarismo, Roy Ascott (2003a)
severidade das exigências superegóicas             vem chamando de pós-bi o ló gi cas na
que tenho desenvolvido minhas idéias.              emergência de uma era úmida (moist)
      A hipótese que tem me norteado é             que nascerá da junção do ser humano
que, em tempos de mutação, há que ficar            molhado (wet) com o silício seco (dry),
perto dos artistas. Pelo simples fato de           especialmente a partir do desenvolvimento
que, pa ra fra se an do Lacan, eles sabem          das nanotecnologias que, bem abaixo da
sem saber que sabem. Semelhante a                  pele, passarão silenciosamente a interagir
este, há um dictum de Goethe que vale              com as moléculas do corpo humano.
a pena mencionar: há um empirismo                        Estou ciente de que a expressão
da sensibilidade que se identifica muito           “pós-humano” é perturbadora. De fato,
intimamente com o objeto e assim se torna,         essa expressão pode trazer muitos mal-
propriamente falando, teoria. É, de fato,          en ten di dos. O primeiro significado que
uma espécie de teoria não-verbal e poética         costuma vir à mente das pessoas é o de
que os artistas criam na sua aproximação           que o humano já era, foi-se, perdeu-se no
sensível dos enigmas do real. Por isso,            golpe dos acontecimentos. Não se trata
sou movida pela convicção de que, nesta            disso. O termo pós-humano vem sendo
entrada do terceiro ciclo evo lu ti vo da          empregado especialmente por artistas ou
espécie (argumento de Donald, 1991),               teóricos da arte e da cultura desde o início
te mos de prestar atenção no que os                dos anos 90. A expressão tem sido usada
artistas estão fazendo. Pressinto que são          para sinalizar as grandes transformações
eles que estão criando uma nova imagem             que as novas tecnologias da comunicação
do ser humano no vórtice de suas atuais            estão trazendo para tudo o que diz respeito
transformações. São os artistas que têm            à vida humana, tanto no nível psíquico
nos colocado frente a frente com a face            quanto social e antropológico. Há alguns
humana das tecnologias.                            autores que até defendem a idéia de
      A rápida evolução do computador              que se trata de um passo evolutivo da
com pa ra da com aquela de tecnologias             espécie. Uso a expressão deliberada e
an te ri o res, quando contrastada com a           estrategicamente para cha mar atenção
ausência de evolução na forma humana,              para o fato de que não podemos nos furtar
levou o teórico e artista da realidade virtual     à reflexão sobre as modificações por que o
Myron Krueger a prever que a interface             ser humano vem passando, modificações
última entre o computador e as pessoas             não apenas mentais, mas tam bém
estará vol ta da para o corpo humano e             corporais, moleculares .
os sentidos humanos (apud Hillis, 1999:


                              Revista FAMECOS • Porto Alegre • nº 22 • dezembro 2003 • quadrimestral   31
______.Ciberensaios para o século XXI. Salvador: Edufba,
Referências                                                       2002b.

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California Press, 2003.                                           (ed.). Cambridge, MA: Mit Press, 1999a, p. 130-132.

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Bender e Timothy Druckrey (eds.). Seattle: Bay Press, 1995,       Peter Lunenfeld (ed.). Cambridge, MA: Mit Press, xiv-xxi,
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                                                                  (eds.). London: Routledge, 2000, p. 77-95.
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                                                                  RÜDIGER, Francisco. Elementos para a crítica da cibercultura.
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FEATHERSTONE, M. e Burrows, R. “Cultures of Technological
Embodiment”. Introduction. Em Cyberspace/Cyberbodies/             ______. Culturas e artes do pós-humano: Da cultura das
Cyberpunks. Cultures of Technological Embodiment, M.              mídias à cibercultura. São Paulo: Paulus, 2003b.
Featherstone e R. Burrows (eds.). London: Sage, 1996, p.
1-15.                                                             TRIVINHO, Eugênio. “Cyberspace: crítica da nova
                                                                  comunicação”. Tese de doutorado, ECA/Universidade de São
HAYLES, Catherine. “Virtual bodies and flickering signifiers”.    Paulo, 1999.
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                                                                  sociedade tecnológica atual. Rio de Janeiro: Quartet, 2001.
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screen, P. Hayward e T. Wollen (eds.). Fakenham, Norfolk: BFI
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Minnesota Press, 1999.

LEMOS, André. Cibercultura. Tecnologia e vida social na
cultura contemporânea. Porto Alegre: Sulina, 2002a.


32     Revista FAMECOS • Porto Alegre • nº 22 • dezembro 2003 • quadrimestral

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  • 1. TECNOLOGIAS DO IMAGINÁRIO Da cultura das mídias à cibercultura: o advento do pós- humano JÁ ESTÁ SE TORNANDO lugar-comum afirmar que as novas tecnologias da informação e comunicação estão mudando não RESUMO apenas as formas do entretenimento Este artigo trata da questão do desenvolvimento das e do lazer, mas potencialmente todas tecnologias da informação e da comunicação e sua implicação as esferas da so ci e da de: o trabalho em todas as esferas da sociedade. (robótica e tecnologias para escritórios), gerenciamento político, atividades militares ABSTRACT e policiais (a guerra eletrônica), consumo This text discusses the evolution of information and communic (transferência de fundos ele trô ni cos), ationtechnologies and its effect upon society. comunicação e educação (aprendizagem a distância), enfim, estão mudando toda a PALAVRAS-CHAVE (KEY WORDS) cultura em geral. Para Robins e Webster - Tecnologias (Technologies) (1999, p. 111), se as forças do capital - Complexidade (Complexity) corporativista e os interesses po lí ti cos - Cultura das mídias (Media cultures) forem bem-sucedidos na introdução sistemática dessas novas tecnologias – da robótica aos bancos de dados, da internet aos jogos de realidade virtual, então a vida social será transformada em quase todos os seus aspectos. O desenvolvimento estratégico das tecnologias da informática e comunicação terá, então, reverberações por toda a estrutura social das sociedades capitalistas avançadas. Tendo em vista a relevância das reverberações que já se fazem presentes e da que las que estão por vir, tenho defendido a idéia de que nós, intelectuais, pesquisadores e mestres, devemos nos dedicar à tarefa de gerar conceitos que sejam capazes de nos levar a compreender de modo mais efetivo as complexidades com que a re a li da de em mutação nos desafia. Este trabalho que aqui apresento é parte do esforço que tenho desenvolvido para ir ao encontro dessa tarefa. Prova desse esforço está no meu livro recém- lançado Culturas e Artes do Pós-Humano. Lúcia Santaella Da cultura das mídias à cibercultura (2003). Revista FAMECOS • Porto Alegre • nº 22 • dezembro 2003 • quadrimestral 23
  • 2. As idéias que apresentarei a seguir fazem 1 As formações socioculturais parte dos argumentos que de sen vol vi nesse livro. Para compreender essas passagens de A bem da verdade, esse livro recente uma cultura à outra, que considero sutis, funciona como uma espécie de segundo tenho utilizado uma divisão das eras volume de um livro anterior, sob o título de culturais em seis tipos de formações: a Cultura das Mídias, cuja primeira edição cultura oral, a cultura escrita, a cultura foi lançada em 1992. Foi ousado para impressa, a cultura de massas, a cultura aquela época o título escolhido. Ousado das mídias e a cultura digital. Antes de não ape nas por que a palavra “mídias” tudo, deve ser de cla ra do que essas ainda não havia se disseminado, mas divisões estão pautadas na convicção prin ci pal men te porque devo confessar de que os meios de comunicação, desde que, naquele momento, não tinha perfeita o aparelho fonador até as redes digitais clareza do significado exato que estava atuais, não passam de meros canais dando para a ex pres são “cul tu ra das para a transmissão de informação. mídias”. Sabia que se tratava de formas Por isso mesmo, não devemos cair no culturais com uma lógica distinta da cultura equívoco de julgar que as transformações das massas, mas não podia ainda precisar culturais são devidas apenas ao advento sua natureza com exatidão. Foi a leitura, de novas tecnologias e novos meios de em 1997, do livro Culturas híbridas, de comunicação e cultura. São, isto sim, os Néstor Garcia Canclini (pu bli ca do em tipos de signos que circulam nesses meios, 1990, com tradução brasileira de 1997) os tipos de mensagens e processos de que trouxe uma primeira luz para precisar comunicação que neles se engendram minhas idéias. Depois disso, a explosão os verdadeiros responsáveis não só por cada vez mais impressionante das redes e moldar o pensamento e a sensibilidade a emergência indisfarçável da cibercultura dos seres humanos, mas também por ou cultura do virtual permitiram-me chegar propiciar o surgimento de novos ambientes a uma noção mais clara do sentido que, socioculturais. no início ainda obscuro, desejava imprimir Certamente, há algo de McLuhan para a expressão “cultura das mídias”. nes sa minha postulação. Entretanto, Hoje, com as idéias mais ajustadas, diferentemente de McLuhan, ou daquilo posso definir com mais precisão o que que se passou a se considerar como sendo tenho entendido por cultura das mídias. mcluh ni a no, creio que devemos tirar a Ela não se confunde nem com a cultura ênfase que se costuma colocar nos meios e de massas, de um lado, nem com a cultura nas mídias em si para trazer à baila outras virtual ou cibercultura de outro. É, isto sim, determinações que tendem a ser ocultadas uma cultura intermediária, situada entre pelo fetiche das mídias. Entre essas ambas. Quer dizer, a cultura virtual não determinações, aquela que é central à brotou diretamente da cultura de massas, comunicação e à cultura é a determinação mas foi sendo semeada por processos da linguagem. de produção, distribuição e consumo Nem mesmo McLuhan, com sua comunicacionais a que chamo de “cultura célebre provocação O meio é a mensagem das mídias”. Esses processos são distintos (1964), tão criticada há algumas décadas da lógica massiva e vieram fertilizando e hoje trans for ma da em axioma para gra da ti va men te o terreno sociocultural todos os “plugados”, chegou ao nível de para o surgimento da cultura virtual ora em obliteração da linguagem que o fetiche das curso. mídias tem alcançado. Ao contrário, com sua afirmação, McLuhan estava justamente se desviando da tendência comum nas 24 Revista FAMECOS • Porto Alegre • nº 22 • dezembro 2003 • quadrimestral
  • 3. teorias da comunicação de sua época, que cima, considerar que as mediações sociais separavam, de um lado, o modo como a vêm das mídias em si é incorrer em uma mensagem é transmitida, de outro lado, ingenuidade e equívoco epistemológicos o conteúdo da mensagem. Ao colocar básicos, pois a mediação primeira não vem ênfase nos meios, McLuhan insistia na das mídias, mas dos signos, linguagem e impossibilidade de se separar a mensagem pensamento, que elas veiculam (Santaella, do meio, pois a mensagem é determinada 1992 [2003a], p. 222-230). muito mais pelo meio que a veicula do que O segundo aspecto fundamental que pelas intenções de seu autor. Portanto, em o fe ti che das mídias oblitera encontra- vez de serem duas funções separadas, o se no fato de que quaisquer mídias, em meio é a mensagem (Lunenfeld, 1999a, p. função dos processos de comunicação que 130). propiciam, são inseparáveis das formas Do mesmo modo que essa frase de de socialização e cultura que são capazes McLuhan foi denegrida pelos amantes dos de criar, de modo que o advento de cada conteúdos semânticos, sem que esses novo meio de comunicação traz consigo crí ti cos tivessem se dado ao trabalho um ciclo cultural que lhe é próprio e que de bem compreendê-la, hoje se fala fica impregnado de todas as contradições de mídia de maneira atabalhoada, sem que caracterizam o modo de produção a preocupação e compromisso com o econômica e as conseqüentes injunções escrutínio das complexidades semióticas políticas em que um tal ciclo cultural toma que as constituem. corpo. Considerando-se que as mídias são Ora, mídias são meios, e meios, como conformadoras de novos ambientes sociais, o pró prio nome diz, são simplesmente pode-se estudar sociedades cuja cultura se meios, isto é, suportes materiais, canais molda pela oralidade, então pela escrita, físicos, nos quais as linguagens se mais tarde pela explosão das imagens na corporificam e através dos quais transitam. revolução industrial-eletrônica etc. Por isso mesmo, o veículo, meio ou mídia Tendo isso em vista, cumpre ainda de co mu ni ca ção é o componente mais alertar para uma outra questão. Embora superficial, no sentido de ser aquele que a divisão que estabeleço de seis eras primeiro aparece no processo comunicativo. culturais refira-se, de fato, a eras, prefiro Não obstante sua relevância para o estudo também chamá-las de formações culturais desse processo, veículos são meros canais, para transmitir a idéia de que não se trata aí tecnologias que estariam esvaziadas de de períodos culturais lineares, como se uma sentido não fossem as mensagens que era fosse desaparecendo com o surgimento nelas se configuram. Conseqüentemente, da próxima. Ao contrário, há sempre um processos co mu ni ca ti vos e formas de processo cumulativo de complexificação: cultura que nelas se realizam devem uma nova formação comunicativa e cultural pressupor tanto as diferentes linguagens vai se integrando na anterior, provocando e sistemas sígnicos que se configuram nela reajustamentos e refuncionalizaçõe dentro dos veículos em consonância com o s. É certo que alguns elementos sempre potencial e limites de cada veículo quanto desaparecem, por exemplo, um tipo de devem pressupor também as misturas entre suporte que é substituído por outro, como linguagens que se realizam nos veículos no caso do papiro, ou um aparelho que híbridos de que a televisão e, muito mais, a é substituído por outro mais eficiente, o hipermídia são exemplares. caso do telégrafo. É certo também que, Embora sejam responsáveis pelo em cada período histórico, a cultura fica crescimento e multiplicação dos códigos sob o domínio da técnica ou da tecnologia e lin gua gens, meios continuam sendo de comunicação mais recente. Contudo, meios. Deixar de ver isso e, ainda por esse domínio não é suficiente para asfixiar Revista FAMECOS • Porto Alegre • nº 22 • dezembro 2003 • quadrimestral 25
  • 4. os princípios semióticos que definem as quando se trata de interpretar fenômenos formações culturais preexistentes. Afinal, cuja complexidade nos desafia, a paciência a cultura comporta-se sempre como um do conceito é imprescindível. Isso não organismo vivo e, sobretudo, inteligente, significa recusar o caráter congenitamente com poderes de adaptação imprevisíveis e polissêmico dos nossos discursos, fruto da surpreendentes. natureza complexa e contraditória tanto A divisão em seis eras pode parecer das nossas mentes, de um lado, quanto ex ces si va, mas, se não as levarmos daquilo que chamamos de realidade, do em con si de ra ção, acabamos perdendo outro. Justamente o contrário, porque especificidades importantes e reveladoras. sabemos que há uma imprecisão congênita Por exem plo: a cultura impressa não em tudo que dizemos, nossos esforços, nasceu diretamente da cultura oral. Foi tanto de observação empírica quanto de antecedida por uma rica cultura da escrita clareza conceitual, devem se redobrar se não alfabética. A memória dessas escritas pretendemos trazer alguma contribuição trouxe gran des contribuições para a para a compreensão menos superficial da visualidade da arte moderna. Ela sobrevive complexidade que nos rodeia. na imaginação visual da profusão dos tipos gráficos hoje existentes. Sobrevive ainda nos processos diagramáticos do jornal, na 2 Da cultura das mídias à ciber-cultura visualidade da poesia, no design atual de páginas da Web. Enfim, de certa forma, Isso posto, passo a explicitar que ela continua viva porque ainda se preserva fe nô me nos tenho designado com na memória da espécie. Assim também, a expressão “cul tu ra das mídias”. embora a grande maioria dos autores Fenômenos, aliás, que só pude melhor esteja vendo a cibercultura na continuidade compreender après-coup, quando a cultura da cultura de mas sas, considero que digital ou cibercultura decididamente se o reconhecimento da fase transitória impôs. Por volta do início dos anos 80, entre elas, a saber, o reconhecimento da começaram a se intensificar cada vez mais cultura das mídias, é substancial para se os casamentos e misturas entre linguagens compreender a própria cibercultura. e meios, misturas essas que funcionam Com bastante imprecisão, muitos têm como um multiplicador de mí di as. se referido a todo o complexo contexto Estas produzem mensagens híbridas atual sob o nome de “cultura midiática”. como se pode encontrar, por exemplo, Essa generalização cobre o território com nos suplementos literários ou culturais uma cortina de fumaça. É claro que tudo especializados de jornais e revistas, nas é mídia, até mesmo o aparelho fonador. revistas de cultura, no radiojornal, telejornal Quais são elas, como se inserem na etc. dinâmica social, em quais delas o capital Ao mesmo tempo, novas sementes está investindo, como impõem sua lógica começaram a brotar no campo das mídias ao conjunto da cultura? São todas questões com o surgimento de equipamentos irrespondíveis se não fizermos o esforço e dis po si ti vos que possibilitaram o de precisar nossos conceitos. A confusão apa re ci men to de uma cultura do conceitual é proporcional à confusão dos disponível e do transitório: fotocopiadoras, modos como nos aparecem os fatos que videocassetes e aparelhos para gravação pretendemos com pre en der. O cultivo de vídeos, equipamentos do tipo walkman da ambigüidade e o es prai a men to das e walktalk, acom pa nha dos de uma neblinas de sentido são tarefas da poesia remarcável indústria de vi de o clips e que nos traz maneiras de sentir e ver videogames, juntamente com a expansiva que, sem ela, seriam impossíveis. Porém, indústria de filmes em vídeo para serem 26 Revista FAMECOS • Porto Alegre • nº 22 • dezembro 2003 • quadrimestral
  • 5. alugados nas videolocadoras, tudo isso p. 362-367) descreve em detalhes os culminando no surgimento da TV a cabo. processos que, a meu ver, constituem Essas tecnologias, equipamentos e as a cultura das mídias. Uma passagem, linguagens criadas para circularem neles citada pelo autor, extraída de um artigo de têm como principal característica propiciar F. Sabbah, escrito em 1985, é capaz de a escolha e consumo individualizados, em sintetizar à perfeição o perfil identificador oposição ao consumo massivo. São esses dessa formação cultural, como se segue: processos comunicativos que considero como cons ti tu ti vos de uma cultura das “Em resumo, a nova mídia determina mídias. Foram eles que nos arrancaram uma audiência segmentada, da inér cia da re cep ção de mensagens di fe ren ci a da que, embora maciça impostas de fora e nos treinaram para a em termos de números, já não é busca da informação e do entretenimento uma audiência de massa em termos que desejamos encontrar. Por isso mesmo, de si mul ta nei da de e uniformidade foram es ses meios e os processos de da mensagem re ce bi da. A nova recepção que eles en gen dram que mídia não é mais mídia de massa prepararam a sensibilidade dos usuários no sentido tradicional do envio de para a chegada dos meios digitais cuja um número limitado de mensagens marca principal está na busca dispersa, a uma audiência ho mo gê nea de alinear, fragmentada, mas certamente uma massa. Devido à multiplicação de busca individualizada da mensagem e da men sa gens e fontes, a própria informação. audiência torna-se mais seletiva. A A proliferação midiática, provocada audiência visada tende a escolher pelo surgimento de meios cujas suas mensagens, assim aprofundando mensagens tendem para a segmentação sua seg-mentação, intensificando e di ver si fi ca ção, e a hibridização das o relacionamento individual entre o mensagens, pro vo ca da pela mistura emissor e o receptor”. entre meios, foram sin crô ni cas aos acalorados debates dos anos 80 sobre 3 A cultura digital e a moeda a pós-modernidade. Por isso mesmo, corrente da informação em contraposição a alguns autores que consideram a pós-modernidade como a Enfim, cultura de massas, cultura das face identificadora da cibercultura, tenho mídias e cultura digital, embora convivam concebido as discussões sobre a pós- hoje em um imenso caldeirão de misturas, modernidade como sinais de alerta críticos apresentam cada uma delas caracteres para um período de mudanças profundas que lhes são próprios e que precisam ser que se insinuavam no seio da cultura e distinguidos, sob pena de nos perdermos que, naquele momento, anos 80, estavam em um labirinto de confusões. Uma sendo encubadas pela cultura das mídias e diferença gritante entre a cultura das mídias pelo hibridismo tanto nas artes quanto nos e a cultura digital, por exemplo, está no fato fenômenos comunicativos em geral que muito evidente de que, nesta última, está essa cultura propicia. ocorrendo a convergência das mídias, um Embora sem estabelecer as distinções fenômeno muito distinto da convivência das da cultura das mídias em relação à cultura mídias típica da cultura das mídias. de massas, de um lado, e a cultura digital, Se, de um lado, é preciso perceber de outro, no capítulo sobre “A cultura da distinções, de outro lado essas distinções virtualidade real”, no tópico sob o título não po dem nos levar a negligenciar o de “A nova mídia e a diversificação da fato de que hoje vivemos uma verdadeira au di ên cia de massas”, Castells (2000, con fra ter ni za ção geral de todas as Revista FAMECOS • Porto Alegre • nº 22 • dezembro 2003 • quadrimestral 27
  • 6. formas de co mu ni ca ção e de cultura, dependem do computador e das redes de em um caldeamento denso e híbrido: a telecomunicação, estes, na verdade, os comunicação oral que ainda persiste com grandes pivôs de toda essa história. força, a escrita, no design, por exemplo, a Diante disso, Lunenfeld (1999b) cultura de massas que também tem seus deve estar com a razão quando diz que pontos positivos, a cul tu ra das mídias, não importa o quanto as mídias digitais que é uma cultura do dis po ní vel, e a podem, à primeira vista, assemelhar-se às cibercultura, a cultura do acesso. Mas é a mídias analógicas - foto, cinema, vídeo etc. convergência das mídias, na coexistência -, elas são fundamentalmente diferentes com a cultura de massas e a cultura das delas. Por isso mesmo, os teóricos da mídias, estas últimas em plena atividade, comunicação, cultura e sociedade devem que tem sido responsável pelo nível de fazer um esforço para criar modelos de exacerbação que a produção e circulação análise ade qua dos a essa emergência da informação atingiu nos nossos dias que transcendam os modelos que eram e que é uma das marcas registradas da aplicáveis a mídias anteriores e que cultura digital. transcendam prin ci pal men te os refrões De fato, como afirma Hayles (1996b, sobre consumo e recepção, típicos da era p. 259, 270), a informação se tornou a televisiva. grande palavra de ordem, circulando como Questões resultantes da maneira moeda corrente. Genética, assuntos de como o computador está recodificando guerra, en tre te ni men to, comunicações, as linguagens, as mídias, as formas de produção de grãos e cifras do mercado arte e estéticas anteriores, assim como financeiro es tão entre os setores da criando suas próprias, a relação entre sociedade que passam por uma revolução imersão e velocidade, a dinâmica frenética provocada pela en tra da no paradigma da WWW, com seus sites que pipocam e informacional. Uma diferença significante desaparecem como flores no deserto, a entre informação e bens du rá veis está vida ciborg, o potencial das tecnologias vs. na replicabilidade. Informação não é uma a viabilidade do mercado, os mecanismos quantidade conservada. Se eu lhe dou de distribuição, a dinâmica social dos informação, você a tem e eu tam bém. usuários, a contextualização desses novos Passa-se aí da posse para o acesso. Este processos de comunicação nas sociedades difere da posse porque o acesso vasculha do capitalismo globalizado são alguns dos padrões em lugar de presenças. temas que aparecem na ponta do iceberg, É por essa razão que a era digital deixando entrever as complexidades que aí vem sendo também chamada de cultura residem. do acesso, uma formação cultural está Realmente, essas complexidades nos colocando não só no seio de uma têm cha ma do a atenção de muitos revolução técnica, mas também de uma estudiosos, tam bém no Brasil, onde sublevação cultural cuja propensão é se alguns têm lançado alarmes críticos em alastrar tendo em vista que a tecnologia relação às con se qü ên ci as filosóficas, dos computadores tende a ficar cada vez psíquicas e político-sociais da era digital mais barata. Do mi na da pelo microchip, (para nos limitarmos aos livros, ver, por essa tecnologia dobra aproximadamente exemplo, Rüdiger, 2002; Trivinho, 1999, de poder a cada 12 a 18 meses. À medida 2001), enquanto outros têm apresentado que cresce seu poder, seu preço declina e panoramas detalhados das no vas seu mercado aumenta. Esse crescimento paisagens ciber, colocando-nos a par das é um indicador fun da men tal por que a raízes históricas e das linhas de força produção, o arquivamento e a circulação comunicacionais e socioculturais que lhes da moeda corrente da in for ma ção são próprias (ver, por exemplo, Lemos, 28 Revista FAMECOS • Porto Alegre • nº 22 • dezembro 2003 • quadrimestral
  • 7. 2002a, 2002b; Costa 2002). No panorama “Nenhuma dessas três posições nos ajuda internacional, o número de estudos sobre o a fazer sentido do que está acontecendo”, assunto cresce assombrosamente a cada Heim conclui. dia, o que torna praticamente impossível Para que possamos enfrentar qualquer tentativa de levantamento do os de sa fi os do presente, ele propõe a estado da arte dessa questão. O que se posição dialética de um realismo virtual pode delinear, de modo muito simplificado, como posição mediadora entre o realismo são algumas tendências que têm marcado ingênuo e o ide a lis mo das redes. “Só esses estudos. assim se pode sustentar a oposição como a polaridade que continuamente produz as faíscas do diálogo, e o diálogo é a vida 4 Reações à ciberealidade do ciberespaço.” (ibid., p. 41) “O realismo virtual vai ao encontro do destino sem Uma avaliação detalhada das reações que ficar cego às perdas que o progresso traz.” a ciberealidade tem provocado em seus (ibid., p. 45) comentadores foi feita por Heim (1999, p. Esse texto de Heim está 31-45). Para ele, o impacto do computador prioritariamente voltado para uma avaliação sobre a cultura e a economia tem dividido das posições, digamos, epistemológicas os críticos em três tipos de reação. De um que têm sido assumidas frente ao mundo lado, os realistas ingênuos. Estes tomam digital. O que fal ta nessa avaliação é a re a li da de como aquilo que pode ser alguma indicação do conteúdo das críticas experienciado imediatamente e alinham os que são levantadas pelos comentadores, computadores com os poluidores que são sempre realistas, mas nem sempre tão jogados no terreno da experiência pura, ingênuos quanto o retrato de Heim os não mediatizada. Quando dá voz a suas pintou. inquietações, o realista ingênuo faz soar A maioria das críticas está preocupada alarmes que estão em agudo contraste com o fato - inolvidável - de que o mundo com os bons augúrios dos idealistas das digital nasceu e cresce no terreno das redes. Estes con si de ram o mundo das formações socioeconômicas e políticas do redes o melhor dos mundos e apontam capitalismo globalizado. Do que reclamam para os ganhos evolutivos da espécie. “São os críticos? Da separação que muitas otimistas e, nos maus dias, exibem uma apreciações sobre a era digital estabelecem felicidade preocupada.” Para o autor (ibid., en tre o mundo lá fora, esquecido, e o p. 38), tanto os realistas ingênuos quanto mundo virtual, como se a turbulência os idealistas são os dois lados da mesma social e política do nosso tempo - o conflito moeda. “Enquanto o idealista avança com étnico, o ressurgimento do nacionalismo, a otimismo sem reservas, o realista pisa para fragmentação urbana, a miséria e a fome trás movido pelo desejo de nos assentar nas periferias do mundo - não tivesse nada fora da tecnologia.” a ver com o espaço virtual (Robins, 2000, Além dos realistas e idealistas, p. 79). Heim encontra um terceiro grupo, o dos Querem, portanto, chamar atenção céticos. Convictos de que as tentativas para a evidência de que, mesmo que o para compreender o processo, não importa ciberespaço possa ser significantemente quão inteligentes elas possam ser, são di fe ren te de outras mídias culturais, inócuas, eles insistem que o ciberespaço seus pro gra mas, re a li da des virtuais e está atra ves san do um processo de experiências dos usu á ri os estão tão nascimento muito confuso. Trata-se de um firmemente en rai za dos no capitalismo ceticismo que resulta em uma atitude de contemporâneo quanto qual quer outra deixar acontecer para ver como é que fica. forma de cultura. “Aqueles que promovem Revista FAMECOS • Porto Alegre • nº 22 • dezembro 2003 • quadrimestral 29
  • 8. seu caráter revolucionário muitas vezes se cultura contemporânea - trabalho, arte, esquecem de considerar as dificuldades ciência e educação -, na verdade toda a de se transcender formas e convenções gama de interações sociais, é impensável.” culturais estabelecidas em tecnologias e (Aronowitz, 1995, p. 22) Buscar apagar práticas culturais que se originam nessa essa re a li da de através da denegação mesma cultura.” (Hayward, 1993, p. 187). implica, acima de tudo, uma recusa do Não obstante a relevância dessas pensamento. crí ti cas, não obstante também as A cibercultura, tanto quanto quaisquer constatações ins pi ra das e iluminadoras outros tipos de cultura, são criaturas de muitos da que les que, no dizer de humanas. Não há uma separação entre Heim, não passam de idealistas, o que uma forma de cultura e o ser humano. deve ser evitado, a meu ver, é a adesão Nós somos essas culturas. Elas moldam aos extremos. Na me di da em que as nossa sensibilidade e nossa mente, muito telecomunicações e os modos acelerados es pe ci al men te as tecnologias digitais, de transporte estão fazendo o planeta com pu ta ci o nais, que são tecnologias encolher cada vez mais, na medida mesma da inteligência, conforme foi muito bem em que se esfumam os parâmetros de desenvolvido por Lévy e De Kerckhove. tempo e espaço tradicionais, assume-se, Por isso mesmo, são tecnologias auto- via de regra, que as tecnologias são a evolutivas, pois as má qui nas estão medida de nossa salvação ou a causa de ficando cada vez mais inteligentes. Mas, nossa perdição. De um lado, celebrações tanto quanto posso ver, não há por que pós-modernas das tecnologias asseveram desenvolver medos apocalípticos a respeito que estas são tão benéficas que serão disso. As máquinas vão ficar cada vez ca pa zes de re a li zar proezas que os mais parecidas com o ser humano, e não discursos humanistas nunca conseguiram o contrário. É nessa direção que caminham atingir. De outro lado, elegias sobre a morte as pesquisas atuais em computação. Mas, da natureza e os perigos da automação e ao mesmo tempo, também não se trata de desumanização contrariam as expressões desenvolver ideologias salvacionistas a salvacionistas. respeito das tecnologias. Se elas são crias nossas, inevitavelmente carregam dentro de si nossas contradições e paradoxos. 5 Desafios do pós-humano Dentro desse espírito, as reflexões que desenvolvi no livro buscam contribuir No livro que publiquei recentemente, com sugestões de respostas às questões Culturas e artes do pós-humano. Da cultura que estão no centro da atenção daqueles das mídias à cibercultura, busquei evitar que têm sido movidos pelo desejo da os ex tre mos. Nem esposar cegamente pesquisa sobre os temas do ciberespaço, o “con su me ris mo” ou o apelo esnobe cibercultura e ciberarte: O que está do high tech, de um lado, nem cair nos acontecendo à in ter fa ce ser humano- lamentos nostálgicos, chorando a perda máquina e o que isso está significando do paraíso, de outro. De resto, o lamento para as comunicações e a cul tu ra do não traz nenhuma con se qü ên cia, além início do século 21? As respostas que de soar histérico, es pe ci al men te neste encontro para essas perguntas, respostas momento em que as novas relações entre são sempre tentativas em tempos de a tecnologia e os humanos se tornaram incerteza, pretendem repensar o humano sumamente complexas. “A tec no lo gia neste alvorecer do vir-a-ser tecnológico não apenas penetra nos eventos, mas do mundo. É justamente da necessidade se tornou um evento que não deixa nada desse repensamento que advém a intocado. É um ingrediente sem o qual a expressão pós-humano. Os meios para 30 Revista FAMECOS • Porto Alegre • nº 22 • dezembro 2003 • quadrimestral
  • 9. isso vou buscar na história das novas 6). Vem daí a im por tân cia que tenho tecnologias, da filosofia, da psicanálise, da dado às metamorfoses, no mais das comunicação e semiótica e, sobretudo, da vezes invisíveis, do corpo humano e às arte. transformações na sensibilidade que vêm De fato, a arte, não a arte que se sendo exploradas pelos artistas. con for ta no estabelecido, mas a arte Atendendo à sugestão de que cria problemas, tem sido para mim o Featherstone e Burrows (1996, p. 2), não território privilegiado para o exercício da são apenas as reconstituições da vida social ousadia do pensamento que não teme e da cultura que procuro levar em conta, abraçar sínteses, fazendo face aos enigmas mas também o impacto dessas mudanças e desafios do emergencial, um território no corpo hu ma no. É nesse aspecto privilegiado, en fim, para dar margem à que os de sen vol vi men tos tecnológicos imaginação que ausculta o presente, nele apontam para as pos si bi li da des de pressentindo o fu tu ro. É na ambiência formas de existência pós-humanas que, conjectural de uma reflexão pouco servil à no seu visionarismo, Roy Ascott (2003a) severidade das exigências superegóicas vem chamando de pós-bi o ló gi cas na que tenho desenvolvido minhas idéias. emergência de uma era úmida (moist) A hipótese que tem me norteado é que nascerá da junção do ser humano que, em tempos de mutação, há que ficar molhado (wet) com o silício seco (dry), perto dos artistas. Pelo simples fato de especialmente a partir do desenvolvimento que, pa ra fra se an do Lacan, eles sabem das nanotecnologias que, bem abaixo da sem saber que sabem. Semelhante a pele, passarão silenciosamente a interagir este, há um dictum de Goethe que vale com as moléculas do corpo humano. a pena mencionar: há um empirismo Estou ciente de que a expressão da sensibilidade que se identifica muito “pós-humano” é perturbadora. De fato, intimamente com o objeto e assim se torna, essa expressão pode trazer muitos mal- propriamente falando, teoria. É, de fato, en ten di dos. O primeiro significado que uma espécie de teoria não-verbal e poética costuma vir à mente das pessoas é o de que os artistas criam na sua aproximação que o humano já era, foi-se, perdeu-se no sensível dos enigmas do real. Por isso, golpe dos acontecimentos. Não se trata sou movida pela convicção de que, nesta disso. O termo pós-humano vem sendo entrada do terceiro ciclo evo lu ti vo da empregado especialmente por artistas ou espécie (argumento de Donald, 1991), teóricos da arte e da cultura desde o início te mos de prestar atenção no que os dos anos 90. A expressão tem sido usada artistas estão fazendo. Pressinto que são para sinalizar as grandes transformações eles que estão criando uma nova imagem que as novas tecnologias da comunicação do ser humano no vórtice de suas atuais estão trazendo para tudo o que diz respeito transformações. São os artistas que têm à vida humana, tanto no nível psíquico nos colocado frente a frente com a face quanto social e antropológico. Há alguns humana das tecnologias. autores que até defendem a idéia de A rápida evolução do computador que se trata de um passo evolutivo da com pa ra da com aquela de tecnologias espécie. Uso a expressão deliberada e an te ri o res, quando contrastada com a estrategicamente para cha mar atenção ausência de evolução na forma humana, para o fato de que não podemos nos furtar levou o teórico e artista da realidade virtual à reflexão sobre as modificações por que o Myron Krueger a prever que a interface ser humano vem passando, modificações última entre o computador e as pessoas não apenas mentais, mas tam bém estará vol ta da para o corpo humano e corporais, moleculares . os sentidos humanos (apud Hillis, 1999: Revista FAMECOS • Porto Alegre • nº 22 • dezembro 2003 • quadrimestral 31
  • 10. ______.Ciberensaios para o século XXI. Salvador: Edufba, Referências 2002b. ASCOTT, Roy. Telematic embrace: Visionary theories of LUNENFELD, Peter . “The medium and the message”. Em The art, technology, and consciousness. Berkeley: University of digital dialectic: New essays on new media. Peter Lunenfeld California Press, 2003. (ed.). Cambridge, MA: Mit Press, 1999a, p. 130-132. ARONOWITZ, Stanley. “Technology and the future of work”. ______. “Screen Grabs: The digital dialectics and new media Em Culture on the brink: Ideologies of technology, Gretchen theory”. Em The digital dialectic: New essays on new media. Bender e Timothy Druckrey (eds.). Seattle: Bay Press, 1995, Peter Lunenfeld (ed.). Cambridge, MA: Mit Press, xiv-xxi, p. 15-30. 1999b. CANCLINI, Néstor G. Culturas híbridas: Estrategias para MCLUHAN, M. Understanding Media: The extensions of man. entrar e salir de la modernidad. México: Grijalbo, 1990. Cambridge, MA: Mit Press, 1964. CASTELLS, Manuel. Sociedade em rede. Rio de Janeiro: Paz ROBINS, Kevin. “Cyberspace and the world we live in”. Em e Terra, 2000. The cibercultures reader, David Bell e Barbara M. Kennedy (eds.). London: Routledge, 2000, p. 77-95. COSTA, Rogério. Cultura digital. São Paulo: Publifolha, 2002. RÜDIGER, Francisco. Elementos para a crítica da cibercultura. DONALD, Merlin. Origins of the modern mind: Three stages in São Paulo: Hacker, 2002. the evolution of culture and cognition. Cambridge, MA: Harvard University Press, 1991. SANTAELLA, Lucia. Cultura das mídias. 4a. ed. São Paulo: Experimento, 1992 [2003a]. FEATHERSTONE, M. e Burrows, R. “Cultures of Technological Embodiment”. Introduction. Em Cyberspace/Cyberbodies/ ______. Culturas e artes do pós-humano: Da cultura das Cyberpunks. Cultures of Technological Embodiment, M. mídias à cibercultura. São Paulo: Paulus, 2003b. Featherstone e R. Burrows (eds.). London: Sage, 1996, p. 1-15. TRIVINHO, Eugênio. “Cyberspace: crítica da nova comunicação”. Tese de doutorado, ECA/Universidade de São HAYLES, Catherine. “Virtual bodies and flickering signifiers”. Paulo, 1999. Em Electronic Culture: Technology and Visual Representation, Timothy Druckrey (ed.), 1996, p. 259-277. ______. O mal-estar da teoria: a condição da crítica na sociedade tecnológica atual. Rio de Janeiro: Quartet, 2001. HAYWARD, Philip. “Situating cyberspace. The popularization of virtual reality”. Em Future visions: New technologies of the screen, P. Hayward e T. Wollen (eds.). Fakenham, Norfolk: BFI Publishing, 1996, p. 180-204. HEIM, Michael. “The cyberspace dialectic”. Em The digital dialectic: New essays on new media. Peter Lunenfeld (ed.). Cambridge, MA: The MIT Press, 1999, p. 25-45. HILLIS, Ken. Digital sensations: Space, identity, and embodiment in virtual reality. Minneapolis: University of Minnesota Press, 1999. LEMOS, André. Cibercultura. Tecnologia e vida social na cultura contemporânea. Porto Alegre: Sulina, 2002a. 32 Revista FAMECOS • Porto Alegre • nº 22 • dezembro 2003 • quadrimestral