Alterações climáticas e a grande aceleração de Jorge Moreira, Revista O Instalador nº 225/226
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Meio ambiente
"O estudo responsabiliza diretamente a humanidade pelas transformações dramáticas ocorridas na biosfera, relacionando-as com o sistema económico globalizado"
Alterações climáticas e a grande aceleração de Jorge Moreira, Revista O Instalador nº 225/226
68 O Instalador Jan'/Fev’15 www.oinstalador.com
Opinião
AMBIENTE E ENERGIAS RENOVÁVEIS
De acordo com a Administração Nacional
Oceânica e Atmosférica dos Estados
Unidos, o ano passado foi o mais quente
desde que começaram os registos, por
volta de 1880. A análise da temperatura da
superfície terrestre realizada pela agência
espacial NASA mostra, com exceção
de 1998, que os dez anos mais quentes
ocorreram após 2000. A mesma agência
conclui que a temperatura da superfície
aumentou 0,8 graus Celcius desde 1880.
Estes factos estão diretamente relacio-
nados com a emissão maciça e contínua
de gases com efeito de estufa, a partir da
Revolução Industrial, em 1750, nomeada-
mente o dióxido de carbono, que tem efeito
cumulativo na atmosfera. Com a Revolução
Industrial, surgiu também, em larga escala,
a poluição, a alteração do uso do solo, a
destruição de habitats, a desflorestação, a
extinção de espécies e o esgotamento dos
stocks cinegéticos e piscícolas. A trans-
formação antropogénica da superfície do
planeta durante este período foi tão vasta
e abrupta, que se tornou um fenómeno
geológico global, levando o químico laurea-
do com o Nobel, Paul Crutzen e o biólogo
Eugene Stoermer a sugerirem uma nova
Era Geológica, cunhada Antropoceno. Esta
evidência foi agora demonstrada cientifi-
camente por imensos estudos, contudo,
as transformações mais significativas e
segundo os investigadores do International
Geosphere-Biosphere Programme e do
Stockholm Resilience Centre, ocorreram
a partir de 1950. Por esse motivo os
As Alterações Climáticas
e a Grande Aceleração
Texto_Jorge Moreira [Ambientalista]
«Numa única vida humana a humanidade tornou-se uma força geológica à escala planetária»
Prof. Will Steffen, Investigador do Stockholm Resilience Centre
Limites planetários
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Opinião
AMBIENTE E ENERGIAS RENOVÁVEIS
A Grande Aceleração
integridade biosférica. Ao transgredirmos
estes limites, estamos a aumentar inadver-
tidamente os riscos para os ecossistemas
que suportam a vida na Terra e a reduzir
o bem-estar das populações humanas, em
especial relevo para os mais desfavoreci-
dos, acentuando as desigualdades entre
povos. Os países da OCDE e os BRICS são
os que mais contribuem para esta situação,
todavia, Tim Radford mostra no Climate
News Network que a base deste problema
reside na atividade de uma minoria rica.
Segundo um relatório recente divulgado
no Fórum Económico de Davos, na Suíça,
apenas 85 pessoas de todo o mundo
detêm 46% de toda a riqueza produzida no
planeta.
Se nada for feito para minorar a situação,
e segundo Michael Mann, um destacado
investigador do Meteorology at Pennsyl-
vania State University e colaborador do
IPCC, mesmo com um cenário otimista, a
Terra irá cruzar o limiar do perigo climático
em 2036. A maior parte dos cientistas
concorda que o aumento de temperatura
de 2 graus Celcius, em relação ao período
pré-industrial, implicará imensos prejuí-
zos para todos os setores da atividade
humana, especialmente para a produção
alimentar, abastecimento de água, saúde
e segurança. Se continuarmos a apostar
nos combustíveis fósseis, a desflorestar
e a consumir maciçamente produtos
pecuários, a Organização Mundial de
Saúde prevê entre 2030 e 2050 a morte
de mais de 250.000 pessoas em todo o
mundo, devido às alterações climáticas. Na
verdade, muitos estudos apontam para um
aumento da temperatura que pode chegar
aos 4 graus Celcius durante este século.
As consequências serão devastadoras,
tendo como referência a atualidade, que
com um aumento de 0,8 graus Celcius,
tem afetado significativamente algumas
regiões - ilhas estão a desaparecer devido
à subida do nível do mar, a atividade dos
povos indígenas e a estabilidade de alguns
ecossistemas estão a ser perturbados na
sequência do degelo polar, o aumento dos
refugiados climáticos que são obrigados
a abandonar as suas terras porque estas
já não permitirem satisfazerem as suas
necessidades mais básicas.
Infelizmente, as notícias que alguns tabloi-
des teimam em publicar, e.g., temperaturas
estão estabilizadas há 15 anos – ninguém
consegue explicar isto corretamente (Wall
Street Jounal), a pausa do aquecimento
global pode durar mais 20 anos e o gelo
do Ártico já está a recuperar (Daily Mail),
conseguem enganar algumas pessoas e
influenciar agendas. Estas notícias podem
evidenciar alguns interesses particulares,
corporativos e políticos. O The Gaurdian
refere que algumas empresas no ramo
dos combustíveis fósseis estão a usar o
seu poder financeiro para adquirir controlo
de empresas de energias renováveis na
Europa, a fim de abrandar a transição do
Continente para a energia limpa. Barack
Obama, sustentado em evidências científi-
cas, no recente discurso da Nação, fala na
urgência de um acordo internacional para
combater as alterações climáticas e aponta
um desejável desenlace para o encontro
em Paris que se realizará no final do ano.
Entretanto, os republicanos norte-america-
nos omitiram a parte do discurso de Oba-
ma relativamente às alterações climáticas,
num vídeo publicado na Internet. O lobby
das empresas de combustíveis fósseis,
que dominam os republicanos é reforçado
investigadores denominaram este novo
período de A Grande Aceleração. O estudo
responsabiliza diretamente a humanidade
pelas transformações dramáticas ocorri-
das na biosfera, relacionando-as com o
sistema económico globalizado. À escala
geológica, os investigadores escolheram o
dia 16 de julho de 1945, para o início de
A Grande Aceleração, data da detonação
da primeira bomba atômica, no deserto do
Novo México, onde foram imitidos isótopos
radioativos para a atmosfera, que se espa-
lharam pelo mundo e ficaram registados
nos sedimentos geológicos. Trata-se de
um vestígio inequivocamente atribuído à
atividade humana.
Neste sentido, uma comunidade cientí-
fica internacional, com a participação do
Potsdam Institute for Climate Impact Re-
search, identificou as prioridades globais
relacionadas com as alterações ambientais
introduzidas pelo ser humano. São nove
os processos e as interações que regulam
a estabilidade e a resiliência do sistema
terrestre, do qual dependem diretamente
as sociedades humanas. Quatro desses
limites já foram ultrapassados, sendo eles
as alterações climáticas, a alteração do uso
do solo, os ciclos bioquímicos do fósforo
e do azoto para fertilização e a perda da
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Opinião
AMBIENTE E ENERGIAS RENOVÁVEIS
com as notícias supracitadas. Porém, independentemente
das notícias enganosas e dos interesses económicos de
certas corporações, o aquecimento global continua a ser um
problema urgente. O IPCC ressalta no seu último relatório, que
embora os danos já causados pelas alterações climáticas se-
jam irreversíveis, podemos ainda mitigar o seu impacto. Uma
das medidas propostas é efetivamente a transição para formas
de energia mais limpas. A ONU vai ainda um pouco mais longe
ao propor uma dieta cada vez menos baseada em produtos de
origem animal, incentivando a transição para o vegetarianismo
como uma das medidas para combater as alterações climáti-
cas. Relembra-se que a pecuária é responsável pela emissão
de 16% a 17% da totalidade dos gases com efeito de estufa.
São muitos os apelos de investigadores, ativistas, ambien-
talistas e políticos conscientes para a urgência de combater
as alterações climáticas. Al Gore, o músico Pharrell Williams
e o produtor Kevin Wall estão a promover um concerto pla-
netário - Live Earth, com cerca de cem artista, em cidades
emblemáticas espalhadas pelos sete continentes. O evento
terá lugar a 18 de Junho do corrente ano e cada um de nós
poderá manifestar apoio a esta causa subscrevendo a ação
climática em: http://liveearth.org.
O impasse em relação ao futuro mantém-se. O sistema
económico atual é o princípio orientador da desgraça. Não
tem rosto, não é humano, é simplesmente uma máquina que
troca as pessoas pelos números. Uma máquina perigosa que
foi deixada ligada ao abandono, sem alma e capaz de aniquilar
tudo o que se encontra no seu caminho. É como um deus
adorado pelas economias liberais consumistas e sustentadas
pelos combustíveis fósseis. Os seus profetas escondem-se
por detrás dos interesses dolosos de certas corporações e
compram políticos para a sua devoção. O alcance da máquina
é global e por esse motivo coloca em risco o nosso presente e,
inexoravelmente, o nosso futuro. Está na hora de desligarmos
esta máquina perigosa. Sabemos que a tecnologia avança
exponencialmente e até poderá dar uma ajuda com mecanis-
mos mais eficientes e limpos ou com a eventual captação e
armazenamento de carbono. Mas, não é nenhuma panaceia.
A tecnologia também fez aumentar exponencialmente os
problemas ambientais.
Os efeitos secundários da Grande Aceleração estão a co-
locar em risco os sistemas que suportam a vida no planeta.
Precisamos de lutar afincadamente pelo nosso futuro e pelo
futuro de milhões de espécies também ameaçadas. Para
que a Grande Aceleração não culmine na grande tragédia
climática, temos de acelerar a nossa consciência planetária
e tomar cautela com as nossas escolhas e ações. O sistema
económico é o reflexo da nossa vida. É urgente sintonizar a
nossa vida com a vida planetária e recolocar a economia e
a política ao serviço das pessoas e do planeta. Era tão bom
que a Grande Aceleração fosse acompanhada pela Grande
Evolução da Consciência Ética da Humanidade.
Paz a todos os seres
Escultura “Politicians discussing global warming” de Issac Cordal, Berlim