Este documento apresenta três poemas líricos de Luís de Camões escritos na "Medida Velha" ou corrente tradicional portuguesa. O primeiro poema reflete sobre as injustiças do mundo, o segundo descreve uma jovem indo buscar água, e o terceiro trata de olhos verdes e esperança. O documento também define brevemente formas poéticas como soneto, canção e ode usadas na "Medida Nova" ou corrente renascentista.
A experiência amorosa e a reflexão sobre o Amor.pptx
Camões Lírico
1. 10º ANO 2010-11
Assunto: Lírica Camoniana/Medida Velha (ou Corrente Tradicional)
Ao desconcerto do Mundo
Os bons vi sempre passar
No Mundo graves tormentos;
E pera mais me espantar,
Os maus vi sempre nadar
Em mar de contentamentos.
Cuidando alcançar assim
O bem tão mal ordenado,
Fui mau, mas fui castigado.
Assim que, só pera mim,
Anda o Mundo concertado.
Luís de Camões
Descalça vai para a fonte
Lianor pela verdura;
Vai fermosa, e não segura.
Leva na cabeça o pote,
O testo nas mãos de prata,
Cinta de fina escarlata,
Sainho de chamelote;
Traz a vasquinha de cote,
Mais branca que a neve pura.
Vai fermosa e não segura.
Descobre a touca a garganta,
Cabelos de ouro entrançado
Fita de cor de encarnado,
Tão linda que o mundo espanta.
Chove nela graça tanta,
Que dá graça à fermosura.
Vai fermosa e não segura.
Luís de Camões
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2. 10º ANO 2010-11
Assunto: Lírica Camoniana/Medida Velha (ou Corrente Tradicional)
MOTE ALHEIO
Menina dos olhos verdes,
porque me não vedes?
VOLTAS
Eles verdes são,
e têm por usança
na cor, esperança
e nas obras, não.
Vossa condição
não é d'olhos verdes,
porque me não vedes.
Isenções a molhos
que eles dizem terdes,
não são d'olhos verdes,
nem de verdes olhos.
Sirvo de giolhos,
e vós não me credes
porque me não vedes.
Havia de ser,
porque possa vê-los,
que uns olhos tão belos
não se hão-de esconder;
mas fazeis-me crer
que já não são verdes,
porque me não vedes.
Verdes não o são
no que alcanço deles;
verdes são aqueles
que esperança dão.
Se na condição
está serem verdes,
porque não me vedes?
Luís de Camões
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4. 10º ANO 2010-11
Assunto: Lírica Camoniana/Medida Nova (ou Corrente Renascentista)
Erros meus, má fortuna, amor ardente
Em minha perdição se conjuraram;
Os erros e a fortuna sobejaram,
Que pera mim bastava amor somente.
Tudo passei; mas tenho tão presente
A grande dor das cousas que passaram,
Que as magoadas iras me ensinaram
A não querer já nunca ser contente.
Errei todo o discurso de meus anos;
Dei causa [a] que a Fortuna castigasse
As minhas mal fundadas esperanças.
De amor não vi senão breves enganos.
Oh! quem tanto pudesse, que fartasse
Este meu duro Génio de vinganças!
Luís de Camões
Alma minha gentil, que te partiste
Tão cedo desta vida, descontente,
Repousa lá no Céu eternamente
E viva eu cá na terra sempre triste.
Se lá no assento etéreo, onde subiste,
Memória desta vida se consente,
Não te esqueças daquele amor ardente
Que já nos olhos meus tão puro viste.
E se vires que pode merecer-te
Algua cousa a dor que me ficou
Da mágoa, sem remédio, de perder-te,
Roga a Deus, que teus anos encurtou,
Que tão cedo de cá me leve a ver-te,
Quão cedo de meus olhos te levou.
Luís de Camões
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5. Transforma-se o amador na cousa amada,
Por virtude do muito imaginar;
Não tenho logo mais que desejar,
Pois em mim tenho a parte desejada.
Se nela está minha alma transformada,
Que mais deseja o corpo de alcançar?
Em si sómente pode descansar,
Pois consigo tal alma está liada.
Mas esta linda e pura semideia,
Que, como o acidente em seu sujeito,
Assim co'a alma minha se conforma,
Está no pensamento como ideia;
[E] o vivo e puro amor de que sou feito,
Como matéria simples busca a forma.
Luís de Camões
Amor é fogo que arde sem se ver;
É ferida que dói e não se sente;
É um contentamento descontente;
É dor que desatina sem doer;
É um não querer mais que bem querer;
É solitário andar por entre a gente;
É nunca contentar-se de contente;
É cuidar que se ganha em se perder;
É querer estar preso por vontade;
É servir a quem vence, o vencedor;
É ter com quem nos mata lealdade.
Mas como causar pode seu favor
Nos corações humanos amizade,
Se tão contrário a si é o mesmo Amor?
Luís de Camões
Espécies poéticas da Medida Nova
Soneto — composição lírica inventada por Giacomo Lentini, séc. XIII, foi fixado pelo talento de Petrarca
e viria a conquistar um espaço privilegiado na poesia lírica. Conhecido em Portugal desde o séc. XV, por
meio da obra do Marquês de Santilhana, só no séc. XVI viria a ser introduzido por Sá de Miranda, após
uma viagem a Itália. É formado por 14 versos, estruturados em duas quadras e dois tercetos; o metro é
o decassílabo, predominantemente.
Soneto italiano ou petrarquiano: apresenta duas estrofes de quatro versos (quartetos) e dois de
três versos (tercetos);
Soneto inglês ou Shakespeariano: três quartetos e um dístico;
Soneto monostrófico: Apresenta uma única estrofe de 14 versos.
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6. Canção — composição formada por várias estrofes, cuja estrutura se repete, tal como a rima. Tem a
particularidade de acabar num remate (cauda ou finda) em que o 1 ° verso não rima e é nesta estrofe,
mais curta, que o poeta se dirige à canção.
Ode — composição que tem finalidades laudatórias; canta vitórias de heróis, canta a alegria, o prazer da
vida, etc. De origem grega, latinizada por Roma, veio a exercer grande influência em Portugal em todos
os tempos, sempre que a circunstância inspirava o louvor. A ode sáfica com estâncias de 4 versos; a ode
anacreôntica para cantar os prazeres da vida; a ode pindárica, composta de estrofe, antístrofe e
épodo — são as modalidades clássicas da ode.
Nos nossos dias, a diversidade temática e estrutural animam a ode. Ver a este propósito a Ode Triunfal
de Álvaro de Campos/Fernando Pessoa.
Elegia — composição de origem grega, aparece já no Cancioneiro Geral. A tristeza é tema central, muito
embora possa aparecer a exaltação patriótica e a descrição da beleza.
Écloga — composição em que o poeta idealiza assuntos relacionados com a vida do campo,
apresentando-se, muitas vezes, sob a forma de diálogo.
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