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Conferência Nacional de Saúde On-Line

                                        Uma proposta em construção



                             TEMA: CRIAÇÃO DAS ORGANIZAÇÕES SOCIAIS

                                  As Organizações Sociais e o SUS.




O Governo Federal, impossibilitado de confrontar a opinião pública e rever a legislação do
Sistema Único de Saúde, construída na "Constituição Cidadã" em 1988, propõe a reforma
administrativa da saúde e tenta ampliar a ação do mercado no setor, através da proposta das
Organizações Sociais.

                                                                                     Túlio Batista Franco
                                                                                    Psicólogo sanitarista
                                                               Mestrando em saúde coletiva pela UNICAMP

Introdução

Para falar das Organizações Sociais e gestão dos equipamentos públicos de saúde, como é a proposta do
Ministério da Administração e Reforma do Estado, é necessário recorrermos aos seus antecedentes para
visualizar o cenário e as forças políticas implicadas na questão. Neste texto, discutimos primeiro as
origens contemporâneas do projeto neoliberal que datam da década de 40, no período imediato do pós
guerra. Após disputar a hegemonia do modelo econômico, na retomada do desenvolvimento nos países
centrais, e ser derrotado neste propósito, pelo fato dos dirigentes da época haverem optado pelo modelo
keynesiano, a proposta neoliberal entra numa fase de "latência" e ressurge com força na década de 80.
Neste período, ganha fôlego suficiente para hegemonizar as políticas públicas nos países desenvolvidos e
em efeito dominó, na periferia do capitalismo.

O Brasil foi um dos últimos países da América Latina a adotar o receituário neoliberal ditado pelos países
desenvolvidos e agências internacionais de financiamento e fomento do desenvolvimento. Esse atraso
pode ser considerado pela efervescência política da década de 80, onde as forças democráticas e
populares disputavam projetos próprios para os rumos do país, com razoável inserção social. Na década
de 90, as propostas de desregulamentação econômica e redução do estado se viabilizam, por fatores
que vão desde as pressões geradas a partir da globalização da economia até uma dada conjuntura
política interna que altera a correlação de forças e coloca no centro do poder, grupos favoráveis e até
mesmo subservientes ao capital internacional.

A Reforma Administrativa do Estado, é uma pequena fatia do universo neoliberal no qual vivemos e que
tomou conta da vida nacional. O que se pretende aqui, é a adaptação da gestão do estado à concepção
de "estado mínimo", onde suas funções se restringem àquelas ligadas aos negócios jurídicos, de
segurança e administração próprias do governo. A reforma administrativa para o setor saúde, pode-se
concluir, não saiu da cabeça iluminada de alguns burocratas de plantão no palácio, é a materialização da
proposta neoliberal que se tem para o país, direcionada então para a mercantilização do setor saúde.

A Reforma Administrativa na saúde, esbarra num grande obstáculo: a legislação do Sistema Único de
Saúde, que foi obra coletiva, conquistada na Constituição Federal por um poderoso movimento popular
na década de 80. O SUS conta com grande audiência junto à população. Princípios como universalidade
de acesso, integralidade das ações, equidade e municipalização da saúde, foram apropriadas pelo
imaginário popular. Por estes motivos, evitando um confronto direto e de conjunto, as reformas no setor
saúde vêm tangencialmente. A criação da figura das Organizações Sociais - OS - joga em dois sentidos.
De um lado, tenta dar aparência de uma proposta com uma faceta "popular", quando admite que
qualquer Organização não Governamental - ONG - ou Associação de Usuários, pode se habilitar a
assumir um estabelecimento de saúde, desde que seus estatutos estejam adequados aos critérios
impostos pela Medida Provisória que cria as OS, inclusive constem que estas entidades "não têm fins
lucrativos", mas por outro lado, a proposta é clara ao definir que estas entidades são de "direito
privado". A natureza privada das OS define seu caráter e abre a possibilidade de maior participação
portanto, do setor privado na gestão da saúde.

A Medida Provisória que cria as OS é de outubro de 1997, estando ainda recente, suas repercussões só
se farão sentir no decorrer de 1998/99. No entanto, já é notório que a proposta terá impacto efetivo
pois são várias entidades hospitalares públicas que já na primeira hora buscaram se habilitar à gestão
de uma Organização Social. Procuramos ao final, discutir as possíveis repercussões junto ao Sistema
Único de Saúde da implementação desta proposta. Como parâmetro para discutir esta questão,
utilizamos os princípios e diretrizes do Sistema Único de Saúde, e agregamos aos referenciais do SUS, a
visão de um modelo assistencial que idealmente procura se articular a partir de alguns princípios, que
colocam como principal objetivo do sistema, a resolução dos problemas de saúde, a partir das
necessidades do usuários. Em resumo, agir em defesa da vida, acima de tudo, numa perspectiva usuário
centrada. Esses parâmetros não são apenas teóricos, têm referências também em evidências empíricas
de gestão e assistência que foram implantadas por diversos municípios nos últimos anos. Ao final, ficam
claros os limites das Organizações Sociais para a construção de um sistema de saúde com base nos
princípios declarados pelo SUS.

Este texto apresenta subsídios a esta discussão, que deverá continuar ao longo do tempo, para
conclusões definitivas a partir da experiência em curso de implementação da proposta do Ministério da
Administração e Reforma do Estado - MARE - e a inserção das Organizações Sociais na gestão da saúde.

O Neoliberalismo: Antecedentes da proposta de reformas e das Organizações Sociais.

Quando o inglês Friedrich von Hayek publicou seu livro "O Caminho da Servidão" em 1944, considerado
o manifesto fundador do neoliberalismo, pensava ele em disputar a hegemonia do modelo econômico a
ser implantado nos países centrais, no pós guerra. E o que propunham os neoliberais em relação à
gestão do estado, no quadro em que se encontrava o mundo naquele período? "O ‘saneamento’ ,
encarnado em medidas como: redução da despesa pública; redefinição (e limitação) das funções do
Estado; redução do número de funcionários públicos e para-públicos; revisão dos sistemas
previdenciários, bem como de toda a legislação social; desregulamentação e privatizações, submetendo
serviços públicos à concorrência; ajuste fiscal" .

"O Caminho da Servidão" tinha como alvo a doutrina keynesiana para direção do estado e gestão
econômica. Esta propunha a planificação e intervenção estatal na economia, no sentido de se
estabelecer o mínimo de regulação que impedisse o "caos econômico" gerado pela concorrência
desenfreada entre os donos do capital e por outro lado, protegesse parte da população dos efeitos
colaterais da economia capitalista, garantindo aos pobres, os serviços públicos minimamente essenciais.
A organização deste modelo que regulasse ainda, o nível de atividade econômica (inclusive o emprego)
deveria utilizar de instrumentos monetários e o ordenamento da despesa pública para alcançar seus
objetivos.

As propostas de um "Estado de Bem Estar" vinham sendo gestadas desde o início deste século em
função das crises cíclicas da economia capitalista, e ganha maior fôlego após a grande crise do capital
em 1929.

Após a II guerra mundial, verifica-se portanto uma situação de disputa entre os dois modelos - o
neoliberal e o welfare state - por qual hegemonia econômica iria se impor ao mundo, a partir dos países
desenvolvidos. Neste quadro, o partido trabalhista inglês vence as eleições em 1945. Partidário de uma
política econômica que contemplasse as questões de ordem social e uma economia regulada pelo
estado, sua alçada ao centro de poder na Inglaterra, contribui decididamente para o arquivamento das
propostas de Hayek. Assim, as propostas de um Estado de Bem-estar se tornam hegemônicas na
Inglaterra, contribuindo decididamente para que as idéias reformistas em curso naquele país tenham
adesão nos demais países, criando uma hegemonia mundial em torno desta política.

O "Estado de Bem Estar" ou de "Estado desenvolvimentista" no caso latino-americano, ganha o mundo e
se impõe como modelo capitalista hegemônico. Por mais de trinta anos, pareceu que as idéias
neoliberais haviam sido arquivadas. Mostraram porém que não foram esquecidas. A recessão econômica
do início dos anos 70, cria um ambiente propício a que final desta década e nos anos 80, o modelo
neoliberal ressurge com força em diversos países de ponta do capitalismo e ganha amplos espaços com
a crise de financiamento crônica dos países periféricos. Assim, assiste-se à implantação do modelo
neoliberal na Inglaterra, a partir do governo de Margaret Thatcher que tem início em 1979, nos EUA com
Reagan em 1980 e na Alemanha com Helmut Kolhl em 1982. Na América Latina, inicia-se a implantação
do neoliberalismo primeiro no Chile, ainda no governo Pinochet e na Argentina, no período do regime
militar, em ocasião da gestão de Martinez de Hoz à frente da área econômica do governo. Segue a onda
neoliberal através de "pacotes" econômicos editados pela Bolívia em 1985, México em 1988, com Salinas
de Gortari; Argentina, novamente em 1989 com Menen; Venezuela com Carlos Andrés Perez em 1989,
Fujimori no Peru em 1990.

Como um germe que se mantém latente e depois ressurge com toda sua força destrutiva, o projeto
neoliberal avança sobre o planeta, como uma onda que toma conta da vida econômica, política, cultural,
influencia o modo de vida e as relações. Vira modismo, questiona valores, muda comportamentos. No
que diz respeito ao estado e à economia, segue trabalhando basicamente o binômio: privatizar e
desregulamentar. As duas diretrizes, que se transformam rapidamente em políticas de governo, são
faces da mesma moeda. Desregulamentar, para dar "liberdade" ao capital de atuar livremente e deixar
que a "mão invisível do mercado" atue como a fonte reguladora por excelência da economia. Assim, fica
a população à mercê das leis e dinâmicas mercantis que lhes são impostas. Privatizar, para restringir a
ação do estado, àquilo que lhe é próprio, sua atribuição exclusiva, o cuidado com os negócios jurídicos,
da segurança e administração das coisas próprias do governo. Desta forma, a ação do mercado fica libre
não apenas ao setor da produção de bens e o comércio, mas também ao segmento que diz respeito aos
serviços, inclusive os que são hoje oferecidos pelo governo.

A Reforma Administrativa no Brasil

No que diz respeito ao Brasil, a implantação de um novo modo de conduzir o estado, a economia e a
sociedade, nos moldes do projeto neoliberal, teve início no governo Collor em 1990, e continuidade no
atual governo de Fernando Henrique Cardoso.

Aqui, o projeto foi conduzido de forma complementar, de um lado, pela via da privatização, primeiro das
empresas e num segundo momento dos serviços e de outro lado, por mudanças intrínsecas no aparelho
de estado, através da reforma administrativa.

O discurso oficial no primeiro momento das privatizações, dizia que as atividades sociais seriam as
grandes beneficiárias do enxugamento do estado, podendo o governo economizar divisas se livrando de
outras atividades, e então aplicar o excedente de recursos em programas sociais. Porém, com o tempo,
de forma às vezes sutil, ganha corpo também a proposta de privatização das atividades sociais, ou parte
destes serviços. Saúde, educação, previdência, para ficar nas principais, estão no alvo da política de
privatização.

No que diz respeito à reforma do estado e tendo o MARE (Ministério da Administração e Reforma do
Estado) como principal propositor e protagonista da reforma, pretende o governo, constituir um estado
gerencial, enxuto, que repassa suas tarefas produtivas e de prestação de serviços para terceiros,
entidades privadas que possam conduzir estas atividades.

Qual o pano de fundo da Reforma Administrativa do Estado? A discussão que tem sustentado este
debate, parte do pressuposto de que o estado está falido, dado ao seu endividamento, à crise fiscal e
por conseqüência, há neste momento uma baixa capacidade de investimento. Além deste fator, contribui
com o argumento liberal o cenário internacional de globalização da economia, em que os outros países e
principalmente os de primeiro mundo, têm vendido o receituário do "estado mínimo" e "livre mercado".
Outra questão importante, colocada pelo atual governo é o do esgotamento da administração
burocrática inaugurada com a constituição de 1988, caracterizada pela normatização das atividades do
estado, definição do quadro funcional estável, regulação dos negócios da administração direta e indireta
através de legislação específica que diz respeito ao cuidado com as finanças públicas. Esta, considerada
excessivamente "amarrada", impossibilitando a eficiência e eficácia da administração e empresas
estatais. Os principais alvos destas críticas são a necessidade de concursos públicos para ingresso no
quadro de servidores do estado, a estabilidade no emprego e a lei de licitações, entre outras questões.

A Proposta do MARE de reforma administrativa, parte do pressuposto de que as atividades do estado se
dividem em três níveis ou categorias sendo:

- Núcleo Estratégico, que abrangeria o Legislativo, Judiciário, Presidência da República, o primeiro
escalão dos Ministérios e o Ministério Público. Isto seria considerado de propriedade estatal.

- Atividades Exclusivas do estado, quais sejam: Regulamentação, Fiscalização, Fomento; Segurança
Pública, Seguridade Social Básica; seriam de propriedade estatal, na modalidade das agências
executivas (autarquias ou fundações integrantes da administração pública federal).

- Serviços Não Exclusivos: Universidades, Hospitais, Centos de Pesquisa, Museus, seriam públicos, não
estatais, na modalidade proposta de Organizações Sociais.

A Reforma Administrativa do Sistema de Saúde

Em outubro de 1995, o ministro da Administração Federal e Reforma do Estado, Luiz Carlos Bresser
Pereira, apresenta a proposta de Reforma Administrativa do Sistema de Saúde do Brasil, no Colóquio
Técnico prévio à XXV Reunião do Conselho Diretivo do CLAD. A sua proposta de reforma, contem os
seguintes pressupostos: "Primeiro, pressupõe-se que a descentralização permite um controle muito
melhor da qualidade e dos custos dos serviços prestados localmente. Segundo, que a descentralização
acompanhada de controle social por parte da comunidade atendida pelo serviço torna-se duplamente
efetiva. Terceiro, que a separação clara entre a demanda e a oferta de serviços permite, entre os
fornecedores dos serviços médico-hospitalares, o surgimento de um mecanismo de competição
administrada altamente saudável. Quarto, que o sistema de encaminhamento via postos de saúde e
clínicos gerais evitará uma grande quantidade de internações hospitalares inúteis. Quinto, que, a partir
da efetiva responsabilização dos prefeitos e dos Conselhos Municipais de Saúde, a auditoria realizada
pelo Ministério da Saúde nos hospitais passará a ter caráter complementar à auditoria permanente
realizada a nível municipal, onde, de resto há muito mais fiscalização e participação comunitária".

Estes pressupostos tratam na verdade, de uma dada avaliação que se faz do Sistema Único de Saúde,
lugar comum em todos os debates onde a saúde pública no Brasil e o SUS são objeto de análise. Há no
entanto uma questão nova posta no documento do MARE, qual seja: a discussão em torno de demanda
X oferta de serviços e a sua separação como impulsionadores de uma certa "competição
administrada". Sugere o documento que se desloque o eixo do modelo assistencial, da oferta de
serviços oferecidos pelo poder público, para um modelo centrado na demanda em que o mercado
assume um papel relevante. Esta sem dúvida é a principal questão em jogo com a proposta, que coloca
a idéia de como será realizada a inserção do mercado no sistema de saúde. A competição administrada,
como sugere a proposta do MARE para a saúde, combina um mix de mercado com o mínimo de
regulação do estado, que poderá se dar de diversas formas, entre elas, através da definição de clientela,
protocolos de atendimento e outros instrumentos em geral, limitantes de direitos, podendo inclusive,
tentar inserir o co-pagamento de procedimentos. A estas alturas, na proposta do MARE para a reforma
administrativa do sistema de saúde, os princípios do SUS são solene e convenientemente esquecidos.

O documento do Ministério conclui com a proposta das Organizações Sociais como um dos locus
operacionais da reforma, dando-lhe materialidade. Diz assim o documento: "Os hospitais públicos
deverão, em princípio, ser transformados em organizações sociais, ou seja, em entidades públicas não-
estatais de direito privado com autorização legislativa para celebrar contrato de gestão com o poder
executivo e assim participar do orçamento federal, estadual ou municipal".

As Organizações Sociais

As Organizações Sociais foram criadas através da Medida Provisória No. 1.591 de 9 de outubro de 1997.
Poderão abranger o setor de atividades não exclusivas do estado (ensino, pesquisa, tecnologia, meio
ambiente, cultura e saúde), a partir da transformação de instituições públicas em pessoas jurídicas de
direito privado sem fins lucrativos. Poderão assumir a forma de fundações de direito privado ou de
associação civil sem fins lucrativos. Na sua gestão, poderão:

1. Contratar pessoal sem concurso público seguindo as normas do mercado de trabalho e adotando a
CLT. Não estão livres portanto do empreguismo e favorecimento de todo tipo conhecido na política. O
principal argumento contrário a esta liberalidade administrativa diz respeito à possibilidade das OS
servirem para pendurar supostos "cabos eleitorais" no período pós-eleitoral, como é comum na história
brasileira.

2. Poderá adotar normas próprias para compras e contratos. Embora administradas também com
dinheiro público, ficam livres das normas próprias que regulam as despesas realizadas com recursos
públicos.

3. Receberão dotações de recursos orçamentários do governo através dos Contratos de Gestão. O
contraditório na questão financeira que pesa sobre as OS, diz respeito ao fato de que, apesar de serem
entidades de direito privado, receberem recursos orçamentários do tesouro, sem licitação.

4. Serão dirigidas por um Conselho de administração ou Curador composto de 20 a 40 % de
representantes do poder público (como membros natos); 20 a 40% de representantes da sociedade civil
também como membros natos; 20 a 40% eleitos pelos demais integrantes do conselho e 10% indicados
ou eleitos. Sobre esta composição do Conselho de Administração definido pela MP permanecem dúvidas
com relação à sua composição, mau definida e imprecisa, o que poderá gerar diferentes interpretações.
Outra questão importante, é o fato de que não está previsto controle externo das Organizações Sociais.
Para haver controle social sobre qualquer órgão ou entidade, é necessário que se construam
instrumentos para isso. No Brasil, a legislação do SUS construiu instrumentos para o controle do SUS, a
ser feito pela sociedade organizada nos Conselhos, Conferências de Saúde e que ainda poderão lançar
mão de inúmeros mecanismos para isto. No entanto, não existem instrumentos eficazes para o controle
da sociedade sobre entidades de direito privado, como são as Organizações Sociais.

Pesam sobre a proposta das OS o questionamento da sua constitucionalidade. Por não se tratar de
matéria relevante e urgente, por definição do regimento do Congresso Nacional, não poderia ser imposta
por MP, mas sim, deveria ser votada pelo Congresso como um Projeto de Lei.

Outra questão importante, diz respeito ao fato de que não foram definidos critérios para a escolha das
entidades que receberão recursos orçamentários do governo, podendo aí prevalecer o clientelismo ou
apadrinhamento.
É grave o fato de que as OS como entidades de direito privado, poderão vender serviços a terceiros. No
caso da saúde, por exemplo, haverá com certeza, desta forma uma clientela diferenciada entre os que
podem pagar no ato do procedimento ou através de seguros/planos privados e aqueles que são
dependentes do sistema SUS. Há grande incerteza em relação à assistência que será prestada a estes,
pelas OS, pelo fato de que, sendo entidades de direito privado, a busca pelo lucro com procedimentos de
saúde está objetivamente colocada, podendo assim, favorecer à clientela que assegure o caminho mais
fácil e tranqüilo para este objetivo.

O Contrato de Gestão é o instrumento legal que propõe o MARE para regular a relação do estado com a
OS. Estes, firmam compromissos administrativos entre as partes - governo e OS. Dizem respeito
também aos recursos a serem repassados, assim como metas a serem alcançadas e formas de avaliação
de desempenho das OS.

Os Contratos de Gestão surgiram a primeira vez na França, no final dos anos 60, como instrumento que
define a relação entre entidades públicas, estabelecendo petições e compromissos entre as mesmas. Foi
adotado por diversos países da Europa e no Brasil foi introduzido em 1992, quando o Governo Federal
assinou Contrato de Gestão com a Companhia Vale do Rio Doce. Só agora estão sendo propostos para
regular a relação entre o poder público e entidades privadas.

As Organizações Sociais na Saúde

O QUE DIZ O RELATÓRIO DO BANCO MUNDIAL/1993.

Em que medida as Organizações Sociais são parte de um conjunto articulado, que pretende implantar no
Brasil um novo sistema de saúde, seguindo o receituário do Banco Mundial? Para esta análise, devemos
nos deter rapidamente sobre o documento editado pelo Banco Mundial, sob o título "Relatório sobre o
Desenvolvimento Mundial 1993: Investindo em Saúde".

No que diz respeito à gestão dos serviços, o Relatório "recomenda que os países de renda média (como
o Brasil) devem concentrar-se em pelo menos quatro áreas básicas de reforma de políticas: eliminar
gradualmente os subsídios públicos aos grupos mais abastados; ampliar a cobertura do seguro de
saúde; dar opção de seguro aos consumidores; e estimular métodos de pagamentos que permitam
controlar os custos". Na assistência, propõe ações básicas tais como "programa ampliado de
imunizações, incluindo suplementação de micronutrientes; programas sanitários escolares para tratar as
verminoses e a deficiência de micronutrientes, e também para transmitir noções de higiene; programas
para esclarecer o público sobre planejamento familiar e nutrição, sobre a conveniência da
automedicação ou buscar tratamento, e sobre o controle de vetores e doenças; programas para reduzir
o consumo de tabaco, álcool e drogas; e programas para prevenção da AIDS, com ênfase nas DST".
Acrescenta a estas ações, "intervenções clínicas" de cinco tipos, divididas nos seguintes grupos: "1.
Serviços de assistência à gestante (atendimento pré-natal, no parto e pós-parto); 2. Serviços de
planejamento familiar; 3. Controle de tuberculose; 4. Controle das DST; e 5. Atendimento das doenças
graves comuns em crianças pequenas" .

No que diz respeito à esfera pública e privada, o Banco Mundial vai direto à idéia da "terceirização" e da
"concorrência administrada", argumentando da seguinte forma: "Em muitos países em desenvolvimento
os sistemas sanitários administrados pelo governo são grandes demais e deveriam ser reduzidos. Para
tanto, são necessários alterações jurídicas e administrativas que facilitem a prestação de serviços pela
iniciativa privada (ONG ou entidades com fins lucrativos), e é necessário também que as ONG recebam
subsídios públicos para prestarem os serviços do pacote essencial e que haja corte de novos
investimentos em hospitais públicos terciários". "A concorrência entre fornecedores de um pacote de
serviços de saúde, claramente especificados e previamente pagos, contribui para melhorar a qualidade e
aumentar a eficiência". "Quando o seguro social cobre serviços prestados por hospitais do governo, a
concorrência com o setor privado pode contribuir para melhorar o desempenho" .

Este pequeno extrato do comentário de Clóvis R. M. de Lima ao texto de Laurell sobre o Relatório do
Banco Mundial, dá a idéia de que a proposta de uma nova Norma como a NOB-96, a Lei dos Planos de
Saúde e a MP que cria as Organizações Sociais, se articulam, dando formação a um todo, um novo
modelo de sistema de saúde. A proposta de reforma administrativa do MARE adapta o ideário do Banco
Mundial a um formato brasileiro e lhe dá materialidade. No caso da saúde, isto fica claro ao
compararmos o texto Relatório com as "novidades" propostas pelo governo federal ao SUS nos últimos
anos.

ENTRE A LEI DOS PLANOS, A NOB-96 E AS ORGANIZAÇÕES SOCIAIS.

Após longa discussão, finalmente entre maio e junho de 1998 o governo federal aprova a Lei que
regulamenta os planos de saúde. Embora tenha havido contestação por parte de algumas empresas,
sobre as regras estabelecidas, a nova Lei deixa aberto o leque de possibilidades de atuação dos seguros
e planos de saúde privados a cinco modalidades diferentes, direcionadas a públicos (diga-se mercados)
específicos o que arma uma boa base para operação da medicina supletiva, que hoje já atende a 40
milhões de usuários no país.

A Norma Operacional Básica - NOB/96, num primeiro momento parece uma proposta exatamente
adequada ao SUS e que vem de encontro aos anseios de inversão do modelo assistencial, no sentido de
melhor assistir ao usuário. Seu argumento, cria uma nuvem sobre as verdadeiras intenções, quais
sejam, a de propor uma subdivisão do atual Sistemam Único de Saúde. Nos diz Emerson Merhy que "No
cenário idealizado por este ator (Bloco dirigente atual no exercício do governo federal), teremos dois
sub-sistemas básicos: o público e o privado suplementar. O público, e compreendido como o futuro do
SUS, será constituído por uma extensa rede estatal de ações básicas de serviços efetivadas em dois
locus centrais: as unidades básicas de saúde municipais e os programas específicos tipo PSF e ACS, que
se articulará com uma ampla rede formada por estabelecimentos de natureza privada ou estatal
privatizada (as OS) que irão compor a retaguarda do sistema para fornecer serviços diagnósticos e
terapêuticos, ambulatoriais e hospitalares, e de urgências e emergências, que implicam em
investimentos mais especiallizados e de custos mais relevantes" .

Tendo sido editada a MP que cria as Organizações Sociais, em outubro de 1997, suas repercussões se
farão sentir no decorrer de 1998 e nos próximos anos. No entanto, iniciou-se desde a publicação da MP
que cria as OS, um movimento intenso pela incorporação de diversas entidades hospitalares a esta
modalidade administrativa.

Na edição do dia 10.10.97, o jornal "Folha de São Paulo", ao noticiar a publicação neste dia da MP que
cria as OS, registra que "com a assinatura da MP pelo presidente Fernando Henrique Cardoso, passam a
poder funcionar como OS (deverá haver um período de transição até dezembro/97) a Fundação
Roquette Pinto (TVE) e o Laboratório Nacional de Luz Sincrotron". Continua o jornal "a direção do INCA
(Instituto Nacional do Câncer) assinou ontem no Rio um protocolo de intenções para ir se adaptando às
exigências legais e se transformar em OS". No ano de 97 ainda, estavam se habilitando para se
transformarem em OS, o Hospital Materno Infantil Presidente Vargas e a Fundação Escola de
Administração Pública. Na sequência, vieram o anúncio de que 10 hospitais em São Paulo seriam
terceirizados, embora não seja citada a forma de terceirização, muito provavelmente através de OS. A
lista das entidades é a seguinte: Na periferia de SP (Pirajuçara, Pedreira, Grajaú e Itaim Paulista), na
Grande SP (nos municípios de Carapicuíba, Itapevi, Itaquaquecetuba, Guarulhos e Itapecerica da Serra)
e no interior (Sumaré), cada um com cerca de 200 leitos. Sabe-se que o hospital de Sumaré foi
assumido pela Unicamp, em convênio entre a Universidade e a Prefeitura Municipal.

Na mesma edição, o jornal noticia que o governo do estado do Rio de Janeiro, pretende neste ano de
1998, terceirizar (também não cita a forma de terceirização, mas certamente através das OS) os
serviços em seis hospitais-gerais, são eles: Carlos Chagas, Getúlio Vargas, Rocha Faria, Alberto
Schweitzer, Pedro II e Azevedo Lima.

O governo da Bahia está transformando o hospital Roberto Santos, um dos três maiores do estado em
Organização Social. O hospital deverá ser assumido por um grupo de médicos da própria entidade que
terá a designação de Instituto de Atenção à Saúde, Docência, Pesquisa e Desenvolvimento Social.
Anuncia o governo estadual que o novo modelo será implantado em todos os novos hospitais construídos
pelo Estado.

Este quadro é demonstrativo de uma primeira mostra do apetite que se tem para terceirizar e agora
usando a modalidade de OS, equipamentos de saúde pública. O impacto assistencial só será sentido no
decorrer do próximo período. No entanto, as experiências com equipamentos públicos, administrados
por entidades privadas no setor saúde, têm resultado em redução dos índices de acesso, equidade e
resolutividade. Desta forma, contribui para redução do coeficiente de cidadania conquistado com o SUS.

Possíveis efeitos das OS junto ao Sistema Único de Saúde - SUS.

Aurélio Buarque de Holanda nos conta, em seu precioso verbete, que Sistema é o "conjunto de
instituições políticas e/ou sociais, e dos métodos por elas adotados, encarados quer do ponto de vista
teórico, quer do de sua aplicação prática". Um dos avanços importantes de se constituir um Sistema de
Saúde Público no Brasil, a partir da Constituição de 1988, é justamente o fato de articular em torno da
"Saúde", todas as organizações e estabelecimentos públicos, com o cuidado de inserir neste sistema, os
estabelecimentos privados conveniados ou contratados pelo poder público. Temos assim, uma estrutura
com funcionamento definido a partir da legislação infra constitucional e uma mesma normatização.
Constituiu-se assim, um conjunto articulado nacionalmente, sob a batuta de um "comando único" em
cada esfera de governo, o Ministério da Saúde, Secretarias Estaduais e Secretarias ou Departamentos
Municipais de Saúde, que tem seus mecanismos de democracia - principalmente os conselhos de saúde -
permeando esta estrutura.
Um Sistema idealmente solidário, por considerar a saúde um direito público (pertencente a todo povo), e
por conseqüência, garantir o acesso universal aos serviços de saúde e a equidade na assistência. Foram
definidos para financiar o SUS, recursos do orçamento fiscal, e da seguridade social, que têm suas
fontes de captação específicas definidas na Constituição e legislação específica. Assim, contribuem para
o financiamento, todos os cidadãos através da arrecadação de impostos ou na forma de contribuição
social. O Sistema Único de Saúde deve prestar assistência à saúde, sem a necessidade de pagamento
prévio, seja no ato do procedimento ou na modalidade de contribuição previdenciaria ou qualquer outra
que possa existir.

A única entidade capaz de garantir que este Sistema permaneça funcionando desta forma e garanta os
princípios constitucionais que regulam o SUS, é o estado, como pensado na Lei Orgânica do SUS, gerido
democraticamente e com o controle da sociedade através de organismos de participação direta, como
são os Conselhos de Saúde. Assim, quando foi homologada a Constituição de 1988, fez-se este
compromisso, outorgando direitos de cidadania à população brasileira. Em grande parte, isto foi
garantido face à conjuntura política de ascenso dos movimentos populares urbanos que alimentavam o
poderoso "movimento pela reforma sanitária", com um congresso portanto, permeável às pressões
populares e um contexto que tinha como pano de fundo o estado de "Bem-estar Social", ou seja, os ares
neoliberalizantes que já encharcavam a Europa, não haviam chegado até as terras brasileiras.

No último período, assistimos a uma grande transformação que marcou os anos 80 e 90, onde a
intervenção do estado na economia, foi considerada coisa do passado e inconveniente à integração do
país à nova ordem mundial, preconizada pelo "Consenso de Washington" . O progresso e
desenvolvimento viriam a partir da implementação de reformas na economia e no estado, que
apontassem para a total liberdade do mercado e enxugamento do estado.

Como já foi dito antes, a pressão dos países desenvolvidos e suas agências de financiamento, a crise
fiscal e de investimentos do Brasil, associado a uma conjuntura interna adversa aos interesses
populares, com a eleição de presidentes (Collor e FHC) identificados com o projeto neoliberal, alteraram
sobremaneira a situação interna, criando uma forte pressão sobre propostas como a do SUS, que têm no
poder público, sua fonte de financiamento e garantias de funcionamento.

Este é o caldeirão onde ferve a proposta de Reforma Administrativa do Estado e particularmente a da
Saúde, que tem na constituição das Organizações Sociais um dos pilares de construção desta reforma. A
lógica é a de repassar para o sistema privado a gestão de equipamentos de saúde. O estado se
desobrigando de garantir à sociedade o direito à saúde, de provê-la de recursos para que a assistência
possa se dar de forma integral, de administrar equipamentos que oferecem estes serviços, condição
para que estes funcionamento de acordo com os princípios do SUS.

Que conseqüências poderiam advir, com a entrada do setor privado na gestão dos hospitais públicos
(como está na proposta do MARE) através das OS?

Seis razões que falam contra a proposta das OS.

    1.   A quebra do "Sistema", na forma concebida originalmente pelo SUS.

Como os hospitais, gerenciados por uma entidade de direito privado, a OS, passaria a trabalhar sob a
lógica do mercado, há grande possibilidade da cadeia de serviços que garante ao SUS a condição de
SISTEMA, interromper sua linha de transmissão, ou seja, deixar de operar de forma integrada, como o
faz hoje. Interrompe também, o ideal de solidariedade que perpassa o Sistema Único de Saúde.

Hoje, o SUS é praticamente refém do setor privado que detém mais de 75% dos leitos hospitalares. Esta
correlação foi construída históricamente, inclusive com financiamento do governo à construção do setor
hospitalar privado. Estes hospitais na maioria da vezes agem contra o SUS e os usuários do sistema de
saúde, na medida que, tendo como objetivo central da sua atividade, o lucro sobre a doença, fazem
atendimento seletivo, internando somente os casos onde o tratamento é lucrativo. Não garantem sua
inserção no sistema de referência e contra-referência de uma determinada rede assistencial de saúde
por se negarem a uma relação efetiva com a rede básica do SUS. Produzem procedimentos muitas vezes
desnecessários, conduzidos apenas pela lógica da produção/faturamento. Esta situação deverá se
agravar mais ainda, na medida em que ocorrer o repasse para as OS de estabelecimentos hoje sob
gestão do poder público.

    2.   A extinção do quadro de servidores públicos da Saúde, nos estabelecimentos gerenciados por
         OS.

O quadro estatutário atual da saúde, será gradativamente extinto para dar lugar a um quadro
contratado via CLT. Haverá portanto, uma gradativa substituição do quadro funcional nestes
estabelecimentos, com a consequência imediata da falta de estabilidade, abrindo margem para o
clientelismo na contratação de pessoal para estes estabelecimentos sob gestão das OS.

O objetivo de se construir um quadro de servidores da saúde, com isonomia, plano de cargos e
carreiras, ou mesmo de elaborar uma NOB para o RH, como tem sido discutido em fóruns de Recursos
Humanos da saúde, fica muito mais longínquo se a proposta das OS ganhar contornos nacionais e
expansão junto ao SUS.

    3.   A gestão de RH, desafios atuais e no quadro das OS.

Nas OS, a gestão de RH é predominantemente centralizadora, autoritária e normativa. É garantida,
através do controle do trabalho por expedientes administrativos. No entanto, o setor público tem servido
de laboratório a novas experiências de gestão, onde são oferecidos aos recursos humanos, processos de
trabalho alternativos, com maior grau de autonomia no exercício profissional, combinada à
responsabilização. Algo ainda incipiente e pouco expressivo, mas que disputa no micro espaço da
organização do trabalho, com o modelo tradicional e pode inaugurar um modo novo de lidar com os
recursos humanos, tão essenciais no trabalho em saúde. No entanto, isto só é possível, em
estabelecimentos onde o profissional opera sob a lógica solidária, sob valores éticos que permeiam a
questão da saúde como direito de cidadania, sob uma nova consciência do papel transformador do
trabalho. A mudança dos hospitais públicos para a gerência de OS, operando sob a lógica do mercado,
quebra com esta possibilidade nova, mesmo que experimental, mas rica de objetividades e
subjetividades, construtoras de um devir com bases humanitárias e de justiça social.

    4.   A saúde como direito público, o mercado e a opção das OS.

A princípio supõe-se que as OS, de um lado, investidas do ideário mercantilista, e de outro, fazendo a
gestão de um estabelecimento hospitalar público, viveria o sofrido conflito shakesperiano do "ser ou não
ser?", público ou privado?. Ingenuidade de quem pensar assim.

A OS, vai dividir os serviços que presta, com dois tipos diferentes de clientela: 1. O usuário dependente
do sistema público. 2. O usuário que paga pela assistência através dos seguros e planos de saúde
privados. Operando sob o ideário neoliberal, sendo uma entidade de direito privado, as leis mercantis
definirão em muito a relação do hospital sob gestão da OS e os usuários. O mercado é assaz impessoal e
cruel para priorizar o lucro através da sua atividade e não a resolução do problema de saúde que
aparece, caótico muitas vezes, na unidade assistencial. Estes estabelecimentos naturalmente, darão
prioridade ao atendimento à população pagante, reduzindo a oferta de serviços no sistema Universal,
contribuindo para um menor grau de cidadania em relação aos direitos à assistência à saúde.

    5.   O modelo de assistência e as OS, entre a necessidade e os limites rígidos do mercado.

Os serviços de saúde, na sua dimensão operacional, são a instância mediadora entre o que é ofertado e
as necessidades de saúde da população, ou seja, é o lugar de encontro entre prestador e usuários. A
forma como se dá esse encontro, define o perfil de assistência que se tem e os resultados são
verificados, através da eficácia, resolutividade, satisfação de usuários e trabalhadores e custos dos
serviços.

Um serviço de saúde centrado no usuário, trabalha principalmente a partir da relação que se estabelece
entre o profissional e a clientela dos serviços, orientada por princípios éticos, ideológicos e de valores
que são da instituição, do trabalhador e do usuário, todos envolvidos na relação. Essa mediação é
exercida de um lado, e prioritariamente, por uma opção ideológica do entendimento que saúde é direito
público e faz parte da construção da cidadania, e de outro lado, secundariamente na maioria dos casos,
por uma "razão instrumental" que opera a partir de determinados recursos tecnológicos, com o objetivo
de resolver o problema de saúde do usuário.

Nos equipamentos públicos, tem sido possível experimentar modos de operar o trabalho, com base
nestes parâmetros, e ainda em princípios humanitários e de solidariedade, configurando assim, um
modelo assistencial em padrões societários que apontam para a construção de um futuro que parte do
princípio que a saúde é um direito público. Esse tipo de modelo, operado por esse novo modo de encarar
e trabalhar a assistência à saúde, só é possível num sistema que é público e portanto, não vive o seu
cotidiano pressionado pelos interesses e a ideologia do mercado.

Com os hospitais públicos, geridos por entidades de direito privado, as OS, o trabalho em torno de um
novo modelo de assistência, que aponte para as diretrizes relatadas acima, será impossível, dado a
natureza mercantil que direciona a assistência. Além disto, a tendência destes estabelecimentos é o de
trabalhar apenas sob a lógica da "razão instrumental" e conhecimentos bastante estruturados,
bloqueando qualquer possibilidade de mudança no modo de fazer saúde.
6.    O Controle Social das OS.

Há duas razões para se duvidar de que haverá controle social dos estabelecimentos geridos pelas OS. A
primeira delas diz respeito ao fato de que, na Medida Provisória aprovada, que cria as OS, não há
nenhuma menção ao controle externo das mesmas. Por serem estabelecimentos regulados através de
um contrato de gestão com o poder público, o seu funcionamento será fiscalizado pelo governo que fará
o controle da entidade. Pela MP, o Ministério Público só agirá contra os dirigentes das OS a chamado do
governo, limitando assim, a ação controladora da sociedade.

Outra razão, diz respeito ao fato de que os órgãos de controle social do SUS, os Conselhos de Saúde,
embora detenham poder para controlar e fiscalizar Sistema Único de Saúde, e assim poderão exercer
pressão sobre os estabelecimentos administrados pelas OS, têm limites óbvios quando se trata de uma
entidade de direito privado, e pouco poderão fazer no que diz respeito às ações resultantes da natureza
privada destas entidades.

Bibliografia:

    1.    Bandeira Lins, C. F.; As "Organizações Sociais" e o Governo; Jornal Folha de S. Paulo de
          13.11.97.
    2.    Batista, P.N.; O Consenso de Washington; Caderno Dívida Externa nº 6; PEDEX, São Paulo,
          1994.
    3.    Bresser Pereira, L. C. ; Reforma Administrativa do Sistema de Saúde; Trabalho apresentado ao
          Colóquio Técnico prévio à XXV Reunião do Conselho Diretivo do CLAD, Buenos Aires, outubro de
          1995.
    4.    Bresser Pereira, L. C.; Criação das Organizações Sociais; Brasília, 1996,mimeo.
    5.    Bresser Pereira, L. C.; Reforma Social-Democrática; Jornal Folha de S. Paulo de 17.10.97.
    6.    Campos, G.W.S.; A Saúde Pública e a Defesa da Vida; HUCITEC, S. Paulo, 1994.
    7.    Campos, G.W.S.; Reforma da Reforma, repensando a saúde; HUCITEC, S. Paulo, 1992.
    8.    Cantarino, G. et all; Informação ao Conselho Nacional de Saúde a Respeito da Proposta de
          Criação das Organizações Sociais; Brasília-DF- 1997, mimeo.
    9.    Cecílio, L. C. (Org.); Inventando a Mudança na Saúde, HUCITEC, S. Paulo, 1994.
    10.   Confederação Nacional dos Trabalhadores em Seguridade Social - CNTSS; Agências Executivas.
          ‘uma forma de desmontar a previdência social no Brasil’; Cadernos da CNTSS/CUT - setembro
          de 1997.
    11.   Cruz, Valdo; Governo Valoriza Carreiras ‘Estratégicas’ ; Jornal Folha de S. Paulo, 3.8.97.
    12.   Damé, L.; Deputados Aprovam Contrato de Gestão; Jornal Folha de S. Paulo, 3.7.97.
    13.   Darze, J.; O Ano da Saúde? ; Jornal Folha de S. Paulo 20.5.97.
    14.   Governo do Estado do Rio Grande do SUL - Secretaria de Administração e dos Recursos
          Humanos/PROCERGS; Contrato de Gestão, texto disponível na internet na home page:
          www.procergs.com.br/
    15.   Jornal Folha de S. Paulo - editoria:

          - Deputados Federais Indicaram Diretores de Hospitais. (09.08.97)

          - MP Muda Regime de Funcionamento de Algumas Instituições. (10.10.97)

          - Principais Pontos do Texto Básico da Reforma Administrativa. (25.11.97)

          - Rio quer Transferir Gestão a Empresas. (06.12.97)

    16. Lima, C. R. M. de; "Reforma do Estado e Política de Saúde: Discussão da Agenda do Banco
        Mundial e da Crítica de Laurell. Saúde em Debate - revista do CEBS nº 49/50; Londrina-PR,
        1996.
    17. Lima, Roni; Estdo diz que há Vagas em Hospital do RJ; Jornal Folha de S. Paulo, 1.7.97.
    18. Lima, Roni; Projeto Aumenta Eficiência de Hospital; Jornal Folha de S. Paulo, 2.7.97.
    19. Martins, L.; SP pode ter 10 Hospitais Terceirizados; Jornal Folha de S. Paulo, 6.12.97.
    20. Martins, L.; SP quer Terceirizar Dez Hospitais Novos; Folha de S. Paulo de 6.12.97.
    21. Medida Provisória 1591, de 9 de outubro de 1997.
    22. Merhy, E.E. et Onocko, R. (Orgs.); Agir em Saúde, um desafio para o público; HUCITEC, S.
        Paulo, 1997.
    23. Merhy, E.E., Organizações Sociais. Autonomia por que e para que?; mimeo, Campinas-SP, 1998
    24. Moraes, R.; Neoliberalismo: O que é e para onde leva; São Paulo, 1998.
    25. Nassif, L.; O Novo Modelo de Estado; Jornal Folha de S. Paulo de 24.11.97.
    26. Oliveira, J.E.G.; Ainda Há Saída; Jornal Folha de S. Paulo 18.02.97.
    27.   Projeto de Emenda à Constituição Nº 41, de 1997, "que modifica o regime e dispõe sobre
          princípios e normas da Administração Pública, servidores e agentes políticos, controle de
depesas e finanças públicas, e custeio de atividades a cargo do Distrito Federal, e da outras
      providências".
28.   Raia, Silviano; Uma Esperança para a Saúde Pública; Jornal Folha de S. Paulo de 11.12.97.
29.   Raymundo, P.R. e Almeida, W.M. de; "Privaticização"; Jornal Folha de S. Paulo, 27.11.97.
30.   Rezende, C.; A Reforma do Estado Brasileiro e o SUS, 1998; texto disponível na internet na
      home page: www.datasus.gov.br/cns/temas/
31.   Temporão, J. G.; A Reforma Administrativa: proposta governamental; 1996; texto disponível na
      internet na home page: www.ensp.fiocruz.br/conjuntura/
32.   Temporão, J. G.; Reforma Administrativa: uma avaliação preliminar; 1997; idem, ibidem.
33.   Zeyn, M. K.; Ganhos para a Democracia; Jornal Folha de S. Paulo, 8.12.97.

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Conferência Nacional de Saúde On-Line e as Organizações Sociais

  • 1. Conferência Nacional de Saúde On-Line Uma proposta em construção TEMA: CRIAÇÃO DAS ORGANIZAÇÕES SOCIAIS As Organizações Sociais e o SUS. O Governo Federal, impossibilitado de confrontar a opinião pública e rever a legislação do Sistema Único de Saúde, construída na "Constituição Cidadã" em 1988, propõe a reforma administrativa da saúde e tenta ampliar a ação do mercado no setor, através da proposta das Organizações Sociais. Túlio Batista Franco Psicólogo sanitarista Mestrando em saúde coletiva pela UNICAMP Introdução Para falar das Organizações Sociais e gestão dos equipamentos públicos de saúde, como é a proposta do Ministério da Administração e Reforma do Estado, é necessário recorrermos aos seus antecedentes para visualizar o cenário e as forças políticas implicadas na questão. Neste texto, discutimos primeiro as origens contemporâneas do projeto neoliberal que datam da década de 40, no período imediato do pós guerra. Após disputar a hegemonia do modelo econômico, na retomada do desenvolvimento nos países centrais, e ser derrotado neste propósito, pelo fato dos dirigentes da época haverem optado pelo modelo keynesiano, a proposta neoliberal entra numa fase de "latência" e ressurge com força na década de 80. Neste período, ganha fôlego suficiente para hegemonizar as políticas públicas nos países desenvolvidos e em efeito dominó, na periferia do capitalismo. O Brasil foi um dos últimos países da América Latina a adotar o receituário neoliberal ditado pelos países desenvolvidos e agências internacionais de financiamento e fomento do desenvolvimento. Esse atraso pode ser considerado pela efervescência política da década de 80, onde as forças democráticas e populares disputavam projetos próprios para os rumos do país, com razoável inserção social. Na década de 90, as propostas de desregulamentação econômica e redução do estado se viabilizam, por fatores que vão desde as pressões geradas a partir da globalização da economia até uma dada conjuntura política interna que altera a correlação de forças e coloca no centro do poder, grupos favoráveis e até mesmo subservientes ao capital internacional. A Reforma Administrativa do Estado, é uma pequena fatia do universo neoliberal no qual vivemos e que tomou conta da vida nacional. O que se pretende aqui, é a adaptação da gestão do estado à concepção de "estado mínimo", onde suas funções se restringem àquelas ligadas aos negócios jurídicos, de segurança e administração próprias do governo. A reforma administrativa para o setor saúde, pode-se concluir, não saiu da cabeça iluminada de alguns burocratas de plantão no palácio, é a materialização da proposta neoliberal que se tem para o país, direcionada então para a mercantilização do setor saúde. A Reforma Administrativa na saúde, esbarra num grande obstáculo: a legislação do Sistema Único de Saúde, que foi obra coletiva, conquistada na Constituição Federal por um poderoso movimento popular na década de 80. O SUS conta com grande audiência junto à população. Princípios como universalidade de acesso, integralidade das ações, equidade e municipalização da saúde, foram apropriadas pelo imaginário popular. Por estes motivos, evitando um confronto direto e de conjunto, as reformas no setor saúde vêm tangencialmente. A criação da figura das Organizações Sociais - OS - joga em dois sentidos. De um lado, tenta dar aparência de uma proposta com uma faceta "popular", quando admite que qualquer Organização não Governamental - ONG - ou Associação de Usuários, pode se habilitar a assumir um estabelecimento de saúde, desde que seus estatutos estejam adequados aos critérios impostos pela Medida Provisória que cria as OS, inclusive constem que estas entidades "não têm fins lucrativos", mas por outro lado, a proposta é clara ao definir que estas entidades são de "direito privado". A natureza privada das OS define seu caráter e abre a possibilidade de maior participação portanto, do setor privado na gestão da saúde. A Medida Provisória que cria as OS é de outubro de 1997, estando ainda recente, suas repercussões só se farão sentir no decorrer de 1998/99. No entanto, já é notório que a proposta terá impacto efetivo pois são várias entidades hospitalares públicas que já na primeira hora buscaram se habilitar à gestão de uma Organização Social. Procuramos ao final, discutir as possíveis repercussões junto ao Sistema
  • 2. Único de Saúde da implementação desta proposta. Como parâmetro para discutir esta questão, utilizamos os princípios e diretrizes do Sistema Único de Saúde, e agregamos aos referenciais do SUS, a visão de um modelo assistencial que idealmente procura se articular a partir de alguns princípios, que colocam como principal objetivo do sistema, a resolução dos problemas de saúde, a partir das necessidades do usuários. Em resumo, agir em defesa da vida, acima de tudo, numa perspectiva usuário centrada. Esses parâmetros não são apenas teóricos, têm referências também em evidências empíricas de gestão e assistência que foram implantadas por diversos municípios nos últimos anos. Ao final, ficam claros os limites das Organizações Sociais para a construção de um sistema de saúde com base nos princípios declarados pelo SUS. Este texto apresenta subsídios a esta discussão, que deverá continuar ao longo do tempo, para conclusões definitivas a partir da experiência em curso de implementação da proposta do Ministério da Administração e Reforma do Estado - MARE - e a inserção das Organizações Sociais na gestão da saúde. O Neoliberalismo: Antecedentes da proposta de reformas e das Organizações Sociais. Quando o inglês Friedrich von Hayek publicou seu livro "O Caminho da Servidão" em 1944, considerado o manifesto fundador do neoliberalismo, pensava ele em disputar a hegemonia do modelo econômico a ser implantado nos países centrais, no pós guerra. E o que propunham os neoliberais em relação à gestão do estado, no quadro em que se encontrava o mundo naquele período? "O ‘saneamento’ , encarnado em medidas como: redução da despesa pública; redefinição (e limitação) das funções do Estado; redução do número de funcionários públicos e para-públicos; revisão dos sistemas previdenciários, bem como de toda a legislação social; desregulamentação e privatizações, submetendo serviços públicos à concorrência; ajuste fiscal" . "O Caminho da Servidão" tinha como alvo a doutrina keynesiana para direção do estado e gestão econômica. Esta propunha a planificação e intervenção estatal na economia, no sentido de se estabelecer o mínimo de regulação que impedisse o "caos econômico" gerado pela concorrência desenfreada entre os donos do capital e por outro lado, protegesse parte da população dos efeitos colaterais da economia capitalista, garantindo aos pobres, os serviços públicos minimamente essenciais. A organização deste modelo que regulasse ainda, o nível de atividade econômica (inclusive o emprego) deveria utilizar de instrumentos monetários e o ordenamento da despesa pública para alcançar seus objetivos. As propostas de um "Estado de Bem Estar" vinham sendo gestadas desde o início deste século em função das crises cíclicas da economia capitalista, e ganha maior fôlego após a grande crise do capital em 1929. Após a II guerra mundial, verifica-se portanto uma situação de disputa entre os dois modelos - o neoliberal e o welfare state - por qual hegemonia econômica iria se impor ao mundo, a partir dos países desenvolvidos. Neste quadro, o partido trabalhista inglês vence as eleições em 1945. Partidário de uma política econômica que contemplasse as questões de ordem social e uma economia regulada pelo estado, sua alçada ao centro de poder na Inglaterra, contribui decididamente para o arquivamento das propostas de Hayek. Assim, as propostas de um Estado de Bem-estar se tornam hegemônicas na Inglaterra, contribuindo decididamente para que as idéias reformistas em curso naquele país tenham adesão nos demais países, criando uma hegemonia mundial em torno desta política. O "Estado de Bem Estar" ou de "Estado desenvolvimentista" no caso latino-americano, ganha o mundo e se impõe como modelo capitalista hegemônico. Por mais de trinta anos, pareceu que as idéias neoliberais haviam sido arquivadas. Mostraram porém que não foram esquecidas. A recessão econômica do início dos anos 70, cria um ambiente propício a que final desta década e nos anos 80, o modelo neoliberal ressurge com força em diversos países de ponta do capitalismo e ganha amplos espaços com a crise de financiamento crônica dos países periféricos. Assim, assiste-se à implantação do modelo neoliberal na Inglaterra, a partir do governo de Margaret Thatcher que tem início em 1979, nos EUA com Reagan em 1980 e na Alemanha com Helmut Kolhl em 1982. Na América Latina, inicia-se a implantação do neoliberalismo primeiro no Chile, ainda no governo Pinochet e na Argentina, no período do regime militar, em ocasião da gestão de Martinez de Hoz à frente da área econômica do governo. Segue a onda neoliberal através de "pacotes" econômicos editados pela Bolívia em 1985, México em 1988, com Salinas de Gortari; Argentina, novamente em 1989 com Menen; Venezuela com Carlos Andrés Perez em 1989, Fujimori no Peru em 1990. Como um germe que se mantém latente e depois ressurge com toda sua força destrutiva, o projeto neoliberal avança sobre o planeta, como uma onda que toma conta da vida econômica, política, cultural, influencia o modo de vida e as relações. Vira modismo, questiona valores, muda comportamentos. No que diz respeito ao estado e à economia, segue trabalhando basicamente o binômio: privatizar e desregulamentar. As duas diretrizes, que se transformam rapidamente em políticas de governo, são faces da mesma moeda. Desregulamentar, para dar "liberdade" ao capital de atuar livremente e deixar que a "mão invisível do mercado" atue como a fonte reguladora por excelência da economia. Assim, fica
  • 3. a população à mercê das leis e dinâmicas mercantis que lhes são impostas. Privatizar, para restringir a ação do estado, àquilo que lhe é próprio, sua atribuição exclusiva, o cuidado com os negócios jurídicos, da segurança e administração das coisas próprias do governo. Desta forma, a ação do mercado fica libre não apenas ao setor da produção de bens e o comércio, mas também ao segmento que diz respeito aos serviços, inclusive os que são hoje oferecidos pelo governo. A Reforma Administrativa no Brasil No que diz respeito ao Brasil, a implantação de um novo modo de conduzir o estado, a economia e a sociedade, nos moldes do projeto neoliberal, teve início no governo Collor em 1990, e continuidade no atual governo de Fernando Henrique Cardoso. Aqui, o projeto foi conduzido de forma complementar, de um lado, pela via da privatização, primeiro das empresas e num segundo momento dos serviços e de outro lado, por mudanças intrínsecas no aparelho de estado, através da reforma administrativa. O discurso oficial no primeiro momento das privatizações, dizia que as atividades sociais seriam as grandes beneficiárias do enxugamento do estado, podendo o governo economizar divisas se livrando de outras atividades, e então aplicar o excedente de recursos em programas sociais. Porém, com o tempo, de forma às vezes sutil, ganha corpo também a proposta de privatização das atividades sociais, ou parte destes serviços. Saúde, educação, previdência, para ficar nas principais, estão no alvo da política de privatização. No que diz respeito à reforma do estado e tendo o MARE (Ministério da Administração e Reforma do Estado) como principal propositor e protagonista da reforma, pretende o governo, constituir um estado gerencial, enxuto, que repassa suas tarefas produtivas e de prestação de serviços para terceiros, entidades privadas que possam conduzir estas atividades. Qual o pano de fundo da Reforma Administrativa do Estado? A discussão que tem sustentado este debate, parte do pressuposto de que o estado está falido, dado ao seu endividamento, à crise fiscal e por conseqüência, há neste momento uma baixa capacidade de investimento. Além deste fator, contribui com o argumento liberal o cenário internacional de globalização da economia, em que os outros países e principalmente os de primeiro mundo, têm vendido o receituário do "estado mínimo" e "livre mercado". Outra questão importante, colocada pelo atual governo é o do esgotamento da administração burocrática inaugurada com a constituição de 1988, caracterizada pela normatização das atividades do estado, definição do quadro funcional estável, regulação dos negócios da administração direta e indireta através de legislação específica que diz respeito ao cuidado com as finanças públicas. Esta, considerada excessivamente "amarrada", impossibilitando a eficiência e eficácia da administração e empresas estatais. Os principais alvos destas críticas são a necessidade de concursos públicos para ingresso no quadro de servidores do estado, a estabilidade no emprego e a lei de licitações, entre outras questões. A Proposta do MARE de reforma administrativa, parte do pressuposto de que as atividades do estado se dividem em três níveis ou categorias sendo: - Núcleo Estratégico, que abrangeria o Legislativo, Judiciário, Presidência da República, o primeiro escalão dos Ministérios e o Ministério Público. Isto seria considerado de propriedade estatal. - Atividades Exclusivas do estado, quais sejam: Regulamentação, Fiscalização, Fomento; Segurança Pública, Seguridade Social Básica; seriam de propriedade estatal, na modalidade das agências executivas (autarquias ou fundações integrantes da administração pública federal). - Serviços Não Exclusivos: Universidades, Hospitais, Centos de Pesquisa, Museus, seriam públicos, não estatais, na modalidade proposta de Organizações Sociais. A Reforma Administrativa do Sistema de Saúde Em outubro de 1995, o ministro da Administração Federal e Reforma do Estado, Luiz Carlos Bresser Pereira, apresenta a proposta de Reforma Administrativa do Sistema de Saúde do Brasil, no Colóquio Técnico prévio à XXV Reunião do Conselho Diretivo do CLAD. A sua proposta de reforma, contem os seguintes pressupostos: "Primeiro, pressupõe-se que a descentralização permite um controle muito melhor da qualidade e dos custos dos serviços prestados localmente. Segundo, que a descentralização acompanhada de controle social por parte da comunidade atendida pelo serviço torna-se duplamente efetiva. Terceiro, que a separação clara entre a demanda e a oferta de serviços permite, entre os fornecedores dos serviços médico-hospitalares, o surgimento de um mecanismo de competição administrada altamente saudável. Quarto, que o sistema de encaminhamento via postos de saúde e clínicos gerais evitará uma grande quantidade de internações hospitalares inúteis. Quinto, que, a partir
  • 4. da efetiva responsabilização dos prefeitos e dos Conselhos Municipais de Saúde, a auditoria realizada pelo Ministério da Saúde nos hospitais passará a ter caráter complementar à auditoria permanente realizada a nível municipal, onde, de resto há muito mais fiscalização e participação comunitária". Estes pressupostos tratam na verdade, de uma dada avaliação que se faz do Sistema Único de Saúde, lugar comum em todos os debates onde a saúde pública no Brasil e o SUS são objeto de análise. Há no entanto uma questão nova posta no documento do MARE, qual seja: a discussão em torno de demanda X oferta de serviços e a sua separação como impulsionadores de uma certa "competição administrada". Sugere o documento que se desloque o eixo do modelo assistencial, da oferta de serviços oferecidos pelo poder público, para um modelo centrado na demanda em que o mercado assume um papel relevante. Esta sem dúvida é a principal questão em jogo com a proposta, que coloca a idéia de como será realizada a inserção do mercado no sistema de saúde. A competição administrada, como sugere a proposta do MARE para a saúde, combina um mix de mercado com o mínimo de regulação do estado, que poderá se dar de diversas formas, entre elas, através da definição de clientela, protocolos de atendimento e outros instrumentos em geral, limitantes de direitos, podendo inclusive, tentar inserir o co-pagamento de procedimentos. A estas alturas, na proposta do MARE para a reforma administrativa do sistema de saúde, os princípios do SUS são solene e convenientemente esquecidos. O documento do Ministério conclui com a proposta das Organizações Sociais como um dos locus operacionais da reforma, dando-lhe materialidade. Diz assim o documento: "Os hospitais públicos deverão, em princípio, ser transformados em organizações sociais, ou seja, em entidades públicas não- estatais de direito privado com autorização legislativa para celebrar contrato de gestão com o poder executivo e assim participar do orçamento federal, estadual ou municipal". As Organizações Sociais As Organizações Sociais foram criadas através da Medida Provisória No. 1.591 de 9 de outubro de 1997. Poderão abranger o setor de atividades não exclusivas do estado (ensino, pesquisa, tecnologia, meio ambiente, cultura e saúde), a partir da transformação de instituições públicas em pessoas jurídicas de direito privado sem fins lucrativos. Poderão assumir a forma de fundações de direito privado ou de associação civil sem fins lucrativos. Na sua gestão, poderão: 1. Contratar pessoal sem concurso público seguindo as normas do mercado de trabalho e adotando a CLT. Não estão livres portanto do empreguismo e favorecimento de todo tipo conhecido na política. O principal argumento contrário a esta liberalidade administrativa diz respeito à possibilidade das OS servirem para pendurar supostos "cabos eleitorais" no período pós-eleitoral, como é comum na história brasileira. 2. Poderá adotar normas próprias para compras e contratos. Embora administradas também com dinheiro público, ficam livres das normas próprias que regulam as despesas realizadas com recursos públicos. 3. Receberão dotações de recursos orçamentários do governo através dos Contratos de Gestão. O contraditório na questão financeira que pesa sobre as OS, diz respeito ao fato de que, apesar de serem entidades de direito privado, receberem recursos orçamentários do tesouro, sem licitação. 4. Serão dirigidas por um Conselho de administração ou Curador composto de 20 a 40 % de representantes do poder público (como membros natos); 20 a 40% de representantes da sociedade civil também como membros natos; 20 a 40% eleitos pelos demais integrantes do conselho e 10% indicados ou eleitos. Sobre esta composição do Conselho de Administração definido pela MP permanecem dúvidas com relação à sua composição, mau definida e imprecisa, o que poderá gerar diferentes interpretações. Outra questão importante, é o fato de que não está previsto controle externo das Organizações Sociais. Para haver controle social sobre qualquer órgão ou entidade, é necessário que se construam instrumentos para isso. No Brasil, a legislação do SUS construiu instrumentos para o controle do SUS, a ser feito pela sociedade organizada nos Conselhos, Conferências de Saúde e que ainda poderão lançar mão de inúmeros mecanismos para isto. No entanto, não existem instrumentos eficazes para o controle da sociedade sobre entidades de direito privado, como são as Organizações Sociais. Pesam sobre a proposta das OS o questionamento da sua constitucionalidade. Por não se tratar de matéria relevante e urgente, por definição do regimento do Congresso Nacional, não poderia ser imposta por MP, mas sim, deveria ser votada pelo Congresso como um Projeto de Lei. Outra questão importante, diz respeito ao fato de que não foram definidos critérios para a escolha das entidades que receberão recursos orçamentários do governo, podendo aí prevalecer o clientelismo ou apadrinhamento.
  • 5. É grave o fato de que as OS como entidades de direito privado, poderão vender serviços a terceiros. No caso da saúde, por exemplo, haverá com certeza, desta forma uma clientela diferenciada entre os que podem pagar no ato do procedimento ou através de seguros/planos privados e aqueles que são dependentes do sistema SUS. Há grande incerteza em relação à assistência que será prestada a estes, pelas OS, pelo fato de que, sendo entidades de direito privado, a busca pelo lucro com procedimentos de saúde está objetivamente colocada, podendo assim, favorecer à clientela que assegure o caminho mais fácil e tranqüilo para este objetivo. O Contrato de Gestão é o instrumento legal que propõe o MARE para regular a relação do estado com a OS. Estes, firmam compromissos administrativos entre as partes - governo e OS. Dizem respeito também aos recursos a serem repassados, assim como metas a serem alcançadas e formas de avaliação de desempenho das OS. Os Contratos de Gestão surgiram a primeira vez na França, no final dos anos 60, como instrumento que define a relação entre entidades públicas, estabelecendo petições e compromissos entre as mesmas. Foi adotado por diversos países da Europa e no Brasil foi introduzido em 1992, quando o Governo Federal assinou Contrato de Gestão com a Companhia Vale do Rio Doce. Só agora estão sendo propostos para regular a relação entre o poder público e entidades privadas. As Organizações Sociais na Saúde O QUE DIZ O RELATÓRIO DO BANCO MUNDIAL/1993. Em que medida as Organizações Sociais são parte de um conjunto articulado, que pretende implantar no Brasil um novo sistema de saúde, seguindo o receituário do Banco Mundial? Para esta análise, devemos nos deter rapidamente sobre o documento editado pelo Banco Mundial, sob o título "Relatório sobre o Desenvolvimento Mundial 1993: Investindo em Saúde". No que diz respeito à gestão dos serviços, o Relatório "recomenda que os países de renda média (como o Brasil) devem concentrar-se em pelo menos quatro áreas básicas de reforma de políticas: eliminar gradualmente os subsídios públicos aos grupos mais abastados; ampliar a cobertura do seguro de saúde; dar opção de seguro aos consumidores; e estimular métodos de pagamentos que permitam controlar os custos". Na assistência, propõe ações básicas tais como "programa ampliado de imunizações, incluindo suplementação de micronutrientes; programas sanitários escolares para tratar as verminoses e a deficiência de micronutrientes, e também para transmitir noções de higiene; programas para esclarecer o público sobre planejamento familiar e nutrição, sobre a conveniência da automedicação ou buscar tratamento, e sobre o controle de vetores e doenças; programas para reduzir o consumo de tabaco, álcool e drogas; e programas para prevenção da AIDS, com ênfase nas DST". Acrescenta a estas ações, "intervenções clínicas" de cinco tipos, divididas nos seguintes grupos: "1. Serviços de assistência à gestante (atendimento pré-natal, no parto e pós-parto); 2. Serviços de planejamento familiar; 3. Controle de tuberculose; 4. Controle das DST; e 5. Atendimento das doenças graves comuns em crianças pequenas" . No que diz respeito à esfera pública e privada, o Banco Mundial vai direto à idéia da "terceirização" e da "concorrência administrada", argumentando da seguinte forma: "Em muitos países em desenvolvimento os sistemas sanitários administrados pelo governo são grandes demais e deveriam ser reduzidos. Para tanto, são necessários alterações jurídicas e administrativas que facilitem a prestação de serviços pela iniciativa privada (ONG ou entidades com fins lucrativos), e é necessário também que as ONG recebam subsídios públicos para prestarem os serviços do pacote essencial e que haja corte de novos investimentos em hospitais públicos terciários". "A concorrência entre fornecedores de um pacote de serviços de saúde, claramente especificados e previamente pagos, contribui para melhorar a qualidade e aumentar a eficiência". "Quando o seguro social cobre serviços prestados por hospitais do governo, a concorrência com o setor privado pode contribuir para melhorar o desempenho" . Este pequeno extrato do comentário de Clóvis R. M. de Lima ao texto de Laurell sobre o Relatório do Banco Mundial, dá a idéia de que a proposta de uma nova Norma como a NOB-96, a Lei dos Planos de Saúde e a MP que cria as Organizações Sociais, se articulam, dando formação a um todo, um novo modelo de sistema de saúde. A proposta de reforma administrativa do MARE adapta o ideário do Banco Mundial a um formato brasileiro e lhe dá materialidade. No caso da saúde, isto fica claro ao compararmos o texto Relatório com as "novidades" propostas pelo governo federal ao SUS nos últimos anos. ENTRE A LEI DOS PLANOS, A NOB-96 E AS ORGANIZAÇÕES SOCIAIS. Após longa discussão, finalmente entre maio e junho de 1998 o governo federal aprova a Lei que regulamenta os planos de saúde. Embora tenha havido contestação por parte de algumas empresas, sobre as regras estabelecidas, a nova Lei deixa aberto o leque de possibilidades de atuação dos seguros
  • 6. e planos de saúde privados a cinco modalidades diferentes, direcionadas a públicos (diga-se mercados) específicos o que arma uma boa base para operação da medicina supletiva, que hoje já atende a 40 milhões de usuários no país. A Norma Operacional Básica - NOB/96, num primeiro momento parece uma proposta exatamente adequada ao SUS e que vem de encontro aos anseios de inversão do modelo assistencial, no sentido de melhor assistir ao usuário. Seu argumento, cria uma nuvem sobre as verdadeiras intenções, quais sejam, a de propor uma subdivisão do atual Sistemam Único de Saúde. Nos diz Emerson Merhy que "No cenário idealizado por este ator (Bloco dirigente atual no exercício do governo federal), teremos dois sub-sistemas básicos: o público e o privado suplementar. O público, e compreendido como o futuro do SUS, será constituído por uma extensa rede estatal de ações básicas de serviços efetivadas em dois locus centrais: as unidades básicas de saúde municipais e os programas específicos tipo PSF e ACS, que se articulará com uma ampla rede formada por estabelecimentos de natureza privada ou estatal privatizada (as OS) que irão compor a retaguarda do sistema para fornecer serviços diagnósticos e terapêuticos, ambulatoriais e hospitalares, e de urgências e emergências, que implicam em investimentos mais especiallizados e de custos mais relevantes" . Tendo sido editada a MP que cria as Organizações Sociais, em outubro de 1997, suas repercussões se farão sentir no decorrer de 1998 e nos próximos anos. No entanto, iniciou-se desde a publicação da MP que cria as OS, um movimento intenso pela incorporação de diversas entidades hospitalares a esta modalidade administrativa. Na edição do dia 10.10.97, o jornal "Folha de São Paulo", ao noticiar a publicação neste dia da MP que cria as OS, registra que "com a assinatura da MP pelo presidente Fernando Henrique Cardoso, passam a poder funcionar como OS (deverá haver um período de transição até dezembro/97) a Fundação Roquette Pinto (TVE) e o Laboratório Nacional de Luz Sincrotron". Continua o jornal "a direção do INCA (Instituto Nacional do Câncer) assinou ontem no Rio um protocolo de intenções para ir se adaptando às exigências legais e se transformar em OS". No ano de 97 ainda, estavam se habilitando para se transformarem em OS, o Hospital Materno Infantil Presidente Vargas e a Fundação Escola de Administração Pública. Na sequência, vieram o anúncio de que 10 hospitais em São Paulo seriam terceirizados, embora não seja citada a forma de terceirização, muito provavelmente através de OS. A lista das entidades é a seguinte: Na periferia de SP (Pirajuçara, Pedreira, Grajaú e Itaim Paulista), na Grande SP (nos municípios de Carapicuíba, Itapevi, Itaquaquecetuba, Guarulhos e Itapecerica da Serra) e no interior (Sumaré), cada um com cerca de 200 leitos. Sabe-se que o hospital de Sumaré foi assumido pela Unicamp, em convênio entre a Universidade e a Prefeitura Municipal. Na mesma edição, o jornal noticia que o governo do estado do Rio de Janeiro, pretende neste ano de 1998, terceirizar (também não cita a forma de terceirização, mas certamente através das OS) os serviços em seis hospitais-gerais, são eles: Carlos Chagas, Getúlio Vargas, Rocha Faria, Alberto Schweitzer, Pedro II e Azevedo Lima. O governo da Bahia está transformando o hospital Roberto Santos, um dos três maiores do estado em Organização Social. O hospital deverá ser assumido por um grupo de médicos da própria entidade que terá a designação de Instituto de Atenção à Saúde, Docência, Pesquisa e Desenvolvimento Social. Anuncia o governo estadual que o novo modelo será implantado em todos os novos hospitais construídos pelo Estado. Este quadro é demonstrativo de uma primeira mostra do apetite que se tem para terceirizar e agora usando a modalidade de OS, equipamentos de saúde pública. O impacto assistencial só será sentido no decorrer do próximo período. No entanto, as experiências com equipamentos públicos, administrados por entidades privadas no setor saúde, têm resultado em redução dos índices de acesso, equidade e resolutividade. Desta forma, contribui para redução do coeficiente de cidadania conquistado com o SUS. Possíveis efeitos das OS junto ao Sistema Único de Saúde - SUS. Aurélio Buarque de Holanda nos conta, em seu precioso verbete, que Sistema é o "conjunto de instituições políticas e/ou sociais, e dos métodos por elas adotados, encarados quer do ponto de vista teórico, quer do de sua aplicação prática". Um dos avanços importantes de se constituir um Sistema de Saúde Público no Brasil, a partir da Constituição de 1988, é justamente o fato de articular em torno da "Saúde", todas as organizações e estabelecimentos públicos, com o cuidado de inserir neste sistema, os estabelecimentos privados conveniados ou contratados pelo poder público. Temos assim, uma estrutura com funcionamento definido a partir da legislação infra constitucional e uma mesma normatização. Constituiu-se assim, um conjunto articulado nacionalmente, sob a batuta de um "comando único" em cada esfera de governo, o Ministério da Saúde, Secretarias Estaduais e Secretarias ou Departamentos Municipais de Saúde, que tem seus mecanismos de democracia - principalmente os conselhos de saúde - permeando esta estrutura.
  • 7. Um Sistema idealmente solidário, por considerar a saúde um direito público (pertencente a todo povo), e por conseqüência, garantir o acesso universal aos serviços de saúde e a equidade na assistência. Foram definidos para financiar o SUS, recursos do orçamento fiscal, e da seguridade social, que têm suas fontes de captação específicas definidas na Constituição e legislação específica. Assim, contribuem para o financiamento, todos os cidadãos através da arrecadação de impostos ou na forma de contribuição social. O Sistema Único de Saúde deve prestar assistência à saúde, sem a necessidade de pagamento prévio, seja no ato do procedimento ou na modalidade de contribuição previdenciaria ou qualquer outra que possa existir. A única entidade capaz de garantir que este Sistema permaneça funcionando desta forma e garanta os princípios constitucionais que regulam o SUS, é o estado, como pensado na Lei Orgânica do SUS, gerido democraticamente e com o controle da sociedade através de organismos de participação direta, como são os Conselhos de Saúde. Assim, quando foi homologada a Constituição de 1988, fez-se este compromisso, outorgando direitos de cidadania à população brasileira. Em grande parte, isto foi garantido face à conjuntura política de ascenso dos movimentos populares urbanos que alimentavam o poderoso "movimento pela reforma sanitária", com um congresso portanto, permeável às pressões populares e um contexto que tinha como pano de fundo o estado de "Bem-estar Social", ou seja, os ares neoliberalizantes que já encharcavam a Europa, não haviam chegado até as terras brasileiras. No último período, assistimos a uma grande transformação que marcou os anos 80 e 90, onde a intervenção do estado na economia, foi considerada coisa do passado e inconveniente à integração do país à nova ordem mundial, preconizada pelo "Consenso de Washington" . O progresso e desenvolvimento viriam a partir da implementação de reformas na economia e no estado, que apontassem para a total liberdade do mercado e enxugamento do estado. Como já foi dito antes, a pressão dos países desenvolvidos e suas agências de financiamento, a crise fiscal e de investimentos do Brasil, associado a uma conjuntura interna adversa aos interesses populares, com a eleição de presidentes (Collor e FHC) identificados com o projeto neoliberal, alteraram sobremaneira a situação interna, criando uma forte pressão sobre propostas como a do SUS, que têm no poder público, sua fonte de financiamento e garantias de funcionamento. Este é o caldeirão onde ferve a proposta de Reforma Administrativa do Estado e particularmente a da Saúde, que tem na constituição das Organizações Sociais um dos pilares de construção desta reforma. A lógica é a de repassar para o sistema privado a gestão de equipamentos de saúde. O estado se desobrigando de garantir à sociedade o direito à saúde, de provê-la de recursos para que a assistência possa se dar de forma integral, de administrar equipamentos que oferecem estes serviços, condição para que estes funcionamento de acordo com os princípios do SUS. Que conseqüências poderiam advir, com a entrada do setor privado na gestão dos hospitais públicos (como está na proposta do MARE) através das OS? Seis razões que falam contra a proposta das OS. 1. A quebra do "Sistema", na forma concebida originalmente pelo SUS. Como os hospitais, gerenciados por uma entidade de direito privado, a OS, passaria a trabalhar sob a lógica do mercado, há grande possibilidade da cadeia de serviços que garante ao SUS a condição de SISTEMA, interromper sua linha de transmissão, ou seja, deixar de operar de forma integrada, como o faz hoje. Interrompe também, o ideal de solidariedade que perpassa o Sistema Único de Saúde. Hoje, o SUS é praticamente refém do setor privado que detém mais de 75% dos leitos hospitalares. Esta correlação foi construída históricamente, inclusive com financiamento do governo à construção do setor hospitalar privado. Estes hospitais na maioria da vezes agem contra o SUS e os usuários do sistema de saúde, na medida que, tendo como objetivo central da sua atividade, o lucro sobre a doença, fazem atendimento seletivo, internando somente os casos onde o tratamento é lucrativo. Não garantem sua inserção no sistema de referência e contra-referência de uma determinada rede assistencial de saúde por se negarem a uma relação efetiva com a rede básica do SUS. Produzem procedimentos muitas vezes desnecessários, conduzidos apenas pela lógica da produção/faturamento. Esta situação deverá se agravar mais ainda, na medida em que ocorrer o repasse para as OS de estabelecimentos hoje sob gestão do poder público. 2. A extinção do quadro de servidores públicos da Saúde, nos estabelecimentos gerenciados por OS. O quadro estatutário atual da saúde, será gradativamente extinto para dar lugar a um quadro contratado via CLT. Haverá portanto, uma gradativa substituição do quadro funcional nestes
  • 8. estabelecimentos, com a consequência imediata da falta de estabilidade, abrindo margem para o clientelismo na contratação de pessoal para estes estabelecimentos sob gestão das OS. O objetivo de se construir um quadro de servidores da saúde, com isonomia, plano de cargos e carreiras, ou mesmo de elaborar uma NOB para o RH, como tem sido discutido em fóruns de Recursos Humanos da saúde, fica muito mais longínquo se a proposta das OS ganhar contornos nacionais e expansão junto ao SUS. 3. A gestão de RH, desafios atuais e no quadro das OS. Nas OS, a gestão de RH é predominantemente centralizadora, autoritária e normativa. É garantida, através do controle do trabalho por expedientes administrativos. No entanto, o setor público tem servido de laboratório a novas experiências de gestão, onde são oferecidos aos recursos humanos, processos de trabalho alternativos, com maior grau de autonomia no exercício profissional, combinada à responsabilização. Algo ainda incipiente e pouco expressivo, mas que disputa no micro espaço da organização do trabalho, com o modelo tradicional e pode inaugurar um modo novo de lidar com os recursos humanos, tão essenciais no trabalho em saúde. No entanto, isto só é possível, em estabelecimentos onde o profissional opera sob a lógica solidária, sob valores éticos que permeiam a questão da saúde como direito de cidadania, sob uma nova consciência do papel transformador do trabalho. A mudança dos hospitais públicos para a gerência de OS, operando sob a lógica do mercado, quebra com esta possibilidade nova, mesmo que experimental, mas rica de objetividades e subjetividades, construtoras de um devir com bases humanitárias e de justiça social. 4. A saúde como direito público, o mercado e a opção das OS. A princípio supõe-se que as OS, de um lado, investidas do ideário mercantilista, e de outro, fazendo a gestão de um estabelecimento hospitalar público, viveria o sofrido conflito shakesperiano do "ser ou não ser?", público ou privado?. Ingenuidade de quem pensar assim. A OS, vai dividir os serviços que presta, com dois tipos diferentes de clientela: 1. O usuário dependente do sistema público. 2. O usuário que paga pela assistência através dos seguros e planos de saúde privados. Operando sob o ideário neoliberal, sendo uma entidade de direito privado, as leis mercantis definirão em muito a relação do hospital sob gestão da OS e os usuários. O mercado é assaz impessoal e cruel para priorizar o lucro através da sua atividade e não a resolução do problema de saúde que aparece, caótico muitas vezes, na unidade assistencial. Estes estabelecimentos naturalmente, darão prioridade ao atendimento à população pagante, reduzindo a oferta de serviços no sistema Universal, contribuindo para um menor grau de cidadania em relação aos direitos à assistência à saúde. 5. O modelo de assistência e as OS, entre a necessidade e os limites rígidos do mercado. Os serviços de saúde, na sua dimensão operacional, são a instância mediadora entre o que é ofertado e as necessidades de saúde da população, ou seja, é o lugar de encontro entre prestador e usuários. A forma como se dá esse encontro, define o perfil de assistência que se tem e os resultados são verificados, através da eficácia, resolutividade, satisfação de usuários e trabalhadores e custos dos serviços. Um serviço de saúde centrado no usuário, trabalha principalmente a partir da relação que se estabelece entre o profissional e a clientela dos serviços, orientada por princípios éticos, ideológicos e de valores que são da instituição, do trabalhador e do usuário, todos envolvidos na relação. Essa mediação é exercida de um lado, e prioritariamente, por uma opção ideológica do entendimento que saúde é direito público e faz parte da construção da cidadania, e de outro lado, secundariamente na maioria dos casos, por uma "razão instrumental" que opera a partir de determinados recursos tecnológicos, com o objetivo de resolver o problema de saúde do usuário. Nos equipamentos públicos, tem sido possível experimentar modos de operar o trabalho, com base nestes parâmetros, e ainda em princípios humanitários e de solidariedade, configurando assim, um modelo assistencial em padrões societários que apontam para a construção de um futuro que parte do princípio que a saúde é um direito público. Esse tipo de modelo, operado por esse novo modo de encarar e trabalhar a assistência à saúde, só é possível num sistema que é público e portanto, não vive o seu cotidiano pressionado pelos interesses e a ideologia do mercado. Com os hospitais públicos, geridos por entidades de direito privado, as OS, o trabalho em torno de um novo modelo de assistência, que aponte para as diretrizes relatadas acima, será impossível, dado a natureza mercantil que direciona a assistência. Além disto, a tendência destes estabelecimentos é o de trabalhar apenas sob a lógica da "razão instrumental" e conhecimentos bastante estruturados, bloqueando qualquer possibilidade de mudança no modo de fazer saúde.
  • 9. 6. O Controle Social das OS. Há duas razões para se duvidar de que haverá controle social dos estabelecimentos geridos pelas OS. A primeira delas diz respeito ao fato de que, na Medida Provisória aprovada, que cria as OS, não há nenhuma menção ao controle externo das mesmas. Por serem estabelecimentos regulados através de um contrato de gestão com o poder público, o seu funcionamento será fiscalizado pelo governo que fará o controle da entidade. Pela MP, o Ministério Público só agirá contra os dirigentes das OS a chamado do governo, limitando assim, a ação controladora da sociedade. Outra razão, diz respeito ao fato de que os órgãos de controle social do SUS, os Conselhos de Saúde, embora detenham poder para controlar e fiscalizar Sistema Único de Saúde, e assim poderão exercer pressão sobre os estabelecimentos administrados pelas OS, têm limites óbvios quando se trata de uma entidade de direito privado, e pouco poderão fazer no que diz respeito às ações resultantes da natureza privada destas entidades. Bibliografia: 1. Bandeira Lins, C. F.; As "Organizações Sociais" e o Governo; Jornal Folha de S. Paulo de 13.11.97. 2. Batista, P.N.; O Consenso de Washington; Caderno Dívida Externa nº 6; PEDEX, São Paulo, 1994. 3. Bresser Pereira, L. C. ; Reforma Administrativa do Sistema de Saúde; Trabalho apresentado ao Colóquio Técnico prévio à XXV Reunião do Conselho Diretivo do CLAD, Buenos Aires, outubro de 1995. 4. Bresser Pereira, L. C.; Criação das Organizações Sociais; Brasília, 1996,mimeo. 5. Bresser Pereira, L. C.; Reforma Social-Democrática; Jornal Folha de S. Paulo de 17.10.97. 6. Campos, G.W.S.; A Saúde Pública e a Defesa da Vida; HUCITEC, S. Paulo, 1994. 7. Campos, G.W.S.; Reforma da Reforma, repensando a saúde; HUCITEC, S. Paulo, 1992. 8. Cantarino, G. et all; Informação ao Conselho Nacional de Saúde a Respeito da Proposta de Criação das Organizações Sociais; Brasília-DF- 1997, mimeo. 9. Cecílio, L. C. (Org.); Inventando a Mudança na Saúde, HUCITEC, S. Paulo, 1994. 10. Confederação Nacional dos Trabalhadores em Seguridade Social - CNTSS; Agências Executivas. ‘uma forma de desmontar a previdência social no Brasil’; Cadernos da CNTSS/CUT - setembro de 1997. 11. Cruz, Valdo; Governo Valoriza Carreiras ‘Estratégicas’ ; Jornal Folha de S. Paulo, 3.8.97. 12. Damé, L.; Deputados Aprovam Contrato de Gestão; Jornal Folha de S. Paulo, 3.7.97. 13. Darze, J.; O Ano da Saúde? ; Jornal Folha de S. Paulo 20.5.97. 14. Governo do Estado do Rio Grande do SUL - Secretaria de Administração e dos Recursos Humanos/PROCERGS; Contrato de Gestão, texto disponível na internet na home page: www.procergs.com.br/ 15. Jornal Folha de S. Paulo - editoria: - Deputados Federais Indicaram Diretores de Hospitais. (09.08.97) - MP Muda Regime de Funcionamento de Algumas Instituições. (10.10.97) - Principais Pontos do Texto Básico da Reforma Administrativa. (25.11.97) - Rio quer Transferir Gestão a Empresas. (06.12.97) 16. Lima, C. R. M. de; "Reforma do Estado e Política de Saúde: Discussão da Agenda do Banco Mundial e da Crítica de Laurell. Saúde em Debate - revista do CEBS nº 49/50; Londrina-PR, 1996. 17. Lima, Roni; Estdo diz que há Vagas em Hospital do RJ; Jornal Folha de S. Paulo, 1.7.97. 18. Lima, Roni; Projeto Aumenta Eficiência de Hospital; Jornal Folha de S. Paulo, 2.7.97. 19. Martins, L.; SP pode ter 10 Hospitais Terceirizados; Jornal Folha de S. Paulo, 6.12.97. 20. Martins, L.; SP quer Terceirizar Dez Hospitais Novos; Folha de S. Paulo de 6.12.97. 21. Medida Provisória 1591, de 9 de outubro de 1997. 22. Merhy, E.E. et Onocko, R. (Orgs.); Agir em Saúde, um desafio para o público; HUCITEC, S. Paulo, 1997. 23. Merhy, E.E., Organizações Sociais. Autonomia por que e para que?; mimeo, Campinas-SP, 1998 24. Moraes, R.; Neoliberalismo: O que é e para onde leva; São Paulo, 1998. 25. Nassif, L.; O Novo Modelo de Estado; Jornal Folha de S. Paulo de 24.11.97. 26. Oliveira, J.E.G.; Ainda Há Saída; Jornal Folha de S. Paulo 18.02.97. 27. Projeto de Emenda à Constituição Nº 41, de 1997, "que modifica o regime e dispõe sobre princípios e normas da Administração Pública, servidores e agentes políticos, controle de
  • 10. depesas e finanças públicas, e custeio de atividades a cargo do Distrito Federal, e da outras providências". 28. Raia, Silviano; Uma Esperança para a Saúde Pública; Jornal Folha de S. Paulo de 11.12.97. 29. Raymundo, P.R. e Almeida, W.M. de; "Privaticização"; Jornal Folha de S. Paulo, 27.11.97. 30. Rezende, C.; A Reforma do Estado Brasileiro e o SUS, 1998; texto disponível na internet na home page: www.datasus.gov.br/cns/temas/ 31. Temporão, J. G.; A Reforma Administrativa: proposta governamental; 1996; texto disponível na internet na home page: www.ensp.fiocruz.br/conjuntura/ 32. Temporão, J. G.; Reforma Administrativa: uma avaliação preliminar; 1997; idem, ibidem. 33. Zeyn, M. K.; Ganhos para a Democracia; Jornal Folha de S. Paulo, 8.12.97. junho de 1998. Topo da Página Temas de Interesse Página da 10ª Conferência Nacional de Saúde Home Page