1. 90% das lagoas e
rios são abasteci-
dos por águas
subterrâneas
foto: Carlos Carvalho
Novos estudos começam a apontar o real potencial e limites do que é considerado “o maior mar
subterrâneo de água doce do mundo”, um manancial que atravessa Brasil, Argentina, Uruguai
e Paraguai, e pode se tornar uma das principais fontes de água potável do continente
Enrique Blanco
Muitos equívocos relacionados ao lo, Minas Gerais, Goiás, Mato Grosso envolvidos em estudos e pesquisas
Aqüífero Guarani decorrem da com- e Mato Grosso do Sul. de campo para avaliar as reais possi-
plexidade hidrogeológica dessa reser- bilidades desse recurso natural.
va multinacional de água, definida De acordo com dados da Agência
como Sistema Aqüífero Guarani Nacional de Águas (ANA), o aqüífero O Projeto de Proteção Ambiental e De-
(SAG), que se estende, de forma des- abrange centenas de cidades brasi- senvolvimento Sustentável do Sistema
contínua, por cerca de 1,2 milhão de leiras de médio e grande porte, dis- Aqüífero Guarani (PSAG) é a principal
quilômetros quadrados nos territóri- pondo de um volume aproveitável de iniciativa nesse sentido e desenvolve
os de quatro países: Brasil, Argenti- água 30 vezes superior à demanda da um sistema integrado de informação e
na, Paraguai e Uruguai. O Brasil de- população existente em sua área de gestão com o apoio do Fundo para o
tém 840 mil quilômetros quadrados ocorrência. Diversos órgãos governa- Meio Ambiente do Banco Mundial, da
do megarreservatório divididos pelos mentais e não-governamentais, enti- Organização dos Estados Americanos
seguintes estados: Rio Grande do dades de classe, centros de pesqui- (OEA), dos comitês de bacias hidrográ-
Sul, Santa Catarina, Paraná, São Pau- sa, universidades e institutos estão ficas e de agências de cooperação.
Senac e Educação Ambiental 45 Ano 16 • n.1 • janeiro/abril de 2007
2. Iniciado há oito anos, o Instituto Brasileiro de Ge-
projeto já passou por qua- ografia e Estatística
tro fases: concepção (IBGE), 51% da população
(1999–2000), preparação brasileira capta água des-
(2000–2001), negocia- ses reservatórios subter-
ção (2002–2003) e exe- râneos, incluindo o aqüífe-
cução (de 2003 até hoje). ro.
Com previsão de térmi-
no no fim de 2008, o pro- Esse fato tem motivado
foto: Carlos Carvalho
jeto apresentará aos qua- mais pesquisas acerca do
tro países participantes real potencial do reserva-
um marco técnico, legal tório. Com o objetivo de
e institucional, baseado sistematizar os estudos,
Lixo e efluentes industriais pesquisadores estão de-
em informações concre-
podem contaminar o Guarani senvolvendo o macrozo-
tas para a gestão integra-
da, sustentável e ambi- neamento do SAG, levan-
ental do SAG. do em conta característi-
vernamentais. Somente no Brasil, exis- cas como o nível de pro-
As atividades do projeto têm sido tem 55 instituições representadas e fundidade do aqüífero em diferentes
coordenadas, de forma conjunta, pelo integradas. Essa complexa organiza- locais; grau da qualidade química das
Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai, ção permite sistematizar os trabalhos águas; potencialidade aqüífera (a ca-
por meio de suas respectivas Secre- técnicos e científicos, tais como cole- pacidade de vazão varia entre um mi-
tarias Nacionais de Meio Ambiente. ta de dados, instalação de instrumen- lhão de litros por hora até a improduti-
Segundo o secretário geral do PSAG, tos de aferição e análise hidrogeológi- vidade ou inacessibilidade do reser-
Luiz Amore, “a extensão para fins de ca e química dos poços, definição das vatório em determinadas zonas); ca-
2008 nos permitirá chegar com uma áreas de recarga e descarga e análise racterísticas geológicas; condições
contribuição ao conhecimento cientí- da potabilidade da água. geotermais, definidas pela temperatu-
fico e técnico sobre o Sistema Guara- ra das águas, que são aproveitadas para
ni absolutamente inédita. O Progra- A elaboração de relatórios e estudos o turismo hidrotermal e indústrias.
ma de Ações Estratégicas, produto fi- de caso vem consolidando informa-
nal do projeto, poderá incorporar mui- ções sobre as características e o po- A partir dos dados obtidos até agora,
to mais informações, transformando-o tencial do aqüífero e fornece subsídi- calcula-se que, aproximadamente,
em uma ferramenta muito útil à ges- os a atividades mais específicas, como 90% do aqüífero é coberto por rochas
tão do aqüífero pelos quatro países”. explica o secretário de Recursos Hí- basálticas, que mantêm as águas na-
dricos do Ministério do Meio Ambi- turalmente protegidas. Essa proteção,
O início das atividades do PSAG ocor- ente, João Bosco Senra, responsável no entanto, não garante a potabilida-
reu com a implementação de projetos nacional do PSAG: “Foi criado o Fun- de da água confinada, em virtude da
piloto, localizados em quatro áreas crí- do de Cidadania para fomentar proje- presença de altos índices de sulfatos
ticas (hot spots) com características di- tos da sociedade civil com o tema e outros componentes químicos (ver
versificadas de cada região. No Brasil, ‘Educação ambiental e divulgação dos boxe: “Os mitos”).
foram escolhidas as cidades de Ribei- conhecimentos sobre o Sistema Aqü-
rão Preto (SP), onde o aqüífero é a prin- Na parte menor do reservatório (cerca
ífero Guarani’, visando à conscienti-
cipal fonte de abastecimento da po- de 10% da área), surgem as chama-
zação sobre a proteção e o desenvol-
pulação da cidade, e Santana do Li- das zonas de afloramento, que borde-
vimento sustentável do Aqüífero.
vramento (RS), em virtude da pouca pro- jam o aqüífero. “Como são mais rasas,
Além disso, o projeto apóia a tramita-
fundidade do reservatório, por ser área a perfuração de poços é facilitada. Em
ção da resolução do Conselho Esta-
de recarga e por concentrar atividades alguns casos, esses locais já foram
dual de Recursos Hídricos de São Pau-
poluentes. No Uruguai, a cidade de Ri- explorados há quase cem anos”, es-
lo, que pretende criar áreas de restri-
vera foi incluída, pois apresenta caracte- clarece o geólogo José Machado.
ção à perfuração de poços tubulares
rísticas semelhantes a Santana do Livra- profundos em Ribeirão Preto. Tam- Tais características estimulam a per-
mento, e a cidade de Salto, por ser con- bém editamos um Manual de Perfu- furação desordenada de poços arte-
siderada área crítica e importante região ração de Poços Tubulares Profundos sianos, tanto clandestinos como ca-
turística com exploração das águas ter- no SAG, a fim de ordenar e controlar dastrados, o que traz prejuízos ambi-
mais. Por esse mesmo motivo (uso geo- a perfuração de poços”. entais ao aqüífero. Ao serem desati-
termal), Concórdia, na Argentina, cons-
vados, esses poços servem como
ta no plano piloto, e também a cidade
dutos condutores de diversos tipos
paraguaia de Itapuá, pois é importante O risco de de resíduos para o interior do manan-
área de exploração agrícola.
contaminação cial. Somente no Estado de São Pau-
As Unidades Nacionais de Execução lo, estima-se que há cerca de mil po-
do Projeto de cada país e suas res- O papel estratégico dos mananciais ços desativados. Como esse número
pectivas coordenações nacionais ar- subterrâneos para o sistema hídrico só tende a aumentar, os riscos de po-
ticulam os órgãos federais e estadu- do país confere ao Aqüífero Guarani luição do reservatório se ampliam
ais com as associações da sociedade um lugar fundamental no desenvol- consideravelmente.
civil, institutos técnicos e científicos, vimento socioeconômico nacional.
Porém, apesar desses danos locais,
universidades e organizações não-go- Basta lembrar que, segundo dados do
não existe, segundo o geólogo Erna-
Ano 16 • n.1 • janeiro/abril de 2007 46 Senac e Educação Ambiental
3. ni Rosa Filho, da Universidade Fede- químicos são rapidamente lumes de água e não ado-
ral do Paraná, o risco de poluição de decompostos, mas boa par- tam nenhuma medida de
todo o manancial: “Acreditar na con- te deles pode permanecer no prevenção de impactos
taminação generalizada do reservató- meio ambiente por até 300 ambientais.
rio mostra total desconhecimento anos, comprometendo os re-
sobre a geometria e a geologia do servatórios de águas subter- Aldo Rebouças confirma
Guarani”, garante o geólogo. Como râneas. que a iniciativa privada é
boa parte das águas do SAG é uma das principais con-
compartimentada, isso impede que sumidoras das águas
os resíduos se desloquem e sejam Captação Aldo Rebouças: subterrâneas e, desse
transferidos para outras áreas do re- crítica à superexplo- modo, responsável por
servatório. Além dessa barreira inter- excessiva ração do reservatório boa parte da perfuração
na, algumas substâncias não conse- de poços: “Apesar de as
guem alcançar as águas subterrâneas Além da possibilidade de águas subterrâneas corresponderem
em virtude da profundidade, ou per- contaminação ambiental, outro as- à segunda maior quantidade de água
dem seu potencial tóxico com a bio- pecto preocupante da perfuração potável na Terra, elas sempre foram
degradação, fotodecomposição ou desordenada de poços é a captação deixadas para a iniciativa privada, que
termodecomposição. excessiva das águas. “A demanda por utiliza os poços como quer, para abas-
água subterrânea vem crescendo tecer hotéis de luxo, condomínios e
No entanto, se a poluição generalizada substancialmente no Brasil, em fun- perímetros irrigados”, constata.
está descartada, o risco de contamina- ção de as águas dos rios serem de
ção local é uma realidade em áreas qualidade duvidosa”, explica o pro- No Estado de São Paulo, onde a água
onde o reservatório é mais suscetí- fessor de Geociências da Universida- subterrânea possui bom grau de po-
vel – áreas de pouca profundidade e de de São Paulo (USP), Aldo Rebou- tabilidade, há mais de 2 mil poços ati-
de formações geológicas menos den- ças, especialista na questão do uso e vos localizados nas bordas do aqüífe-
sas. Nessas regiões, a presença de da conservação das águas subterrâ- ro. Em toda área de ocorrência do re-
lixões, aterros químicos e sanitários, neas no Brasil. servatório no país, estima-se que cer-
efluentes industriais e o uso intensi- ca de 20 mil poços tubulares estão
vo de agrotóxicos em altas concen- Em virtude da boa qualidade da água ativos, servindo tanto ao setor priva-
trações, como nas lavouras de cana- e da falta de controle por parte do do como ao consumo particular: abas-
de-açúcar, provocam danos ambien- poder público, o setor privado vem tecimento de condomínios, irrigação
tais ao manancial. Esse é o caso, por recorrendo intensamente às reservas e consumo animal na agropecuária,
exemplo, de importantes cidades do subterrâneas, por meio de empresas aproveitamento geotermal nas indús-
Estado de São Paulo, como Ribeirão perfuradoras. Segundo estudos, só no trias, hospitais, hotéis e clubes como
Preto e São José do Rio Preto. Paraguai existem mais de 4.700 em- em Araçatuba (SP), Francisco Beltrão
presas que oferecem esse serviço. (PR), Chapecó (SC) e Piratuba (SC).
O alerta consta do documento de in- Em relação ao Brasil, a Associação
trodução ao Plano Nacional de Recur- Brasileira de Águas Subterrâneas O principal problema dessa intensa
sos Hídricos: “A gravidade da conta- (Abas) apresenta um dado inquietan- atividade de perfuração, praticada por
minação está relacionada à toxidade, te: entre 80% e 90% das empresas empresas e particulares, é o fato de
persistência, quantidade e concentra- perfuradoras do Estado de São Paulo não estar sendo considerada a rela-
ção das substâncias que alcançam os são clandestinas. O problema é que, ção entre o volume extraído de água
mananciais subterrâneos”, adverte o freqüentemente, essas empresas não e o potencial de recarga do aqüífero,
documento. De fato, alguns produtos seguem padrões científicos de per- o que provoca a superexploração lo-
furação, ou seja, captam grandes vo- cal do reservatório. Para evitar esse
processo, as melhores áreas de per-
furação “não deveriam possuir mais
do que 300 a 400 metros de espes-
sura de basalto sobre o Guarani. Nes-
sas áreas, deve-se atentar ao compro-
metimento de parte do reservatório,
quando é extraída mais água do que
entra no reservatório como recarga do
aqüífero”, explica o geólogo Ernani
foto: Marcio Fernandes / Ag. Estado
Rosa.
A forma como as águas vêm sendo
captadas também é uma preocupa-
ção de Aldo Rebouças: “Devemos
evitar que os poços no meio urbano
captem o lençol freático, tendo um
selo sanitário na boca do poço. Tam-
bém deve-se evitar que os níveis de
bombeamento desçam muito além
Só em SP, há mais de 2.000
de um terço da espessura da camada
poços ativos sobre o reservatório
aqüífera na área, a qual deverá ter fil-
Senac e Educação Ambiental 47 Ano 16 • n.1 • janeiro/abril de 2007
4. tros em toda sua extensão”, alerta o do Conselho Nacional de Recursos Hí- diretor de Projetos e Articulação da
especialista. dricos e da Unidade Executiva do PSAG, Secretaria de Recursos Hídricos do
alerta: “Devemos evitar o domínio de Ministério do Meio Ambiente, Julio
Medidas como a desinfecção e o tam- organizações internacionais na tomada Thadeu Kettelhut, reforça o papel dos
ponamento dos poços desativados e de decisão sobre o destino das águas facilitadores locais. Esses profissio-
a utilização do selo sanitário dos po- do Sistema Guarani. Sabemos de inú- nais apóiam, entre outras ações, o Pla-
ços ativos (vedação do espaço entre meras ameaças que envol- no de Gestão Local, além
o revestimento do poço e a parede vem a privatização desse re- de iniciar um processo de
da perfuração) são soluções técnicas curso para fins de sanea- capacitação dos recursos
que também já deveriam estar sendo mento e agricultura”. humanos.
utilizadas corriqueiramente.
A questão do uso do aqüí- O intuito é fortalecer os
fero para a agricultura em quadros de gestão exis-
A gestão local grande escala tem gerado tentes, garantindo a inte-
desde já muita polêmica. gração e a facilitação lo-
das águas Como é sabido, países po- cal das atividades relaci-
pulosos como China, Ín- onadas ao projeto piloto
As medidas implementadas em nível dia, Paquistão e México e a continuidade da ges-
nacional são fundamentais para o uso enfrentam sérios proble- tão local pós-projeto.
compartilhado do aqüífero, mas seu mas de abastecimento de “São técnicos com expe-
Andréa Carestiato:
aproveitamento sustentável depen- água. Nesse cenário, im- "Exportamos de graça riência específica nos as-
de da gestão local das águas e do portar grãos brasileiros é as águas do aquífero" suntos de gestão local,
equacionamento de vários interesses. uma forma de “importar”, pública e integrada dos
Ou seja, o gerenciamento desse ma- por via indireta, as nossas reservas recursos hídricos subterrâneos e na
nancial não passa só por decisões téc- de água, pois a produção de uma to- participação social nesse processo”,
nicas, mas também políticas. nelada cereal consome mil toneladas analisa Kettelhut.
Em relação a esse último aspecto, a de água.
Na mesma direção, João Bosco Senra
bióloga Andréa Carestiato, membro “Hoje, exportamos destaca que, para a proteção e o uso
de graça as águas sustentável do SAG, os programas de
do SAG na forma educação ambiental, a divulgação dos
da soja, pois seu conhecimentos básicos adquiridos e
custo de produção incentivos à participação pública na
não está contabili- gestão são ações relevantes, bem
zando a água ne- como a inserção do tema “águas sub-
cessária para viabi- terrâneas” nos planos diretores muni-
lizar a safra. Portan- cipais e planos de bacias.
to, os países im-
portadores da nos- Essa estratégia também está contem-
sa soja, por exem- plada no Programa Nacional de Águas
plo, consomem in- Subterrâneas, que ressalta a impor-
diretamente nos- tância da mobilização social na ges-
sas reservas hídri- tão das águas subterrâneas e superfi-
cas se benefician- ciais, visto que toda sociedade neces-
do e deixando para sita da interação equilibrada dos dois
nós, em vez da tão sistemas. A implementação dessas
propalada riqueza atividades depende da participação
do agronegócio, local, mas devem estar incorporadas
todos os custos às estratégias macrorregionais. “A
ambientais e hu- gestão do aqüífero é e continuará
manos que têm sendo local, mas, sem dúvida, tam-
gerado inúmeras bém será integrada. O Programa de
foto: Sebastião Moreira / Ag. Estado
distorções sociais Ações Estratégicas estabelecerá um
e econômicas”, marco de gestão coordenado, harmo-
enfatiza Andréa nizando políticas hídricas e instrumen-
Carestiato. tos de gestão entre os quatro países.
Deve ser enfatizado que a Constitui-
Com o objetivo de ção Brasileira define que o domínio
apoiar os interes- das águas subterrâneas pertence aos
51% da população ses e a soberania estados e, dessa forma, são estes os
captam água dos nacional e fortale- responsáveis pela sua gestão no Bra-
reservatórios cer o controle local sil”, afirma João Bosco Senra.
subterrâneos, em relação às
águas do Guarani, É preciso lembrar, entretanto, que
incluindo o Guarani
o coordenador na- está em análise na Comissão de Cons-
cional do PSAG e tituição, Justiça e Cidadania do Sena-
Ano 16 • n.1 • janeiro/abril de 2007 48 Senac e Educação Ambiental
5. do Federal uma Proposta de Emenda
à Constituição, a PEC 43/2000, que
pretende transferir a domínio das
águas subterrâneas dos estados para
o governo federal, com a alegação de
que não há controle do conhecimento
Os mitos
técnico sobre as águas subterrâneas. Pesquisas recentes
apresentam novas pos-
Para alguns especialistas, além de
sibilidades de uso sus-
poder prejudicar a gestão local do aqüí-
tentável do reservatório
fero, a PEC se baseia num argumento
e desfazem alguns mitos,
considerado falho, pois estão sendo
como, por exemplo, o fato
disponibilizados projetos e estudos por
de o SAG ser totalmente
meio do projeto PSAG e por diversos
transfronteiriço. Embora
institutos de pesquisas, universidades, Mapa: Publi- suas águas sejam encontra-
técnicos e pesquisadores. “No âmbito cação “Aqüí-
fero Guarani das no subsolo de quatro países,
da Câmara Técnica de Águas Subter-
– Uma verda- com volume aproximado de 40
râneas do Conselho Nacional de Re- deira integra- mil quilômetros quadrados,
cursos Hídricos, houve discussões ção dos países
do Mercosul Aquífero Guarani em alguns locais o reservató-
sobre o tema. A grande maioria dos
(2004)” Limite da Bacia rio não ultrapassa as frontei-
representantes dos estados, junto com Geológica do ras nacionais. A constituição
a sociedade civil e usuários que com- Paraná
geológica do Aqüífero Guarani
põem esse conselho, foram contrários
compartimenta as águas em
à PEC”, admite Senra.
enormes blocos, na forma de sub-reservatórios nem sempre
Paralelamente ao impasse legislativo, intercomunicáveis.
novos estudos estão sendo divulga-
dos, e movimentos em prol do Siste- Esses dados são apresentados pelo geólogo da Universidade Fede-
ma Guarani continuam ocorrendo. ral do Paraná, José Machado Flores da Cunha: “As rochas que com-
Para evitar interferências na tempera- põem o SAG atravessam, sim, fronteiras. Entretanto, novos estu-
tura e vazão dos poços termais, na dos têm demonstrado que, em muitos locais, suas águas não são
área turística de Concórdia-Salto, o transfronteiriças, como ocorre com os estados de São Paulo, Minas
PSAG estabeleceu a distância míni- Gerais, Goiás e Paraná. Em Mato Grosso do Sul e Rio Grande do Sul,
ma de 2 mil metros entre perfurações apenas pequenas parcelas do aqüífero poderiam apresentar um com-
de novos poços. Já em Ribeirão Pre- ponente transfronteiriço. Já entre o Uruguai e a Argentina, existe
to, Luiz Amore explica que “o Comitê uma clara conexão entre as águas na região de fronteira”, explica.
de Bacia do Pardo aprovou o zonea-
Estudos estratigráficos mostram que as águas do reservatório es-
mento de poços em áreas completa-
tão contidas entre as fraturas das rochas e no interior de rochas
mente restritas, com medidas de con-
porosas, formadas de areia e argila, que atuam como esponjas e
trole, para evitar o aprofundamento
retêm o fluxo das chuvas provenientes das áreas de recarga –
do cone de depressão de 60 metros,
locais por onde o aqüífero é reabastecido. Por isso, suas águas não
observado na zona central da cidade”,
estão distribuídas na forma de um enorme lago ou mar subterrâ-
diz o secretário geral do projeto.
neo. “O Aqüífero Guarani não é constituído apenas por uma unida-
de hidroestratigráfica, mas é um sistema que integra rochas porta-
doras de água, que têm idades que somam um intervalo de mais
O arcabouço legal de 100 milhões de anos. Portanto, são esperadas diferenças signi-
ficativas entre as rochas que o compõem”, constata José Macha-
A gestão das águas do reservatório
do, em sua tese de doutorado, que investiga as características do
depende, necessariamente, de pes-
aqüífero no Rio Grande do Sul.
quisa e estudos técnicos, mas a ur-
gência em definir estratégias de ge- Pelo fato de o SAG ocorrer de modo descontínuo e apresentar
renciamento pode comprometer aná- características próprias em cada região, seu potencial é muito vari-
lises mais precisas. Como defende o ável. Um aspecto extremamente importante é quanto à potabili-
geólogo Ernani Rosa, só é possível dade da água, pois cerca de 50% das águas do aqüífero são salo-
ter um real controle público do aqüí- bras, possuem altos níveis de sulfatos, flúor e sódio, ou apresen-
fero se houver um conhecimento apro- tam grande variação de temperatura, podendo chegar até 60ºC.
fundado de sua geometria. “Lamen-
tavelmente, apenas em alguns locais Outro fator relevante é a profundidade irregular do manancial. Em
esse conhecimento existe. Falar de algumas regiões, há zonas de afloramento do reservatório, como
gestão e política internacional, como no interior do Estado de São Paulo; em outras, porém, a profundi-
acontece atualmente, é colocar a car- dade varia entre 50 e 1.900 metros. Tais características inviabili-
roça na frente dos bois”, argumenta. zam economicamente, nesses locais, a extração da água para a
indústria, agricultura, abastecimento humano ou consumo animal.
De acordo com um relatório apresen-
tado em julho de 2006, na 58a Reu-
nião da Sociedade Brasileira de Pro-
Senac e Educação Ambiental 49 Ano 16 • n.1 • janeiro/abril de 2007
6. Como surgiu o
Aqüífero Guarani?
João O reservatório começou a ser formado a partir da era Mesozóica (cerca
Bosco de 248 milhões de anos atrás), quando várias camadas de solos areno-
foto: Arquivo MMA
Senra: "A sos e vulcânicos foram sendo sedimentadas, ao longo dos 1,2 milhão de
gestão do quilômetros quadrados do aqüífero. Durante 100 milhões de anos, a
aquífero é constante deposição de solos criou enormes reservatórios formados
local, mas por rochas porosas, compostas de arenito e argila, que absorviam as
também águas das chuvas, dos lagos e dos rios de planícies.
será
integrada" Como o reservatório subterrâneo é um corpo d’água “vivo”, absorve
e movimenta as águas provenientes da superfície, em imensos blo-
gresso da Ciência (SBPC), sobre o cos de rochas argilosas e areníticas, descarrega suas “águas invisí-
tema "Aqüífero Guarani: Oportunida- veis” em rios, nascentes e lagos, e mantém o ciclo das águas em
des e Desafios do Grande Manancial permanente equilíbrio.
do Cone Sul", ainda faltam conheci-
mentos mais detalhados sobre o re-
servatório. O documento afirma que
muitos dos desafios em relação ao das no solo e se movimentam lenta-
de Recursos Hídricos (CNRH), que
aqüífero estão diretamente relaciona- mente em direção às nascentes, lei-
aprovou, em março de 2006, o Pro-
dos à falta de conhecimento das suas tos dos rios, lagos e oceanos (as zo-
grama Nacional de Recursos Hídricos
características hidráulicas e hidrogeo- nas de descarga).
(PNRH), o Sistema Nacional de Ge-
químicas (desafios técnico-científi-
renciamento de Recursos Hídricos e
cos) e da capacidade da sociedade e
o Programa de Águas Subterrâneas.
dos estados de se organizarem para o
gerenciamento sustentável dos re-
Além dessas medidas, o governo fe- Uso sustentável
deral criou, em 2000, a Agência Naci-
cursos do manancial (desafios insti- Passados oito anos de estudo siste-
onal de Águas (ANA), responsável por
tucionais). mático do Aqüífero Guarani, consta-
implementar o PNRH. Todas essas
A conclusão é que a integração entre entidades estão vinculadas ao Con- ta-se que ainda há um longo caminho
a gestão local e o conhecimento ci- selho Nacional de Meio Ambiente a ser percorrido para que sejam defi-
entífico é o modo mais eficiente de (Conama) e ao Ministério do Meio nidos os seus limites, suas caracte-
garantir o aproveitamento racional e Ambiente. Com esses marcos insti- rísticas e seu real potencial. Em virtu-
compartilhado do reservatório. “Atu- tucionais, a água adquiriu o estatuto de da complexidade ambiental e so-
almente, a melhor forma de se discu- de bem público, sendo um direito ina- cioeconômica que envolve todos os
tir o tema dos aqüíferos, em especial lienável e prioritário para a sobrevi- aspectos relacionados ao manancial,
o Guarani, é por meio da participação vência humana. seu uso não pode ser deixado à pró-
da sociedade civil, por meio dos co- pria sorte. Trata-se de um bem públi-
As águas subterrâneas são conside- co e, como tal, deve ser aproveitado
mitês de bacia hidrográfica”, diz An-
radas reservas estratégicas, tanto no de forma sustentável e integrada pe-
dréa Carestiato.
Brasil como no resto mundo, e isso los quatro países que detêm esse re-
Mas, segundo a bióloga, a urgência vem incentivando políticas públicas curso natural em seus subsolos.
no processo de gestão executado voltadas ao seu consumo sustentá-
pelo PSAG deu margem a alguns en- vel, como o Programa de Águas Sub- Ainda há muitas divergências em
ganos. “O projeto teve início sem con- terrâneas, elaborado em 2001, pelo relação à forma como esse bem
vidar a sociedade civil para participar governo federal. O documento pro- deve ser utilizado, mas o certo é que
desde seus primórdios e se transfor- põe diversas medidas de sustentabi- a gestão local do aqüífero reforça a
mou num processo internacional lidade, pois as águas contidas no sub- participação social e garante a so-
complexo na busca de entendimen- solo representam a parcela mais len- berania nacional dessas águas. Da
to entre os quatros países envolvidos. ta do ciclo hidrológico e a principal mesma forma, não se pode ignorar
O Brasil está muito à frente dos ou- reserva de água disponível, pois ocor- que são fundamentais uma maior
tros países em termos de gestão dos rem em volume muito superior ao da divulgação das informações relati-
recursos hídricos, e o projeto deveria superfície. vas ao manancial e um sério traba-
ter valorizado isso”, critica Andréa. lho de educação ambiental nas po-
Dados do IBGE ampliam a importân- pulações do seu entorno. Desse
De fato, o Brasil possui uma comple- cia das “águas invisíveis” pela revela- esforço coletivo – que envolve téc-
xa legislação para controlar e gerir ção de que 90% das lagoas, lagos e nicos, cientistas, lideranças políti-
suas águas subterrâneas e superfici- rios brasileiros são abastecidos por cas, sociais e comunitárias – de-
ais. A Lei das Águas (Lei Federal 9.433 esses reservatórios. Assim, ao con- pende a preservação de um recur-
de 1997) criou diversos organismos trário da opinião comum, as águas so natural tão importante como
institucionais para dar conta dessa gi- subterrâneas não estão paradas, pois este, não só para as atuais como
gantesca tarefa: o Conselho Nacional recebem a carga das chuvas infiltra- para as próximas gerações.
Ano 16 • n.1 • janeiro/abril de 2007 50 Senac e Educação Ambiental