SlideShare uma empresa Scribd logo
1 de 3
Baixar para ler offline
A poesia épica clássica

     Na poesia épica clássica surge, como eixo fundamental, o tema da viagem.
Assume formas diversas (aos Infernos, por mar, ao interior de si e dos outros).

       A Odisseia de Homero e a Eneida de Virgílio narram as viagens de regresso
de Tróia. A primeira de Ulisses, o herói grego que aspira – após a vitória sobre os
troianos – a regressar à sua Ítaca e a Penélope. A segunda de um vencido, Eneias,
para um recomeço e uma nova fundação – a de Roma.

        Em ambas as viagens, os heróis se defrontam com inúmeros perigos, um
deles, e os das violentas tempestades.

      Existem várias traduções para português, destacamos a de Frederico
Lourenço na Livros Cotovia (Odisseia de Homero). Este tradutor efectuou uma
adaptação para jovens. A Eneida de Virgílio foi traduzida recentemente por Luís
Cerqueira e Outros e editada pela Bertrand Editores.

               B – texto de F. Lourenço:

       “Trata-se, portanto, de um herói mais “humano”, mais perto de nós que o
colérico e sanguinário Aquiles, ou que o piedoso e cumpridor Eneias. Ulisses
mente, mata, sobrevive; abraça as múltiplas experiências que vêm ao seu
encontro; conhece o canto das Sereias e o leito de Circe; desce ao mundo dos
mortos e recebe, mais tarde (ou mais cedo, pela ordem por que nós lemos a
história), a oferta de nunca morrer: mas, essencialmente, é uma figura a quem as
circunstâncias, e não a sua própria natureza, conferem uma dimensão heróica. É
na superação desesperada dos perigos, nas ameaças que lhe surgem na luta pela
sobrevivência, que nos identificamos com ele – e isto de uma maneira primária,
inexplicável, que determina porque se tenha sempre projectado em Ulisses a
essência do Homem Mediterrânico, logo, pela cultura, do Homem Ocidental.

        Daí que se encontrem novos Ulisses em todo o tipo de narrativa posterior,
desde a literatura ao cinema. E aqui não é só a Os Lusíadas ou a Ulysses de James
Joyce que me quero referir. Ulisses é a matriz de grande parte das narrativas
modernas de consumo rápido, quer falemos de Indiana Jones ou de ficção
científica. Aliás, o autor espanhol Arturo Pérez-Reverte chegou a justificar o seu
estatuto de bestseller internacional dizendo que “a história que eu queria contar
era a história de Ulisses. Todas as minhas personagens são Ulisses, são todos
soldados perdidos em território inimigo e num mar hostil”(Público, Suplemento
Mil Folhas, 2-11-2002).”
         Homero, Odisseia, (tradução de Frederico Lourenço), introdução, Lisboa: Livros Cotovia, 2004, p.
                                                                                                     14

... a narração das viagens de Ulisses pelo próprio, uma opção de eficácia
espantosa, a que Virgílio e Camões não haveriam de permanecer insensíveis.

       Homero, Odisseia, (tradução de Frederico Lourenço), introdução, Lisboa:
Livros Cotovia, 2004, p. 19 (observação de F Lourenço sobre a narração de
Ulisses e do aedo Demódoco ao rei dos Feaces nos cantos VII,VIII e IX da
Odisseia)
Excerto da Odisseia:

Entre eles quem falou primeiro foi Arete de alvos braços:

reconhecera a capa e a túnica, assim que olhara para as belas

roupas de Ulisses, pois com as suas servas ela própria as tecera.

Então falando dirigiu-lhe palavras apetrechadas de asas:

“Estrangeiro, deixa-me colocar-te primeiro esta pergunta.

Quem és tu? E quem te ofereceu as roupas que vestes?

Não disseste que foi vagueando pelo mar que aqui chegaste?

Respondendo-lhe assim falou o astucioso Ulisses:

“seria difícil, ó rainha, narrar os males de modo contínuo,

visto que os deuses celestes mos deram prodigamente.

Mas responderei àquilo que interrogas e perguntas.

Ogígia é uma ilha lá longe no meio do mar.

Aí vive a filha de Atlas, a ardilosa Calipso

de belas tranças, terrível deusa. Nenhum dos deuses

com ela se relaciona, nem nenhum dos homens mortais.

Mas o destino me levou até à lareira da deusa, sozinho;

Pois com o seu relâmpago incandescente Zeus me atingira

a nau veloz, e a estilhaçara no meio do mar cor de vinho.

Foi então que pereceram todos os valentes companheiros,

mas eu fiquei agarrado à quilha da nau recurva e fui levado

durante nove dias. Quando sobreveio a décima noite negra,

fizeram os deuses que eu chegasse à ilha de Ogígia, onde vive

Calipso de belas tranças, terrível deusa. Ela acolheu-me;

com gentileza me estimou e alimentou. Prometeu-me

a imortalidade, para que eu vivesse isento de velhice.

Mas nunca convenceu o coração dentro do meu peito.

Aí fiquei durante sete anos, e sempre humedecia
com lágrimas as vestes imortais que me dera Calipso.

Mas quando, volvido o seu curso, chegou o oitavo ano,

foi então que ela me ordenou e incitou a partir,

ou por ordem de Zeus, ou porque assim ela pensara.

Mandou-me embora numa jangada bem atada, e deu-me

muitas coisas: pão, vinho doce, e vestes imortais.

Fez soprar um vento favorável, suave e sem perigo.

Durante dezassete dias naveguei sobre o mar;

No décimo oitavo dia apareceram as montanhas sombrias

da vossa terra: alegrou-se à sua vista o coração deste homem

malfadado: pois na verdade eu estava prestes a sofrer algo

de terrível que contra mim mandara Posídon, Sacudidor da Terra.

Agitou os ventos, assim atacando o meu percurso; encrespou

o mar de modo indizível, a ponto das ondas não deixarem

que eu fosse levado, gemendo sem cessar, pela jangada,

que seria despedaçada pela tempestade. Mas eu atravessei

a nado o grande abismo do mar, até que atingisse

a vossa terra, levado pelo vento e pelo mar.

Mas ao tentar sair da água, as ondas atiravam-me contra a costa,

contra os grandes rochedos, sítio que nada tinha de aprazível.

Recuei e pus-me de novo a nadar, até que cheguei

a um rio, que me pareceu o melhor sítio:

livre de rochas; abrigado do vento.

Reunindo todas as minhas forças, saí da água, e logo

sobreveio a noite imortal, Afastando-me do rio pelo céu

alimentado, deitei-me num canavial, pondo folhas

por cima do corpo, e sobre mim derramou o deus um sono

sem limites.
   Homero, Odisseia, (tradução de Frederico Lourenço), introdução, Lisboa: Livros Cotovia, 2004,
                                                                             Canto VII, 233-283

Mais conteúdo relacionado

Mais procurados

Mais procurados (19)

Versão joao de barros
Versão joao de barrosVersão joao de barros
Versão joao de barros
 
Auto da barca do inferno enforcado
Auto da barca do inferno enforcadoAuto da barca do inferno enforcado
Auto da barca do inferno enforcado
 
Aquiles
AquilesAquiles
Aquiles
 
Enforcado
EnforcadoEnforcado
Enforcado
 
D9 abi 137_c11_enforcado
D9 abi 137_c11_enforcadoD9 abi 137_c11_enforcado
D9 abi 137_c11_enforcado
 
Christian jacq barragem no nilo
Christian jacq barragem no niloChristian jacq barragem no nilo
Christian jacq barragem no nilo
 
A diligência do além – davis
A diligência do além – davisA diligência do além – davis
A diligência do além – davis
 
O Enforcado - Gil Vicente
O Enforcado - Gil VicenteO Enforcado - Gil Vicente
O Enforcado - Gil Vicente
 
Os Lusíadas
Os LusíadasOs Lusíadas
Os Lusíadas
 
Conto
ContoConto
Conto
 
O Mostrengo
O MostrengoO Mostrengo
O Mostrengo
 
Inês de castro
Inês de castroInês de castro
Inês de castro
 
O auto da barca do inferno cena sobre o enforcado
O auto da barca do inferno cena sobre o enforcadoO auto da barca do inferno cena sobre o enforcado
O auto da barca do inferno cena sobre o enforcado
 
Enforcado
EnforcadoEnforcado
Enforcado
 
Vanguarda poética
Vanguarda poéticaVanguarda poética
Vanguarda poética
 
O enforcado
O enforcadoO enforcado
O enforcado
 
O espelho e a máscara
O espelho e a máscaraO espelho e a máscara
O espelho e a máscara
 
Sugestão de atividade de leitura e escrita (1)
Sugestão de atividade de leitura e escrita (1)Sugestão de atividade de leitura e escrita (1)
Sugestão de atividade de leitura e escrita (1)
 
Poema Andreia
Poema AndreiaPoema Andreia
Poema Andreia
 

Destaque

Resenhas críticas das obras literárias da ufsc –
Resenhas críticas das obras literárias da ufsc –Resenhas críticas das obras literárias da ufsc –
Resenhas críticas das obras literárias da ufsc –belschlatter
 
Camões e o classicismo português
Camões e o classicismo portuguêsCamões e o classicismo português
Camões e o classicismo portuguêsJosé Vaz
 
Resenhaacadmica 100907142029-phpapp02
Resenhaacadmica 100907142029-phpapp02Resenhaacadmica 100907142029-phpapp02
Resenhaacadmica 100907142029-phpapp02Jonathan Pires
 
Resenha do filme Mauá
Resenha do filme MauáResenha do filme Mauá
Resenha do filme Mauánaiararohling
 
Resenha do Artigo Ciéntifico: Implementação, Avaliação e Validação de Algorit...
Resenha do Artigo Ciéntifico: Implementação, Avaliação e Validação de Algorit...Resenha do Artigo Ciéntifico: Implementação, Avaliação e Validação de Algorit...
Resenha do Artigo Ciéntifico: Implementação, Avaliação e Validação de Algorit...Rafaela Zanin Ferreira
 
Resenha crítica sobre o livro a arte do planejamento verdades, mentiras e p...
Resenha crítica sobre o livro a arte do planejamento   verdades, mentiras e p...Resenha crítica sobre o livro a arte do planejamento   verdades, mentiras e p...
Resenha crítica sobre o livro a arte do planejamento verdades, mentiras e p...Angela Albarello Tolfo
 
Resenha crítica sobre o artigo liderança, poder e comportamento organizacional
Resenha crítica sobre o artigo liderança, poder e comportamento organizacionalResenha crítica sobre o artigo liderança, poder e comportamento organizacional
Resenha crítica sobre o artigo liderança, poder e comportamento organizacionalWillian Fellipe
 
EXEMPLO DE RESENHA CRITICA
EXEMPLO DE RESENHA CRITICAEXEMPLO DE RESENHA CRITICA
EXEMPLO DE RESENHA CRITICALarissa Gomes
 
Resenha acadêmica
Resenha acadêmicaResenha acadêmica
Resenha acadêmicamegainfoin
 
Camões Lírico (10.ºano/Português)
Camões Lírico (10.ºano/Português)Camões Lírico (10.ºano/Português)
Camões Lírico (10.ºano/Português)Dina Baptista
 
Resenha crítica modelo
Resenha crítica   modeloResenha crítica   modelo
Resenha crítica modelotaise_paz
 

Destaque (17)

Resenhas críticas das obras literárias da ufsc –
Resenhas críticas das obras literárias da ufsc –Resenhas críticas das obras literárias da ufsc –
Resenhas críticas das obras literárias da ufsc –
 
Camões e o classicismo português
Camões e o classicismo portuguêsCamões e o classicismo português
Camões e o classicismo português
 
Resenhaacadmica 100907142029-phpapp02
Resenhaacadmica 100907142029-phpapp02Resenhaacadmica 100907142029-phpapp02
Resenhaacadmica 100907142029-phpapp02
 
02 -resenha_crítica
02  -resenha_crítica02  -resenha_crítica
02 -resenha_crítica
 
Resenha do filme Mauá
Resenha do filme MauáResenha do filme Mauá
Resenha do filme Mauá
 
Resenha de filme pdf
Resenha de filme   pdfResenha de filme   pdf
Resenha de filme pdf
 
Resenha do Artigo Ciéntifico: Implementação, Avaliação e Validação de Algorit...
Resenha do Artigo Ciéntifico: Implementação, Avaliação e Validação de Algorit...Resenha do Artigo Ciéntifico: Implementação, Avaliação e Validação de Algorit...
Resenha do Artigo Ciéntifico: Implementação, Avaliação e Validação de Algorit...
 
Resenha crítica sobre o livro a arte do planejamento verdades, mentiras e p...
Resenha crítica sobre o livro a arte do planejamento   verdades, mentiras e p...Resenha crítica sobre o livro a arte do planejamento   verdades, mentiras e p...
Resenha crítica sobre o livro a arte do planejamento verdades, mentiras e p...
 
Quinhentismo no Brasil 2.0
Quinhentismo no Brasil 2.0Quinhentismo no Brasil 2.0
Quinhentismo no Brasil 2.0
 
Resenha crítica sobre o artigo liderança, poder e comportamento organizacional
Resenha crítica sobre o artigo liderança, poder e comportamento organizacionalResenha crítica sobre o artigo liderança, poder e comportamento organizacional
Resenha crítica sobre o artigo liderança, poder e comportamento organizacional
 
Classicismo
ClassicismoClassicismo
Classicismo
 
EXEMPLO DE RESENHA CRITICA
EXEMPLO DE RESENHA CRITICAEXEMPLO DE RESENHA CRITICA
EXEMPLO DE RESENHA CRITICA
 
Resenha pronta
Resenha prontaResenha pronta
Resenha pronta
 
Resenha acadêmica
Resenha acadêmicaResenha acadêmica
Resenha acadêmica
 
Camões Lírico (10.ºano/Português)
Camões Lírico (10.ºano/Português)Camões Lírico (10.ºano/Português)
Camões Lírico (10.ºano/Português)
 
AULA 08 - RESENHA CRÍTICA - PRONTA
AULA 08 - RESENHA CRÍTICA - PRONTAAULA 08 - RESENHA CRÍTICA - PRONTA
AULA 08 - RESENHA CRÍTICA - PRONTA
 
Resenha crítica modelo
Resenha crítica   modeloResenha crítica   modelo
Resenha crítica modelo
 

Semelhante a Poesia épica clássica viagem

QUANDO A MORTE VEM DO MAR: MEDOS E MONSTROS NA ATENAS DO PERÍODO CLÁSSICO
QUANDO A MORTE VEM DO MAR: MEDOS E MONSTROS NA ATENAS DO PERÍODO CLÁSSICOQUANDO A MORTE VEM DO MAR: MEDOS E MONSTROS NA ATENAS DO PERÍODO CLÁSSICO
QUANDO A MORTE VEM DO MAR: MEDOS E MONSTROS NA ATENAS DO PERÍODO CLÁSSICOTabernaDoGuerreiro
 
10ºano Luís de Camões - parte A
10ºano Luís de Camões - parte A10ºano Luís de Camões - parte A
10ºano Luís de Camões - parte ALurdes Augusto
 
O RAPTO DE EUROPA: Uma comparação entre Ovídio e Ticiano / The Rape of Europa...
O RAPTO DE EUROPA: Uma comparação entre Ovídio e Ticiano / The Rape of Europa...O RAPTO DE EUROPA: Uma comparação entre Ovídio e Ticiano / The Rape of Europa...
O RAPTO DE EUROPA: Uma comparação entre Ovídio e Ticiano / The Rape of Europa...marciothamos
 
O velho do restelo - Lusíadas
O velho do restelo - LusíadasO velho do restelo - Lusíadas
O velho do restelo - LusíadasJoão Baptista
 
Lusíadas - Episódio do Adamastor
Lusíadas - Episódio do AdamastorLusíadas - Episódio do Adamastor
Lusíadas - Episódio do Adamastorcristianavieitas
 
PINHO_Davi - POR UMA POÉTICA DA ANDROGINIA EM VIRGINIA WOOLF – Revista Z Cult...
PINHO_Davi - POR UMA POÉTICA DA ANDROGINIA EM VIRGINIA WOOLF – Revista Z Cult...PINHO_Davi - POR UMA POÉTICA DA ANDROGINIA EM VIRGINIA WOOLF – Revista Z Cult...
PINHO_Davi - POR UMA POÉTICA DA ANDROGINIA EM VIRGINIA WOOLF – Revista Z Cult...IvaMinLee
 
Análise de o desertor, de silva alvarenga
Análise de o desertor, de silva alvarengaAnálise de o desertor, de silva alvarenga
Análise de o desertor, de silva alvarengama.no.el.ne.ves
 
Os Lusíadas - Estrutura e resumo.pdf
Os Lusíadas - Estrutura e resumo.pdfOs Lusíadas - Estrutura e resumo.pdf
Os Lusíadas - Estrutura e resumo.pdfPaula Vieira
 

Semelhante a Poesia épica clássica viagem (20)

A Odisséia de Homero
A Odisséia de Homero A Odisséia de Homero
A Odisséia de Homero
 
QUANDO A MORTE VEM DO MAR: MEDOS E MONSTROS NA ATENAS DO PERÍODO CLÁSSICO
QUANDO A MORTE VEM DO MAR: MEDOS E MONSTROS NA ATENAS DO PERÍODO CLÁSSICOQUANDO A MORTE VEM DO MAR: MEDOS E MONSTROS NA ATENAS DO PERÍODO CLÁSSICO
QUANDO A MORTE VEM DO MAR: MEDOS E MONSTROS NA ATENAS DO PERÍODO CLÁSSICO
 
Resumo dos cap i ii xiii xiv
Resumo dos cap i ii xiii xivResumo dos cap i ii xiii xiv
Resumo dos cap i ii xiii xiv
 
Resumo dos cap i ii xiii xiv
Resumo dos cap i ii xiii xivResumo dos cap i ii xiii xiv
Resumo dos cap i ii xiii xiv
 
Luís vaz de camões (1524 – 1580
Luís vaz de camões (1524 – 1580Luís vaz de camões (1524 – 1580
Luís vaz de camões (1524 – 1580
 
A perfeição.docx
A perfeição.docxA perfeição.docx
A perfeição.docx
 
10ºano Luís de Camões - parte A
10ºano Luís de Camões - parte A10ºano Luís de Camões - parte A
10ºano Luís de Camões - parte A
 
Mar e literatura
Mar e literaturaMar e literatura
Mar e literatura
 
O RAPTO DE EUROPA: Uma comparação entre Ovídio e Ticiano / The Rape of Europa...
O RAPTO DE EUROPA: Uma comparação entre Ovídio e Ticiano / The Rape of Europa...O RAPTO DE EUROPA: Uma comparação entre Ovídio e Ticiano / The Rape of Europa...
O RAPTO DE EUROPA: Uma comparação entre Ovídio e Ticiano / The Rape of Europa...
 
O velho do restelo - Lusíadas
O velho do restelo - LusíadasO velho do restelo - Lusíadas
O velho do restelo - Lusíadas
 
Lusíadas - Episódio do Adamastor
Lusíadas - Episódio do AdamastorLusíadas - Episódio do Adamastor
Lusíadas - Episódio do Adamastor
 
PINHO_Davi - POR UMA POÉTICA DA ANDROGINIA EM VIRGINIA WOOLF – Revista Z Cult...
PINHO_Davi - POR UMA POÉTICA DA ANDROGINIA EM VIRGINIA WOOLF – Revista Z Cult...PINHO_Davi - POR UMA POÉTICA DA ANDROGINIA EM VIRGINIA WOOLF – Revista Z Cult...
PINHO_Davi - POR UMA POÉTICA DA ANDROGINIA EM VIRGINIA WOOLF – Revista Z Cult...
 
Análise de o desertor, de silva alvarenga
Análise de o desertor, de silva alvarengaAnálise de o desertor, de silva alvarenga
Análise de o desertor, de silva alvarenga
 
Navio Negreiro Castro Alves
Navio Negreiro   Castro AlvesNavio Negreiro   Castro Alves
Navio Negreiro Castro Alves
 
02 traducao -_pound_-_villa
02 traducao -_pound_-_villa02 traducao -_pound_-_villa
02 traducao -_pound_-_villa
 
Os Lusíadas - Estrutura e resumo.pdf
Os Lusíadas - Estrutura e resumo.pdfOs Lusíadas - Estrutura e resumo.pdf
Os Lusíadas - Estrutura e resumo.pdf
 
3bimestral texto
3bimestral texto3bimestral texto
3bimestral texto
 
Marco gustavo
Marco gustavoMarco gustavo
Marco gustavo
 
As Troianas - Eurípedes
As Troianas - EurípedesAs Troianas - Eurípedes
As Troianas - Eurípedes
 
Ulisses 6º b
Ulisses 6º bUlisses 6º b
Ulisses 6º b
 

Último

O-P-mais-importante.pptx de Maria Jesus Sousa
O-P-mais-importante.pptx de Maria Jesus SousaO-P-mais-importante.pptx de Maria Jesus Sousa
O-P-mais-importante.pptx de Maria Jesus SousaTeresaCosta92
 
arte retrato de um povo - Expressão Cultural e Identidade Nacional
arte retrato de um povo - Expressão Cultural e Identidade Nacionalarte retrato de um povo - Expressão Cultural e Identidade Nacional
arte retrato de um povo - Expressão Cultural e Identidade Nacionalidicacia
 
PROJETO DE EXTENSÃO - SEGURANÇA, INOVAÇÃO E SUSTENTABILIDADE PARA O BEM COMUM...
PROJETO DE EXTENSÃO - SEGURANÇA, INOVAÇÃO E SUSTENTABILIDADE PARA O BEM COMUM...PROJETO DE EXTENSÃO - SEGURANÇA, INOVAÇÃO E SUSTENTABILIDADE PARA O BEM COMUM...
PROJETO DE EXTENSÃO - SEGURANÇA, INOVAÇÃO E SUSTENTABILIDADE PARA O BEM COMUM...Colaborar Educacional
 
QUIZ - GEOGRAFIA - 8º ANO - FASES DO CAPITALISMO.pptx
QUIZ - GEOGRAFIA - 8º ANO - FASES DO CAPITALISMO.pptxQUIZ - GEOGRAFIA - 8º ANO - FASES DO CAPITALISMO.pptx
QUIZ - GEOGRAFIA - 8º ANO - FASES DO CAPITALISMO.pptxAntonioVieira539017
 
aula 1.pptx Ementa e Plano de ensino Filosofia
aula 1.pptx Ementa e  Plano de ensino Filosofiaaula 1.pptx Ementa e  Plano de ensino Filosofia
aula 1.pptx Ementa e Plano de ensino FilosofiaLucliaResende1
 
EBOOK LINGUAGEM GRATUITO EUDCAÇÃO INFANTIL.pdf
EBOOK LINGUAGEM GRATUITO EUDCAÇÃO INFANTIL.pdfEBOOK LINGUAGEM GRATUITO EUDCAÇÃO INFANTIL.pdf
EBOOK LINGUAGEM GRATUITO EUDCAÇÃO INFANTIL.pdfIBEE5
 
A Congregação de Jesus e Maria, conhecida também como os Eudistas, foi fundad...
A Congregação de Jesus e Maria, conhecida também como os Eudistas, foi fundad...A Congregação de Jesus e Maria, conhecida também como os Eudistas, foi fundad...
A Congregação de Jesus e Maria, conhecida também como os Eudistas, foi fundad...Unidad de Espiritualidad Eudista
 
Como fazer um Feedback Eficaz - Comitê de Gestores
Como fazer um Feedback Eficaz - Comitê de GestoresComo fazer um Feedback Eficaz - Comitê de Gestores
Como fazer um Feedback Eficaz - Comitê de GestoresEu Prefiro o Paraíso.
 
Trabalho DAC História 25 de Abril de 1974
Trabalho DAC História 25 de Abril de 1974Trabalho DAC História 25 de Abril de 1974
Trabalho DAC História 25 de Abril de 1974AnaRitaFreitas7
 
Poder do convencimento,........... .
Poder do convencimento,...........         .Poder do convencimento,...........         .
Poder do convencimento,........... .WAGNERJESUSDACUNHA
 
A CONCEPÇÃO FILO/SOCIOLÓGICA DE KARL MARX
A CONCEPÇÃO FILO/SOCIOLÓGICA DE KARL MARXA CONCEPÇÃO FILO/SOCIOLÓGICA DE KARL MARX
A CONCEPÇÃO FILO/SOCIOLÓGICA DE KARL MARXHisrelBlog
 
Peixeiras da Coruña. O Muro da Coruña. IES Monelos
Peixeiras da Coruña. O Muro da Coruña. IES MonelosPeixeiras da Coruña. O Muro da Coruña. IES Monelos
Peixeiras da Coruña. O Muro da Coruña. IES MonelosAgrela Elvixeo
 
SEMIOSES DO OLHAR - SLIDE PARA ESTUDO 123
SEMIOSES DO OLHAR - SLIDE PARA ESTUDO 123SEMIOSES DO OLHAR - SLIDE PARA ESTUDO 123
SEMIOSES DO OLHAR - SLIDE PARA ESTUDO 123JaineCarolaineLima
 
1. CIENCIAS-HUMANAS-GLOBALIZAÇÃO, TEMPO E ESPAÇO-V1.pdf
1. CIENCIAS-HUMANAS-GLOBALIZAÇÃO, TEMPO E ESPAÇO-V1.pdf1. CIENCIAS-HUMANAS-GLOBALIZAÇÃO, TEMPO E ESPAÇO-V1.pdf
1. CIENCIAS-HUMANAS-GLOBALIZAÇÃO, TEMPO E ESPAÇO-V1.pdfRitoneltonSouzaSanto
 
Aula 6 - O Imperialismo e seu discurso civilizatório.pptx
Aula 6 - O Imperialismo e seu discurso civilizatório.pptxAula 6 - O Imperialismo e seu discurso civilizatório.pptx
Aula 6 - O Imperialismo e seu discurso civilizatório.pptxMarceloDosSantosSoar3
 
AS REBELIÕES NA AMERICA IBERICA (Prof. Francisco Leite)
AS REBELIÕES NA AMERICA IBERICA (Prof. Francisco Leite)AS REBELIÕES NA AMERICA IBERICA (Prof. Francisco Leite)
AS REBELIÕES NA AMERICA IBERICA (Prof. Francisco Leite)profesfrancleite
 
Termo de audiência de Mauro Cid na ìntegra
Termo de audiência de Mauro Cid na ìntegraTermo de audiência de Mauro Cid na ìntegra
Termo de audiência de Mauro Cid na ìntegrafernando846621
 

Último (20)

O-P-mais-importante.pptx de Maria Jesus Sousa
O-P-mais-importante.pptx de Maria Jesus SousaO-P-mais-importante.pptx de Maria Jesus Sousa
O-P-mais-importante.pptx de Maria Jesus Sousa
 
arte retrato de um povo - Expressão Cultural e Identidade Nacional
arte retrato de um povo - Expressão Cultural e Identidade Nacionalarte retrato de um povo - Expressão Cultural e Identidade Nacional
arte retrato de um povo - Expressão Cultural e Identidade Nacional
 
PROJETO DE EXTENSÃO - SEGURANÇA, INOVAÇÃO E SUSTENTABILIDADE PARA O BEM COMUM...
PROJETO DE EXTENSÃO - SEGURANÇA, INOVAÇÃO E SUSTENTABILIDADE PARA O BEM COMUM...PROJETO DE EXTENSÃO - SEGURANÇA, INOVAÇÃO E SUSTENTABILIDADE PARA O BEM COMUM...
PROJETO DE EXTENSÃO - SEGURANÇA, INOVAÇÃO E SUSTENTABILIDADE PARA O BEM COMUM...
 
Abordagem 1. Análise textual (Severino, 2013).pdf
Abordagem 1. Análise textual (Severino, 2013).pdfAbordagem 1. Análise textual (Severino, 2013).pdf
Abordagem 1. Análise textual (Severino, 2013).pdf
 
Abordagens 4 (Problematização) e 5 (Síntese pessoal) do texto de Severino (20...
Abordagens 4 (Problematização) e 5 (Síntese pessoal) do texto de Severino (20...Abordagens 4 (Problematização) e 5 (Síntese pessoal) do texto de Severino (20...
Abordagens 4 (Problematização) e 5 (Síntese pessoal) do texto de Severino (20...
 
QUIZ - GEOGRAFIA - 8º ANO - FASES DO CAPITALISMO.pptx
QUIZ - GEOGRAFIA - 8º ANO - FASES DO CAPITALISMO.pptxQUIZ - GEOGRAFIA - 8º ANO - FASES DO CAPITALISMO.pptx
QUIZ - GEOGRAFIA - 8º ANO - FASES DO CAPITALISMO.pptx
 
aula 1.pptx Ementa e Plano de ensino Filosofia
aula 1.pptx Ementa e  Plano de ensino Filosofiaaula 1.pptx Ementa e  Plano de ensino Filosofia
aula 1.pptx Ementa e Plano de ensino Filosofia
 
EBOOK LINGUAGEM GRATUITO EUDCAÇÃO INFANTIL.pdf
EBOOK LINGUAGEM GRATUITO EUDCAÇÃO INFANTIL.pdfEBOOK LINGUAGEM GRATUITO EUDCAÇÃO INFANTIL.pdf
EBOOK LINGUAGEM GRATUITO EUDCAÇÃO INFANTIL.pdf
 
A Congregação de Jesus e Maria, conhecida também como os Eudistas, foi fundad...
A Congregação de Jesus e Maria, conhecida também como os Eudistas, foi fundad...A Congregação de Jesus e Maria, conhecida também como os Eudistas, foi fundad...
A Congregação de Jesus e Maria, conhecida também como os Eudistas, foi fundad...
 
Abordagem 3. Análise interpretativa (Severino, 2013)_PdfToPowerPoint.pdf
Abordagem 3. Análise interpretativa (Severino, 2013)_PdfToPowerPoint.pdfAbordagem 3. Análise interpretativa (Severino, 2013)_PdfToPowerPoint.pdf
Abordagem 3. Análise interpretativa (Severino, 2013)_PdfToPowerPoint.pdf
 
Como fazer um Feedback Eficaz - Comitê de Gestores
Como fazer um Feedback Eficaz - Comitê de GestoresComo fazer um Feedback Eficaz - Comitê de Gestores
Como fazer um Feedback Eficaz - Comitê de Gestores
 
Trabalho DAC História 25 de Abril de 1974
Trabalho DAC História 25 de Abril de 1974Trabalho DAC História 25 de Abril de 1974
Trabalho DAC História 25 de Abril de 1974
 
Poder do convencimento,........... .
Poder do convencimento,...........         .Poder do convencimento,...........         .
Poder do convencimento,........... .
 
A CONCEPÇÃO FILO/SOCIOLÓGICA DE KARL MARX
A CONCEPÇÃO FILO/SOCIOLÓGICA DE KARL MARXA CONCEPÇÃO FILO/SOCIOLÓGICA DE KARL MARX
A CONCEPÇÃO FILO/SOCIOLÓGICA DE KARL MARX
 
Peixeiras da Coruña. O Muro da Coruña. IES Monelos
Peixeiras da Coruña. O Muro da Coruña. IES MonelosPeixeiras da Coruña. O Muro da Coruña. IES Monelos
Peixeiras da Coruña. O Muro da Coruña. IES Monelos
 
SEMIOSES DO OLHAR - SLIDE PARA ESTUDO 123
SEMIOSES DO OLHAR - SLIDE PARA ESTUDO 123SEMIOSES DO OLHAR - SLIDE PARA ESTUDO 123
SEMIOSES DO OLHAR - SLIDE PARA ESTUDO 123
 
1. CIENCIAS-HUMANAS-GLOBALIZAÇÃO, TEMPO E ESPAÇO-V1.pdf
1. CIENCIAS-HUMANAS-GLOBALIZAÇÃO, TEMPO E ESPAÇO-V1.pdf1. CIENCIAS-HUMANAS-GLOBALIZAÇÃO, TEMPO E ESPAÇO-V1.pdf
1. CIENCIAS-HUMANAS-GLOBALIZAÇÃO, TEMPO E ESPAÇO-V1.pdf
 
Aula 6 - O Imperialismo e seu discurso civilizatório.pptx
Aula 6 - O Imperialismo e seu discurso civilizatório.pptxAula 6 - O Imperialismo e seu discurso civilizatório.pptx
Aula 6 - O Imperialismo e seu discurso civilizatório.pptx
 
AS REBELIÕES NA AMERICA IBERICA (Prof. Francisco Leite)
AS REBELIÕES NA AMERICA IBERICA (Prof. Francisco Leite)AS REBELIÕES NA AMERICA IBERICA (Prof. Francisco Leite)
AS REBELIÕES NA AMERICA IBERICA (Prof. Francisco Leite)
 
Termo de audiência de Mauro Cid na ìntegra
Termo de audiência de Mauro Cid na ìntegraTermo de audiência de Mauro Cid na ìntegra
Termo de audiência de Mauro Cid na ìntegra
 

Poesia épica clássica viagem

  • 1. A poesia épica clássica Na poesia épica clássica surge, como eixo fundamental, o tema da viagem. Assume formas diversas (aos Infernos, por mar, ao interior de si e dos outros). A Odisseia de Homero e a Eneida de Virgílio narram as viagens de regresso de Tróia. A primeira de Ulisses, o herói grego que aspira – após a vitória sobre os troianos – a regressar à sua Ítaca e a Penélope. A segunda de um vencido, Eneias, para um recomeço e uma nova fundação – a de Roma. Em ambas as viagens, os heróis se defrontam com inúmeros perigos, um deles, e os das violentas tempestades. Existem várias traduções para português, destacamos a de Frederico Lourenço na Livros Cotovia (Odisseia de Homero). Este tradutor efectuou uma adaptação para jovens. A Eneida de Virgílio foi traduzida recentemente por Luís Cerqueira e Outros e editada pela Bertrand Editores. B – texto de F. Lourenço: “Trata-se, portanto, de um herói mais “humano”, mais perto de nós que o colérico e sanguinário Aquiles, ou que o piedoso e cumpridor Eneias. Ulisses mente, mata, sobrevive; abraça as múltiplas experiências que vêm ao seu encontro; conhece o canto das Sereias e o leito de Circe; desce ao mundo dos mortos e recebe, mais tarde (ou mais cedo, pela ordem por que nós lemos a história), a oferta de nunca morrer: mas, essencialmente, é uma figura a quem as circunstâncias, e não a sua própria natureza, conferem uma dimensão heróica. É na superação desesperada dos perigos, nas ameaças que lhe surgem na luta pela sobrevivência, que nos identificamos com ele – e isto de uma maneira primária, inexplicável, que determina porque se tenha sempre projectado em Ulisses a essência do Homem Mediterrânico, logo, pela cultura, do Homem Ocidental. Daí que se encontrem novos Ulisses em todo o tipo de narrativa posterior, desde a literatura ao cinema. E aqui não é só a Os Lusíadas ou a Ulysses de James Joyce que me quero referir. Ulisses é a matriz de grande parte das narrativas modernas de consumo rápido, quer falemos de Indiana Jones ou de ficção científica. Aliás, o autor espanhol Arturo Pérez-Reverte chegou a justificar o seu estatuto de bestseller internacional dizendo que “a história que eu queria contar era a história de Ulisses. Todas as minhas personagens são Ulisses, são todos soldados perdidos em território inimigo e num mar hostil”(Público, Suplemento Mil Folhas, 2-11-2002).” Homero, Odisseia, (tradução de Frederico Lourenço), introdução, Lisboa: Livros Cotovia, 2004, p. 14 ... a narração das viagens de Ulisses pelo próprio, uma opção de eficácia espantosa, a que Virgílio e Camões não haveriam de permanecer insensíveis. Homero, Odisseia, (tradução de Frederico Lourenço), introdução, Lisboa: Livros Cotovia, 2004, p. 19 (observação de F Lourenço sobre a narração de Ulisses e do aedo Demódoco ao rei dos Feaces nos cantos VII,VIII e IX da Odisseia)
  • 2. Excerto da Odisseia: Entre eles quem falou primeiro foi Arete de alvos braços: reconhecera a capa e a túnica, assim que olhara para as belas roupas de Ulisses, pois com as suas servas ela própria as tecera. Então falando dirigiu-lhe palavras apetrechadas de asas: “Estrangeiro, deixa-me colocar-te primeiro esta pergunta. Quem és tu? E quem te ofereceu as roupas que vestes? Não disseste que foi vagueando pelo mar que aqui chegaste? Respondendo-lhe assim falou o astucioso Ulisses: “seria difícil, ó rainha, narrar os males de modo contínuo, visto que os deuses celestes mos deram prodigamente. Mas responderei àquilo que interrogas e perguntas. Ogígia é uma ilha lá longe no meio do mar. Aí vive a filha de Atlas, a ardilosa Calipso de belas tranças, terrível deusa. Nenhum dos deuses com ela se relaciona, nem nenhum dos homens mortais. Mas o destino me levou até à lareira da deusa, sozinho; Pois com o seu relâmpago incandescente Zeus me atingira a nau veloz, e a estilhaçara no meio do mar cor de vinho. Foi então que pereceram todos os valentes companheiros, mas eu fiquei agarrado à quilha da nau recurva e fui levado durante nove dias. Quando sobreveio a décima noite negra, fizeram os deuses que eu chegasse à ilha de Ogígia, onde vive Calipso de belas tranças, terrível deusa. Ela acolheu-me; com gentileza me estimou e alimentou. Prometeu-me a imortalidade, para que eu vivesse isento de velhice. Mas nunca convenceu o coração dentro do meu peito. Aí fiquei durante sete anos, e sempre humedecia
  • 3. com lágrimas as vestes imortais que me dera Calipso. Mas quando, volvido o seu curso, chegou o oitavo ano, foi então que ela me ordenou e incitou a partir, ou por ordem de Zeus, ou porque assim ela pensara. Mandou-me embora numa jangada bem atada, e deu-me muitas coisas: pão, vinho doce, e vestes imortais. Fez soprar um vento favorável, suave e sem perigo. Durante dezassete dias naveguei sobre o mar; No décimo oitavo dia apareceram as montanhas sombrias da vossa terra: alegrou-se à sua vista o coração deste homem malfadado: pois na verdade eu estava prestes a sofrer algo de terrível que contra mim mandara Posídon, Sacudidor da Terra. Agitou os ventos, assim atacando o meu percurso; encrespou o mar de modo indizível, a ponto das ondas não deixarem que eu fosse levado, gemendo sem cessar, pela jangada, que seria despedaçada pela tempestade. Mas eu atravessei a nado o grande abismo do mar, até que atingisse a vossa terra, levado pelo vento e pelo mar. Mas ao tentar sair da água, as ondas atiravam-me contra a costa, contra os grandes rochedos, sítio que nada tinha de aprazível. Recuei e pus-me de novo a nadar, até que cheguei a um rio, que me pareceu o melhor sítio: livre de rochas; abrigado do vento. Reunindo todas as minhas forças, saí da água, e logo sobreveio a noite imortal, Afastando-me do rio pelo céu alimentado, deitei-me num canavial, pondo folhas por cima do corpo, e sobre mim derramou o deus um sono sem limites. Homero, Odisseia, (tradução de Frederico Lourenço), introdução, Lisboa: Livros Cotovia, 2004, Canto VII, 233-283