Os pensadores contemporâneos precisam se mobilizar como fizeram os pensadores do século XVIII e os ideólogos do socialismo no século XIX na defesa de um novo projeto iluminista buscando a criação de um novo modelo de sociedade e novas instituições que contribuam para eliminar a barbárie que avassala o mundo em que vivemos e para promover a busca da felicidade de todos os seres humanos.
SOCIAL REVOLUTIONS, THEIR TRIGGERS FACTORS AND CURRENT BRAZIL
Em defesa de um novo projeto iluminista
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EM DEFESA DE UM NOVO PROJETO ILUMINISTA
Fernando Alcoforado*
No século XVIII, vários pensadores começaram a se mobilizar em torno da defesa de
ideias que pautavam a renovação de práticas e instituições vigentes em toda Europa.
Levantando questões filosóficas que pensavam a condição e a felicidade do homem, o
movimento iluminista atacou sistematicamente tudo o que era considerado contrário à
busca da felicidade, da justiça e da igualdade social. O movimento iluminista foi
baseado na crença do poder da razão e do progresso, na liberdade de pensamento e na
emancipação política. Muitos dos filósofos do iluminismo francês tinham visitado a
Inglaterra, que em certo sentido era mais liberal do que a França. De volta a sua pátria, a
França, eles começaram pouco a pouco a se rebelar contra o autoritarismo vigente e não
tardou muito a se voltarem também contra o poder da Igreja, do rei e da aristocracia. O
iluminismo foi, portanto, um movimento global, filosófico, político, social, econômico e
cultural, que defendia o uso da razão como o melhor caminho para se alcançar a
liberdade, a autonomia e a emancipação política.
A maioria dos filósofos do Iluminismo tinha uma crença inabalável na razão
humana. Por isso, o pensamento iluminista elege a “razão” como o grande instrumento
de reflexão capaz de melhorar e empreender instituições mais justas e funcionais. Os
filósofos do Iluminismo entendiam que, se o homem não tem sua liberdade assegurada,
a razão acaba sendo tolhida por entraves como o da crença religiosa ou pela imposição
de governos que oprimem o indivíduo. As instituições religiosas eram sistematicamente
atacadas por esses pensadores iluministas. A intromissão da Igreja Católica nos assuntos
econômicos e políticos da época era considerada nociva ao desenvolvimento e ao
progresso da sociedade. Na opinião dos iluministas, instituições políticas preocupadas
com a liberdade deveriam substituir o Estado Absolutista reinante.
Com o iluminismo passa-se a ter uma visão otimista do mundo que não teria como
interromper seu progresso na medida em que o homem contava com o pleno uso de sua
racionalidade. Os direitos naturais, o respeito à diversidade de ideias e a justiça social
deveriam promover a melhoria da condição humana. Oferecendo essas ideias, o
iluminismo motivou as revoluções burguesas na França e em todo o mundo no século
XVIII que trouxeram o fim do Antigo Regime e a instalação de doutrinas de caráter
liberal que predominam até hoje no mundo. Theodor Adorno e Max Horkheimer,
filósofos vinculados à Escola de Frankfurt, publicaram em 1985 pela Zahar Editora o
livro A Dialética do Esclarecimento no qual afirmaram que o programa iluminista
radicalizou o papel tradicional do saber imaginando-o objetivo, neutro, e dirigido de
maneira inexorável para a emancipação da humanidade.
Segundo Adorno e Horkheimer, o controle da natureza é levado ao seu extremo por
meio do desmonte do mito e da produção de verdades que retirassem dos homens o
pesado fardo do medo e da incerteza do mundo, garantindo ordem e sentido à existência
humana. Controlar o mundo pela técnica, fazendo, cada vez mais, poder e conhecimento
serem sinônimos. É, portanto, pelo desencantamento do mundo que se funda o projeto
de modernidade do iluminismo. Ressalte-se que o objetivo do trabalho de Adorno e
Horkheimer é compreender como a humanidade, ao invés de encontrar sua redenção
com base no projeto iluminista se degradou em sucessivos processos de autodestruição,
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caminhando para uma nova forma de barbárie como a que vem ocorrendo ao longo da
história.
Como o projeto iluminista não alcançou os objetivos pretendidos após as revoluções
burguesas ocorridas no mundo, muitos pensadores, entre os quais Karl Marx, tentaram
manter vivo o Iluminismo no século XIX ao preconizar o socialismo e o comunismo
como os modelos de sociedade que levariam à conquista da felicidade, da justiça e da
igualdade social. O advento da Revolução Russa em 1917, seguida da constituição do
bloco de países socialistas no leste europeu após a 2ª Guerra Mundial, da Revolução
Chinesa em 1949, da Revolução Cubana em 1959, entre outras, criaram a sensação de
que um mundo novo, socialista, mesmo com matizes diferentes em cada país, estaria em
gestação. A perspectiva era a de que a humanidade caminharia inexoravelmente para o
socialismo. No entanto, o projeto socialista como foi construido na União Soviética e
em outros países se transformou em capitalismo de estado, com o poder político
exercido de forma despótica e corrupta por uma burguesia de tipo novo (burguesia de
estado ou Nomenclatura). O proletariado, em nome do qual foi realizada a revolução
socialista não exerceu o poder e a população não participava das decisões dos governos.
Mais uma vez, um novo projeto iluminista fracassou no mundo.
Adorno e Horkheimer afirmam que a supremacia da técnica preparou o caminho para o
desvario político. O avanço científico, na medida em que capacitou tecnicamente a
eliminação da miséria, trouxe, no entanto, seu crescimento, o que, para ambos os
autores, denunciaria como obsoleta a razão de ser da sociedade racional pregada pelos
iluministas. A falência dos valores humanistas se expõe na transformação dos
indivíduos em seres genéricos, vazios, iguais uns aos outros pelo isolamento na
coletividade, dominada pela força principalmente na era contemporânea em que
prevalece a ditadura neoliberal. Com o fim da União Soviética e do socialismo do Leste
Europeu e da abertura da China ao capitalismo global, o modelo capitalista se tornou
mundial englobando praticamente todos os países do planeta. O neoliberalismo se
tornou a ideologia que passaria a ser imposta em todos os quadrantes da Terra.
Adorno e Horkheimer descontroem o mito de que o iluminismo traria a liberdade por
investir os homens na posição de senhores, pela superação da própria dominação, que
foi substituída pela razão do capitalismo de mercado. Por sua vez, o controle sobre a
natureza fora mantido, mas agravado na forma de dominação sobre os homens. E o
capitalismo de mercado tornou-se a instância privilegiada dessa modalidade de controle.
Sendo global e onipresente, o capitalismo de mercado dispõe da técnica necessária,
fornecida pela ciência, para fazer dos homens engrenagens de seu motor, anulando-os,
através do princípio econômico da concorrência total. O totalitarismo do capitalismo de
mercado extingue o pensamento autônomo e reforça a uniformidade e a unanimidade
em uma sociedade de massa, amorfa como a que vivenciamos na era contemporânea no
Brasil e no mundo.
Em lugar da formação humanista, a educação de massa imposta hoje em todo o mundo
não visa formar o espírito, cidadãos conscientes do mundo em que vivem para
transformá-lo, mas, ao contrário, capacitar o indivíduo a viver nessa sociedade presidida
pela técnica e pelos valores empresariais do lucro, da competição e do sucesso
profissional. Todos são idênticos na mediocridade espiritual. E as massas são
impotentes nessa sociedade dirigida pelo princípio da coerção. Nas sociedades liberais,
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as paixões se convertem em interesses e todas as esferas da vida são determinadas pelo
fator econômico.
Coligadas, distantes dos indivíduos, economia e ciência, fundidas agora como se fossem
uma instância única, consolidam sua supremacia sobre a sociedade contemporânea,
determinando seus rumos com a mesma desfaçatez e impessoalidade de uma mão
invisível, segundo Adorno e Horkheimer. À autonomia do mercado se contrapõe a total
dependência do indivíduo. O totalitarismo do mercado é capaz de produzir o
homogêneo com o suporte de meios massivos de comunicação, complexo que Adorno e
Horkheimer chamaram de indústria cultural que promove ao mesmo tempo relações
materiais de produção e formas ideológicas de dominação. A indústria cultural é o
termo usado por Adorno e Horkheimer para designar esse modo de fazer cultura
(cinema, música, etc.) a partir da lógica do capitalismo de mercado. Significa que se
passou a produzir arte com a finalidade do lucro. Para isso, suas transmissões devem ser
imediatamente compreendidas por todos. Nesse contexto, essa precária forma de
educação de massa, que substitui a formação humanista de outrora, reforça os elementos
de passividade e semelhança, dentro de um sistema mais amplo de dominação.
A indústria cultural é, pois, o último elo da cadeia de sujeição da sociedade pelo
totalitarismo de mercado. Utilizando-se igualmente da técnica, ela trabalha para que o
sistema se perpetue. Predomina a uniformidade e o consenso. E a sociedade aceita
bovinamente, segundo Adorno e Horkheimer, o intolerável. Adorno afirma o
desaparecimento no mundo de hoje das ultimas reservas de racionalidade crítica
rejeitando a forma como a mídia manipula e impõe uma cultura de massa que determina
os valores de comportamento a serem seguidos pela sociedade bloqueando a
criatividade do ser humano, que passa a aceitar passivamente os fins previamente
estabelecidos pelos detentores de poder. Mudar esta situação reinante no Brasil e no
mundo representa um gigantesco desafio para os pensadores contemporâneos que
precisam se mobilizar como fizeram os pensadores do século XVIII e os ideólogos do
socialismo no século XIX na defesa de um novo projeto iluminista buscando a criação
de um novo modelo de sociedade e novas instituições que contribuam para eliminar a
barbárie que avassala o mundo em que vivemos e para promover a busca da felicidade
de todos os seres humanos.
*Fernando Alcoforado, 74, membro da Academia Baiana de Educação, engenheiro e doutor em
Planejamento Territorial e Desenvolvimento Regional pela Universidade de Barcelona, professor
universitário e consultor nas áreas de planejamento estratégico, planejamento empresarial, planejamento
regional e planejamento de sistemas energéticos, é autor dos livros Globalização (Editora Nobel, São
Paulo, 1997), De Collor a FHC- O Brasil e a Nova (Des)ordem Mundial (Editora Nobel, São Paulo,
1998), Um Projeto para o Brasil (Editora Nobel, São Paulo, 2000), Os condicionantes do
desenvolvimento do Estado da Bahia (Tese de doutorado. Universidade de Barcelona,
http://www.tesisenred.net/handle/10803/1944, 2003), Globalização e Desenvolvimento (Editora Nobel,
São Paulo, 2006), Bahia- Desenvolvimento do Século XVI ao Século XX e Objetivos Estratégicos na Era
Contemporânea (EGBA, Salvador, 2008), The Necessary Conditions of the Economic and Social
Development- The Case of the State of Bahia (VDM Verlag Dr. Müller Aktiengesellschaft & Co. KG,
Saarbrücken, Germany, 2010), Aquecimento Global e Catástrofe Planetária (P&A Gráfica e Editora,
Salvador, 2010), Amazônia Sustentável- Para o progresso do Brasil e combate ao aquecimento global
(Viena- Editora e Gráfica, Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2011) e Os Fatores Condicionantes do
Desenvolvimento Econômico e Social (Editora CRV, Curitiba, 2012), entre outros.