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FILOSOFIA




Linguagem e
Pensamento: Uma
Relação Traiçoeira?




Jorge Nunes Barbosa
Capítulo 1



Linguagem e
Pensamento

Se a linguagem pode trair o pensamento, então
teremos de a conceber como algo que é estranho
ao pensamento, e em que o pensamento deposita
confiança para o representar.
Secção 1

Introdução

SÍNTESE                                       A linguagem que utilizamos é aquilo que está em condições de nos
1. Introdução                                 permitir que nos expressemos de modo a que nos compreendam.
2. A falha irrecuperável entre o pensamento   No entanto, são frequentes as ocasiões em que somos obrigados a
   vivido interiormente e o pensamento
   expresso exteriormente.                    refazer o nosso discurso, por ele não estar a corresponder ao que
3. A autonomia da linguagem.                  pensamos e queremos dizer. Em qualquer caso, somos nós que
4. A linguagem não trai, condiciona.          escolhemos as palavras que empregamos. Significará isto que a
                                              linguagem pode trair o pensamento? Trair é antes de mais
                                              decepcionar uma relação de confiança. Se a linguagem nos pode
                                              trair, é porque lhe confiamos a tarefa de exteriorizar um pensamento
                                              íntimo. Estarão as palavras à altura desta tarefa? Merecem a nossa
                                              confiança? Não haverá na linguagem uma formalização, uma
                                              racionalização que nem sempre estão de acordo com o que
                                              pensamos intimamente? Devemos, então, não confiar na
                                              linguagem? Pois, se é possível que nos traia deformando o que
                                              queremos dizer, a linguagem pode, o que é muito pior, trair-nos
                                              fazendo-nos dizer o que não queremos dizer, por vezes mesmo


                                                                                                                2
aquilo que não sabemos. Nos dois casos - a traição      estaremos a designar uma operação da razão que só
deforma um pensamento, ou revela um pensamento          pode acontecer graças à linguagem?
que não temos - está implícito que algum pensamento
se tenha formado fora da linguagem e antes dela.
Todavia, pensar não é só sentir interiormente. O
pensamento designa também um processo de
raciocínio que permite agenciar proposições e ideias
no modo lógico. Assim, o pensamento distingue-se do
sentido, do informe e do irracional. Então, como
podemos pensar sem a linguagem? Em vez de
traidora, a linguagem não será uma condição do
pensamento? Tentaremos, então, determinar se a
linguagem trai o pensamento. O pensamento é um
processo íntimo que se constitui fora da linguagem ou
é um processo que depende dela? Veremos, em
primeiro lugar, que a linguagem constitui um código
externo à realidade designada pelos nossos
pensamentos. Assim sendo, será que a linguagem não
pode trair-nos, para além do que pensamos
conscientemente? Mas por pensamento, não


                                                                                                        3
Secção 2

A Traição da Linguagem - O fosso entre o pensamento vivido interiormente e o
pensamento expresso exteriormente.

Dizer que a linguagem trai o pensamento supõe que        a linguagem surge depois dele, para exteriorizar os
linguagem e pensamento sejam duas realidades             dados iniciais do pensamento. Só imperfeitamente ela
exteriores uma à outra. A traição designa, com efeito,   pode cumprir esta tarefa, pois existe um fosso sem
a incapacidade de uma pessoa ou de uma coisa de          remédio entre as palavras e as coisas. Dizer aquilo
estar à altura da confiança depositada nela. Ora,         que pensamos não é a mesma coisa que o pensar e o
confiar é delegar a outro um objeto ou uma tarefa.        viver intimamente. Para o outro que me ouve,
Assim, se a linguagem pode trair o pensamento,           compreender o que digo não é a mesma coisa que
então, em primeiro lugar, o pensamento é exterior à      viver o que vivo ou vivi. É o que quer dizer Merleau-
linguagem, e, em segundo lugar, o pensamento             Ponty quando afirma, no Fenomenologia da
coloca-se nas mãos da linguagem, confiando-lhe a          Percepção, que “as palavras do outro não são o
tarefa de o exprimir. Os nossos pensamentos              outro”. Deste modo, a linguagem trai o pensamento,
designam, genericamente, a representação íntima que      não por malícia ou maldade, mas porque existe um
temos do mundo que nos envolve e das formas como         fosso intransponível entre o pensamento vivido e o
somos afetados por ele. É, portanto, um estado           pensamento expresso exteriormente.
interior que designa aquilo de que temos consciência.
                                                         Esse fosso tem origem na própria estrutura da
Neste sentido, o pensamento é anterior à linguagem;
                                                         linguagem, uma estrutura que se organiza a partir da


                                                                                                            4
função que lhe é atribuída. A linguagem serve para       Mas se a linguagem não consegue dizer o que
comunicar, sendo por isso necessário que as palavras     pensamos do modo como o pensamos, será que
empregues sejam compreendidas por todos. Para que        acaba por dizer outra coisa?
cumpram esta missão, as palavras têm de ser gerais,
ou comuns. Se, para cada mesa que exista, ou tenha
existido, ou venha alguma vez a existir, tivéssemos de
utilizar um nome próprio, ser-nos-ia simplesmente
impossível comunicar. Para ser útil, a linguagem tem
de ser geral. Mas sendo geral, distancia-se do que
pensamos intimamente. Deste modo, não trai só o
pensamento dos outros, mas também o nosso.
Obrigando-nos a utilizar palavras gerais, impede-nos
de aceder à realidade do nosso próprio pensamento.
Assim, a linguagem trai o pensamento, porque se
mostra incapaz de cumprir a tarefa que lhe foi
confiada: exprimir adequadamente a mensagem que
tenha sido previamente concebida intimamente. Esta
traição está associada à sua generalidade estrutural.




                                                                                                   5
Secção 3

A autonomia da linguagem, ou a habilidade para nos fazer dizer o que não
queremos dizer

A linguagem pode trair o pensamento, exprimindo-o        corpo connosco próprios. Quando escrevemos ou
mal. Também pode traí-lo, desvendando-o. Não será        quando falamos, a linguagem que utilizamos trai o
assim quando falamos de pensamentos que são              nosso pensamento, isto é, desvenda, contra a nossa
desvendados, contra a sua vontade e contra a nossa?      vontade ou apesar dela, uma certa forma de refletir,
Não dirá a linguagem mais coisas ou coisas diferentes    produzida socialmente. Bourdieu exprime assim as
do que queremos dizer?. Com efeito, a linguagem não      suas reservas face às entrevistas para selecção de
passa somente pelas palavras. É um conjunto de           candidatos ao emprego ou à admissão numa
signos e de símbolos, de que as palavras não são         universidade. Na verdade, mesmo inconscientemente,
mais do que uma das suas manifestações. A escolha        os júris de seleção procuram discriminar os
do vocabulário, a gramática e o nível de linguagem       candidatos, através dos códigos sociais de
utilizados, o tom, os gestos... são outros tantos        pensamento que a linguagem pode trair.
elementos que constituem a linguagem, através da
                                                         Estes pensamentos traídos pela linguagem, a que
qual dizemos mais do que a mensagem que
                                                         aqui se faz alusão, não são conscientes. A linguagem
queremos transmitir. O habitus, descrito por Bourdieu,
                                                         desvenda o que há em nós de mais íntimo, de
designa precisamente o conjunto de traços
                                                         escondido, até de nós próprios. Parece, assim,
socialmente determinados, que acabam por fazer
                                                         dotada de uma forma de autonomia que a torna


                                                                                                           6
capaz de dizer o que não queremos, nem sabemos,          que vivem do lado de fora da nossa consciência? Não
conscientemente, dizer. Os nossos lapsos, com efeito,    será o pensamento necessariamente racional e
manifestam um pensamento inconsciente que nós            consciente?
próprios ignoramos. Através dele, o pensamento
irrompe na nossa vida consciente, e consegue
mesmo, embora momentaneamente, adormecer a
resistência que impediria a sua manifestação.

Neste sentido, a linguagem trai o pensamento, porque
nem todo o pensamento é consciente, sendo o
inconsciente desvendado, apesar das resistências que
lhe colocamos, pelo uso da linguagem. É neste
pressuposto que os psicanalistas fundamentam a sua
forma peculiar de ajudar os seus pacientes a tomar
consciência, através da linguagem, dos seus
pensamentos inconscientes.

De uma forma mais simples, podemos dizer que o uso
que fazemos da linguagem revela a nossa origem
social, a nossa educação, a nossa cultura e, em última
análise, pensamentos tão íntimos que nem nós temos
consciência deles. Mas que pensamentos são estes
                                                                                                           7
Secção 4

A linguagem condiciona o pensamento

Nem tudo o que acontece em nós, consciente ou                    precisamente, que não conseguimos nunca dizer,
inconscientemente, preenche as condições que nos                 c o m o a fi r m o u , p o r e x e m p l o , B e rg s o n , n ã o
permitem chamar-lhe pensamento. Se é verdade que                 necessariamente porque as palavras têm alguma
o termo pensamento designa, de um modo geral, o                  deficiência, mas porque esse sentir é excessivamente
que é interior, por oposição ao que é exterior a nós,            confuso e particular.
também é verdade que designa o que é refletido, por
                                                                 O próprio inconsciente não é pensado, ou, sequer,
oposição ao que é sentido. Nem tudo o que tem
                                                                 pensável, enquanto não chegar à consciência e à
origem no foro da nossa subjetividade pode ser
                                                                 linguagem. Podemos dizer que temos pensamentos
considerado pensamento. O termo pensamento
                                                                 inconscientes, mas, no fundo, não sabemos nada a
designa precisamente aquilo que a razão é capaz de
                                                                 esse respeito, pois, mesmo que esses pensamentos
produzir, como capacidade lógica para agrupar
                                                                 existam, somos incapazes de os pensar, de os
proposições e ideias. Neste sentido, temos
                                                                 formular. Na sua Enciclopédia das ciências filosóficas,
necessidade de falar para pensar, na medida em que
                                                                 Hegel, tal como Ortega y Gasset na sua Introdução à
não conseguimos produzir tais raciocínios sem passar
                                                                 Filosofia, mostra que o elogio do indizível como
pela linguagem. O que nós pensamos fora deste
                                                                 pensamento, de tal modo profundo que as palavras
q u a d ro t e m a v e r c o m o s e n t i d o , a q u i l o ,
                                                                 não seriam capazes de o dizer, esconde na realidade


                                                                                                                               8
o vazio e a confusão do que ainda não foi delimitado.     não foi porque tinha de falar para comunicar as suas
O pensamento indizível é um pensamento em curso           necessidades aos outros que o homem desenvolveu a
de vir a ser. Se não conseguimos dizer o que              consciência.
queremos dizer, não é porque nos faltem as palavras,
                                                          Nesse livro, com efeito, Nietzche mostra que o
porque a linguagem teria alguma forma de deficiência.
                                                          homem, inicialmente isolado, é sobretudo uma presa,
O indizível é sinal de um pensamento que ainda não o
                                                          um animal frágil, que tem de se associar aos outros
é, pois pensar uma coisa, tomá-la como objeto, é ser
                                                          para sobreviver. A comunidade, assim constituída, não
capaz de a identificar, de a delimitar e, portanto, de a
                                                          tem sentido e só satisfaz os seus objetivos se os
dizer.
                                                          homens forem capazes de apresentar as suas
Uma vez completo, o pensamento toma a forma da            necessidades uns aos outros. Antes de formular as
única palavra que pode designar adequadamente e           suas necessidades aos outros, o homem tem de
com precisão a coisa pensada. Nestes termos, a            tomar consciência delas, isto é, formulá-las a si
linguagem não trai o pensamento, é aquilo que o           próprio. Esta é, segundo Nietzche, a origem do
condiciona.                                               pensamento como consciência. Essa origem é
                                                          indissociável da linguagem.
Neste sentido, o pensamento não é exterior à
linguagem, nem a precede. Pelo contrário, forma-se
com ela e através dela. Antes de ser expressas, as
                                                          Conclusão
coisas têm de ser formuladas, e, deste modo, pensar
não é mais do que falar consigo mesmo. Podemos            Talvez a linguagem não se dê ao trabalho de trair o
perguntar-nos, como faz Nietzche no Gaio Saber, se        pensamento. Existe, certamente, uma multidão de
                                                                                                              9
sentimentos ou de fenómenos íntimos, sentidos,
inconscientes, que se situa fora e para além do
pensamento, e que a linguagem não consegue
transcrever, mas que, paradoxalmente, pode
desvendar. Mas o pensamento designa uma operação
de reflexão que não preexiste à linguagem, e se
confunde com ela.




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Linguagem e Pensamento

  • 1. FILOSOFIA Linguagem e Pensamento: Uma Relação Traiçoeira? Jorge Nunes Barbosa
  • 2. Capítulo 1 Linguagem e Pensamento Se a linguagem pode trair o pensamento, então teremos de a conceber como algo que é estranho ao pensamento, e em que o pensamento deposita confiança para o representar.
  • 3. Secção 1 Introdução SÍNTESE A linguagem que utilizamos é aquilo que está em condições de nos 1. Introdução permitir que nos expressemos de modo a que nos compreendam. 2. A falha irrecuperável entre o pensamento No entanto, são frequentes as ocasiões em que somos obrigados a vivido interiormente e o pensamento expresso exteriormente. refazer o nosso discurso, por ele não estar a corresponder ao que 3. A autonomia da linguagem. pensamos e queremos dizer. Em qualquer caso, somos nós que 4. A linguagem não trai, condiciona. escolhemos as palavras que empregamos. Significará isto que a linguagem pode trair o pensamento? Trair é antes de mais decepcionar uma relação de confiança. Se a linguagem nos pode trair, é porque lhe confiamos a tarefa de exteriorizar um pensamento íntimo. Estarão as palavras à altura desta tarefa? Merecem a nossa confiança? Não haverá na linguagem uma formalização, uma racionalização que nem sempre estão de acordo com o que pensamos intimamente? Devemos, então, não confiar na linguagem? Pois, se é possível que nos traia deformando o que queremos dizer, a linguagem pode, o que é muito pior, trair-nos fazendo-nos dizer o que não queremos dizer, por vezes mesmo 2
  • 4. aquilo que não sabemos. Nos dois casos - a traição estaremos a designar uma operação da razão que só deforma um pensamento, ou revela um pensamento pode acontecer graças à linguagem? que não temos - está implícito que algum pensamento se tenha formado fora da linguagem e antes dela. Todavia, pensar não é só sentir interiormente. O pensamento designa também um processo de raciocínio que permite agenciar proposições e ideias no modo lógico. Assim, o pensamento distingue-se do sentido, do informe e do irracional. Então, como podemos pensar sem a linguagem? Em vez de traidora, a linguagem não será uma condição do pensamento? Tentaremos, então, determinar se a linguagem trai o pensamento. O pensamento é um processo íntimo que se constitui fora da linguagem ou é um processo que depende dela? Veremos, em primeiro lugar, que a linguagem constitui um código externo à realidade designada pelos nossos pensamentos. Assim sendo, será que a linguagem não pode trair-nos, para além do que pensamos conscientemente? Mas por pensamento, não 3
  • 5. Secção 2 A Traição da Linguagem - O fosso entre o pensamento vivido interiormente e o pensamento expresso exteriormente. Dizer que a linguagem trai o pensamento supõe que a linguagem surge depois dele, para exteriorizar os linguagem e pensamento sejam duas realidades dados iniciais do pensamento. Só imperfeitamente ela exteriores uma à outra. A traição designa, com efeito, pode cumprir esta tarefa, pois existe um fosso sem a incapacidade de uma pessoa ou de uma coisa de remédio entre as palavras e as coisas. Dizer aquilo estar à altura da confiança depositada nela. Ora, que pensamos não é a mesma coisa que o pensar e o confiar é delegar a outro um objeto ou uma tarefa. viver intimamente. Para o outro que me ouve, Assim, se a linguagem pode trair o pensamento, compreender o que digo não é a mesma coisa que então, em primeiro lugar, o pensamento é exterior à viver o que vivo ou vivi. É o que quer dizer Merleau- linguagem, e, em segundo lugar, o pensamento Ponty quando afirma, no Fenomenologia da coloca-se nas mãos da linguagem, confiando-lhe a Percepção, que “as palavras do outro não são o tarefa de o exprimir. Os nossos pensamentos outro”. Deste modo, a linguagem trai o pensamento, designam, genericamente, a representação íntima que não por malícia ou maldade, mas porque existe um temos do mundo que nos envolve e das formas como fosso intransponível entre o pensamento vivido e o somos afetados por ele. É, portanto, um estado pensamento expresso exteriormente. interior que designa aquilo de que temos consciência. Esse fosso tem origem na própria estrutura da Neste sentido, o pensamento é anterior à linguagem; linguagem, uma estrutura que se organiza a partir da 4
  • 6. função que lhe é atribuída. A linguagem serve para Mas se a linguagem não consegue dizer o que comunicar, sendo por isso necessário que as palavras pensamos do modo como o pensamos, será que empregues sejam compreendidas por todos. Para que acaba por dizer outra coisa? cumpram esta missão, as palavras têm de ser gerais, ou comuns. Se, para cada mesa que exista, ou tenha existido, ou venha alguma vez a existir, tivéssemos de utilizar um nome próprio, ser-nos-ia simplesmente impossível comunicar. Para ser útil, a linguagem tem de ser geral. Mas sendo geral, distancia-se do que pensamos intimamente. Deste modo, não trai só o pensamento dos outros, mas também o nosso. Obrigando-nos a utilizar palavras gerais, impede-nos de aceder à realidade do nosso próprio pensamento. Assim, a linguagem trai o pensamento, porque se mostra incapaz de cumprir a tarefa que lhe foi confiada: exprimir adequadamente a mensagem que tenha sido previamente concebida intimamente. Esta traição está associada à sua generalidade estrutural. 5
  • 7. Secção 3 A autonomia da linguagem, ou a habilidade para nos fazer dizer o que não queremos dizer A linguagem pode trair o pensamento, exprimindo-o corpo connosco próprios. Quando escrevemos ou mal. Também pode traí-lo, desvendando-o. Não será quando falamos, a linguagem que utilizamos trai o assim quando falamos de pensamentos que são nosso pensamento, isto é, desvenda, contra a nossa desvendados, contra a sua vontade e contra a nossa? vontade ou apesar dela, uma certa forma de refletir, Não dirá a linguagem mais coisas ou coisas diferentes produzida socialmente. Bourdieu exprime assim as do que queremos dizer?. Com efeito, a linguagem não suas reservas face às entrevistas para selecção de passa somente pelas palavras. É um conjunto de candidatos ao emprego ou à admissão numa signos e de símbolos, de que as palavras não são universidade. Na verdade, mesmo inconscientemente, mais do que uma das suas manifestações. A escolha os júris de seleção procuram discriminar os do vocabulário, a gramática e o nível de linguagem candidatos, através dos códigos sociais de utilizados, o tom, os gestos... são outros tantos pensamento que a linguagem pode trair. elementos que constituem a linguagem, através da Estes pensamentos traídos pela linguagem, a que qual dizemos mais do que a mensagem que aqui se faz alusão, não são conscientes. A linguagem queremos transmitir. O habitus, descrito por Bourdieu, desvenda o que há em nós de mais íntimo, de designa precisamente o conjunto de traços escondido, até de nós próprios. Parece, assim, socialmente determinados, que acabam por fazer dotada de uma forma de autonomia que a torna 6
  • 8. capaz de dizer o que não queremos, nem sabemos, que vivem do lado de fora da nossa consciência? Não conscientemente, dizer. Os nossos lapsos, com efeito, será o pensamento necessariamente racional e manifestam um pensamento inconsciente que nós consciente? próprios ignoramos. Através dele, o pensamento irrompe na nossa vida consciente, e consegue mesmo, embora momentaneamente, adormecer a resistência que impediria a sua manifestação. Neste sentido, a linguagem trai o pensamento, porque nem todo o pensamento é consciente, sendo o inconsciente desvendado, apesar das resistências que lhe colocamos, pelo uso da linguagem. É neste pressuposto que os psicanalistas fundamentam a sua forma peculiar de ajudar os seus pacientes a tomar consciência, através da linguagem, dos seus pensamentos inconscientes. De uma forma mais simples, podemos dizer que o uso que fazemos da linguagem revela a nossa origem social, a nossa educação, a nossa cultura e, em última análise, pensamentos tão íntimos que nem nós temos consciência deles. Mas que pensamentos são estes 7
  • 9. Secção 4 A linguagem condiciona o pensamento Nem tudo o que acontece em nós, consciente ou precisamente, que não conseguimos nunca dizer, inconscientemente, preenche as condições que nos c o m o a fi r m o u , p o r e x e m p l o , B e rg s o n , n ã o permitem chamar-lhe pensamento. Se é verdade que necessariamente porque as palavras têm alguma o termo pensamento designa, de um modo geral, o deficiência, mas porque esse sentir é excessivamente que é interior, por oposição ao que é exterior a nós, confuso e particular. também é verdade que designa o que é refletido, por O próprio inconsciente não é pensado, ou, sequer, oposição ao que é sentido. Nem tudo o que tem pensável, enquanto não chegar à consciência e à origem no foro da nossa subjetividade pode ser linguagem. Podemos dizer que temos pensamentos considerado pensamento. O termo pensamento inconscientes, mas, no fundo, não sabemos nada a designa precisamente aquilo que a razão é capaz de esse respeito, pois, mesmo que esses pensamentos produzir, como capacidade lógica para agrupar existam, somos incapazes de os pensar, de os proposições e ideias. Neste sentido, temos formular. Na sua Enciclopédia das ciências filosóficas, necessidade de falar para pensar, na medida em que Hegel, tal como Ortega y Gasset na sua Introdução à não conseguimos produzir tais raciocínios sem passar Filosofia, mostra que o elogio do indizível como pela linguagem. O que nós pensamos fora deste pensamento, de tal modo profundo que as palavras q u a d ro t e m a v e r c o m o s e n t i d o , a q u i l o , não seriam capazes de o dizer, esconde na realidade 8
  • 10. o vazio e a confusão do que ainda não foi delimitado. não foi porque tinha de falar para comunicar as suas O pensamento indizível é um pensamento em curso necessidades aos outros que o homem desenvolveu a de vir a ser. Se não conseguimos dizer o que consciência. queremos dizer, não é porque nos faltem as palavras, Nesse livro, com efeito, Nietzche mostra que o porque a linguagem teria alguma forma de deficiência. homem, inicialmente isolado, é sobretudo uma presa, O indizível é sinal de um pensamento que ainda não o um animal frágil, que tem de se associar aos outros é, pois pensar uma coisa, tomá-la como objeto, é ser para sobreviver. A comunidade, assim constituída, não capaz de a identificar, de a delimitar e, portanto, de a tem sentido e só satisfaz os seus objetivos se os dizer. homens forem capazes de apresentar as suas Uma vez completo, o pensamento toma a forma da necessidades uns aos outros. Antes de formular as única palavra que pode designar adequadamente e suas necessidades aos outros, o homem tem de com precisão a coisa pensada. Nestes termos, a tomar consciência delas, isto é, formulá-las a si linguagem não trai o pensamento, é aquilo que o próprio. Esta é, segundo Nietzche, a origem do condiciona. pensamento como consciência. Essa origem é indissociável da linguagem. Neste sentido, o pensamento não é exterior à linguagem, nem a precede. Pelo contrário, forma-se com ela e através dela. Antes de ser expressas, as Conclusão coisas têm de ser formuladas, e, deste modo, pensar não é mais do que falar consigo mesmo. Podemos Talvez a linguagem não se dê ao trabalho de trair o perguntar-nos, como faz Nietzche no Gaio Saber, se pensamento. Existe, certamente, uma multidão de 9
  • 11. sentimentos ou de fenómenos íntimos, sentidos, inconscientes, que se situa fora e para além do pensamento, e que a linguagem não consegue transcrever, mas que, paradoxalmente, pode desvendar. Mas o pensamento designa uma operação de reflexão que não preexiste à linguagem, e se confunde com ela. 10