Casa da Virada: uma experiência de intervenção socioambiental no Salgado Paraense
1. Uma experiência de
intervenção
Resultados socioambiental no
científicos Salgado Paraense
2. Realização
Instituto Peabiru e Museu Paraense Emílio Goeldi
Organização
João Meirelles Filho, Hermógenes Sá, Suelen Carvalho
Coordenação Científica
Samuel Almeida, M.Sc. Ecologia Vegetal
Pesquisadores Responsáveis e Colaboradores Temáticos
Caracterização da Vegetação
Antonio Sérgio Lima da Silva, M.Sc. Taxonomia Vegetal,
Aspectos Legais e Institucionais
Benedita da Silva Barros, M.Sc. Direito,
Ictiologia e recursos pesqueiros
Breno Eduardo da Silva Barros, M.Sc. Ecologia Marinha
Crustáceos
Cristiana Ramalho Maciel, Dra. em Aqüicultura, Bolsistas e Técnicos:
Florística e Fitossociologia Alessandro dos Reis Oliveira,
Dário Dantas do Amaral, M.Sc. Biologia Vegetal, Bolsista Agente Ambiental;
Moluscos Breno Portilho de Sousa Maia,
Francisco Arimatéia dos Santos Alves, M.Sc. Biologia Ambiental, Técnico em Pesca; Camila de
Manejo e exploração do caranguejo uçá Fátima Simão de Moura, Bolsista
Francisco Carlos Alberto Fonteles Holanda, M.Sc. Engenharia de PIBIC Museu Goeldi;
Pesca, Carlos Alberto Santos da Silva,
Aspectos Histórico-Culturais Técnico em Botânica;
Helena Monteiro Quadros, M.Sc. Educação, Jaciara Monteiro Cabral, Bolsista
Crustáceos Agente Ambiental;
Manoel Luciano Aviz de Quadros, M.Sc. Biologia Ambiental, Jony Vazes Ataíde, Bolsista
Geoprocessamento e identificação de impactos em bacias Agente Ambiental;
hidrográficas Nilzilene Cristo do Vale, Bolsista
Marcelo Cordeiro Thalês, M.Sc. Sensoriamento Remoto, Sc. Licenciatura em Biologia;
Herpetologia Renata Jeane Lima Cabral,
Pablo Suarez, M.Sc. Genética e Biologia Molecular, Bolsista Agente Ambiental.
Diagnóstico Arqueológico
Paulo Roberto do Canto Lopes, M.Sc. Arqueologia, Fotos e ilustrações: Equipe da
Aspectos Sócio-Ambientais Casa da Virada
Ruth Helena Cristo Almeida, M.Sc. Sociologia, Design: Forminform
Avifauna
Sidnei de Melo Dantas, M.Sc. Ecologia Animal.
2 Casa da Virada
3. Esta publicação é um resumo dos resultados do Programa
Casa da Virada, do Instituto Peabiru, realizado em Curuçá,
Pará, entre 2007 e 2009. Este conjunto de atividades
realizou-se graças ao patrocínio do Programa Petrobras
Ambiental, da Petrobras e Governo Federal.
Participaram destes trabalhos 54 técnicos, entre 15
colaboradores do Peabiru, 21 instrutores, e 18
pesquisadores do Museu Paraense Emílio Goeldi - MPEG,
Universidade Federal do Pará - UFPA (campus Bragança) e
Instituto Evandro Chagas, Seção de Meio Ambiente
(IEC/SAMAM/SVS/MS), bom como centenas de
representantes de comunidades, de organizações da
sociedade civil de Curuçá e de órgãos públicos das diversas
esferas.
Entre os parceiros cabe destacar e agradecer as duas
entidades que participam desde o início: o Museu Goeldi,
especialmente nos projetos de biosocio-indicadores e do
Ecomuseu do Mangue e a Associação dos Usuários da Resex
Mãe Grande de Curuçá - AUREMAG, cedendo a Casa do
Pescador.
Importante mencionar a UFPA, Campus Bragança, a
Secretaria Estadual de Educação, por meio da Escola
Estadual de Ensino Médio Olinda Veras Alves, de Curuçá, e a
Prefeitura Municipal de Curuçá e organizações da sociedade
civil, especialmente a ONG Cabanos.
A proposta é que este trabalho oriente as políticas públicas
para a região do Salgado e na Zona Bragantina e, em
especial para Curuçá.
Uma experiência de intervenção socioambiental no Salgado Paraense 3
4. Entre as conclusões podem-se destacar as seguintes, socioambiental, uma vez que estes não existem
que merecem maior discussão e sua transformação desde sua criação a partir de 2002.
em projetos, portarias, decretos e leis e ações 2.4 Implementar ações de educação ambiental
complementares, entre as quais há recomendações para que as populações beneficiárias das unidades
de âmbito regional (para o Salgado e Zona de conservação efetivamente se assenhorem de seu
Bragantina), para o município de Curuçá ou para patrimônio e gestão, zelando por sua
determinadas ilhas ou comunidades, a saber: sustentabilidade. As pesquisas da Casa da Virada
2.1 Criação de Corredor Ecológico da Zona indicam que a percepção das comunidades em
Costeira do Pará - Considerando-se o conjunto de relação à RESEX Mãe Grande de Curuçá é muito
8 reservas extrativistas federais marinhas (RESEX) superficial e tênue.
no Nordeste Paraense, acrescido de áreas de 2.5 Garantir a continuidade da formação de
proteção ambiental (APA) estaduais de Algodoal agentes ambientais – como bem demonstraram
(Marapanim) e Urumajó (Augusto Corrêa), os resultados da formação de 60 agentes
recomenda-se aos órgãos federais e estaduais a ambientais pela Casa da Virada;
criação do Corredor Ecológico da Zona Costeira 2.6 Ações propostas para a Mata Amazônica
do Pará que promoveria a gestão integrada e Atlântica:
compartilhada destas unidades, garantindo os 2.6.1 Inclusão da nova classificação de Mata
direitos de uso das populações tradicionais, como Amazônica Atlântica pelos órgãos responsáveis
a integridade de manguezais e ecossistemas (Ministério do Meio Ambiente, ICMBIO, Secretaria
marinhos e costeiros, incluindo-se a nova tipologia de Meio Ambiente do Estado do Pará – SEMA e IBGE
de vegetação, classificação proposta pela Casa da (como classificação oficial da cartografia brasileira)
Virada, da Mata Amazônica Atlântica. É preciso como ambiente único e altamente vulnerável,
considerar um Plano de Manejo Geral para o remanescente nas ilhas flúvio-marinhas (Ipomonga
Corredor Ecológico, seja a partir dos planos de e outras) de Curuçá e região, como medida para a
cada unidade (hoje inexistentes), seja das demais conservação dos remanescentes florestais do
informações técnico-científicas; ameaçado litoral do Pará.
2.2 Criação do Conselho Consultivo do Corredor 2.6.2 Delimitação da área de ocorrência da Mata
Ecológico da Zona Costeira do Pará – Amazônica Atlântica, com a preparação de mapa
antecipando-se à criação deste Corredor Ecológico, técnico e documentos de apoio, para o que devem
seu objetivo seria angariar o apoio, a ser realizadas expedições científicas urgentemente;
fundamentação técnica e científica e discutir, de
2.6.3 Criação de unidade de conservação de
maneira apropriada e no tempo pertinente às
proteção integral para proteger a Mata
comunidades, para contribuir à sua formalização e
Amazônica Atlântica, especialmente em ilhas
garantir sua gestão adequada; propiciando plena
flúvio-marinhas como Ipomonga, a nível estadual;
representatividade das comunidades usuárias, de
2.6.4 Realização de campanha de educação
organizações civis e públicas;
ambiental, acerca da importância da Mata
2.3 Realizar a demarcação e os planos de manejo
Amazônica Atlântica;
das unidades de conservação existentes – para
2.6.5 A criação de uma Estação de Pesquisas,
garantir que estas desempenhem sua função
como centro de referência sobre a Mata Amazônica
4 Casa da Virada
5. Atlântica, e que proporcione base de apoio física às preciso estudar a possibilidade de buscar a
pesquisas científicas; denominação de sítio RAMSAR - Convenção sobre
2.7 Dinamizar as pesquisas cientificas sobre a Zonas Húmidas de Importância Internacional,
Zona Costeira do Pará - o que se torna ainda mais especialmente como Habitat de Aves Aquáticas;
urgente diante das crescentes ameaças (uso 2.9.4 Monitorar as ameaças de espécies exóticas
inadequado dos solos no meio rural, expansão – a principal ameaça constatada é a de camarões.
urbana etc.) e, da potencial instalação de portos Merecem atenção: a) a presença da espécie exótica
de grande escala em Curuçá; Gigante-da-Malásia (Macrobrachium rosenbergii);
2.8 Implementar os biosocio-indicadores b) O cultivo de outra espécie exótica Litopennaeus
desenvolvidos no presente programa, vannamei, original do Pacífico. O uso de espécies
garantindo que organismos públicos locais e exóticas requer monitoramento redobrado, pois
populações usuárias sejam capazes de acompanhar resultam em riscos de enfermidades e competição
e analisar os impactos sobre os sistemas naturais, por alimento e espaço com espécies nativas. A
propondo medidas mitigadoras; construção de portos representa ameaças de
2.9 Promover a Conservação da biodiversidade - organismos trazidos de outras regiões (as águas de
Garantir proteção adequada às espécies de flora e lastro e espécies encontradas em cascos de
fauna vulneráveis e ameaçadas, a partir das embarcações - algas, fungos, mariscos etc.);
pesquisas científicas, especialmente para: 2.10 Incrementar a fiscalização ambiental: é
2.9.1 Ostras –atenção à diversidade de moluscos insuficiente a atenção à exploração do caranguejo.
(Gastrópodes e Bivalves) de Nazaré do Mocajuba, Da mesma maneira, carece de maior atenção a ação
Lauro Sodré e Arapiranga de Dentro, não observada predatória de barcos pesqueiros industriais mais
em outras localidades da RESEX; afora dos estuários.
2.9.2 Quelônios - Pela primeira vez na microrregião 2.11 Aprofundar pesquisas de arqueologia – a
foram encontradas 5 espécies de quelônios, 2 de identificação de materiais arqueológico e indícios
hábitos terrestres e 3 de hábitos aquáticos. Há relevantes apontam o potencial arqueológico da
pequena população isolada de tartarugas área, especialmente em zonas associadas à Mata
subaquáticas mussuã (Kinosternon scorpioides Amazônica Atlântica (especialmente na ilha de
scorpioides), espécie na lista de animais Ipomonga).
ameaçados de extinção. Em relação às tartarugas 2.12 Priorizar a conservação da cultura local ao
marinhas, foram observados sinais de locais de implementar o Ecomuseu do Mangue, a partir da
nidificação para o que deve ser realizada pesquisa proposta apresentada pelo Museu Goeldi, a
específica e conservação das praias como sítios de detalhar e discutir com os beneficiários;
reprodução das tartarugas marinhas. 2.13 Implementar Cadeias de valor biodiversas
2.9.3 Aves - é preciso formar lista mais completa e sustentáveis – o desenvolvimento de negócios
para a região. Dois dos táxons registrados, a comunitários, inclusivos, geradores de renda e que
Maracanã-verdadeira (Primolius maracana) e o promovam a sociobiodiversidade, valorizem seu
João-teneném-castanho (Synallaxis rutilans - patrimônios natural e cultural:
subespécie omissa), encontram-se na lista 2.13.1 A aquicultura - as condições são
paraense de espécies ameaçadas de extinção. É favoráveis, desde que aplicadas boas práticas de
Uma experiência de intervenção socioambiental no Salgado Paraense 5
6. manejo e utilizem-se espécies nativas (peixes, 2.13.6 Implementar as propostas da Agenda 21
caranguejos, ostras etc.); local - a partir do processo democrático de
2.13.2 Atividades agroflorestais - construção da Agenda 21 local, com especial
especialmente a fruticultura a partir de espécies atenção para as áreas de geração de renda,
perenes em substituição à agricultura de transporte e saúde.
subsistência e baixa produtividade de mandioca e
culturas anuais, baseadas no corte-e-queima em Estas recomendações não esgotam as demandas
capoeiras e florestas secundárias; locais, reprimidas por décadas, e levantadas no
2.13.3 Criação e abelhas nativas da Amazônia trabalho da Casa da Virada, apenas apresentam, de
– visando o aumento da polinização de frutíferas, a maneira organizada, uma plataforma de trabalho
recuperação de áreas degradadas, a fixação de para os próximos anos, a partir de informações
carbono, e a geração renda com a venda de mel de científicas e de mecanismos de escuta popular de-
abelhas nativas. Os primeiros resultados da Casa da baixo-para-cima.
Virada demonstram o potencial da atividade; Reiteramos nossa alegria em apresentar estes
2.13.4 Ecoturismo – os trabalhos realizados pela estudos e nosso compromisso em buscar parcerias
Casa da Virada demonstram o potencial, e recursos para implementar esta agenda de
especialmente do ecoturismo de base comunitária; trabalhos.
2.13.5 Garantir o fortalecimento do tecido
social local – a partir das organizações de base
comunitária, para que estas sejam capazes de João Meirelles Filho Hermógenes Sá
representar os anseios das 52 comunidades de Diretor Geral Gerente do Programa
Curuçá, além de diferentes grupos de interesse;
6 Casa da Virada
7. Índice
1. Apresentação ..........................................................3
2. Próximos Desafios ....................................................4
3. A Amazônia, o Peabiru e a Casa da Virada .....................8
4. Ciência .....................................................................15
5. Inventários botânicos nas comunidades ......................20
6. Descobertas relacionadas à fauna ..............................24
7. Indicadores biossociais e de ameaça à biodiversidade...27
8. Indicadores de impacto ambiental sobre
recursos hídricos ..................................................33
9. Indicadores de Áreas de degradação ...........................34
10. Caranguejo nosso de cada dia.....................................36
11. Arqueologia - Vestígios da ocupação humana
no litoral da Amazônia .........................................38
12. Ecomuseu do Mangue..................................................39
Equipe ......................................................................44
Anexo .......................................................................45
Uma experiência de intervenção socioambiental no Salgado Paraense 7
8. A Casa da Virada foi concebida A Casa da Virada constitui-se de • Biosócio-indicadores -
como intervenção socioambiental sete projetos, a saber: para orientar as comunidades no
para contribuir para o aumento • Educação Ambiental - monitoramento de políticas
da auto-estima de comunidades formação de 60 agentes públicas, manejo de recursos
tradicionais caboclas do Nordeste ambientais em 2 cursos hídricos, florísticos, faunísticos e
Paraense, ao mesmo tempo que semestrais de 200 horas e mais sociais.
valoriza a biosociodiversidade, de 30 mini-cursos e oficinas • Clínica de ONGs –
promove negócios sustentáveis e comunitárias, sobre artesanato, Assistência técnica em
fortalece as unidades de ecoturismo, água, segurança planejamento e mobilização de
conservação. alimentar, manejo sustentável, recursos para fortalecimento
O conjunto de ações valor da floresta etc. de 8 organizações locais.
educacionais, científicas e de • Agenda 21 – • Ecoturismo de base
difusão tecnológica visa construção participativa e comunitária –
contribuir para transformar a democrática de uma agenda Desenvolvimento de unidade de
realidade de 32 mil pessoas, que comum de sonhos e ações de 52 negócio administrada por jovens,
vivem em mais de 52 comunidades de Curuçá. capacitados como monitores de
comunidades de Curuçá, ecoturismo.
• Museu do Mangue -
município da microrregião do
(Ecomuseu) – elaboração de • Abelhas nativas –
Salgado, meso-região do
projeto de museu comunitário, a implantação de criação de
Nordeste Paraense, a 130 km de
partir de narrativas orais e abelhas nativas
Belém.
formação de coleção do (meliponicultura) para 60
patrimônio material, visando a famílias em 5 comunidades,
instalação futura de espaço com especial atenção para
museológico. mulheres e jovens.
Alunos do curso de agentes
1 ambientais e equipe
8 Casa da Virada
9. Entre os resultados cabe destacar em diferentes locais do Pará,
a melhora da auto-estima de Amapá e Amazonas.
mais de 120 jovens participantes Como resultados extras da Casa
dos diferentes programas da Virada destacam-se o
(agentes ambientais, ecoturismo Ecoturismo, uma vez que não
etc.). Ainda como parte da constava no plano inicial. Esta
Educação Ambiental, as iniciativa apresentou resultados
capacitações comunitárias em significativos, mesmo com
legislação ambiental limitados recursos, como a
colaboraram para aprimorar a formação de monitores em
consciência coletiva a respeito da ecoturismo, a criação pelos
Resex e sua função social. jovens capacitados de uma ONG,
O trabalho dos pesquisadores do o Instituto Tapiaim, e a
Museu Goeldi e da UFPA continuidade da iniciativa por
constitui-se em acervo valioso meio de outros projetos.
acerca da região, principalmente Da mesma maneira, o trabalho
no que se refere a orientações com as abelhas nativas não
para políticas públicas de previsto, constituiu-se em outro
conservação. resultado positivo. Visando a
O projeto do Museu do Mangue futura geração de renda
segue os preceitos de um complementar para as famílias
Ecomuseu. O Fórum da Agenda 21 envolvidas. De cima para baixo, reunião do Fórum da
Agenda 21, manutenção das caixas de
Local das comunidades de Curuçá
abelhas nativas e monitores de ecoturismo
foi implantado e realizado a e visitantes em roteiro de base comunitária
partir de ampla base local. É
iniciativa que merece ser
acompanhada por seu caráter
inovador e desafiador.
A Clínica de ONGs, apesar das
metas terem sido alcançadas,
apresenta-se como um dos
maiores desafios. Os resultados
permitem conjecturar a
necessidade de revisão
metodológica. Esta ação
permitiu, por exemplo, gerar uma
reflexão no Peabiru como se deve
conduzir seu programa de
capacitação de ONGs, realizado
Uma experiência de intervenção socioambiental no Salgado Paraense 9
10. Pescador da maré
3.2 A Amazônia
Na Amazônia brasileira mais 3
milhões de pessoas (10% do
total) são de populações
tradicionais – índios, quilombolas
e caboclos. Se considerarmos
somente as populações caboclos
– ribeirinhos, seringueiros,
pescadores artesanais,
quebradeiras de coco, pequenos
agricultores etc., encontraremos
cerca de 30 mil comunidades
rurais.
Historicamente, o Brasil relegou a
região ao segundo plano,
concebendo-a como fonte
inesgotável de terras e matérias
primas, desrespeitando suas
populações, praticando
sistematicamente a pilhagem e a
3.1 A proposta metodológica ocupação de forma desordenada e
violenta. A partir de 1964 a
auto-estima, a conservação da Amazônia é interligada por
Ao longo de seus 11 anos, o
cultura e da biodiversidade, o estradas ao nordeste e centro-sul
Instituto Peabiru aprimorou uma
resgate da cidadania, a geração de do país, a migração é fortemente
abordagem para a ação social
emprego e renda, e estimular o estimulada, e os incentivos fiscais
visando o desenvolvimento local
fortalecimento do tecido social a atraem indústrias, incentivam a
que compreende a economia
partir das associações pecuária bovina extensiva e pólos
local, a cidadania, a cultura e o
comunitárias. O termo Virada é minero-metalúrgicos.
fortalecimento institucional das
organizações da sociedade civil. invenção dos pescadores de Graças à impunidade, à ausência
A intenção é desenvolver as áreas Curuçá. Quando vão em busca de de Estado, à corrupção, ao
do conhecimento de maneira seu sustento no mangue ou na coronelismo vigentes, bem como
integrada. maré dizem que vão para a virada. a incompreensão do que
Ao mesmo tempo, Virada significa verdadeiramente representa a
Esta abordagem, batizada de
mudar de vida, o ano da virada, o sociedade e a natureza da
Casa da Virada, significa
gol da virada, dia 31 de dezembro, Amazônia, a região pouco avança
implementar, simultaneamente,
data para renovar esperanças. em termos sociais.
iniciativas para a elevação da
10 Casa da Virada
11. FOTO 07
Em termos ambientais o rapidamente, e ensaia-se novo necessidade de atender os
resultado é catastrófico. Em ciclo de grandes pescadores artesanais e
menos de meio século a empreendimentos de infra- pequenos agricultores no manejo
Amazônia perde 17% de sua estrutura, mineração e racional desses recursos,
cobertura vegetal (70 milhões de metalurgia, com investimentos, especialmente de manguezais e
hectares), superfície igual à em 5 anos, de mais de R$ 150 pela situação crítica da
soma das áreas dos estados do bilhões, superiores aos dos conservação da água doce.
Rio Grande do Sul, Santa últimos 500 anos. Igualmente importante é a
Catarina, Paraná, São Paulo, Rio Que Amazônia queremos? É ameaça da construção de mega-
de Janeiro e Espírito Santo). possível aliar sustentabilidade, empreendimentos, como o porto
Em vez de atacar o problema de mineração e negócios rurais? flutuante proposto pela
frente, como Nação, tratamos dos Como substituir atividades não Angloamerican (MMX) e o porto
efeitos – a malária, a dengue, a sustentáveis antes que estas nos off-shore do Espadarte.
desnutrição, a violência, a destruam e à Amazônia? De que Segundo o IBGE (Estimativas
prostituição, o desemprego, a maneira garantir direitos básicos 2007 e Censo 2000), Curuçá tem
queimada e o desmatamento –; e aos cidadãos amazônicos? 33.768 habitantes. Desses,
não das causas – a falta de O propósito do Peabiru é 20.741 vivem em áreas rurais.
conhecimento e acesso aos contribuir para fortalecer a auto- Apenas 25,5% das casas têm
direitos básicos, a má estima, a geração de renda de fossa séptica ou são ligadas à
distribuição de renda, o acesso forma sustentável e a rede geral de esgoto; 22,2% têm
injusto à educação e aos serviços recuperação das paisagens acesso ao serviço de coleta de
públicos, a subserviência aos naturais da Amazônia mais lixo e 12,2% da população é
ditames de mercados por madeira devassada. É neste sentido que o analfabeta.
e carne bovina barata, energia Peabiru prioriza o nordeste Segundo o Atlas de
subsidiada e água exportada na paraense e seu litoral. É na Desenvolvimento Humano no
forma de grãos e carne bovina. região do Salgado, e em Curuçá, Brasil, o Índice de
No meio rural, o maior desafio é onde nossa ação se desenvolve. Desenvolvimento Humano (IDH)
oferecer respostas adequadas ao de Curuçá é de 0,709; o IDH-
avanço da pecuária bovina. Em Renda é de 0,561 com 74,1% da
50 anos o Brasil transferiu para a população sendo considerada
região 1/3 de seu rebanho (75 3.3 Curuçá e a região do pobre.
milhões de cabeças). Entre as Salgado
Entre Belém, Pará, e São Luís,
consequências estão: Brasil Maranhão, estão os mais
campeão mundial de O Peabiru atua no Salgado, e, em extensos, complexos e
desmatamento e queimadas, e 5o particular, em Curuçá, motivado biodiversos manguezais do
maior emissor de gases para o pelas limitadas oportunidades de planeta. Na Costa Norte brasileira
aquecimento global. educação e geração de renda, (MA, PA e AP) concentra-se 85%
As perspectivas são sombrias: a pela forte pressão sobre os dos manguezais do país, dos
pecuária e a soja avançam recursos naturais; pela quais 270 mil hectares no litoral
Uma experiência de intervenção socioambiental no Salgado Paraense 11
12. nordeste do Pará. O mangue é a de Curuçá (RESEX). Com 37.062 existência da RESEX
fonte de alimentação e de renda hectares, esta protege igarapés, impossibilitaria qualquer
para mais de 30 mil famílias de restingas, manguezais e baías, empreendimento no local.
pescadores do Salgado. O IBAMA principal fonte de sobrevivência O escritório do Peabiru em Curuçá
e o ICMBIO consideram os de cerca de 6 mil famílias de foi instalado em 2006 e, desde
manguezais (que ocupam apenas pescadores e pequenos então, serve como apoio às
1,87% do bioma Amazônia) entre agricultores. iniciativas da organização. Em
as áreas mais frágeis e 2007, fomos selecionados, entre
ameaçadas da região, pois estão mais de 900 concorrentes, para o
suscetíveis às ações predatórias 3.4 As ações do Peabiru em Programa Petrobras Ambiental
do homem e são considerados Curuçá com a Casa da Virada. Em 2007,
ambientes de baixa resiliência A partir de 2005 o Peabiru inicia em parceria com a Royal Tropical
(baixa capacidade de suas atividades em Curuçá, em Institute, da Holanda, e
recuperação natural). Além disto, projeto de pesquisa para a financiamento do Banco Real,
é possível que mais de 2/3 das empresa RDP (Planejamento e iniciamos o programa Abelhas
espécies marinhas dependam, de Desenvolvimento Permacultural nativas da Amazônia. Em 2009,
alguma forma, desses Ltda). O trabalho resultou em foi a vez do Programa de
ecossistemas. avaliação preliminar de Educação para Jovens, apoiado
A partir da demanda das mais viabilidade ambiental, fundiária pelo Criança Esperança (Rede
de 52 comunidades tradicionais e político-social de Globo e UNESCO), como
do município, em 2002 foi criada empreendimento turístico no continuidade a uma das
a Reserva Extrativista Mãe Grande local, demonstrando que a atividades da Casa da Virada.
12 Casa da Virada
13. 3.5 O Instituto Peabiru
O Peabiru é uma Organização da Sociedade Civil de Responsabilidade Social Empresarial.
Interesse Público – OSCIP, com a missão de gerar São ações em 16 municípios em 4 estados: Amapá
valores para a conservação da biosociodiversidade (Macapá, Santana, Mazagão, Oiapoque e Porto
das florestas tropicais, especialmente da Amazônia. Grande), Amazonas (Boa Vista do Ramos), Pará
Criado em São Paulo em 1998, tem sua sede em (Acará, Barcarena, Belém, Castanhal, Curuçá, Juruti,
Belém desde 2004. São mais de 110 projetos Marapanim, Monte Alegre e Tailândia); e São Paulo
realizados, dos quais 11 em andamento. As (São Bernardo do Campo).
atividades do Peabiru estão organizadas em 3 O Peabiru conta com uma assembléia geral de sócios
programas: Escolas de Sustentabilidade – onde se se pessoas físicas brasileiras, um conselho diretor de e
insere a Casa da Virada; Negócios Inclusivos; e um conselho fiscal. As ações são conduzidas por
Manguezal eM Curuçá
Uma experiência de intervenção socioambiental no Salgado Paraense 13
14. uma equipe com cerca de 23 pessoas, entre seus 6 O Peabiru participa da Rede AVINA, do Fórum
escritórios (Belém, Curuçá, Juruti, Macapá, São Amazônia Sustentável - FAS, da ABCR – Associação
Paulo e Tailândia). Brasileira dos Captadores de Recursos e da Rede
Nosso público preferencial são as associações de GERCO – Rede de Gerenciamento Costeiro, e colabora
moradores e produtores de comunidades para a Rede GTA – Grupo de Trabalho da Amazônia.
tradicionais da Amazônia. Os recursos advém de Em parceria com o Conselho das Associações de
doações de empresas privadas; fundações e Comunidades Afro-descendentes do Amapá (CCADA)
institutos nacionais e internacionais; editais criou a Néctar da Amazônia Ltda., empresa com sede
públicos; assessorias em responsabilidade social em Macapá, AP, para apoiar a cadeia produtiva de
empresarial; doações da Secretaria da Receita mel de abelhas nativas da Amazônia.
Federal; e neutralização de carbono de organizações
e eventos.
14 Casa da Virada
15. 4.1 Em busca da conservação mexilhões) e a agricultura de as ilhas e o interior, tanto para a
do Salgado subsistência. amostragem socioambiental,
Para contribuir para a As comunidades selecionadas quanto para sensoriamento
conservação dos ambientes pertencem a 3 micro-bacias remoto, caracterização da
naturais e da cultura o Programa hidrográficas: a do Rio Muriá, um vegetação, composição florística,
Casa da Virada desenvolveu furo separando a vila do Abade, inventário biológico de aves,
pesquisas científicas em parceria na parte continental, e as ilhas peixes, anfíbios, répteis,
com o Museu Paraense Emílio de Fora, Ipomonga e Marinteua; a crustáceos e moluscos.
Goeldi - MPEG. Pesquisadores bacia do Rio Mocajuba, cuja Em termos de identificação de
trabalharam na área costeira e nascente está no centro do espécies, os resultados foram
interior de Curuçá, especialmente município, com águas mistas, promissores, ao revelar um rol
nos manguezais, protegidos pela sendo água doce na primeira considerável de espécies da flora
RESEX Mãe Grande de Curuçá. metade e salobra e salgada, a e da fauna que não se imaginava
Entre as ações estão o inventário partir da influência da água do ser tão extenso e singular, seja
da biodiversidade (identificação mar; e a micro-bacia do Rio em ambientes de vegetação
de espécies de flora e fauna), a Curuçá, cujas nascentes ficam no secundária (capoeiras),
identificação e caracterização de município de Marapanim, com remanescentes de florestas de
indicadores de impacto águas mistas, e com maior terra firme, manguezais,
ambiental, e a avaliação do contingente humano em seu restingas e vegetação inundada,
estado de conservação dos entorno. como campos e igapós.
principais rios. Foram estudadas As metodologias levam em As atividades de campo buscaram
as ilhas flúvio-marinhas (como a consideração as diferenças entre compreender a percepção das
ilha de Fora, onde estão as vilas
Ilha flúvio-marinha de Areuá
de Algodoal, Arapiranga de Fora,
Iririteua, Mutucal, Pedras
Grandes e Recreio), e as ilhas de
Areuá, Ipomonga, Marinteua e
Romana, onde há presença
temporária de pescadores.
O interior incluiu o estudo de
comunidades em um raio de 20
km a partir do núcleo urbano do
município. Foram visitados os
povoados com vegetação costeira
de manguezais e restingas, e que
apresentam como atividades
econômicas a pesca, a catação de
mariscos (caranguejos,
camarões, ostras, turus e
Uma experiência de intervenção socioambiental no Salgado Paraense 15
16. Mapa da vegetação de Curuçá
comunidades locais em relação a biodiversidade e uso sustentável 4.2 Curuçá: Conjunto raro e
RESEX. Os resultados levantados de recursos naturais. A singular de ecossistemas
nas ilhas e áreas continentais participação dos pesquisadores Na zona costeira a paisagem é
auxiliarão na construção de do Museu Goeldi inclui, ainda, dominada por manguezais,
plano diretor que possa favorecer aspectos legais, organizacionais, restingas, praias e dunas. No
o desenvolvimento sustentável avaliação do capital social e interior, pela agricultura familiar,
de suas comunidades. Estes questões relativas ao impacto capoeiras em diversos estágios
resultados prestam-se para sobre o uso de recursos naturais. de recrescimento e escassos
orientar políticas públicas para a remanescentes de florestas de
recuperação de áreas terra firme. O Salgado Paraense é
degradadas, proteção e manejo a região que mais perdeu
das micro-bacias, conservação da
16 Casa da Virada
17. florestas de terra firme na Em cerca de 90 km2 encontram- único acesso era a via fluvial. As
Amazônia, ao longo de 150 anos se 5 comunidades. Nas outras comunidades mais recentes estão
de colonização, com redução de ilhas identificam-se abrigos ao longo da rodovia Castanhal-
mais de 90% de sua cobertura provisórios de pesca, visitados Curuçá (PA 136). Nas
original. A microrregião do por pescadores, camaroneiros e comunidades rurais é raro
Salgado abrange outros onze tiradores de caranguejo na safra encontrar remanescentes de
municípios, apresentando uma pesqueira, o que ocorre durante florestas originais, os poucos
zona costeira de cerca de 300 os meses menos chuvosos. remanescentes estão em
quilômetros. Somente nas praias oceânicas há propriedades de maior porte.
O conjunto de ilhas flúvio-
marinhas de Curuçá apresenta
grande importância, seja pelo
alto grau de conservação da
vegetação, especialmente
manguezais e florestas de terra
firme (bacurizais, umirizais e
outros). Este é o caso da Ilha de
Ipomonga, exemplo de floresta
de terra firme, que impressiona
pelas características de Mata
Atlântica em plena Amazônia, o
que leva-nos a propor nova
nomenclatura específica para
esta vegetação: a Mata Aspecto externo de vegetação
Amazônica Atlântica, aquela secundária, cuja luminosidade
uma presença de alguns favorece o desenvolvimento de cipós.
encontrada próxima da costa do
Oceano Atlântico. pescadores durante o ano todo.
4.3 Inventário da
Por sua vez, as ilhas de Areuá, A parte continental, o interior de
biodiversidade
Marinteua e Romana apresentam Curuçá, é composta por 52
comunidades (vilas, povoados e Os pesquisadores inventariaram
vegetações de restinga, campos
localidades) além do núcleo populações de grupos biológicos
(apicuns) e dunas litorâneas,
urbano. As capoeiras e pequenas mais importantes da
além de extensos manguezais e
áreas de agricultura de biodiversidade, principalmente
áreas de campos savanóides,
subsistência são marcantes na pelo seu interesse à economia
compostas de antigas dunas
paisagem das vilas do interior. A local. Milhares de pessoas
aplainadas.
maioria está localizada às sobrevivem da coleta de recursos
A única ilha habitada de forma costeiros – peixes, camarões,
margens das micro-bacias dos
permanente é a Ilha de Fora, cuja caranguejos, ostras e mexilhões
rios Curuçá, Muriá, Mocajuba e
cobertura vegetal de terra firme – para a comercialização e
Tijoca, e até recentemente, o
encontra-se bastante alterada. consumo próprio. Foram, ainda,
Uma experiência de intervenção socioambiental no Salgado Paraense 17
18. roliça (postes, caibros e varas),
fibras vegetais e cipós (para a
fabricação de artefatos
domésticos, construção de cercas
e para habitações e depósitos
rústicos, os chamados tapiris e
paióis). As capoeiras e
remanescentes e até os
manguezais servem como fonte
de madeira empregada na
reforma de currais de pesca e
para lenha e carvão vegetal.
Nessas pequenas áreas de
floresta densa foram encontrados
exemplares de espécies
localmente raras, do ponto de
vista biológico e florestal, como
o Tauari (Couratari multiflora),
A Mata Amazônica Atlântica na ilha de Ipomonga Cupiúba (Goupia glabra),
listadas e caracterizadas espécies vegetação secundária. Mais de Sucupira (Diplotropis purpúrea),
botânicas (somente para plantas 80% da ilha é coberta por dentre outras.
com flores) e da fauna terrestre florestas secundárias Na Ilha de Fora, e na costa do
(aves, répteis e anfíbios). (capoeiras), em diversos graus de município, estão presentes os
recuperação, utilizadas de bosques de manguezais, como os
Descobertas relacionadas à tempos em tempos para a mais densos e altos de todo o
flora agricultura de subsistência, litoral amazônico, com o dossel
baseada no corte-e-queima, ou atingindo até 30 metros de
Diversos aspectos de importância
seja, no cultivo e posterior altura. Nestes, há as 3 espécies
acerca da flora local foram
abandono, comum à agricultura de mangue: Mangueiro-vermelho
identificados na Ilha de Fora. A
itinerante da Amazônia. (Rhizophora mangle), Siriubeira
ilha, com certa diversidade
vegetal localiza-se a noroeste do Por este motivo, restam na ilha (Avicennia nítida) e Tinteiro
município, entre a foz do Rio poucos fragmentos de florestas (Laguncularia racemosa).
Muriá e a do Rio Curuçá. Nesta foi densas de terra baixa, ameaçadas
possível analisar parâmetros pela exploração madeireira para 4.4 Ipomonga: a Mata
florísticos e fitossociológicos da atender as necessidades locais, e Amazônica Atlântica
área e, a partir daí, conhecer pelas novas áreas de agricultura
aspectos botânicos e ecológicos, de subsistência. Desses
remanescentes florestais, as As expedições científicas do
e os impactos da ocupação
comunidades retiram madeira Museu Goeldi, como parte da
humana, como o surgimento da
18 Casa da Virada
19. Casa da Virada, identificaram a
ocorrência de um tipo de floresta
remanescente que apresenta
características de Mata Atlântica
em plena região Amazônica.
Trata-se da floresta presente na
Ilha de Ipomonga e ilhas com
características semelhantes na
região do Salgado. A Ilha de
Ipomonga, com 12 km2, localiza-
se a 5 km do Oceano Atlântico.
O conceito de Mata Atlântica
envolve questões biogeográficas.
O bioma Mata Atlântica que
cobria o litoral e parte do interior
do Brasil, em mais de 1 milhão de
km2 (100 milhões de hectares),
desde o Rio Grande do Sul ao
Ceará, apresenta diferentes Pesquisadores em expedição na Ilha de Fora
características na medida em que Bragantina eram de florestas de Bacuris (Platonia insignis) de
se alteram o clima, os solos, a terra firme, semelhantes à de grande porte, que já vinham
altitude e outros fatores Ipomonga, com diferenças sendo estudadas pela EMBRAPA.
geográficos. fundamentais. A floresta da Ilha Ipomonga apresenta, ainda,
Na Ilha de Ipomonga, em Curuçá, de Ipomonga apresenta espécies de árvores típicas da
há também Mata Atlântica, com o diferenças em relação às demais floresta de terra firme, o Piquiá
acréscimo de Amazônica, a Mata matas densas amazônicas. Existe (caryocar villosum), o Tauari
Amazônica Atlântica, porque, maior proporção de espécies (Couratari guianensis) e a
antes de tudo, esta é amazônica, caducifólias, ou seja, que perdem Sapucaia (Lecythis pisonis).
uma vez que está no bioma as folhas durante a estação seca. Para conservá-la e protegê-la, o
amazônico. Essa classe não existe Há maior proporção de epífitas, Museu Goeldi e o Instituto
entre as tipologias florestais da no que se assemelha com a Mata Peabiru, recomendam que a Ilha
região, classificadas pelo IBGE. Atlântica. Existem algumas de Ipomonga se transforme em
No entanto, nesta escala espécies, como o Jatobá unidade de conservação estadual
analisada pelo Museu Goeldi para (Hymenaea courbaril), que são ou federal, e como Estação de
a Casa da Virada, podemos encontradas em toda a mata. Pesquisas, enfim, um centro de
considerar essa tipologia É impressionante o estado de referência sobre esse tipo de
singular. conservação da ilha de floresta na Amazônia, e que
A antiga cobertura florestal tanto Ipomonga. Foram encontradas proteja este ecossistema único do
do Salgado como da Zona populações remanescente de bioma amazônico.
Uma experiência de intervenção socioambiental no Salgado Paraense 19
20. 5.1 Comunidade de Nazaré do 5.2 A Comunidade Vila Lauro Sodré
Mocajuba Também possui capoeira proveniente de roça abandonada, utilizada
Possui capoeira de mais de 20 para a retirada de madeira, com mais de 30 anos. O relevo é plano, com
anos, proveniente de roça solo areno-argiloso. O sub-bosque é ralo, e onde é mais denso nota-se a
abandonada. É utilizada como presença de cipós. No chão da capoeira, encontrou-se grande incidência
reserva, mas sofre a retirada de de Sellaginella sp. (Sellaginellaceae). Provavelmente pela alta
madeira de pequeno porte, umidade, uma vez que estas áreas eram próximas de igarapés. A
principalmente para caibros e presença de epífitas é muito baixa, observando-se, apenas, algumas
esteios. A capoeira se encontra em espécies de Araceae. Entre as palmeiras, destacam-se a regeneração de
área de relevo plano, com solo Tucumã (Astrocaryum vulgare) e Inajá (Attalea maripa).
arenoso. Em algumas partes há Há camada de liteira densa, principalmente junto aos igarapés. O dossel
terra-preta areno-argilosa, é de aproximadamente 18 m, com emergentes que chegam a atingir
provavelmente por causa das entre 25 a 30 m, como Pará-pará (Jacaranda copaia – Bignoniaceae),
queimadas anteriores. Virola michelli (Myristicaceae) e Xylopia nitida (Annonaceae). Essas
Na comunidade há sub-bosque emergentes são provenientes da mata primitiva, à exceção de Pará-
não muito denso, com áreas de pará, espécie pioneira de crescimento rápido.
maior densidade de cipós. Não No dossel não observamos espécies dominantes. Entre as mais comuns
foram observadas epífitas. A há a Tapiririca (Tapirira guianensis – Anacardiaceae). Observou-se a
camada de liteira não é muito regeneração e indivíduos juvenis de espécies da mata primitiva, como a
espessa. Entre as palmeiras Sucuúba (Himatantus sucuuba – Apocynaceae), Chrysophyllum sp
observou-se o Tucumã e (Sapotaceae). Nessa área existe Cupuaçú (Theobroma grandiflorum –
Desmoncus sp. Sterculiaceae).
O dossel é de aproximadamente 12
m de altura, com predominância
de Croton sp (Euphorbiaceae),
Saboeiro (Abarema jupunba – Leg.
Mimosoideae) e Guapira venosa
(Nyctaginaceae). Entre os cipós o
Escada-de-jabuti (Bauhinia
guianensis – Leg.
Caesalpinioideae) Arrabidaea sp. Detalhe de mangue
(Bignoniaceae). Entre as ervas a 5.3 Vila Lauro Sodré
Wulffia baccata (Compositae), A capoeira também tem Arecaceae) e certa dominância de
Heliconia psilostachya aproximadamente 30 anos, e é Connarus perrotetti
(Heliconiaceae). Não foram semelhante à anterior, com (Connaraceae). Há retirada de
observadas regeneração nem pequenas diferenças na madeira para caibros, esteios etc.
indivíduos jovens de espécies composição florística, como a Entre as ervas está a Sororoca
florestais que poderiam ser presença de Mumbaca (Phenacospermum guianensis –
provenientes da floresta primária. (Astrocaryum gynacanthum – Strelitziaceae).
20 Casa da Virada
21. 5.4 Comunidade Arapiranga 5.5 Comunidade Nazaré da
Está bastante desmatada. A área Tijoca
observada estava abandonada a A capoeira é mais antiga, entre 25 gêneros Arrabidaea
aproximadamente 10 anos. e 30 anos, em área plana, também (Bignoniaceae) e Escada-de-
Apresenta terreno plano, solo resultado de roças abandonadas. jabuti (Bauhinia guianensis – Leg.
areno-argiloso, arenoso em Não há informações sobre retirada Caesalpinioideae).
alguns pontos. A vegetação tem de madeira. O solo é areno- O dossel é de aproximadamente
aproximadamente 3 m de altura argiloso e a camada de liteira 15 m, não apresentando
com árvores remanescentes da apresenta, de 1 a 3 cm de emergentes. No dossel não há
floresta primitiva, o espessura. O sub-bosque não é predominância de determinada
Chrysophyllum sp. – denso, com poucos cipós e espécie, e as mais abundantes são
Sapotaceae). palmeiras. Entre as palmeiras a Guapira opposita
Um sub-bosque muito denso, apenas indivíduos de Inajá (Nyctaginaceae) e o Bacuri
com presença de Tiririca (Scleria (Attalea maripa – Arecaceae) e (Platonia insignis – Clusiaceae),
sp. – Cyperaceae), Paspalum sp. pouca regeneração. Os poucos com intensa regeneração.
(Poaceae) e outros, como cipós são principalmente dos
Frutas na estrada
Solanum sp. (Solanacae),
Stylosanthes guianensis (Leg.
Papilionoideae) e Wullfia baccata
(Compositae). Os cipós são raros,
sendo observados aqueles de
áreas recentemente desmatadas,
como espécies de Mandevilla sp.
(Bignoniaceae). Apesar da
devastação, as matas ciliares, as
beiras dos igarapés, estão
relativamente preservadas.
Uma experiência de intervenção socioambiental no Salgado Paraense 21
22. 5.6 Comunidade Santo Antonio 5.7 Boa Vista do Muriá
da Tijoca A capoeira chega a três décadas de regeneração, e está localizada a
Observadas capoeiras de 20 anos. apenas 5 m do mangue. É área de preservação da comunidade e não é
Seu relevo é plano, o solo é permitida a extração de madeira ou caça. O relevo é plano, o solo
areno-argiloso, a camada de arenoso a areno-argiloso, e em algumas partes pedregoso. O sub-
liteira apresenta, em média, de 1 bosque é limpo, com boa penetração de luz. A camada de liteira é
a 3 cm. O sub-bosque não é muito espessa, e o dossel de 13 a 15 m, com emergentes de até 20 m. Entre as
denso, com poucos cipós e ervas, há grande número de indivíduos de Heliconia psilostachya
palmeiras. Entre as epífitas (Heliconiaceae) e Scleria sp. (Cyperaceae). Os cipós, apesar de não
alguns indivíduos de Anthurium serem abundantes apresentam espécies como Bauhinia guianensis
sp. (Araceae). Entre as palmeiras (Leg. Caesalpinioideae), Mandevilla sp. (Apocynaceae), Cipó-de-fogo
a abundancia de Tucumã (Doliocarpus dentatus e Doliocarpus sp. – Dilleniaceae), Maripa sp.
(Astrocaryum vulgare – (Convolvulaceae), Smilax sp. (Smilaceae) entre outras.
Arecaceae), em grandes touceiras As poucas palmeiras são dos gêneros Bactris sp. (comum no sub-
com até 10 indivíduos em cada bosque), Astrocaryum vulgare (tucumã). No dossel há uma ligeira
uma, e intensa regeneração. predominância de Sucuúba (Himatantus sucuuba – Apocynaceae),
Entre as ervas a Heliconia Tatapiririca (Tapirira guianensis – Anacardiaceae). As emergentes são a
psilostachya, Scleria sp.; os cipós Sucuúba (Himatanthus sucuuba), alguns indivíduos de Tatapiririca e
observados foram Memora Trattinickia burserifolia (Burseraceae), que atingiu aproximadamente
magnifica (Bignoniaceae), Derris 25 m. Devido à proximidade do mangue foram observados indivíduos de
utilis (Leguminosae Taperebá (Spondias monbim – Anacardiaceae).
Papilonoideae) e Memora flavida
(Bignoniaceae).
O dossel é de 12 a 14 metros, sem
dominância de espécie. As 5.8 Comunidade da Beira
emergentes são Cecropia palmata Foi observada capoeira com 20 anos, proveniente de roça abandonada,
(Cecropiaceae), Saboeiro em área de relevo plano, solo argilo-arenoso a argiloso. O sub-bosque é
(Abarema jupunba – Leg. limpo, com boa penetração de luz. Há pouca ocorrência de epífitas,
Mimosoideae), observaram-se cipós e de palmeiras. A camada de liteira é espessa. O dossel possui
indivíduos de Xylopia sp. aproximadamente 17 m de altura, e as emergentes chegam a atingir
(Annonaceae) embora não 25m.
tenham sido inventariados. As ervas são pouco representadas, com a presença de Heliconia
psylostachia (Heliconiaceae), Pariana sp. (Poaceae). Os cipós estão
representados principalmente por Bauhinia guianensis (Leg. Caesalp.),
Serjania sp. (Sapindaceae), Strychnos sp. (Loganiaceae) e Dioscorea sp.
(Dioscoreaceae). No dossel, embora não haja predominância de
determinada espécie, evidenciamos o Marupá (Simarouba amara –
Simaroubaceae), a Sucuúba (Himatanthus sucuuba – Apocynaceae) e o
Saboeiro (Abarema jupunba – Leg. Mimos).
22 Casa da Virada
23. A flora em números
Inicialmente foram listadas 173 espécies vegetais,
representantes de 45 famílias botânicas. A partir de análises
de similaridade florística, a lista de espécies caiu para 126.
Destas, 37% são comuns aos dois ambientes, o das ilhas e o
do continente. Um grupo de 43% apresenta ocorrência
restrita às capoeiras continentais. Cerca de 20% das espécies
são exclusivas das capoeiras insulares.
As capoeiras continentais apresentam maior riqueza
quantitativa, com 126 espécies. As capoeiras das ilhas
apresentaram 94 espécies. Quase a metade das espécies
(42%) corresponde a 5 famílias botânicas: Fabaceae
(15,03%), Myrtaceae (8,67%), Annonaceae (6,36%),
5.9 Comunidade de Curuperé
Trata-se de assentamento, vizinho à Reserva Extrativista, onde há
grande capoeirão em terreno plano e solo de areia branca. O sub-
Pesquisa de campo bosque é limpo, com boa penetração de luz. A camada de liteira é
espessa, com pouca presença de cipós e dossel de 15 m, com
emergentes com mais de 20 m.
Entre as emergentes destacam-se As palmeiras compõem o sub-bosque e principalmente a Mumbaca
a Sucuúba e o Marupá, além de (Astrocaryum gynacanthum – Arecaceae) e alguns indivíduos esparsos
Croton matourensis de Bactris sp. Poucas ervas foram encontradas. O dossel não apresenta
(Euphorbiaceae), o Saboeiro e predominância de determinada espécie, no entanto, estão presentes
Sapium lanceolatum Andira retusa (Leg. Papil.), Guatteria poeppigiana (Annonaceae),
(Euphorbiaceae). Algumas Thyrsodium paraensis (Anacardiaceae), Rinorea guianensis (Violaceae),
espécies típicas de mata de terra Rollinia exsucca (Annonaceae). Todas espécies de mata de terra firme.
de firme, como o Breu-de-leite Os cipós são Davilla kunthii (Dilleniaceae), Smilax sp. (Smilacaceae).
(Thyrsodium paraensis – Há regeneração de espécies da mata de terra firme: Virola sebifera
Anacardiaceae), Pouteria hirta (Myristicaceae), Saccoglotis guianensis (Humiriaceae), Andira retusa
(Sapotaceae), Copaíba (Copaifera (Leg. Pap.). Embora haja indícios de extração de madeira, a área é bem
sp.) e Eschweilera coriacea foram preservada.
observadas com indivíduos
juvenis e em regeneração.
Uma experiência de intervenção socioambiental no Salgado Paraense 23
24. Para répteis e anfíbios foram recolhidos dados em ou de florestas de terra firme. Poucas espécies
manguezais, margens de igarapés, capoeiras, migratórias, como maçaricos e gaivotas, foram
florestas de terra firme e áreas savanóides das ilhas registradas, devido a época do trabalho, fora do
de Fora, Ipomonga, Marinteua e Areuá. Mesmo em período de migração.
áreas onde há comunidades (Ilha de Fora), o número Nos manguezais destacou-se o grande número de
de espécies é de 74, sendo 18 espécies de anfíbios, Garças-brancas grandes (Ardea alba) e Garças-
15 de lagartos e 12 de serpentes. pequenas (Egretta thula). Em menor número,
Pela primeira vez na microrregião, foram espécies como a Garça-maguari (Ardea cocoi), a
encontradas 5 espécies de quelônios, 2 de hábitos Garça-azul (Egretta caerulea), a Garça-tricolor
terrestres e 3 de hábitos aquáticos. A mais relevante (Egretta tricolor), e os Savacus (Nycticorax
é a pequena população isolada de tartarugas sub- nycticorax e Nyctanassa violacea). O Guará
áquaticas que vive em lagoas nas ilhas. A espécie (Eudocimus ruber) registrado ao longo dos
está na lista de animais ameaçados de extinção manguezais diversas vezes, em grupos de 2 a 7
(Kinosternon scorpioides scorpioides). indivíduos. Trata-se de espécie relativamente
Entre os anfíbios, houve a predominância de comum em Curuçá, o que indica a boa conservação
espécies das famílias Hylidae e Leptodactylidae. do mangue.
Entre os lagartos, a família com maior número de Quanto aos peixes, apesar de pescadores relatarem a
espécies foi a Teiidae. Das 12 espécies de serpentes, ocorrência de pescados apresentando enfermidades,
6 foram da família Colubridae, 2 das famílias Biodae constatou-se que a região é relativamente íntegra
e Elapidae e apenas 1 de cada família, Typhlopidae e ecologicamente. Nas amostras foi observada
Viperidae. considerável inferioridade na proporção de
Os manguezais e ilhas sã importantes habitats para indivíduos onívoros (que comem de tudo – insetos e
aves migratórias. As áreas florestadas nas ilhas larvas, outros peixes, algas e vegetais) em relação
merecem atenção especial por abrigar espécies carnívoros e herbívoros (que se alimentam de
ameaçadas de extinção. Dois dos táxons registrados, plantas) e planctívoros (que se alimentam de algas e
a Maracanã-verdadeira (Primolius maracana) e o pequenos invertebrados).
João-teneném-castanho (Synallaxis rutilans - As amostragens indicam que nas águas interiores
subespécie omissa), encontram-se na lista paraense (conhecidas como Maré) em Curuçá a fauna foi
de espécies ameaçadas de extinção, a primeira como pouco alterada pela ação da pesca, apesar da ação
vulnerável, e a segunda como em perigo. predatória de barcos pesqueiros industriais, mais
É preciso formar lista mais completa, e realizar afora do estuário determinar a diminuição de
melhor avaliação da importância dessas formações algumas espécies.
vegetais para a avifauna local. Estudos sócio- A Reserva Extrativista é composta por comunidades
econômicos e ambientais contribuem para avaliar o tradicionais de pescadores e agricultores, que
impacto de ações predatórias como desmatamento utilizam práticas artesanais da pesca de
ilegal, captura de filhotes etc. subsistência, sendo os caranguejos, siris e camarões
Na região foram registradas 121 espécies de aves, de os recursos da carcinofauna mais importantes.
43 famílias. A maioria habita ambientes secundários Além de espécies que apresentam interesse
24 Casa da Virada
25. econômico para os pescadores, foi observada fauna Foi observada em Curuperé pequenas fazendas de
diversificada e abundante. Foram registradas mais de camarão marinho, cultivando Litopennaeus
mil indivíduos distribuídos em 24 espécies. Um tipo vannamei, espécie exótica, originada do Pacífico. O
de caranguejo coletado ainda não foi identificado, uso de espécies exóticas requer monitoramento
pode tratar-se de uma nova ocorrência para a região, redobrado, pois trazem riscos de enfermidades e
ou mesmo espécie nova, por isso foi enviado para competição por alimento e espaço com as espécies
análise de especialista. nativas. Não foi coletado nenhum indivíduo dessa
Foi observada a presença da espécie exótica de espécie nas diversas áreas do levantamento.
camarão Macrobrachium rosenbergii, conhecido Pescadores relatam que houve captura desses
como Gigante-da-Malásia. Esse registro requer camarões com as espécies nativas. A região
monitoramento, pois segundo ribeirinhos, esse apresenta condições favoráveis para a aquicultura,
camarão não é cultivado na região há algum tempo, desde que aplicadas boas práticas de manejo e haja
indicando risco de reprodução e colonização do restrição ao uso de espécies exóticas.
ambiente natural.
Pescada-amarela (Cynoscion acoupa)
Uma experiência de intervenção socioambiental no Salgado Paraense 25
26. Nazaré do Mocajuba, Lauro Sodré (Gastrópodes e Bivalves), não moluscos, ainda possuem outro
e Arapiranga de Dentro têm um encontradas em outras fator favorável, uma vez que não
grande potencial para cultivo e localidades de Curuçá, o que lançam esgotos nos rios,
extrativismo comercial de ostras indica necessidade de fundamental na medida que para
nativas, de maneira sustentável. conservação dos habitats destas o crescimento dos moluscos,
Estas possuem grande diversidade espécies. Além de serem biofiltradores, não devem existir
de espécies de moluscos excelentes para o cultivo desses fontes de poluição da água.
Banco natural de ostras e mexilhões
26 Casa da Virada
27. O crescimento da população de Curuçá e as mudanças em relação ao uso de recursos naturais, causam
transformações na conservação da biodiversidade. Segundo as pesquisas do Museu Goeldi foi possível
propor indicadores relacionados à biodiversidade, à pesca, à agricultura, aos conflitos sociais, à infra-
estrutura, à saúde e ao saneamento básico.
7.1 Biosocio-indicadores e de outros estados, o que gera para consumo local ou venda.
7.1.1 Socioambiental conflitos. A pesca de subsistência Neste contexto, a preservação dos
está em decadência e as manguezais é vital para a
A percepção das comunidades em
comunidades, crescentemente, manutenção de diversas espécies,
relação à RESEX é muito
alimentam-se de outras proteínas assim como, para assegurar
superficial e tênue. Inexiste
animais, como carne de frango e recursos pesqueiros. A maior
consciência coletiva sobre a
bovina. organização das comunidades em
importância dessa unidade de
conservação como área a Entre os desafios para melhorar a
proteger, e como fator para a disponibilidade de estoques
melhoria de condições de vida. sustentáveis de recursos
Pescadores da maré Plantio de açaí
pesqueiros estão a educação
7.1.2 Pesca acordos de pesca apresenta-se
ambiental, a valorização dos
Ano a ano aumentam as saberes populares, o como essencial e urgente para a
dificuldades em encontrar fortalecimento das organizações sustentabilidade da RESEX.
pescado. Cada vez é necessário sociais e o desenvolvimento 7.1.3 Agricultura
dedicar maior tempo e esforços tecnológico e científico da Há restrições no uso das terras,
para que a pesca resulte atividade. uma vez que sua maior parte
satisfatória. Além das entidades
Por diversas ocasiões constatou- encontra-se no entorno de uma
de classe não abrangerem o
se que a mera adoção de práticas unidade de conservação, a
universo de pescadores locais,
simples de manejo poderiam Reserva Extrativista. No entanto,
estes sofrem a concorrência de
significar, em curto prazo, maior como não há plano de manejo e a
pescadores de outros municípios,
oferta de proteínas animais, seja orientação pública é insuficiente,
Uma experiência de intervenção socioambiental no Salgado Paraense 27
28. os danos aos solos, aos recursos hídricos e à vegetação
prosseguem. A produção de subsistência, especialmente de
mandioca, indica a necessidade buscar meios sustentáveis
desta cultura para maior produtividade e geração de renda.
7.1.4 Conflitos sociais
Uma das principais causas de conflito é a presença de
pescadores de outras comunidades e municípios. O processo
de Agenda 21 demonstrou como é baixa a participação da
população nos processos municipais de decisão política.
A questão fundiária é outra fonte de conflitos sociais, haja
vista que a maioria dos terrenos não possui documentação, o
que, sabe-se, é determinante para o desenvolvimento agrícola.
7.1.5 Infra-estrutura
A precariedade do sistema viário e a falta de transporte
público regular estão entre as principais reivindicações das
comunidades. Com dificuldades de circulação, as
comunidades encontram-se isoladas, prejudicando o acesso
à educação, sistema de saúde, e o atendimento às
necessidades básicas por serviços para os moradores das
comunidades.
7.1.6 Saúde e Saneamento Básico
Entre as principais causas de doenças estão aquelas
relacionadas à qualidade da água, na medida que diversas
comunidades não contam com abastecimento regular de
água. A maior parte das comunidades está distante dos
serviços de saúde pública. A maior parte dos postos de saúde
não são equipados e, muitas vezes, nem mesmo funcionam.
A coleta de lixo é insuficiente, o que resulta em acumulo de
lixo, que é carreado para cursos d’água, atraindo vetores de
doenças, como mosquitos, moscas, roedores e urubus.
7.2 Indicadores de ameaça à biodiversidade
Florestas dominadas por Bacuris (Platonia insignis); invasão
de espécies exóticas de crustáceos e moluscos; e redução de
populações de aves, anfíbios, répteis; estão entre os
principais indicadores de que a biodiversidade do município
de Curuçá está ameaçada. Daí ser fundamental um conjunto
de medidas e o acompanhamento da conservação da
biodiversidade local, especialmente faunística.
28 Casa da Virada
29. 7.2.1 Desmatamento - Flora e vegetação
À exceção de manguezais e de alguns ambientes de ilhas
mais isoladas, a flora e a vegetação da área foram
completamente alteradas pelo homem (ação antrópica)
através da agricultura de subsistência de corte-e-queima.
Esta prática torna os solos degradados em curto espaço de
tempo, especialmente devido a solos tropicais de baixa
fertilidade.
7.2.2 Caranguejos
A extração de caranguejo é realizada de maneira artesanal
por diversas comunidades do entorno da Reserva
Extrativista. Em São João do Abade destaca-se como local de
comercialização de caranguejos, para onde, inclusive,
barcos de outros municípios e comunidades vizinhas se
dirigem.
Alguns fatores interferem diretamente na rotina dos
pescadores artesanais da RESEX: os conflitos por pontos de
coleta de caranguejos; o uso de técnicas predatórias de
catação; a concorrência com a pesca industrial e a retirada
ilegal de caranguejos por pessoas de outras localidades,
especialmente de São Caetano de Odivelas. Assim, é de suma
importância o maior conhecimento do potencial faunístico
da região.
7.2.3 Camarão
A exploração de camarões de água doce e marinhos nas
áreas estuarinas são pontos críticos a considerar com
reserva. Neste ambiente os camarões marinhos são
pequenos, pois geralmente são juvenis que migraram do mar
para crescerem e posteriormente retornarem ao ambiente
marinho. Os camarões de água doce geralmente são adultos
que se deslocaram para áreas com água salobra, para a
reprodução.
Os crescentes conflitos por pontos de pesca causam
significativos impactos ambientais. Outra ameaça às
espécies nativas é o registro dos camarões exóticos: o
Gigante-da-Malásia (M. rosenbergii) e o Camarão-Cinza
(Litopennaeus vannamei). O Gigante-da -Malásia é
territorial e predador, competindo por espaço e alimento.
Uma experiência de intervenção socioambiental no Salgado Paraense 29
30. Provavelmente, esses camarões escaparam de viveiros de
criação. A sua fecundidade é alta em relação às espécies
nativas, reproduz-se em água salobra, e as condições de seu
habitat de origem são similares às da RESEX, representando
risco de colonização de espécie exótica. L. vannamei
apresenta dois importantes possíveis focos de conflito: as
enfermidades atribuídas à presença desses animais em
outros ecossistemas, e há casos no nordeste brasileiro; e o
uso de produtos químicos na despesca de fazendas de
camarão (metabissulfito de sódio). Esse provoca redução
brusca, porém passageira, do oxigênio dissolvido da água, o
que poderia gerar grande mortalidade de peixes e
crustáceos. São necessárias ações educativas com aqueles
dedicados ao cultivo de espécies aquáticas para empregadas
as boas práticas de manejo.
7.2.4 Moluscos
A diversidade e abundância de moluscos está diretamente
relacionada aos diferentes habitats da Resex. Entre as
principais ameaças à sustentabilidade de determinados
grupos está a introdução de espécies exóticas de moluscos,
crustáceos e peixes de áreas de criatórios ou introduzidos
acidentalmente. A criação de ostras e mexilhões sem
acompanhamento técnico pode causar a proliferação de
predadores, causando a exaustão da base de recursos
alimentícios.
7.2.5 Peixes
As entrevistas com 34 pescadores artesanais apontam que a
quantidade do pescado está diminuindo. A Tainha (Mugil
curema) é cada vez menos encontrada, seguida pelo Mero, a
Pescada-amarela (Cynoscion acoupa), a Gurijuba e diversas
espécies de Cação.
Os pescadores, tanto da área urbana de Curuçá, como do
Abade relatam a presença de enfermidades no pescado
(ocorrência de desvios de coluna de peixes mugilídeos,
como a Tainha, Pratiqueira (Mugil incilis) e Pescada-gó
(Macrodon ancylodon). Relatam, igualmente, parasitas na
Pescada-amarela e em Pacamuns (Batrachoides
surinamensis), comuns nas espécies e que não
30 Casa da Virada
31. comprometem a saúde dos peixes.
Como técnicas de pesca, a maioria dos pescadores usam
redes de malha entre 25 a 40 mm. A estação chuvosa é a
mais abundante e a mais produtiva. Nesse período a Tainha e
a Pratiqueira são as mais frequentes, seguidas pela Pescada-
gó e por grandes bagres balizadores, a Dourada e
Piramutaba.
7.2.6 Anfíbios e répteis
A diversidade da fauna de anfíbios e répteis é pequena,
como regra na zona costeira. A salinidade limita esses
grupos a algumas espécies adaptadas. As lagoas e igarapés
são de vital importância nos ciclos de vida da maioria de
anfíbios e répteis. A degradação da maioria das cabeceiras
de igarapés e matas ciliares é a mais séria ameaça para
anfíbios e répteis.
7.2.7 Tartarugas (quelônios)
Nas áreas costeiras e de influência de marés, existe
preocupante impacto sobre tartarugas marinhas. Foram
registradas 5 espécies. A Chelonoidis carbonaria e a C.
denticulata são de hábitos terrestres. Três espécies são de
hábitos aquáticos, 2 de água doce, a Rhinoclemmys
punctularia e a Kinosternon scorpioides; e 1 Marinha, a
Lepidochelys olivacea.
Alterações nestes ambientes são responsáveis pela
destruição ou modificação de sítios de desova e áreas de
alimentação. A captura acidental por equipamentos
pesqueiros também causa danos. Moradores de Mutucal
contam sobre capturas ocasionais em currais de praia de
exemplares de L. olivacea. É de vital importância maior
esforço para determinar a conservação das praias como
sítios de reprodução de tartarugas marinhas.
Do grupo de quelônios Kinosternon scorpioides representou
a espécie mais abundante, e provavelmente corresponda ao
principal predador de girinos e adultos de Hypsiboas,
Leptodactylus, Physalemus e Rhinella em lagoas das ilhas.
Especialmente, na lagoa da Campina, na Ilha das Pedras
Grandes, onde esta espécie foi o único predador noturno
observado, com registros de 8 indivíduos de várias classes
Uma experiência de intervenção socioambiental no Salgado Paraense 31
32. etárias. Deve-se ter especial atenção ao quelônio Espadarte, que se cogitou nos anos 1980, para ser o
muçuã visto tratar-se de população rara e isolada, porto de Carajás, e para o qual o Ministério do Meio
podendo ter atributos genéticos diferenciados por Ambiente apresentou os termos de referência do EIA-
estar tão próximo de região salina. RIMA por solicitação de grupo privado; o segundo é a
7.2.8 Aves iniciativa de porto flutuante, pelo empresa Anglo-
American (Companhia Minerais e Metálicos S.A -
Foram observados diversos locais de retirada de
MMX), para servir como porto da mineração de ferro
madeira na região das ilhas e nos povoados, que
da Serra do Navio, no Amapá.
comprometem a avifauna no local (locais de
nidificação, pouso, alimentação etc.). Outra ameaça Ambas propostas representam impacto ambiental e
é a captura de filhotes, como de Papagaios e social. Do ponto de vista ambiental, quaisquer
Maracanãs, como animal doméstico e para a estruturas representam riscos. A passagem de grande
comercialização ilegal. No período entre setembro e volume de embarcações alteraria as condições
janeiro, essas espécies migram em grande naturais de turbidez, luminosidade e outros fatores
quantidade para a Ilha de Fora para reprodução. Em das águas doce e salgada e, riscos de derramamento
ilhas como a de Ipomonga, onde ainda existem matas de óleo e outros produtos, além da contaminação
primárias de terra firme, foram encontradas espécies por flora e fauna exóticos trazidos nas águas de
características de florestas, como duas espécies de lastro.
Tucano (Ramphastos tucanos e R. vitellinus), e o Do ponto de vista social, empreendimentos de porte
Capitão-de-saíra-amarelo (Attila spadiceus). resultam em aumento populacional descontrolado,
Na Ilha de Fora, foram registradas espécies c de risco social para grupos menos protegidos (crianças,
floresta de terra firme, como os Tucanos, o Gavião- jovens, mulheres, idosos etc.), invasões, enfim, a
relógio (Micrastur semitorquatus), o desestruturação social e colapso dos já exauridos
Macuru-de-pescoço-branco (Notharchus manguezais, acirrando a disputa por acesso a
hyperrhynchus), a Galinha-do-mato (Formicarius recursos naturais. Estes riscos merecem estudos
colma) e a Choca-lisa (Thamnophilus aethiops). profundos e o acompanhamento da população local.
7.3 Porto
Uma das grandes ameaças à biodiversidade da região
são os dois empreendimentos portuários projetados
para a Ponta da Tijoca, na ilha da Romana. A região é
de grande interesse pois a uma milha náutica da
costa, em frente a Romana, há uma profundidade
estável de 25 m, sem necessidade de dragagem, em
águas r calmas, o que garantiria o acesso a
embarcações Cape Size (que não passam no Canal
(Cape) do Panamá), com capacidade de carga
superior a 200 mil toneladas, ideal para o transporte
de minério de ferro.
O primeiro é o Terminal Marítimo Off-shore do
32 Casa da Virada
33. É crítico o estado de degradação dos ambientes Murajá. Pelos rios foram percorridos trechos dos rios
naturais da região relacionados às micro-bacias Muriá, Mocajuba, Curuçá e Araquaim. Foram
hidrográficas que demandam o complexo flúvio- observados os eventos de impactos que se seguem.
marinho. Os desmatamentos, especialmente de Ao longo do Rio Muriá, exceto nas confluências com
matas ciliares, as queimadas anuais para a os Rios Mocajuba e Curuçá, foram observadas faixas
preparação de áreas agrícolas, resultam no aumento estreitas de mangue, com vegetação secundária ao
progressivo de erosão de solos, e consequente fundo. Estes mangues se caracterizam por vegetação
assoreamentos de corpos d’água. Isto pode ser mais baixa, quando comparada a áreas mais
observado pelo crescente número de currais no meio extensas do Rio Mocajuba. É na transição do
dos rios, algo inconcebível há algumas décadas. Os mangue para a vegetação secundária e áreas de uso
pescadores, sem compreender a situação, reputam que se localizam a maioria das vilas.
aos currais a destruição, no entanto, estes só são
O mangue pode parecer um local sem condições de
fincados em novos areais pois areia foi carreada para
habitação, mas não é isto que está ocorrendo. As
o leito dos rios.
vilas expandem-se em direção aos manguezais. A
A estes fatores acresce-se a ocupação irregular de expansão da Vila de Abade relaciona-se à
áreas protegidas por lei – manguezais, dunas e proximidade da área urbana de Curuçá, com acesso
restingas – alteradas, de maneira irreversível para a por asfalto. A expansão do Abade, com 5 mil
expansão viária e urbano, e para garantir mais habitantes, desloca-se em direção ao mangue à
espaço a pastagens e áreas agrícolas. margem do Rio Grande. Também foram observadas
Por terra foram visitadas as vilas de Curuperé, Boa em áreas de mangue residências isoladas, barracas
Vista do Muriá, Abade, Lauro Sodré, Santo Antônio de pescadores, criadouros de camarão e fazendas de
do Tijoca, Nazaré do Tijoca, Água Boa, Candeua e pecuária com pastagens artificiais.
Mapas das principais Micro-Bacias Hidrográficas
Uma experiência de intervenção socioambiental no Salgado Paraense 33
34. O Salgado Paraense é uma das torna-se mais dificil, compatíveis a florestas em
áreas mais antigas sob pressão de especialmente no verão regeneração) seria possível
ocupação e uso intensivo do solo amazônico. A disponibilidade de recuperar as paisagens e buscar
na Amazônia. Este processo de proteínas animais da caça e pesca novo equilíbrio ambiental.
quase dois séculos, resulta em escasseiam e, mesmo a água para Nas áreas de vegetação
depauperamento do solo e perda a agricultura e pecuária sofrem secundária há espécies de uso
de diversidade biológica. Da restrições severas. madeireiro como o Cumarú
cobertura vegetal original restam Essas áreas apresentam (Dipteryx odorata), o Marupá
menos de 10%, fragmentados em vegetação secundária, onde (Simarouba amara), a Sucupira-
pequenas manchas de terra firme, ocorrem, espécies frutíferas como preta (Diplotropis purpurea), o
bosques de mangues e vegetação o Bacuri (indicador de Paricarana (Stryphnodendron
não florestais como restingas e degeneração do solo), o pulcherrimum), o Morototó
campos. Taperebá, o Muruci e o Tucumã (Shefflera morototoni) que
O solo das agrovilas de Curuçá e (como outras palmeiras, poderão ser priorizadas em
de algumas ilhas igualmente altamente resistente ao fogo e programas de repovoamento.
sofreram, processos de corte-e- secas). Se estas capoeiras fossem Estas contribuem, ainda, para a
queima relacionados à agricultura bem manejadas para a geração de manutenção do fluxo gênico
de subsistência. Isso eliminou as renda (produção de madeira, destas espécies, evitando-se a
coberturas vegetais de floresta carvão, caça, frutas, etc. sua extinção local.
primárias, resultando em
Pesquisadores em área degradada
ambiente comprometido em suas
funções ecológicas. Destarte, as
florestas perderam um de seus
papéis, o de refúgio e lugar de
procriação de animais silvestres.
Da mesma maneira, a maior parte
das nascentes e igarapés foram
alterados de maneira definitiva,
agravado pela derrubada das
florestas de galeria (matas
ciliares). Se a cobertura vegetal
não for recomposta as nascentes
tendem a diminuir, tornando-se
intermitentes durante a seca, e
chegando, inclusive, como ocorre
em muitos casos, a se extinguir.
Esses fatores modificam a
qualidade de vida das
comunidades. O acesso à água
34 Casa da Virada
35. Alguns indicadores de impactos inadequado de seus recursos sustentabilidade da costa
demonstram que a costa e, em naturais ambientais. atlântica paraense estaria
particular, ambientes mais É preciso estruturar medidas de definitivamente comprometida,
sensíveis – manguezais e correção e vigilância ambiental tornando-a uma costa estéril e
restingas – estariam sofrendo para esta região, sob pena da um mar vazio.
profundas e indesejáveis degradação ambiental alcançar
modificações, devido ao uso níveis além dos quais a
Nascente de um curso d´água
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