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Ed.2 – 07/agosto/2006


               VICTOR STEINBERG MOTTA




EU TENHO MEDO DE VIRGINIA WOOLF



                                         DRAMA




                     INSPIRADO EM AS HORAS




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        Copyright © 2004 by Victor Steinberg Motta. Todos os direitos autorais reservados e
    protegidos pela lei 9.610 de 19/02/98. É proibida a reprodução total ou parcial, por quaisquer
                 meios, sem autorização prévia, por escrito, do autor ou da editora.
“ Q u a s e o a m or , q u a s e o t r i u n f o e a
                                            chama,
                                             Quase o principio e o fim – quase a
                                            expansão ...
                                            M as n a m i n h ' a l m a t u d o s e d e r r a m a . . .
                                            Entanto nada foi só ilusão!
                                            D e t u d o h o u v e um c o m e ç o . . . e t u d o
                                            errou...
                                            – Ai a dor de ser-quase (...)”

                                                                M Á R IO D E S Á - CA R N E I R O



                                            “ O t e m p o é um a e s p é c i e d e d ur a ç ã o .
                                            Duração significa persistência em
                                            existir. O que não tem existência,
                                            também não tem duração.”


                                                                        W A L T E R B RU G G E R




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             meios, sem autorização prévia, por escrito, do autor ou da editora.
Esta     apresentação foi feita para o leitor apressado, aquele
que pula as páginas antecedentes e vai direto ao começo da
história.

  Quando           rabisco          esta        nota,         sob        o     impacto             afetivo
irredimível das sensações que foram tantas ao presenciar
“ A s H o r as ” , c o n s o l a - m e i m a g i n a r o l e i t o r , es p e c t a d o r o u
gente do teatro, com o encargo de ver (quem sabe rever) o
filme ou ler o livro; o que será de imensa importância antes
d e p as s e a r c o m o s o l h o s p o r a q u i . É a o p o r t u n i d a d e d e t e n t a r
c o n s e n t i r u m a a b r a n g ê n c i a m a i s n í t i d a d os a s s u n t o s a o s
quais me refiro nesta obra quase teatral. Do mesmo, ver o
filme ou ler o livro é uma dica muito mais valedora do que
s o m e n t e f a z e r e s s a t a r e f a c o m o t r e i n a m e n t o p a r a l e r es t e
texto.

  Eu realmente pus lá em cima “quase teatral”, pois de fato
trata-se de uma quase-obra. Uma vez que é teatral por seu
formato ser estéticamente encenável, mas não chega a ser
algo assim. Na existência de uma categoria extra nos
catálogos, algum outro gênero literário, não tenho certeza da
palavra que bem encaixaria, mas penso que o mais perto




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                      meios, sem autorização prévia, por escrito, do autor ou da editora.
possível, embora ainda afastado, seria alguma coisa em
torno do “depoimento de distúrbios sensíveis”. É mais
quase-teatro ainda, pois a misteriosa escritora que aparece
entre as linhas escreve um romance do qual, não sei
exatamente porquê, pode servir como excertos de seu livro
apenas       como          sugestão           a     leitores         ou      indicações             desses
“ d e p o i m e n t o s s e ns í v e i s ” a d i r e t o r e s e a t o r e s , q u e t ê m p l e n a
liberdade em fazer com ela o que bem entenderem no caso
de uma montagem.                      Um raro e ameaçador equilíbrio entre
dramaturgia e literatura. Entre o óbvio e o complicado,
existe apenas uma troca de olhar. E neste existe uma
i n s p i r a ç ã o ( “ i n s p i r a d o e m ‘A s h o r a s ’ ” ) , n ã o es t á e s c r i t o d e
maneira alguma “Adaptação de ‘As Horas’”, quanto menos
“uma peça inspirada em ‘As Horas’”. Mas não deixa de ser
um drama, simplesmente por causa das situações. Essas
situações que foram não sei como parar na minha cabeça e
morreram esticadas em frases no papel.

  Haviam           pensado              que        “A s         Horas”            era        um       livro
“inadaptável”. Seu excelente autor, Michael Cunningham,
vencedor          do      prêmio          Pulitzer           em       1999,         fez      uma          obra
inspirada (e que inspiração!) em Mrs. Dalloway, cujo título
e r a p a r a s e r , c o g i t o u V i r g í n i a , A s H o r as . O q u e t o r n a ,
portanto,        a obra de Cunningham                                uma        adaptação.            Esta,
porém, depois de tantos preconceitos, transformou-se num




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roteiro brilhante e num filme contagioso, incurável, a mim
instalou-se como uma cicatriz na alma. O filme, de Stephen
Daldry,        foi       aclamado,             es p i r i t u a l i z a d o    (com          razão!)        e
indicado a nove prêmios da academia hollywoodiana. Seu
roteirista-adaptador,                   David           Hare,         fez       do          filme         uma
adaptação de uma adaptação. Um trabalho difícil, a narração
do      livro        circunda              em        pensamentos                  interiores              das
personagens; como traduzir isso em cena (cinema)? Hare foi
sutil: a interpretação das célebres atrizes faz um contra-
ponto entre as palavras profundamente simples e o ponto de
vista que a personagem apresenta. Que tipo de pensamento
escorre        sobre        aquele          semblante?               Presto,          encontrava-se
corajosamente adaptado.
  Hare foi vitorioso e ousado. Aqui, fiz tudo errado, de um
jeito que se um produtor de cinema lesse, pensaria ser uma
piada e uma tremenda perda de tempo. Mas vale perder o
tempo com esse livro, que fala sobre o tempo perdido?                                                      A
f a l h a t a m b é m i n t e r e s s a n a s e s t a n t e s d as l i v r a r i a s ? P o i s
nenhum objetivo foi concluído, nem os meus para criar uma
peça interessante sobre uma obra que amo tanto, tampouco o
d os p e r s o n a g e n s , q u e s ã o t ã o b o n i t o s e c a e m n u m j o g o
perigoso. Foi só por amor. E o amor comete umas bobagens!
  José Saramago comentou sobre a obra “Budapeste” de
Chico Buarque: “...ousou muito, escreveu cruzando um




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                      meios, sem autorização prévia, por escrito, do autor ou da editora.
abismo sobre um arame e chegou ao outro lado”. No meu
caso,       se        Saramago                 lesse         este         quase-coisa,               diria,
provavelmente:                 ...    ousou         muito,          escreveu           cruzando            um
abismo sobre um arame e caiu no primeiro passo. Contudo,
e m M rs . D a l l o w a y , “ V i r g i n i a W o o l f e s c r e v e u , n a v e r d a d e , a
história da crise de um indivíduo, de uma classe, de uma
sociedade e a do próprio romance”.
  Essa quase-peça que temos aqui é , enfim, uma inspiração
de um roteiro adaptado de uma adaptação, num título
meramente culpado em responder a pergunta de uma outra
peça, sucesso em Nova York, de Edward Albee “Quem tem
medo de Virginia Woolf?” (que também foi adaptada para
cinema!). O que também faz dessa uma peça de título
adaptado.

  O     que       torna          todo        esse         emaranhado                de        inspirações
adaptadas           e       uma          apresentação                 espantosa               uma         peça
obviamente              fracassada.              E,       sendo        assim,          apesar        d es s a
contradição às expectativas de um leitor e um escritor, o
fracasso é a grande vitória desta quase-alguma coisa. Pois
aqui se faz uma homenagem a Richard Brown, um escritor
que, no fracasso trágico, encontrou heróico triunfo.

  Porque acho que Virginia sentia uma coisa que eu sinto,
q u e q u a l q u e r e s c r i t o r d e c e n t e s e n t e , q u e é a s e ns a ç ã o d e q u e
mesmo que o livro pronto, o livro finalizado, saia muito




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             Copyright © 2004 by Victor Steinberg Motta. Todos os direitos autorais reservados e
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bom,       você       tinha         algo       maior          em       mente.          Você         ficava
circulando por aí com um balão de desenho animado na
cabeça no qual está o “livro do amor”, que contém tudo que
você sabe e imagina. Esse livro mudará a consciência das
pessoas, quando não o mundo real. E mesmo que o livro
fique muito bom, é simplesmente um livro. E é impossível
n ã o s e s e n t i r d es a p o n t a d o . F i q u e i m u i t o f e l i z a o v e r q u e i s s o
transparece           quando           Richard            sente        que       falhou.           Porque
artistas falham. Todos falhamos. Nunca fica tão bom quanto
v o c ê s a b e q u e p o d e r i a f i c a r . I s s o é p a r t e d o q u e n os m a n t é m
escrevendo e às vezes é nossa janela. A sensação de não ter
acertado é a parte mais natural e inevitável do processo. É
claro que você tinha um livro melhor em mente, você precisa
ter. Você precisa tentar ir além daquilo que você faz. Se
você tiver algum tipo de controle, alguma saúde mental,
saberá minimizar as perdas e pensar: “este livro não ficou
tão bom, mas o próximo ficará”. Mas, se você for de
natureza muito delicada, poderá encarar sua vida como um
fracasso, mesmo que ninguém mais pense assim, mesmo que
todos achem que ficou ótimo, você sabe que poderia ter sido
u m l i v r o m e l h o r s e v o c ê t i v e s s e s e es f o r ç a d o m a i s , s e
concentrado mais, se não tivesse se embebedado naquele
sábado e ficado com ressaca, bem no dia em que a grande
inspiração teria vindo. Enfim, já disse quase tudo sobre o




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                      meios, sem autorização prévia, por escrito, do autor ou da editora.
artista atormentado,                     mas artistas são atormentados como
      quase todos. Mas acho que esse é um dos tormentos de que
      mais sofrem os artistas. Você sabe, mesmo que ninguém
      mais saiba, você não conseguiu. Não fez o que podia ter
      feito.


                                                                                                        O Autor


                             DRAMATIS PERSONAE


  A Escritora.



  GABRIEL (1975 - 2002), a princípio, um dramático. Anda sim
desesperado, frágil e solitário como alguém desprovido de
moradia tanto quanto para um imóvel quanto para as coisas que
habitam no eu. Queria ser escritor e tem muita vontade de
c o m p r e e n d e r o f i l m e “ A s H o r a s ” . M as é u m d r a m á t i c o , c o m c e r t a
ingenuidade.




                                                           8

                    Copyright © 2004 by Victor Steinberg Motta. Todos os direitos autorais reservados e
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                             meios, sem autorização prévia, por escrito, do autor ou da editora.
LÚCIO (1974 - ?), observador e analítico, mergulha nas
profundezas das pessoas. Mas quando sai, seca-se discreta e
rapidamente.




  PATRÍCIA (1977 - ?), amiga íntima e antiga dos rapazes. Tem
u m n a m o r a d o , A N T Ô N IO , q u e es t á m o r a n d o n a E u r o p a .




                                                          9

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PRÓLOGO




Um solo coreográfico de um bailarino.

M ús i c a “ M e t a m o r p h os i s # 2 ” , d e P h i l i p G l as s .




                                                   10

             Copyright © 2004 by Victor Steinberg Motta. Todos os direitos autorais reservados e
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                      meios, sem autorização prévia, por escrito, do autor ou da editora.
ATO ÚNICO


  CENA: 2003.



  Um apartamento (kitnet ou loft) alugado no centro de
São       Paulo          (como          de        costume,             nublado              e    frio,
acinzentado, subaquático). As três paredes que fecham
( e n c a i x a m ) o es p a ç o c ê n i c o a p ar e n t a m g a s t a s e m a u
p i n t a d a s , r as g a d a s , m a n c h a d a s d e f u n g o e b o l h a s , e o
pior,      quadros           incoerentes              (não        deveriam             estar        ali
j a m a i s ) e s f o r ç a m - s e a s e m a n t e r p e n d u r a d o s , c o m s u as
i l u s t r a ç õ e s r i d í c u l a s d e ár v o r e s , p a i s a g e n s e r o s t o s ,
como        se      vários          m or a d o r e s        tivessem             habitado             lá
a n t e r i o r m e n t e , o q u e a p ar e n t a t o d o s e l e s t e r e m s i d o
m u i t o i m u n d os , n e g l i g e n c i a n d o o d om i c í l i o . O p i s o é
estirado por tapetes atulhados, tapetes distintos, alguns
d e s b o t a d o s , o u t r os p e r s a s b e m f a l s o s ( d es a c e r t o s n as
e s t a m p as ) , o u t r o s b e m c o l o r i d o s e c h a m a t i v o s , o s c í l i o s
melecados           de      ácaro          e    acidentes             (alguém           derrubou
cerveja ou deixou cair o cigarro), algo que aumenta
b as t a n t e a c a f o n i c e l a m e n t á v e l e a p o d r e c i d a d a q u e l e
l u g a r . S o b e s s e p i s o as q u e r o s o , u m r á d i o r o d e a d o p o r c d
´s e l i v r o s , u m s o f á r a s g a d o ( e s p u m a b e g e e m o l a s –




                                                   11

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                      meios, sem autorização prévia, por escrito, do autor ou da editora.
anéis bem enferrujados- são evidentes), dois colchões
nada profiláticos, uma janela que dá para uma vista (se
for puxada a persiana toda enroscada e atrapalhada)
f e i a e a p o c a l í p t i c a , um a m e s i n h a d e j a n t a r p a r a d u as
pessoas, um banquinho, folhas de jornal, telefone de
p ar e d e , p r a t o s e t a l h e r e s s u j o s n a p i a , g a v e t a s , f o g ã o ,
lixo e, no corredor ao fundo, vê-se somente a porta
aberta de um banheirinho que exibe uma cortina de
chuveiro gosmenta e sebosa, a outra porta do corredor
n u n c a s e r á a b e r t a . H á , n a s a l a , um D VD d o f i l m e “ A S
H O R A S ” . T u d o i s s o c o m p o s i ç õ e s es t r a t é g i c a s p ar a t o d o s
os c ô m o d o s s e r e m v i s í v e i s n um c a m p o d e v i s ã o g l o b a l d a
platéia.

  (U m a E s c r i t o r a e n t r a , a br e um c a d e r n o e e s cr e v e ) .

  (G A B R I E L , d e c a l ç a j e a n s , g o r r o e b l u s a d e l ã p o r
c a u s a d o f r i o , a br e a p o r t a e e n t r a c o m u m c a r r i n h o d e
supermercado bem cheio, com aquelas sacolas plásticas.
E s f r e g a as m ã o s , es q u e n t a n d o - a s . L a r g a a s c h a v e s n u m
c a n t o e v a i d e p o s i t a n d o as c o m p r as n a m e s i n h a . L i g a u m
c d , M e t a m o r p h o s i s # 2 , d e P h i l i p G l a s s . P r o c ur a f i c a r
mais à vontade, retirando a blusa, a calça, menos o
g or r o e d e i x a c o i s a s c o m o c ar t e i r a e c i g a r r o . V e s t e u m
roupão azul e desbotado ilustrado por foguetes, planetas,
estrelas         e      astronautas,                algo          bem         infantil,            mas




                                                   12

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                      meios, sem autorização prévia, por escrito, do autor ou da editora.
significativo, uma calça de moletom e sapatos Aruba
pr e t o s . P õ e - s e a t i r a r o s p r o d u t o s q u e h a v i a c o m p r a d o ,
um a g a r r a f a d e v i n h o t i n t o , u m l i v r o d e r e c e i t a s e a l g u n s
ingredientes              gastronômicos                     como        tomate,               abóbora,
massa, farinha, molhos e carne. O telefone toca. Arruma
as s a c o l a s n u m m o n t i n h o e v ê - s e s a t i s f e i t o . O t e l e f o n e
insiste).



  G A BR I E L ( a o t e l e f o n e ) : _ A l ô . O i . . . S i m , es t o u e m
casa. Até mais. (desliga).

  ( A c e n d e u m c i g a r r o , a b r e o v i d r o d a j a n e l a e p ár a a f i m
d e r e f l e t i r . D á u n s t r a g os , d e i x a o c i g a r r o n a b o c a , t i r a
o montinho de sacolas, amassa tudo e enfia no carrinho
de     c o m p r as ,      abandonando                  o     mesmo           n um       canto       da
c o z i n h a . D á m a i s u n s t r a g o s p ar a s a b e r o q u e f a z e r c o m
os i n g r e d i e n t e s s o b r e a m e s a . P e g a o l i v r o d e r e c e i t a s .
L ê , d a n d o a l g u n s t r a g os ) .

     Escritora:_ A vida toda num só dia.

  (LÚCIO entra, abrindo a porta do apartamento. Está
c a r r e g a n d o – um t a n t o q u e c o m d i f i c u l d a d e , a f i n a l e s t á
s em c a r r i n h o - u m m o n t e d e s a c o l a s d e s u p e r m e r c a d o ) .




                                                     13

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LÚ C I O : _ G a b r i e l . G a b r i e l ? G a b r i e l !

  (Silêncio).

  LÚ C I O : _ R i c h a r d ?

  G A BR I E L ( p á r a d e e s c r e v e r ) : _ O i .

  LÚ C I O : _ C o m o v a i ? H o j e a c h o u a l g u m a c o i s a ?

  G A BR I E L : _ N a d a . N e m d e u t e m p o d e p r o c u r a r .

     LÚCIO:            _    Meu,         olha        que       saco!        O      carrinho           de
supermercado sumiu da garagem, eu tive que carregar
t u d o i s s o . . . ( n o t a q u e o c a r r i n h o e a s c o m pr a s e s t ã o n o
a p ar t a m e n t o ) . M a s o q u e é i s s o ?

  G A BR I E L : _ Is s o o q u ê ?

  LÚ C I O : _ V o c ê s a i u ?

  G A BR I E L : _ A h ! E u f i z a s c o m p r a s . E s t o u q u e r e n d o
fazer um jantar.

  LÙ C I O : _ P o r r a , c a r a ! E u f a l e i q u e i a f a z e r a s c o m p r a s
hoje! Depois você fala que eu gasto dinheiro à toa.

  G A BR I E L : _ E g a s t a m e s m o . N ã o a p r e n d e n u n c a .

  (LÚCIO           vai       guardando               as      c o m pr a s       que         carrega
e n q u a n t o o b s er v a a s c o m p r a s d o c o l e g a , q u e                             fica
s e n t a d o n u m s o f á a p e n a s p ar a l h e e s c u t a r , a n o t a n d o ) .




                                                   14

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Escritora: _ Ele está sendo agora interrompido por
tudo.

  LÚ C I O : _ M as v o c ê s a i u , v o c ê n u n c a s a i .

  G A BR I E L : _ S a í , s a í s i m . O q u e é a g o r a ? N ã o p o s s o ?

  LÚ C I O : _ C l a r o q u e p o d e , n ã o é i s s o . É q u e v o c ê n u n c a
s a i . A c h e i es t r a n h o . Q u e h i s t ó r i a d e j a n t a r é es s a ? N o s s a ,
gruyére!

  G A BR I E L : _ E u i a f a z e r u m a s u r p r es a . A P a t r í c i a n ã o
vem aqui hoje? Então, comprei até vinho.

  LÚ C I O : _ C o m q u e d i n h e i r o ?

  G A BR I E L : _ O m e u ! E u t a m b é m t e n h o d i n h e i r o j á s e
esqueceu?

  (Pausa).

  LÚ C I O : _ M e u D e u s ! E s s e v i n h o é c a r o p r a c a c e t e . Q u e
é que deu em você hoje, hein?

  G A BR I E L : _ P ô , c a r a . E u n ã o t e n h o e m p r e g a d a n e m
c o z i n h e i r a p a r a f a z e r u m j a n t a r . E n os s a a m i g a e s t á v i n d o
aí.

  LÚ C I O : _ V o c ê n ã o t e m e m p r e g a d a p o r q u e n ã o q u e r .
Podia muito bem morar em outro lugar, mas não, fica
trancado nesse estrupício por causa de um filme! Ainda




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bem que você tem um amigo. Nem sei porque fico te
visitando.         Tortelli,           abóbora!             Você         quer         abrir        um
restaurante?

 G A BR I E L : _ Q u e r i a e s c r e v e r . V o c ê s a b e d e a l g u m
lugar que venda inspiração? Cacei hoje o dia inteiro e
não achei. Depois dizem que São Paulo tem tudo.

 LÚ C I O : _ C o m o v o c ê s e v i r o u l á f o r a ?

 G A BR I E L : _ S e i e x a t a m e n t e o q u e f a z e r l á f o r a , n ã o s e
preocupe.

 LÚ C I O : _ A P a t r í c i a l i g o u ?

 G A BR I E L : _ A i n d a n ã o . S e r á q u e e l a v e m m e s m o ?

 LÚ C I O : _ S e i l á . P o r q u e v o c ê q u e r f a z e r u m j a n t a r ,
hein?

 G A BR I E L : _ M e d e u n a t e l h a .

 LÚ C I O : _ N ã o é p e l a P a t r í c i a ?

 G A BR I E L : _ T a m b é m , n ã o s e i . P o d e s e r .



 LÚ C I O : _ V o c ê s ó e s c u t a e s s a m ú s i c a ! É t ã o c h a t o !

 (Vai ao rádio e desliga a música).




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E s c r i t o r a : _ o q u e f a z e m c o m a m ús i c a d e l e ? O q u e
fazem com ele?

 G A BR I E L : _ M e f a z b e m . E u a c h o b o n i t o . É m ú s i c a d e
ficar em casa e pensar sobre lá fora, entende?

 LÙ C I O : _ Q u e h o r as v o c ê f o i a o s u p e r m e r c a d o ?

 G A BR I E L :          _    Fui       bem        cedo,        fiquei         o    dia      inteiro
inventando coisas para o jantar. Porque você não me
ajuda? Comprei livro de receitas, tem um prato delicioso,
esse com abóbora; e a sobremesa é formidável...

 LÚ C I O : _ E u j á c o m i .

 G A BR I E L : _ J á c o m e u ? Q u e m a n c a d a !

 LÚ C I O : _ C o m o é q u e e u i a s a b e r ? D es c u l p a .

 G A BR I E L : _ N ã o , t u d o b e m . A g o r a j á f o i .

 LÙ C I O : _ M as e u t o m o u m v i n h o c o m v o c ê s .

 G A BR I E L : _ E s t á b e m . P e l o m e n o s i s s o .

 LÙ C I O : _ U m j a n t a r n a s u a c a s a . V o c ê n u n c a f o i d i s s o !

 G A BR I E L : _ E v o c ê n u n c a f o i d e f i c a r r e c l a m a n d o
tanto.

 LÚ C I O : _ S ó e s t o u s e n d o s i n c e r o . F o i m u i t o e s t r a n h o
chegar aqui e ver que você tinha saído. Como uma
surpresa, sabe? É como chegar em casa e ver um móvel




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novo, que você nem sabe como foi parar lá. Isso faz você
ficar questionando.

  G A BR I E L : _ S u r p r e s a !

  LÚ C I O ( V ê o D V D d o f i l m e A s H o r as ) : _                                Ah, você
comprou o filme!

  G A BR I E L : _ É . C h e g o u o n t e m . J á as s i s t i u m a s d u a s
vezes.

  LÚ C I O : _ E o j o r n a l ? N ã o a c h o u n a d a m e s m o ?

  G A BR I E L : _ N ã o . ( l e v a n t a - s e ) . N a d a q u e s e r v i s s e .

  LÚ C I O : _ V a i t r a b a l h a r ! F i c a a í c o m o u m i d i o t a , p a r e c e
um velho ranzinza.

  G A BR I E L : _ N ã o d á p a r a a c r e d i t a r q u e v o c ê a i n d a n ã o
p os s a t e r m e e n t e n d i d o . S e r á t ã o d i f í c i l ?

  LÚ C I O : _ N ã o é a s s i m . N ã o é a s s i m m e s m o .

  G A BR I E L : _ N ã o é a s s i m m a s é a s s i m s i m ! F a l a a í :
Então porque quem me conhece pela primeira vez se
incomoda?

  LÚ C I O : _ Q u e m f i c a i n c o m o d a d o ?

  G A BR I E L : _ T o d o m u n d o ! T e m s e m p r e a l g u é m q u e e u
vejo pela primeira vez, conversa um pouco e me chama




                                                    18

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para um cantinho: “posso falar com você? Vou ser bem
sincera. Você é diferente e isso me irrita”.

  LÚ C I O : _ M e n t i r a ! Q u e m f e z i s s o ?

  G A BR I E L : _ É o q u e s i n t o . É i s s o . É o q u e s i n t o . N ã o
s o u e u q u e m q u e r q u e e u s e j a as s i m .

  LÚ C I O : _ V o c ê p o d e m u d a r . P a r e c e u m e s t ú p i d o . O l h a
para o espelho. Pensa que você no espelho é uma pintura.
Retoque.

  G A BR I E L : _ A c a b o u a t i n t a e n ã o f a b r i c a m m a i s . V o u
ver a receita.

  LÚ C I O : _ V o c ê c o n s e g u e m e d e i x a r t e n s o . S ó v o c ê .
M as q u e p o r r a !

  G A BR I E L : _ V o c ê é q u e v e m a q u i p o r q u e q u e r .

  LÚ C I O : _ V o c ê d e v i a e r a s e r a g r a d e c i d o . V e n h o p o r q u e
você é meu amigo. To fazendo até as compras de
supermercado pra você!

  G A BR I E L : _ V e m p o r q u e s o u u m ó t i m o o b j e t o d e
análise. O paciente cdf dos psiquiatras.

  LÚ C I O : _ A h , c a r a . P á r a c o m i s s o ! D e i x a e u l e v a r i s s o
pra lá. (Segura o carrinho e sai).




                                                  19

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G A BR I E L (s e n t i n d o - s e c u l p a d o ) : _ E s q u e c i q u e v o c ê
faria compras hoje.

 LÚ C I O : _ ( f o r a d e c e n a ) . N ã o d i s s e ?

 G A BR I E L : _ E s t o u c o m a c a b e ç a f o r a d o e i x o . E s q u e ç o
que existe vida pra viver nesse planeta e fico divagando
na minha imaginação. Acho que o único espaço que vou
ter sempre é o que está de baixo da minha pele. Se eu
pudesse virar do avesso e viver sempre no meu mundo eu
seria bem mais feliz, você não acha?

 LÚ C I O : _ V a i v i v e r , a m i g o ! V o c ê v a i v e r c o m o é b o m .
Depois, se não for, você se lamenta com o pé na cova.

 G A BR I E L : _ E u s e m p r e v o u m o r r e r i n c o m p l e t o , L ú c i o .
Eu sou a escultura mal feita, o poema hermético, a obra
incoerente, o esboço do quadro.

 LÚ C I O : _ V o c ê t e m a r t e n a v e i a e f i c a f a l a n d o ,
vomitando, despejando arte toda hora. Você aí, sozinho,
recluso, só te fortalece como artista. Você está se
preparando, parece. Um dia vai explodir.

 G A BR I E L ( r i n d o ) : _           Você vem aqui na minha casa e
tira umas conclusões!




                                                 20

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                    meios, sem autorização prévia, por escrito, do autor ou da editora.
LÚ C I O :       _     Você         não       sabe        como         vai      ser        amanhã.
N i n g u é m s a b e . V o c ê s a i u h o j e . Is s o é d i f e r e n t e . O n t e m
você nem abria a janela. Olha que diferença.

  G A BR I E L : _ N ã o é n ã o . N ã o é .

  LÚ C I O : _ A í , t á v e n d o ? S u a s p a l a v r a s , i m p o s t a d a s
desse jeito, é como uma vitamina. Você nem pode
perceber, mas está se nutrindo. Assim é que você irá se
formar. E eu sei que esse dia vai surgir numa surpresa e
você vai notar como sua idiotice era inútil.

  G A BR I E L : _ A c h a q u e s o u i d i o t a ?

  LÚ C I O : _ N ã o d e v o t e r d i t o n a d a q u e p u d e s s e t e m o v e r ,
não é?

  G A BR I E L : _ N ã o , e s p e r a . S a b e q u e o q u e v o c ê d i s s e é
m u i t o i m p o r t a n t e . M o v e u s i m . D es c u l p a .

  LÚ C I O : _ E s p e r o u m d i a d i z e r p a l a v r a s q u e t e m o v a m
daí de verdade. Palavras que lhe levantasse.

  G A BR I E L :         _     Você         é     amigo.          Meu         amigo          mesmo.
Obrigado, amigo. Obrigado por me aceitar. Sou mal
agradecido.

  LÚ C I O : _ V o c ê n ã o e s t á c o m f o m e ? E u p o s s o a j u d a r . . .

  G A BR I E L : _ E s p e r e , o l h a e s s e p o e m a q u e e u l i h o j e n o
jornal! James Merril. Já ouviu falar?




                                                    21

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(Pega um jornal).

  LÚ C I O : _ N ã o . . .

  G A BR I E L         (lendo):           _     Olha        que       maravilha!              “…Ela
e s c o l h e u p es c a r , p e s c a r u s a n d o c o m o i s c a a m i n h a v i d a ,
esperando qual o suspense para a dor inevitável de me
engolir       onde         eu      agarro          sua       água.         E,      de       fato,         o
r e c o n h e c i m e n t o c o m o l h o s d e f ó s f o r o es c o r r e g a d e v a g a r
dentro de minhas profundidades”. Legal, né?

  LÚ C I O : _ L e g a l .

  (Silêncio. Entreolham-se).

  G A BR I E L         (rindo):_            Como          você        adora         analisar          os
outros! Você faz de todos uns quadros numa exposição.
Sou o seu quadro preferido, fala aí.

  LU C I O : _ É o m e u t r a b a l h o .

  (Silêncio).

  LÚ C I O : _ P o r q u e t e d e u v o n t a d e d e f a z e r e s s e j a n t a r ? É
o filme?

  (Silêncio).

  E s c r i t o r a : _ D e s c o b r i r am - m e ! E s a b e m t u d o s o b r e m i m !

  G A BR I E L _ S i m . É o f i l m e s i m .

  (Pega o DVD do filme “As Horas”).




                                                   22

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G A BR I E L : _ É e s s a m a r a v i l h a q u e e s t á m e d e i x a n d o
louco.

  LU C I O : _ M e u D e u s , G a b r i e l . O q u e e s t á a c o n t e c e n d o ?

  G A BR I E L : _ E u q u e r i a s a b e r . E u b e m q u e q u e r i a !

  E s c r i t o r a : E s t o u m e i o q u e m e t r a ns f o r m a n d o n o f i l m e .
N e m n o f i l m e e m s i , m a s n o l i v r o , n a t r i l h a s o n or a , n o
conteúdo!           E s t o u d e i x a n d o d e s e r p ar a v i v e r n o f i l m e .
Aquele poeta... É como se ele tivesse se jogado da
s a c a d a e c a í s s e d e n t r o d e m im . E u , q u e t ã o v u l n e r á v e l
estava sendo, fui sugado pelo personagem. Eu queria ser
ele. E até digo que quero ser ele do modo que eu imagino
que     ele     diria.        E     não       saio       disso,         acabo         sendo         um
f r a c a s s a d o . E p or e l e t a m b é m s er um f r a c a s s a d o , o u p e l o
m e n os s e c o n s i d e r a r u m , s i n t o - m e v i t o r i o s o e m f r a c as s a r
como ele.

  LÚ C I O : _ O c a r a é u m g a y v e l h o e a i d é t i c o q u e s e m a t a .
P e ns a a s s i m e e s q u e c e t u d o . E s q u e c e .

  G A BR I E L : _           Virginia Woolf mesma disse que ficar
louco é bem melhor que ser normal, você pensa em coisas
q u e n u n c a q u e os n o r m a i s d a r i a m c o n t a d e p e n s a r . E e u
não sei o que é. É um sentimento...

  LÚ C I O : _ Is s o , f a l a . . .




                                                   23

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G A BR I E L : _ É a q u e l e s e n t i m e n t o a i n d a . A s e n s a ç ã o , a
maneira, o jeito que as coisas estão fazendo, essa perda
d os s e n t i m e n t o s . E o i n t e r e s s a n t e é q u e p a r e c e q u e o
único sentimento que sobrou é o dessa sensação de que
t o d o s os s e n t i m e n t o s f o r a m e s q u e c i d o s .

  LU C I O : _ Q u a n d o v o c ê f a l a e s s a s c o i s a s , é c o m o s e e u
deixasse de existir. Ou melhor, existo em outro lugar,
bem longe daqui. Eu não sei se isso que você está falando
vem de você mesmo, você, Gabriel, não Richard, o
Gabriel, meu amigo de infância, ou você do jeito que
v o c ê q u e r i a s e r , s e r d o f i l m e , f a l a n d o as m e s m a s c o i s a s
do filme. Não dá. Eu não sou bom o bastante pra te
compreender.

  G A BR I E L : _ E n t ã o o q u e v o c ê e s t á f a z e n d o a q u i ?

  LU C I O : _ E u e s t o u a q u i , t e n h o c é r e b r o e c o r p o . E u f u i
um feto também.

  G A BR I E L : _ E u q u e r i a t e r n a s c i d o m u d o e s u r d o .

  LU C I O : _ O u d o a v e s s o ?

  G A BR I E L : _ O u d o a v e s s o . . . M a s q u e e s t r a n h o . E n t ã o
porque será que somos amigos há                                      tanto tempo se não
existe nenhuma coisa a ver?




                                                    24

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LU C I O : _      Talvez          por uma              questão de formalidade.
Talvez por sermos vitimas de máscaras sociais. Talvez
porque        eu        te       entendo             e      você          gosta            de      ser
entendido,mesmo que seja da minha maneira, por alguém.
É confuso.

  G A BR I E L : _ D a n e - s e s e é c o n f u s o . P o d e s e r c o n f u s o
p a r a u m a e s p e c i e z i n h a d e s e r e s e v o l u í d o s d e p o i s d os
macacos. O que a gente já nasce tendo, que é idêntico o
que também já tem os animais, é muito melhor do que
saber alguma coisa.

  LU C I O : _ E s t a m o s v i v e n d o e f a l a n d o s o b r e a v i d a . É
como se a gente não existisse.

  G A BR I E L : _ N o i t e a p ó s n o i t e , d e i t o e d u r m o o u v i n d o a
trilha sonora.Visto-me como o aidético do filme, gosto de
ser doente? Por acaso sou sadomasoquista e gosto do que
é deprimente?

  LU C I O : _ A í , t á v e n d o ? N ã o s e i s e a g o r a e u r e a j o c o m o
uma platéia aplaudindo de pé ou tento acreditar que esse
é você falando.

  G A BR I E L : _ E u t a m b é m .

  LU C I O : _ C o m o a s s i m , “ e u t a m b é m ” ? O q u e v o c ê e s t á
falando?




                                                  25

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G A BR I E L : _ E u e s t o u f a l a n d o e e s s a é m i n h a v o z , p u x a
vida. Então sou eu, não sou?

  LU C I O : _ N ã o s e i !

   (Silêncio. GABRIEL volta a colocar Metamorphosis. A
d u p l a g u a r d a a s e g u n d a c o m pr a n o s d e v i d o s l u g a r e s .
Alguns produtos de limpeza, desinfetante, esponja de
a ç o , d e t e r g e n t e , c â n d i d a , s a b ã o e m p ó , os q u a i s e n f i a
n um      a r m ar i n h o       debaixo           do       fogão.          Depois           alguns
pr o d u t o s d e h i g i e n e , p a s t a d e d e n t e , p a p e l h i g i ê n i c o e
sabonete,           p os t o s       atrás         no        ar m a r i n h o - e s p e l h o        do
b a n h e i r o . T u d o p ar e c e e s t a r o r g a n i z a d o , a p e s a r d e q u e a
m á x i m a or g a n i z a ç ã o n a q u e l e a p a r t a m e n t o a i n d a é u m a
bagunça. LÚCIO entra no banheiro e se fecha. GABRIEL
ar r u m a a m es a d o j a n t a r d o j e i t o q u e q u e r i a . E s t i c a u m a
b o a t o a l h a , b o t a t a ç a s , t a l h e r e s , g u a r d a n a p os d e p a n o ,
pr a t o s b o n i t o s e a g a r r a f a d e v i n h o . L ê a r e c e i t a
novamente).

  G A BR I E L : _         Eu       comprei            duas        garrafas           de      vinho.
Enquanto a Pati não chega a gente pode ir tomando...
( a l c a n ç a a g ar r a f a n a c o z i n h a )

  LU C I O : _ P o d e s e r . Q u e h o r a s s ã o ?

  G A BR I E L ( c a ç a n d o um a b r i d o r ) : _ O q u ê ?




                                                   26

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LU C I O : _ A s h o r a s !

  G A BR I E L : _ S i m , o q u e é q u e t e m ?

  LU C I O : _ Q u a i s s ã o a s h o r a s ?

  G A BR I E L : _         Ah!        Desculpa.             (Recompõe-se).                  Seis          e
quinze.

  LU C I O ( d a n d o a d e s c a r g a , u s a n d o a p i a , s a i n d o d o
banheiro com uma roupa mais a vontade. Uma roupa
g os t o s a d e f i c a r e m c a s a ) : _ S e r á q u e a P a t i v e m m e s m o ?
Não sei não, hein.

  G A BR I E L ( A p ó s a c h a r um a b r i d o r e i n i c i a r a a b e r t u r a
do vinho):_ Tem que vir, né. Fiz tudo isso por ela.

  LÚ C I O : _ O u p o r v o c ê ?

  G A BR I E L ( r e t i r a n d o a r o l h a ) : _ A h , s e i l á . P e g a a s
taças ali na mesa.

  ( L U C I O p e g a , d e i x a n d o - a s pr o n t a s p a r a G A B R I E L e
desliga a música. Serve-se o vinho).

  G A BR I E L ( p r o v a n d o ) : _ D e l í c i a .

  LU C I O ( p r o v a n d o ) : _ M u i t o b o m .

  (Silêncio).

  LÚ C I O : _ A i , e s s a m ú s i c a !




                                                   27

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G A BR I E L : _ E d a í ? (r e f l e t e ) . E s t á b e m .

  (G A B R I E L i n s t a l a u m f o n e d e o u v i d o p a r a o u v i r a
música).

  LÚ C I O : _ N a d a d á c e r t o . N a d a d á c e r t o !

  G A BR I E L : _ O q u ê ?

  LÚ C I O : _ P á r a d e e s c u t a r e s s a m ú s i c a u m p o u c o ! E u
estou te fazendo uma visita!

  (G A B R I E L t i r a o s f o n e s e s e n t a - s e à m e s a c o m o
am i g o ) .

  E s c r i t o r a : É e l e a m ú s i c a . É d e l e e s s a m as s a d e p e l e
c h e i a d e s u l c o s q u e é a m ã o . É u m a m as s a d e p e l e c h e i a
de sulcos essa música. Quando não há mais música ele
t e m u m g é l i d o n a d a , um n a d a a b e r r a ç ã o q u e f i c a l h e
mostrando que ele não é uma coisa nem outra.

  G A BR I E L : _ E a í ? C o m o f o i h o j e ?

  LU C I O : _ A h , a m e s m a c o i s a d e s e m p r e . N a d a d e m a i s .

  G A BR I E L : _ C e r t o . ( P e g a u m c i g a r r o n o m a ç o ) . Q u e r ?

  LU C I O : _ D á u m a í .

  ( F u m am . S i l ê n c i o . A l t e r n a m e n t r e b e b e r e f u m a r . N e m
se olham).

  G A BR I E L ( r i n d o ) : _ Q u e e n g r a ç a d o , n ã o é ?




                                                    28

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LU C I O ( q u e r e n d o r i r ) : _ O q u ê ?

 G A BR I E L : _ E s s a s c o i s a s t o d a s .

 LU C I O ( c o m u m a r i s a d i n h a s o l u ç a n t e ) : _ P o i s é .

 G A BR I E L : _ E u c o m p r e i t u d o i s s o e n e m s e i c o z i n h a r .

 LU C I O : _ E u s e i f a z e r o d e s e m p r e . D e i x a e u d a r u m a
olhada (pega o livro de receitas). Tortelli di Zucca. Ah!
Esse que vai abóbora...

 G A BR I E L : _ Is s o . A c h e i s i m p l e s e s o f i s t i c a d o . M a s ,
mesmo assim, não sei nem o que fazer com a abóbora...

 LU C I O ( l e n d o ) : _ E u c o n s i g o f a z e r a m a s s a , m a s e s s e
recheio, vai saber...

 G A BR I E L : _ E u a t é t i n h a p e n s a d o q u e v o c ê s a b i a .

 LU C I O : _ E u s e i . V o c ê n u n c a c o z i n h o u n a v i d a . E u
tinha pensado até que você comprou tudo pronto. Ou
comida congelada.

 G A BR I E L : _ E u q u i s f a z e r t u d o e m c a s a .

 LU C I O : _ E s s e é s e u m a l . T u d o e m c a s a . S e m p r e t u d o
em casa.

 G A BR I E L : _ A i , m e u D e u s . O l h a , e u . . . ( d e s i s t e ) .

 E s c r i t o r a : _ M a s e s s e é o ú n i c o l u g a r q u e e u p o s s o s er
quem quero.




                                                  29

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LU C I O ( i g n o r a n d o ) : _ É .

  (G A B R I E L s e l e v a n t a e j o g a t o d a a c om i d a q u e c o m p r o u
no lixo).

  LU C I O : _ O q u e é i s s o ? O q u e v o c ê e s t á f a z e n d o ? P u t a
merda! O que você está fazendo!?

  G A BR I E L : _ E l a n ã o v e m m a i s .

  LU C I O : _ E d a í , c a r a ? E s e e l a v i e r ? E m e s m o q u e e l a
não viesse, por favor! Que é isso, meu. Isso não é coisa
de gente normal não.

  G A BR I E L ( r i n d o ) : _ M as é q u e n o f i l m e . . .

  LU C I O : _ V o c ê ‘ t á l o u c o c a r a ! ( r i f a l s a m e n t e ) J o g a r a
comida fora? Isso é pecado, meu! Porra, acorda, cara!
Is s o d a q u i é a r e a l i d a d e , a q u i l o é u m f i l m e , p o r r a ! A g o r a
você vai querer se fantasiar de Meryl Streep, puta que
p a r i u ! T e m g e n t e p a s s a n d o f o m e n es s e m u n d o e v o c ê
compra comida pra jogar fora por causa de um filme?
Pelo amor de Deus! Você ‘tá precisando de um terapeuta,
sei lá!

  (G A B R I E L r i . T o c a o i n t e r f o n e ) .

  G A BR I E L : _ S e r á q u e é e l a ?




                                                   30

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LU C I O : _ E u n ã o f a l e i ? ( V a i a o i n t e r f o n e ) . A g o r a e l a
chegou e não tem mais comida... (atende o interfone)
Pronto. Oi, pode subir. Obrigado.

  G A BR I E L : _ É e l a ?

  LU C I O ( e m b u r r a d o ) : _ E s t á s u b i n d o a í .

  (G A B R I E L c o r r e p a r a o a r m á r i o , t i r a o g o r r o , a j e i t a o
c a b e l o , t i r a o r o u p ã o e v e s t e um a c a m i s e t a ) .

  Escritora: _ Precisa ser trivial e deixar passar o
personagem um instante. Quando alguém chega como
Patrícia, não pode ficar sendo o que é ou o que quer ser.
Tenho       medo         de      a s s o m b r ar       alguma          pessoa          com        sua
monstruosidade - que não tem nenhuma evidência.

  G A BR I E L : _ N o s s a , m e u d e u s , q u a n t o t e m p o ! S e r á q u e
ela está muito diferente?

  LU C I O : _ V a m o s v e r .

  G A BR I E L : _ N o s s a . V a m o s v e r a c a r a d e l a d e m u l h e r
agora.

  LU C I O : _ É m e s m o . E l a j á e s t á c o m v i n t e e o i t o !

  G A BR I E L : _ O q u e s e r á q u e e s t a v i n d o a i , h e i n L u c i o ?
O que será que está subindo esse elevador? Eu estou com
uma sensação estranha...




                                                   31

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LU C I O : _ E u n ã o s e i . N ã o s e i m e s m o .

  ( T o c a a c a m p a i n h a . G A B R I E L c o r r e , a br e a p or t a .
PATRICIA entra, agasalhada e com flores).

  P A TR I C I A : _          Oi,     Ga...        (abraça          GABRIEL).                Quanto
t e m p o . ( V ê L Ú C IO ) . L ú c i o ! ( c o r r e e o a b r a ç a ) . E a í ? Q u e
saudades!

  LU C I O : _ O l á , P a t i ! T u d o b o m ?

  P A TR I C I A : _ T u d o b o m . E a í , g e n t e ? E a s n o v i d a d e s ?

  LU C I O : _ V o c ê n ã o m u d o u n a d a !

  G A BR I E L : _ M u d o u s i m ! Q u e m d i r i a v o c ê t r a z e n d o
flores.

  P A TR I C I A ( v a i s e a c o m o d a n d o , d e i x a n d o o c as a c o n o
s o f á e g u a r d a n d o as f l o r e s ) : _ A h , e u t r o u x e , G a . . .

  G A BR I E L : _ S ã o m u i t o l i n d a s . E u n ã o e s p e r a v a i s s o d e
você mas nunca.

  E s c r i t o r a : _ E l a pr e c i s a f a l a r a l g u m a c o i s a p a r a n ã o
ficar      quieta         e    dar        uma        imagem            de      p er t u r b a d a         e
c o m p l e x a , u m a i m a g e m q u e n e n h u m a m o ç a q u e r p as s a r .
As moças querem apenas ser moças e sentir na vida todos
os e l o g i o s q u e r e c e b e m um a m o ç a n o s e n t i d o t ã o p u r o e
lindo que se tem quando alguém diz “uma moça”. Ao




                                                   32

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d i z e r “ u m a m o ç a ” a f r as e j á t e m u m a p a r t e i m p o r t a n t e
de beleza.

  P A TR I C I A : _ A i , G a !                   por quê? (olha para LUCIO).
Onde tem um vaso?

  LÚ C I O ( t o m a n d o a s f l o r e s ) : _ D á a q u i . ( pr o c u r a u m
v a s o , a c h a , c o l o c a um p o u c o d ´ á g u a e a s f l o r e s ) .

  G A BR I E L : _           Não esperava esse romantismo seu. Você
nunca foi disso. Sempre trazendo a si mesma como
presente para qualquer um.

  P A TR I C I A            ( E s c r i t o r a : . . . r e pr e s e n t a n d o . . . ) : _       Ga,   eu
sempre fui romântica.

  LU C I O : _ B o m , e a í ? V o c ê v e i o d e c a r r o ?

  Escritora: Ele quis romper essa discussão antes de tudo
vir a explodir.

  P A TR I C I A : _ E u v i m . N o s s a , G a b r i e l , e u j u r a v a q u e
seu apartamento não ia ser assim.

  Escritora:_                Patrícia            percebe             que         tem           o    maior
ar r e p e n d i m e n t o        imaginável                em        ter        entrado             nesse
a p ar t a m e n t o .

  G A BR I E L : _ F e i n h o , n é ? M as s e i l á . E u g o s t o d e s s e
jeito.




                                                      33

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LÚ C I O : _ V e m a q u i .

  (Leva-a para o fundo. GABRIEL, sozinho, rapidamente
cheira as flores. Voltam. PATRICIA vê o vinho).

  Escritora:_ Quando vê o vinho, sente que precisa de
a l g o q u e s e j a m i s t u r a d o c o m s e us p e n s am e n t o s . V i n h o
s er i a p e r f e i t o .

  P A TR I C I A : _ V i n h o ! D á u m p o u c o p r a m i m ?

    ( L Ú C I O a s er v e n u m a t a ç a ) .

  P A TR I C I A ( b e b e n d o ) : _ E c o m o ‘ t á o t r a b a l h o , L u c i o ?

  LU C I O : _ E s t á ó t i m o . T r a b a l h a n d o b a s t a n t e .

  P A TR I C I A : _ E v o c ê , G a ? C o m o e s t á i n d o ?

  G A BR I E L : _ N ã o a r r u m e i n a d a a i n d a .

  P A TR I C I A : _ I h , m a s v a i d a r c e r t o ! V o c ê v a i v e r .

  G A BR I E L : _ É o q u e e u e s p e r o .

  Escritora:_ olha para amiga de uma maneira ofensiva,
p ar a e l a , t u d o é f á c i l . P a r a e l e , t u d o é i m p r a t i c á v e l .

  P A TR I C I A : _ V a m o s c o m e r a l g u m a c o i s a ?

  LU C I O : _ C o m e r o q u ê ? O G a b r i e l c o m p r o u u m m o n t e
de comida e jogou fora!




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P A TR I C I A ( r i n d o ) : _ V o c ê j o g o u a c o m i d a f o r a ? ( r i
muito mais).

  G A BR I E L : _ E u n ã o s e i c o z i n h a r m e s m o ! E u c o m p r e i
pensando que o Lucio saberia fazer, mas ele não sabe
também. Aí eu joguei pra não ficar apodrecendo na
geladeira.

  LU C I O : _ A h , n e m é i s s o . É p o r c a u s a d o A s H o r as . P o r
isso que ele jogou fora.

  P A TR I C I A : _ O q u ê ?

  G A BR I E L ( e n v e r g o n h a d o ) : _ A h , é u m f i l m e n o v o q u e
eu comprei que a mulher joga a comida fora também.

  P A TR I C I A (s e m e n t e n d e r b u l h u f a s ) : _ E s s e G a b r i e l ,
viu. E aí? O que vocês estão a fim de comer?

  LU C I O : _ P u t z , e u j á c o m i . S e e u s o u b e s s e . . .

  P A TR I C I A : _ A h , j á ? E v o c ê , G a ?

  G A BR I E L : _ E u c o m e r i a q u a l q u e r c o i s a .

  P A TR I C I A : _ M as v o c ê s e s t ã o a f i m d e p e d i r , d e s a i r ?

  G A BR I E L : _ T a n t o f a z . A h , v a m o s p e d i r e n t ã o .

  P A TR I C I A : _ U m a p i z z a ?

  G A BR I E L : _ Ó t i m o . D e i x a e u v e r a q u i p a r a l i g a r ( c a ç a
um n ú m e r o n o s i m ãs d e g e l a d e i r a . L i g a em m í m i c a ) .




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LU C I O : _ E o A n t ô n i o ?

  P A TR I C I A : _ C o n t i n u a t r a b a l h a n d o l á . V o l t a r p a r a o
B r a s i l e s t á b e m f o r a d os p l a n o s , l á e l e t e m t u d o , p r a q u e
se preocupar em vir aqui, né?

  LU C I O : _ N o s s a , P a t i ! Q u a n t o t e m p o , n é ? E l e v i a j o u e
depois disso parece que nunca mais volta.

  ( S or r i e m e a br a ç a m - s e ) .

  E s c r i t o r a : _ A p e n a s o s d o i s , a s s i m , e s t á um c l i m a
delicioso. Mas Gabriel ataca com algo tão bobo.

  G A BR I E L ( a o t e l e f o n e ) : _ P a t i , p i z z a d e q u ê ?

  E s c r i t o r a : _ E l a p r e c i s a r es p o n d e r . N ã o q u e r m a g o a r
n i n g u é m . N ã o s a b e , m as t e m um c e r t o p o d e r . S e q u i s e r
magoar, fere violentamente. Se quiser alegrar, leva a
pessoa ao êxtase.

  P A TR I C I A : _ P o d e s e r d e c a l a b r e s a , v ê q u a l q u e r u m a
aí! (volta para LUCIO). Então, e ele disse que não sabe
se volta cedo.

  LU C I O : _ P u t z , f a z o m a i o r t e m p ã o q u e e u n ã o f a l o c o m
ele. Puta saudade.

  P A TR I C I A : _ E e u e n t ã o , L ú c i o . ‘ T o f i c a n d o l o u c a s e m
ele. O que eu faço enquanto ele não volta? Ainda por




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cima parece que ele foi efetivado. Ele não largaria tudo
pra voltar pra cá por minha causa, né?

  (G A B R I E L v o l t a d a l i g a ç ã o , p r o c u r a n d o a l c a n ç a r o
as s u n t o ) .

  LU C I O : _ S e e l e f o i e f e t i v a d o é b o m p a r a e l e , n ã o é ?
Quem sabe a gente que tem que ir pra lá um dia. Ou ele
p a g a p r a g e n t e i r . (r i ) .

  P A TR I C I A ( n u n c a t i n h a p e n s a d o n i s s o ) : _ É .

  G A BR I E L : _ E o A n t ô n i o ? C o m o e s t á ?

  P A TR I C I A : _ E s t á l á a t é h o j e .

  G A BR I E L : _ E s t á t u d o c e r t o ?

  P A TR I C I A : _ E l e t á s e d a n d o b e m l á , v i u . T á t u d o
certo, mas dá aquela saudade, né? Ainda mais quando eu
vi    vocês        assim,         fiquei         lembrando              de     todos         aqueles
momentos...

  LU C I O : _ F o i t a n t a c o i s a , n ã o ? D e s d e p e r d a s d e f ô l e g o
com risadas até três dias na delegacia.

  G A BR I E L : _ A q u i l o s i m e r a v i v e r . T o d o d i a , l e m b r a ?
Todo dia a gente inventava uma coisa diferente para fazer
e a gente nunca ficava satisfeito. Agora olha a gente
a q u i , u m b a n d o d e a d u l t o . U ns v e r d a d e i r o s m o n s t r o s .
Bicho-papão do planeta Terra. É assim, fazer o que, né?




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Agora a gente depende cada um de si para viver. Só resta
recordar.

  P A TR I C I A : _ A i , G a ! Q u e é i s s o ? A g e n t e c o n t i n u a
sendo amigos! Olha só, ainda estamos juntos.

  G A BR I E L : _ E s t a m o s j u n t o s p o r q u e o A n t ô n i o e s t á
viajando e a gente precisava compartilhar essa falta ou
então cada um ia pirar da cabeça.

  P A TR I C I A ( l e v a n t a n d o - s e ) : _ A i g e n t e , a c h o q u e e u v o u
embora. Fui infeliz de vir, meu deus. É. Que triste.

  G A BR I E L : _ N ã o v a i a g o r a !

  E s c r i t o r a : _ L ú c i o p r e c i s a a c a b ar c o m e s s a d i s c u s s ã o
d e u m a v e z p o r t o d a s . M a i s um a v e z .

  LÚ C I O : _ P e d i u a p i z z a ?

  G A BR I E L : _ E s t á v i n d o a í .

  LU C I O : _ Q u e r m a i s v i n h o ?

  P A TR I C I A : _ P o d e s e r .

  LU C I O : _ Q u e r t a m b é m , G a b r i e l ?

  G A BR I E L : _ P o d e s e r .

  ( L Ú C I O e n c h e as t a ç a s e as t r a z ) .

  G A BR I E L : _ E l e c o ns e g u i u t u d o o q u e r i a , n ã o ?




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P A TR I C I A : _ E l e f o i e f e t i v a d o o n t e m .

  LÚ C I O : _ A h , q u e b o m , P a t i . E l e d e v e e s t a r m u i t o f e l i z .
Logo logo vocês estão juntos de novo.

  G A BR I E L : _ N ós e s t a r e m o s j u n t o s d e n o v o .

  P A TR I C I A : _ É . . . E a n a m o r a d a , L u c i o ?

  LU C I O : _ A h , n e m t o n a m o r a n d o .

  P A TR I C I A : _ N ã o t á n e m p r e o c u p a d o c o m i s s o , n é ! E
você, Ga?

  E s c r i t o r a : _ P o r q u e e l a m e c h a m a d e G a ? O n om e é
G a b r i e l . A p o r c a r i a d a m i n h a m ã e e s c o l h e u e s s e n om e . O
pr o b l e m a é q u e e u g o s t o d e m a i s d e s s e a f e t o q u a s e
infantil.

  G A BR I E L : _ S e m p r e à p r o c u r a .

  P A TR I C I A : _ A í , G a , p o r q u e v o c ê n ã o n a m o r a a q u e l a
sua amiga? Ela combina com você.

  G A BR I E L : _ É e s t r a n h o . T o d o m u n d o a c h a q u e e u
combino com ela, só eu que não.

  P A TR I C I A : _ A í , t á v e n d o ?

  G A BR I E L : _ A h , s e i l á . E l a é m e i o d e s e n c a n a d a d e m a i s .
Eu gosto das arrumadinhas.

  P A TR I C I A : _ Q u a l é o s e u t i p o d e m u l h e r , e n t ã o ?




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G A BR I E L ( E s c r i t o r a : _ E s f o r ç a - s e m u i t o ) : _ A h , o l h a . . .
Eu queria uma mulher que desse valor para o que eu faço,
entende? E ficasse feliz com meu trabalho. Eu queria uma
mulher       assim...         que       se      dedicasse.            Uma         mulher          que
inventasse todo tempo como me deixar feliz.

 P A TR I C I A : _ E v o c ê n ã o f a r i a n a d a p o r e l a ?

 G A BR I E L : _ S e e u t i v e s s e u m a m u l h e r a s s i m , e u i a
fazer ela esquecer a palavra tristeza.

 P A TR I C I A : _ N o s s a ! Q u e p r o f u n d o . E v o c ê , L ú c i o ?

 LU C I O : _ E u s o u a o c o n t r á r i o . E u q u e r i a a q u e l a s b e m
independentes, que vivesse a vida dela sem me encher o
saco.

 P A TR Í C I A : _ A i , L ú c i o , s ó v o c ê m e s m o .

 G A BR I E L : _ E o A n t ô n i o ? E l e é s e u t i p o d e h o m e m ?

 P A TR Í C I A : _ A h , a c h o q u e s i m . E u j á ‘ t o h á t a n t o
tempo com ele que nem sei mais o que seria outro tipo de
homem.

 G A BR I E L ( r i n d o ) : _ Is s o é v e r d a d e . M a s a c h o q u e e u
sou mais feliz solteiro. Nessa fase de minha vida eu acho
que não me adaptaria com uma mulher.




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P A TR I C I A : _         Então         cada       vez       mais        você        vai      ficar
pensando isso? Depois fica um velho e aí que ninguém
mais vai te querer.

       G A BR I E L : _ O n e g ó c i o m e s m o é u m a c o i s a q u e e u
cheguei à conclusão um dia. Se eu quisesse mesmo uma
mulher, eu ia atrás. Sou capaz até de ir nas balada pra
arrumar uma. Enquanto isso, eu vou assistindo a vida
passar só com meus próprios olhos. Sem uma visão
feminina para ficar comentando.

  LÚ C I O : _ A h , e u t a m b é m s o u m e i o a s s i m , s a b e ? S e m p r e
fui, né? Não sou de ficar azaranado as menininha com um
p a p i n h o d e p l a y b o y z i n h o e b l a b l a b l a . Is s o é t ã o f a l s o ,
sei lá. Se algum dia uma mulher interessante aparecer, aí
ótimo, senão, pra que ficar que nem bicho atrás de
fêmea?

  G A BR I E L : _ É q u e a s p e s s o a s g u a r d a m u m a c o i s a
dentro da cabeça que se chama instinto. Afinal, a gente é
bicho como qualquer bicho.

  LÚ C I O : _ M as a g e n t e s a b e s e c o n t r o l a r .

  G A BR I E L : _ S e r á ?

  P A TR I C I A : _ A c o n t e c e q u e v o c ê s n ã o s ã o p r a q u a l q u e r
mulher não, viu, gente. As mulheres sempre pensam que




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s ã o os h o m e n s q u e n ã o s e r v e m p a r a e l a s , m a s à s v e z e s
são as mulheres que não prestam para os homens.

  G A BR I E L : _ N o s s a , P a t i ! Is s o é u m a c o i s a m u i t o d i f í c i l
de ouvir. Uma mulher admitindo as coisas desse jeito!
Você continua com a mesma carinha de menina mas agora
tem opiniões formadas e precisas. Quem são as amigas
que te ensinaram tudo isso? Tem o telefone delas?

  LU C I O : _ E l a s e m p r e f o i a s s i m , v a i G a b r i e l .

  G A BR I E L : _ O p i o r d e f e i t o d a P a t i f o i t e r n a s c i d o f i l h a
única! Maldita! Bem que você podia ter uma irmãzinha,
nem precisava ser idêntica, mas parecida, que chegasse
perto, entende? Ou quem sabe eu espero que você e o
Antônio tenham uma filha, que tal? Vinte e poucos anos
de diferença hoje em dia não são nada, imagine daqui
alguns anos.

  ( P A T R I C I A d á r i s a d a c om o u m a c r i a n ç a ) .

  P A TR I C I A : _ A i , G a . V o c ê v a i e n c o n t r a r e s s a s u a m u s a
um dia. Não precisa ser minha filha.

  G A BR I E L : _ S e e u e n c o n t r a r u m a m u s a e e l a f o r u m a
b u r r a , f i n g e q u e v o c ê q u e r s e r b as t a n t e a m i g a e f a z u m a
boa lavagem cerebral nela. O que você acha? Uma coisa
bem sutil, que ela nem perceba.




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P A TR I C I A ( r i n d o ) : _ A i , G a . S ó v o c ê m e s m o .

  G A BR I E L : _ N ã o é m á i d é i a n ã o , v i u ? S e e u e s q u e c e s s e
essa porra de             emprego que poderia me trazer um pouco
de felicidade              e trabalhasse no que minha mãe sempre
quis que eu fosse e ficasse arquibilhardário, vazando
d i n h e i r o a t é p e l o c u , e u p a g a r i a u ns d e z m i l h õ e s p r a u m a
g os t o s a b u r r a , e f a r i a d e l a u m a l e g í t i m a m y f a i r l a d y . E u
ficaria dando aulas de etiqueta, sexo e comportamento e
v o c ê s e r i a a p r o f es s o r a d e l a v a g e m c e r e b r a l , m a s e l a t e m
que ficar igual a você, hein! Putz! Aí eu viveria para
sempre        com         uma         gostosa           lambendo              meus          pés      de
felicidade.

  LU C I O : _ N ã o f o i v o c ê q u e m d i s s e q u e f a r i a a m u l h e r
da sua vida esquecer a palavra tristeza? Essa escravidão
manipulada poderia acabar num processo judicial e você
i a v i r a r a q u e l e s e x - m a r i d o s l e p r o s os . A c a d a f i m d o m ê s
vai perdendo uma parte do que tem.

     G A BR I E L : _ E , p o r a c a s o , v o c ê a c h a q u e e u n ã o i a
q u e r e r f i c a r l a m b e n d o o s p é s d e u m a g os t o s o n a t a m b é m ?
Eu tenho fetiches muito interessantes, sabia?

  P A TR I C I A : _ A i , G a , q u e p é s s i m o !

  G A BR I E L ( i r ô n i c o , p a r a n ã o gr i t a r c o m o s am i g o s ) : _
Que foi? Deixa eu sonhar um pouco! As pessoas têm uma




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imagem de mim, como se eu fosse um psicótico fugitivo.
Porra, parece que eu sou proibido de tudo nessa vida.
Não to falando que eu vou fazer isso mesmo, vou largar
minha vida pra fazer a merda de uma faculdade e faturar.
Olha só. Você acha que no meu estado eu ia fazer uma
coisa dessas? Quem vai querer um escritor medíocre,
enfiado no apartamento, cheio de dificuldade e um monte
de complicações?

  (vai ao banheiro).

  P A TR I C I A : _ Q u e f o i ?

  LÚ C I O : _ ‘ T á a t a c a d o h o j e . M e i o t r i s t e q u e n ã o e s t á
achando emprego, sabe?

  P A TR I C I A : _ A h , s e i .

  LU C I O : _ É u m a s c o i s a s q u e d ã o n e l e d e r e p e n t e . C o i s a
de escritor, né?

   P A TR I C I A ( n ã o p e r c e b e ) : _ É . M a s v a i d a r t u d o c e r t o .

  LÚ C I O : _ A h , v a i .

  (G A B R I E L s a i d o b a n h e i r o e t o m a á g u a . A c e n d e u m
c i g a r r o e s e j u n t a a os d o i s ) .

  LÚ C I O : _ D á u m c i g a r r o p a r a m i m ?

  (G A B R I E L d á - l h e ) .




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                      meios, sem autorização prévia, por escrito, do autor ou da editora.
P A TR I C I A : _ E u t a m b é m q u e r o . (r e c e b e o c i g a r r o ) .

 (O s t r ê s f u m a m ) .

 LÚ C I O : _ N o s s a , s a b e o q u e e u v i h o j e ?

 P A TR Í C I A : _ O q u ê ?

 LÚ C I O : _ D u a s m u l h e r e s s e b e i j a n d o n o m e i o d a r u a .

 G A BR I E L : _ Q u e j ó i a !

 P A TR Í C I A : _ A i , c r e d o .

 G A BR I E L : _ V o c ê b e i j a r i a u m a m u l h e r n a b o c a , P a t i ?

            PATRÍCIA:_                            Eu                não,                   imagina!


 LÚ C I O : _ F o i b e m i n t e r e s s a n t e .

 G A BR I E L : _ E u a c h o a c o i s a m a i s l i n d a d u a s m u l h e r e s
se beijando...

 P A TR Í C I A : _         Ai,      que       safadinho             você,         hein.       Você
beijaria um homem na boca?

 G A BR I E L : _ A h , m a s d u a s m u l h e r e s s e b e i j a n d o t e m u m
outro sentido completamente diferente.

 P A TR Í C I A : _ P r a v o c ê q u e é h o m e m , n é ?

 G A BR I E L : _ N ã o , m a s n o a s p e c t o p o é t i c o d a c o i s a ,
sabe? As mulheres ficam mais bonitas desse jeito.




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P A TR Í C I A : _ É , b e m p o é t i c o m e s m o .

 G A BR I E L : _ A h , v o c ê s n ã o m e e n t e n d e m .

 LÚ C I O : _ A h , c a r a . . . É q u e é e s t r a n h o d u a s m u l h e r e s s e
beijando.

 G A BR I E L : _ D e p e n d e . É s ó n ã o t e r p r e c o n c e i t o                               e
descobrir o porquê que elas fazem isso. E elas fazem
bastante.

 P A TR Í C I A : _ E u t e n h o u m a a m i g a q u e j á b e i j o u o u t r a
também.

 G A BR I E L : _ E n a h o r a v o c ê a c h o u e s t r a n h o ?

 P A TR Í C I A : _ A h , s e i l á . N ã o c u r t i m u i t o f i c a r v e n d o
mas não me senti incomodada, sabe?

 G A BR I E L : _ E c o m c e r t e z a s e f o s s e m d o i s c a r a s s e
beijando ia ser bem mais estranho, não é?

 P A TR Í C I A : _ É v e r d a d e . . .

 LÚ C I O : _ É . E u g o s t e i m a i s d e t e r v i s t o d u a s m u l h e r e s
do que dois homens.

 G A BR I E L : _ A m u l h e r t e m u m o u t r o j e i t o d e v i v e r . E l a
é muito mais pura, muito mais efetiva do que o homem,
que é tão fraco que acaba gastando a força para se impor




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e m e s t e r e ó t i p o s d e p os i ç õ e s s o c i a i s . A s m u l h e r e s s a b e m
compartilhar.

  P A TR Í C I A : _ N o s s a , G a . V o c ê e n t e n d e n d o a s s i m d e
mulher e solteiro, hein? Quem diria?

  G A BR I E L : _ E u g o s t a r i a m u i t o d e s a b e r o p o r q u ê
também. Eu ‘to chegando a conclusão de que as mulheres
além disso são a contradição em pessoa. Sempre dizendo
que procuram homens diferentes e sensíveis, mas estão
sempre acompanhadas de marmanjos de bolso cheio.

  P A TR Í C I A : _ E u n ã o s o u a s s i m .

  G A BR I E L : _ A h , v a i . O A n t ô n i o s e m p r e f o i o b o n z ã o d a
turma.

  P A TR Í C I A : _ M as e l e é s e n s í v e l e b e m d i f e r e n t e .

  G A BR I E L : _ P e l o m e n o s i s s o , n é ?

  LÚ C I O : _ O A n t ô n i o é c o m o v o c ê , G a b r i e l .

  G A BR I E L : _ C o m o e u . M as e l e e s t a n a E u r o p a d e v i d a
feita e eu aqui, não conseguindo arrumar nada. É assim,
os    vencedores              tem        namoradas,               os      fracassos            ficam
chupando o dedo e batendo punheta. Seleção Natural!

  LÚ C I O : _ A c h o q u e a s m u l h e r e s q u a n d o v ê e m u m a
pessoa como você se sentem tão iguais que acabam
procurando uns caras nada a ver com quem elas são.




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G A BR I E L : _ E s c r e v a i s s o .

  P A TR Í C I A : _         Calma,          Ga.        Essa       namorada             d os       seus
sonhos vai vir no momento mais inesperado que você
imaginar.

  G A BR I E L : _ E s t a m o s a í p a r a o q u e d e r e v i e r .

  LÚ C I O : _ I s s o a í , r a p a z . C o r a g e m ! L a r g a a m ã o d e f i c a r
deprimidinho, chorando nos cantos. Vá a luta!

  P A TR Í C I A : _ É , G a . D e i x a p r a l á . V o c ê v a i v e r .

  G A BR I E L : _              É      tão       bom        ficar        recebendo              essas
c a l i b r a d a s d e e s p e r a n ç a . E u g os t o m u i t o d e v o c ê s . M e s m o
mesmo.

  LÚ C I O : _ A g e n t e c u r t e v o c ê p r a c a r a m b a . N ã o p r e c i s a
ficar achando que é um órfão de compaixão. Você devia
dar mais valor para o que você tem.

  G A BR I E L : _ É , e u s e i .

          (Toca o interfone).

  LÚ C I O : _ É a p i z z a . ( v a i a o i n t e r f o n e ) . P r o n t o ? ‘ T o
descendo. (desliga). Vou descer lá.

  P A TR Í C I A : _ O d i n h e i r o !

  LÚ C I O : _ A h . Q u a n t o d e u , G a b r i e l ?

  G A BR I E L : _ Q u i n z e .




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P A TR Í C I A ( m e x e n d o n a b o l s a ) : _ E n t ã o d e u q u a n t o p a r a
cada um?

 G A BR I E L : _ N ã o . E u p a g o .

 P A TR Í C I A : _ N ã o , es p e r a a í . M e t a d e , m e t a d e !

 G A BR I E L : _ N ã o , p o r f a v o r . P o r f a v o r , P a t i . H o j e e u
insisto, eu pago. (dá o dinheiro para LÚCIO).

 P A TR I C I A : _ ‘ T a b o m e n t ã o . O b r i g a d a .

 (LÚCIO desce).

 G A BR I E L : _ O b a , p i z z i n h a d e l í c i a , h e i n ?

 P A TR Í C I A : _ H m m m .

 G A BR I E L : _ M a i s v i n h o ?

 P A TR Í C I A : _ Q u e r o .

 (G A B R I E L a s e r v e ) .

 G A BR I E L : _ V a m o s f i c a r c h a p a d o s .

 P A TR Í C I A : _ P e l o s v e l h o s t e m p o s , G a !

 G A BR I E L : _ E u f i c o c h a p a d o a q u a l q u e r h o r a . F i q u e i
mais preocupado com você. Mas você nunca foi certinha
mesmo.

 P A TR Í C I A : _ E a i n d a n ã o c o n s e g u i r a m m e c o r r i g i r .
Pode encher a taça.




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(Enche).

 G A BR I E L : _ V o u a b r i n d o o o u t r o v i n h o . . .

 (Abre).

 P A TR Í C I A : _ J á ‘ t o c o m e ç a n d o a f i c a r a l e g r i n h a . E
você?

 G A BR I E L : _ É d i f í c i l e u f i c a r a l e g r e c o m b e b i d a . E u
diria que estou começando a ficar tristinho.

 P A TR Í C I A : _ P u t a m e r d a , G a ! Q u e d e p r i m i d o ! J á s e i .
Vamos numa balada hoje, mais tarde. Que tal? Daí você
se anima um pouco.

 G A BR I E L : _ M as e o L ú c i o ? E l e n ã o c u r t e n a d a d e
música eletrônica.

 P A TR Í C I A : _ A g e n t e c o n v e n c e e l e ! Q u a l q u e r c o i s a
vamos nós dois. Só hoje!

 G A BR I E L ( i n d e c i s o ) : _ F es t a h o j e . . .

 P A TR Í C I A : _ V a m o s !

 G A BR I E L : _ M a i s t a r d e e u d e c i d o , ‘ t á ?

 P A TR Í C I A : _ ‘ T á b o m , G a . . .

 (LÚCIO entra com a pizza).

 LÚ C I O : _ O l á .




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P A TR I C I A : _ H m m m !

  G A BR I E L : _ N o s s a , p u t a f o m e !

  (Sentam-se reunidos. Abrem a pizza).

  G A BR I E L e P A TR Í C I A : _ N o s s a ! ( c o m e m c o m a m ã o ) .

  LÚ C I O : _ P u t z , e u s a b i a q u e d e v i a e s p e r a r p r a j a n t a r
aqui.

  G A BR I E L : _ C o m e u m p e d a c i n h o !

  LÚ C I O : _ A h , n ã o . E u j á c o m i m e s m o . E s t o u s e m f o m e
nenhuma.

  P A TR Í C I A : _         Ah,        vai,       Lúcio!          Só       por       hoje.         Pra
comemorar.

  LÚ C I O ( E s c r i t o r a : _ p ar a q u ê e v i t a r a i d i o t i c e ? ) : _ ‘ T á
bom, me dá esse pedaço aí. (serve-se).

  E s c r i t o r a : _ C o n t i n u a m o s t r ês s e n t a d o s , b e b e n d o e
c o m e n d o . B a s t a v a f a z er a q u i l o . E r a t ã o s i m p l e s . E r a s ó .
N ã o pr e c i s a t e r o t r a b a l h o d e s er a l g u é m p ar a c o m e r o u
beber; o que para eles era um alívio e ficava sendo a
m e l h o r h or a d a n o i t e .

  P A TR Í C I A : _ V a m o s n a b a l a d a h o j e , L ú c i o ?

  LÚ C I O : _ B a l a d a ? V o c ê s ‘ t ã o l o u c o s !

  P A TR Í C I A : _ P r a c o m e m o r a r , v a m o s a í ! Q u e c o i s a !




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LÚ C I O : _ P u t z , n e m s e i . . . A m a n h ã e u t e n h o q u e a c o r d a r
bem cedo.

  P A TR Í C I A : _ A i , L ú ! V o c ê n ã o v a i m o r r e r s e a c o r d a r
com sono amanhã (ri).

  LÚ C I O ( e l a o c h a m o u d e L ú ) : _ A i a i a i . . . b e l e z a .

  P A TR Í C I A : _ O b a ! P õ e m a i s v i n h o p r a n ó i s , G a !

  (G A B R I E L s e r v e a t o d o s ) .

  ( C om e m e b e b e m ) .

  P A TR Í C I A : _ N os s a , g e n t e . N ã o a g ü e n t o m a i s . ( l e v a o
pr a t o n a p i a ) .

  G A BR I E L : _ P u t z . T a m b é m n ã o q u e r o m a i s n ã o . Q u e r
esse pedaço, Lúcio?

  LÚ C I O : _ V a l e u , c a r a . ‘ T ô b e m s a t i s f e i t o .

  ( F u m am , t i r a m a s c o i s a s d a m e s a . B e b e m o q u e s o br o u
d a s e g u n d a g ar r a f a . S e n t a m - s e j u n t o s n o s o f á , f u m a n d o ) .

  P A TR Í C I A : _ A i , c o m o a g e n t e e s t á l i v r e , n ã o é ? S e m
preocupação, cada um cuida da sua vida, sem mãe pra
ficar farejando aonde a gente vai, que beleza.

  LÚ C I O : _ Is s o é b o m . M a s h o j e a g e n t e t r a b a l h a e c u i d a
d a p r ó p r i a v i d a . Is s o é f o d a . M a s e s s a l i b e r d a d e v a l e a
pena mesmo. Olha a gente aqui, no ap. do Gabriel,




                                                   52

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tomando vinho, comendo pizza e indo pra balada! Não é
coisa de criança não.

 G A BR I E L : _ A g e n t e p e n s a v a n es s a l i b e r d a d e t o d a v e z ,
lembra? Sempre quando acontecia alguma merda, agente
pensava: “putz, se agente tivesse um lugar só nosso pra
fugir”.

 P A TR Í C I A : _ E u l e m b r o . E a g e n t e n ã o t i n h a l u g a r p r a
sair de noite e ficava rodando de carro mesmo. (ri).

 LÚ C I O ( l e m b r a n d o ) : _ N o s s a , c a d a u m a .

 G A BR I E L : _ P u t a m e r d a . O p a s s a d o m e l h o r a m a s n ã o
cura o presente. A gente falando de todas essas épocas
deliciosas, da ansiedade pela liberdade, mas sabe que eu
não perdi essa ânsia ainda? Hoje eu posso ter tudo bem
ali, mas tem um peso dentro que não me deixa ir pra
frente.

 LÚ C I O : _ É q u e v o c ê a i n d a n ã o s e c o n s o l i d o u d e
verdade na sua profissão. E eu tenho certeza que quando
você arrumar uma namorada e começar a ganhar um
monte de prêmio, você nem vai perceber de tão livre que
vai estar sendo. A sua hora ainda não chegou, meu amigo.

 G A BR I E L : _ S e r á ?




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P A TR Í C I A            (bêbada):_                Fica          com           medo              não,
Gabrielzinho... (acaricia-lhe a nuca). Fica assim que do
jeito não vai dar pé.

  LÚ C I O ( r i n d o ) : _ O q u e v o c ê d i s s e ?

  P A TR Í C I A : _ S e i l á . E u n e m s e i m a i s o q u e e u ‘ t ô
fazendo.

  E s c r i t o r a : _ T o d os r i e m . S ó G A B R I E L q u e d á um a
r is a d a    disfarçada,              tensa,           estranha            –      “Para            quê
c h o r am i n g a r e d e p o i s d a r i n ú m er a s e x p l i c a ç õ e s s e t o d o s
estão se divertindo?”.

   LÚ C I O : _ V o u p e g a r u m c i g a r r i n h o ( v a i t r o p e ç a n d o ) .

  P A TR Í C I A : _ P õ e u m s o m a í , L ú !

  (LÚCIO imediatamente tira o cd de GABRIEL e coloca
o u t r o , d e m ús i c a m a i s m o d e r n o s a , a g i t a d i n h a ) .

  Escritora:_ A música; a música!

  P A TR Í C I A ( r i n d o ) : _ Q u e m ú s i c a é e s s a , L ú c i o ?

  LÙ C I O ( r i n d o ) : _ A h , é u m c d q u e e u g a n h e i .

  G A BR I E L : _ S ó p o r c a r i a .

  LÚ C I O : _        Ah,       Gabriel.            Você         não        queria          que       eu
colocasse aquelas músicas suas, né, meu?




                                                   54

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G A BR I E L : _ N ã o , t á b o m . T á b o m . H o j e a P a t i es t á a q u i
então pode botar qualquer música que vocês quiserem.

 P A TR Í C I A : _ A c a b o u o v i n h o ?

 LÚ C I O ( f u m a n d o ) : _ V o c ê q u e r m a i s ?

 G A BR I E L : _ A c a b o u . ( p e n s a n d o , a f a s t a - s e d e t u d o ) .

 P A TR Í C I A : _ A h , e u q u e r i a .

 LÚ C I O : _ V i r o u p i n g u ç a ?

 P A TR Í C I A ( r i n d o ) : _ P i n g u ç a , e u ?

 LÚ C I O : _ ‘ T o b r i n c a n d o , P a t i !

 P A TR Í C I A : _ A h , e u q u e r i a d a r u m a a n i m a d a , v a m o s
fazer alguma coisa! Vamos pra balada?

 LÚ C I O : _ A g o r a ?

 P A TR Í C I A : _ É ! V a m o s , G a ?

 Escritora:_ Não ouve nada. Continua em outro lugar.

 P A TR Í C I A : _ G a b r i e l !

 G A BR I E L ( c h e g a n d o ) : _ O i ?

 P A TR Í C I A : _ E a í , v a m o s p r a b a l a d a ?

 G A BR I E L : _ A c h o q u e e u n ã o v o u n ã o , P a t i . V o c ê n ã o
vai ficar brava?

 P A TR Í C I A : _ P o r q u ê ?




                                                  55

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                     meios, sem autorização prévia, por escrito, do autor ou da editora.
G A BR I E L : _ N ã o es t o u m u i t o b o m p r a s a i r h o j e .

 LÚ C I O : _ P u t a m e r d a , c a r a ! V a i e n c a n a r c o m o f i l m e d e
novo?

 P A TR Í C I A : _ A q u e l e f i l m e ?

 LÚ C I O : _ É . T e m u m a m u l h e r n o f i l m e q u e c h a m a o
cara pra uma festa e ele não vai, fica em casa. E o
Gabriel fica imitando o filme, sabe? Uma encanação do
cacete.

 G A BR I E L : _ N ã o é q u e e u f i c o e n c a n a d o n o f i l m e ! E u
não estou a fim de sair mesmo. Sei lá. Bebi demais! Não
ia nem conseguir.

 LÚ C I O : _ E s t á b e m , c a r a . V a m o s f i n g i r q u e e s t a m o s n o
filme, Richard. E as vozes? Estão aqui, Richard?

 G A BR I E L : _ P á r a , c a r a . N ã o é i s s o .

 LÚ C I O : _ M r s . D a l l o w a y d i z q u e v a i c o m p r a r a s f l o r e s
ela mesma.

 G A BR I E L : _ L a r g a a m ã o d i s s o .

 P A TR Í C I A : _ V o c ê v i u o f i l m e ?

 LÚ C I O : _ V i d u a s v e z e s n o c i n e m a p o r c a u s a d o s “ p o r
favor, vai comigo” dele.




                                                  56

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P A TR Í C I A : _ V a m o s v e r o f i l m e e n t ã o . E s t o u c u r i o s a
já.

  G A BR I E L : _ A h , n ã o , g e n t e . D e i x a p r a l á .

  P A TR Í C I A : _ E n t ã o v a m o s s a i r !

  G A BR I E L : _ E n t ã o b e l e z a . V a m o s s a i r , u é .

  (Silêncio).

  Escritora:_ Ela percebe alguma coisa, então tenta não
pr e s s i o n a r d e m a i s .

  P A TR Í C I A : _          Gente, deixa então. Vamos ficar aqui e
pronto. Já está ótimo. A gente não é mais adolescente!

  LÚ C I O : _ P e l o j e i t o ; n ã o é ?

  P A TR Í C I A : _ V a m o s c o n v e r s a r . O p a p o j á t a v a ó t i m o
pra quê parar, não é? Então. O que está acontecendo com
você, Ga?

  G A BR I E L ( j á um t a n t o d e s e s p e r a d o ) : _ B o a p e r g u n t a !
Vocês me fazem tantas perguntas difíceis!

  LÚ C I O : _ É q u e é o s e g u i n t e . ( i m p õ e - s e ) O s l a ç o s
d e s p r o p os i t a i s d os a r t i s t a s ! ( P a r a G A B R I E L ) V ê s e n ã o é
meio assim, cara. (Para PATRÍCIA) Eu até já conversei
bastante com ele sobre isso. Esse choque, essa encanação
engrunhida é porque a mãe do cara do filme tratou o filho




                                                    57

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mais ou menos da mesma maneira que a mãe do Gabriel
tratou ele e também tem outras coisas que eles se
parecem, você lembra da mãe do Gabriel?

  P A TR Í C I A : _ L e m b r o .

  E s c r i t o r a : _ G A B R I E L pr e s t a d e d i c a d a a t e n ç ã o . C o m o
L Ú C I O p o d e f a z e r um a c o i s a d e s s a s ? Q u e d om ! Q u e
m er g u l h o ! M as p o r q u a l r a z ã o e l e t e m d e m e h u m i l h a r ?

  LÚ C I O : _        Duas          mães          que         de       jeitos         diferentes
abandonaram o filho. Ao mesmo tempo em que são
bruxas, são santas. E criaram monstros como Richard e
Gabriel. Pode ter deixado eles de lado, mas são eternas
grávidas.

  G A BR I E L         (r i n d o ) : _     Viu        só?       Nem         preciso           pagar
terapeuta! Tenho tudo em casa!

  P A TR Í C I A : _ M as o q u e f o i q u e s u a m ã e f e z q u e t e
deixou tão triste, Ga?

  G A BR I E L : _ E u n e m g os t o m u i t o d e f i c a r f a l a n d o s o b r e
o jeito que fiquei por causa da minha mãe. Me sinto um
idiota. E percebi que me sinto um idiota de tanto que eu
cheguei tarde pra ver como é que eu fiquei por causa
dela. Cheguei tarde demais.

  P A TR Í C I A : _ G a b r i e l , a g e n t e é s e u a m i g o .




                                                  58

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G A BR I E L         (Escritora:_               c om      a     frase        de     PATRÍCIA
ecoando         dentro          da      cabeça.           Ela       está        bêbada?            Ela
r e a l m e n t e q u er s a b e r i s s o ? ) : _ A h , v a m o s c o n t i n u a r a
f a l a r s o b r e as c o i s a s b o a s q u e a g e n t e f a z i a ! P a r a q u ê
lembrar das coisas pessoais, os medos, as paranóias!
Tava tão gostosa nossas memórias de aventuras e o que a
gente aprontava.

  LÚ C I O : _ M as a c o n v e r s a c h e g o u a q u i , c a r a . E f o i p o r
acaso. Acho importante a gente revelar até as coisas mais
í n t i m a s p a r a os a m i g o s d e v e r d a d e . A g e n t e n ã o d e v e p ô r
essa falsidade de voltar aos assuntos felizes se a gente
chegou        n os     assuntos           tristes.         Senão         tudo        parece         tão
mitológico, tão representativo.

  G A BR I E L : _ M a s t e m t a n t a c o i s a . S e e u c o n t a s s e o
porquê que eu acho que pareço com Richard, porquê
minha mãe entra na história, por isso ou por aquilo, é
tudo tão evidente! Eu sou assim do jeito que eu fiquei
hoje por causa de tudo o que aconteceu. E eu fiquei assim
t a m b é m p o r q u e t e n h o e s s a v e l h a s e ns i b i l i d a d e q u e é c o m o
uma doença, entende? Pode parecer tão imbecil, mas uma
das coisas que eu mais lembro foi assim: Meu quarto
tinha um monte de desenhos do espaço, sabe? Até o teto,
cheio de foguetes, planetas, estrelas e astronautas. Eu
sentia que era o meu universo. E eu era o deus daquele




                                                   59

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                      meios, sem autorização prévia, por escrito, do autor ou da editora.
universo. Até que minha mãe resolveu arrancar o papel de
parede e tudo foi pintado de branco. Ela me deu aquele
m u n d o e d e r e p e n t e t u d o es t a v a v a z i o q u a n d o e u c h e g u e i
d a es c o l a . T u d o b r a n c o , f e d e n d o a t i n t a f r e s c a . E u t i v e
que dormir em outro quarto por causa do cheiro e nunca
fiquei tão triste. Como a criança sente essas coisas, não
é? E como isso influencia de outras maneiras, tipo, a
mulher que me emprestou um universo e de repente, sem
consulta, sem razão, por pura vaidade, tira esse universo
de mim.

  Escritora:_             GABRIEL               fica       meio         sério,         p r es t a n d o
a t e n ç ã o n a c o n v e r s a c o m o um a l i e n í g e n a l e n d o o s l á b i o s
p ar a e n t e n d e r c o m o os h um a n o s s ã o as s i m . A f i n a l ,
confiante,         ele      realmente             expôs         coisas         de      seu       mais
intangível interior.

  LÚ C I O : _ A h , e u t a m b é m t i v e c a d a d e c e p ç ã o q u a n d o e u
era criança. Uma vez eu queria fazer uma experiência em
casa e botei fogo no sofá mais adorado da família.
Queimei metade do negócio e chamaram bombeiro, levei
uma porrada do meu pai. Foda, né?

  P A TR Í C I A ( r i n d o ) : _ V o c ê f e z i s s o , L ú ? A i , m e u d e u s . . .
cada uma!

  LÚ C I O : _ E v o c ê , P a t i ?




                                                   60

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                      meios, sem autorização prévia, por escrito, do autor ou da editora.
P A TR Í C I A : _ A h , e u j á a f o g u e i o c a c h o r r o d a m i n h a v ó
na piscina, já perdi na escola a roupinha de festa junina
da minha mãe, putz! Minha mãe sofreu comigo, coitada.

  LÚ C I O ( r i n d o ) : _ N o s s a , c o m o v o c ê f o i l e v a d a , h e i n !

  P A TR Í C I A : _ D es a s t r a d a ! S e m p r e f u i d e s a s t r a d a .

  LÚ C I O : _ É . A s c r i a n ç a s s ã o a s s i m . I m a g i n e q u a n d o a
g e n t e t i v e r n os s o s f i l h o s .

  P A TR Í C I A : _ N e m m e f a l e n i s s o ! M a i s d e s a s t r e s !

  LÚ C I O : _ D es a s t r e s r e c o m p e n s a d o r e s .

  P A TR Í C I A : _ E a f e t i v o s !

  (Riem).

  G A BR I E L (m e t e n d o - s e n o m e i o d a c o n v e r s a ) : _ S e f o r
para eu ter um filho, rezo para que ele nunca seja como
eu sou. Nem como o Richard do filme. E que a mãe do
meu filho não seja nem parecida com a minha nem com a
dele.

  P A TR Í C I A ( r i n d o ) : _ T o m a r a q u e e u n ã o f i q u e c o m o
sua mãe então.

  LÚ C I O ( r i n d o ) : _ P e l o a m o r d e d e u s , h e i n P a t r í c i a !

  G A BR I E L : _ P u x a , c o m o v o c ê s s ã o l e g a i s !

  P A TR Í C I A : _ A h , b r i n c a d e i r a , G a .




                                                    61

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                       meios, sem autorização prévia, por escrito, do autor ou da editora.
LÚ C I O : _ M a s q u e n ã o s e j a m e s m o ! V o c ê q u e r i a q u e a
Pati fosse como sua mãe para o filho dela?

  G A BR I E L : _ C l a r o q u e n ã o .

  P A TR Í C I A : _ G e n t e , v o u n o b a n h e i r o . ( V a i ) .

  E s c r i t o r a : _ S o br a m G A B R I E L e L Ú C IO n a s e n s a ç ã o d e
que a tormenta PATRÍCIA deu uma pausa, esse era o
momento do dia que eles estavam como antes dela
chegar. GABRIEL já sente falta. LÚCIO sente alívio e
p e r c e b e q u e s e c a n s o u . E n ã o s u p or t a m a i s o u v i r o
am i g o .

  G A BR I E L : _ ’ T á v e n d o ? A s m u l h e r e s v i v e m m u i t o m a i s
no passado do que nós. Apegam-se aos lugares; e seus
pais...as mulheres sempre se orgulham de seus pais. Eu
aqui, como uma estátua antiga roída de chuva ácida e ela
lá, com a cabeça no futuro e com a roupa do passado,
como se agora não existisse.

  LÚ C I O : _ M as a g o r a e x i s t e o u t u d o n ã o p a s s a d e u m a
continuação?

  G A BR I E L : _ N ã o s e i .

  LÚ C I O : _ A i , c a r a . J á e s t á m e i o t a r d e . ( l e v a n t a - s e ) . V o u
dormir, que amanhã começa tudo de novo. Você não vai
dormir?




                                                   62

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Eu tenho medo de virginia woolf

  • 1. Ed.2 – 07/agosto/2006 VICTOR STEINBERG MOTTA EU TENHO MEDO DE VIRGINIA WOOLF DRAMA INSPIRADO EM AS HORAS 1 Copyright © 2004 by Victor Steinberg Motta. Todos os direitos autorais reservados e protegidos pela lei 9.610 de 19/02/98. É proibida a reprodução total ou parcial, por quaisquer meios, sem autorização prévia, por escrito, do autor ou da editora.
  • 2. “ Q u a s e o a m or , q u a s e o t r i u n f o e a chama, Quase o principio e o fim – quase a expansão ... M as n a m i n h ' a l m a t u d o s e d e r r a m a . . . Entanto nada foi só ilusão! D e t u d o h o u v e um c o m e ç o . . . e t u d o errou... – Ai a dor de ser-quase (...)” M Á R IO D E S Á - CA R N E I R O “ O t e m p o é um a e s p é c i e d e d ur a ç ã o . Duração significa persistência em existir. O que não tem existência, também não tem duração.” W A L T E R B RU G G E R 2 Copyright © 2004 by Victor Steinberg Motta. Todos os direitos autorais reservados e protegidos pela lei 9.610 de 19/02/98. É proibida a reprodução total ou parcial, por quaisquer meios, sem autorização prévia, por escrito, do autor ou da editora.
  • 3. Esta apresentação foi feita para o leitor apressado, aquele que pula as páginas antecedentes e vai direto ao começo da história. Quando rabisco esta nota, sob o impacto afetivo irredimível das sensações que foram tantas ao presenciar “ A s H o r as ” , c o n s o l a - m e i m a g i n a r o l e i t o r , es p e c t a d o r o u gente do teatro, com o encargo de ver (quem sabe rever) o filme ou ler o livro; o que será de imensa importância antes d e p as s e a r c o m o s o l h o s p o r a q u i . É a o p o r t u n i d a d e d e t e n t a r c o n s e n t i r u m a a b r a n g ê n c i a m a i s n í t i d a d os a s s u n t o s a o s quais me refiro nesta obra quase teatral. Do mesmo, ver o filme ou ler o livro é uma dica muito mais valedora do que s o m e n t e f a z e r e s s a t a r e f a c o m o t r e i n a m e n t o p a r a l e r es t e texto. Eu realmente pus lá em cima “quase teatral”, pois de fato trata-se de uma quase-obra. Uma vez que é teatral por seu formato ser estéticamente encenável, mas não chega a ser algo assim. Na existência de uma categoria extra nos catálogos, algum outro gênero literário, não tenho certeza da palavra que bem encaixaria, mas penso que o mais perto 3 Copyright © 2004 by Victor Steinberg Motta. Todos os direitos autorais reservados e protegidos pela lei 9.610 de 19/02/98. É proibida a reprodução total ou parcial, por quaisquer meios, sem autorização prévia, por escrito, do autor ou da editora.
  • 4. possível, embora ainda afastado, seria alguma coisa em torno do “depoimento de distúrbios sensíveis”. É mais quase-teatro ainda, pois a misteriosa escritora que aparece entre as linhas escreve um romance do qual, não sei exatamente porquê, pode servir como excertos de seu livro apenas como sugestão a leitores ou indicações desses “ d e p o i m e n t o s s e ns í v e i s ” a d i r e t o r e s e a t o r e s , q u e t ê m p l e n a liberdade em fazer com ela o que bem entenderem no caso de uma montagem. Um raro e ameaçador equilíbrio entre dramaturgia e literatura. Entre o óbvio e o complicado, existe apenas uma troca de olhar. E neste existe uma i n s p i r a ç ã o ( “ i n s p i r a d o e m ‘A s h o r a s ’ ” ) , n ã o es t á e s c r i t o d e maneira alguma “Adaptação de ‘As Horas’”, quanto menos “uma peça inspirada em ‘As Horas’”. Mas não deixa de ser um drama, simplesmente por causa das situações. Essas situações que foram não sei como parar na minha cabeça e morreram esticadas em frases no papel. Haviam pensado que “A s Horas” era um livro “inadaptável”. Seu excelente autor, Michael Cunningham, vencedor do prêmio Pulitzer em 1999, fez uma obra inspirada (e que inspiração!) em Mrs. Dalloway, cujo título e r a p a r a s e r , c o g i t o u V i r g í n i a , A s H o r as . O q u e t o r n a , portanto, a obra de Cunningham uma adaptação. Esta, porém, depois de tantos preconceitos, transformou-se num 4 Copyright © 2004 by Victor Steinberg Motta. Todos os direitos autorais reservados e protegidos pela lei 9.610 de 19/02/98. É proibida a reprodução total ou parcial, por quaisquer meios, sem autorização prévia, por escrito, do autor ou da editora.
  • 5. roteiro brilhante e num filme contagioso, incurável, a mim instalou-se como uma cicatriz na alma. O filme, de Stephen Daldry, foi aclamado, es p i r i t u a l i z a d o (com razão!) e indicado a nove prêmios da academia hollywoodiana. Seu roteirista-adaptador, David Hare, fez do filme uma adaptação de uma adaptação. Um trabalho difícil, a narração do livro circunda em pensamentos interiores das personagens; como traduzir isso em cena (cinema)? Hare foi sutil: a interpretação das célebres atrizes faz um contra- ponto entre as palavras profundamente simples e o ponto de vista que a personagem apresenta. Que tipo de pensamento escorre sobre aquele semblante? Presto, encontrava-se corajosamente adaptado. Hare foi vitorioso e ousado. Aqui, fiz tudo errado, de um jeito que se um produtor de cinema lesse, pensaria ser uma piada e uma tremenda perda de tempo. Mas vale perder o tempo com esse livro, que fala sobre o tempo perdido? A f a l h a t a m b é m i n t e r e s s a n a s e s t a n t e s d as l i v r a r i a s ? P o i s nenhum objetivo foi concluído, nem os meus para criar uma peça interessante sobre uma obra que amo tanto, tampouco o d os p e r s o n a g e n s , q u e s ã o t ã o b o n i t o s e c a e m n u m j o g o perigoso. Foi só por amor. E o amor comete umas bobagens! José Saramago comentou sobre a obra “Budapeste” de Chico Buarque: “...ousou muito, escreveu cruzando um 5 Copyright © 2004 by Victor Steinberg Motta. Todos os direitos autorais reservados e protegidos pela lei 9.610 de 19/02/98. É proibida a reprodução total ou parcial, por quaisquer meios, sem autorização prévia, por escrito, do autor ou da editora.
  • 6. abismo sobre um arame e chegou ao outro lado”. No meu caso, se Saramago lesse este quase-coisa, diria, provavelmente: ... ousou muito, escreveu cruzando um abismo sobre um arame e caiu no primeiro passo. Contudo, e m M rs . D a l l o w a y , “ V i r g i n i a W o o l f e s c r e v e u , n a v e r d a d e , a história da crise de um indivíduo, de uma classe, de uma sociedade e a do próprio romance”. Essa quase-peça que temos aqui é , enfim, uma inspiração de um roteiro adaptado de uma adaptação, num título meramente culpado em responder a pergunta de uma outra peça, sucesso em Nova York, de Edward Albee “Quem tem medo de Virginia Woolf?” (que também foi adaptada para cinema!). O que também faz dessa uma peça de título adaptado. O que torna todo esse emaranhado de inspirações adaptadas e uma apresentação espantosa uma peça obviamente fracassada. E, sendo assim, apesar d es s a contradição às expectativas de um leitor e um escritor, o fracasso é a grande vitória desta quase-alguma coisa. Pois aqui se faz uma homenagem a Richard Brown, um escritor que, no fracasso trágico, encontrou heróico triunfo. Porque acho que Virginia sentia uma coisa que eu sinto, q u e q u a l q u e r e s c r i t o r d e c e n t e s e n t e , q u e é a s e ns a ç ã o d e q u e mesmo que o livro pronto, o livro finalizado, saia muito 6 Copyright © 2004 by Victor Steinberg Motta. Todos os direitos autorais reservados e protegidos pela lei 9.610 de 19/02/98. É proibida a reprodução total ou parcial, por quaisquer meios, sem autorização prévia, por escrito, do autor ou da editora.
  • 7. bom, você tinha algo maior em mente. Você ficava circulando por aí com um balão de desenho animado na cabeça no qual está o “livro do amor”, que contém tudo que você sabe e imagina. Esse livro mudará a consciência das pessoas, quando não o mundo real. E mesmo que o livro fique muito bom, é simplesmente um livro. E é impossível n ã o s e s e n t i r d es a p o n t a d o . F i q u e i m u i t o f e l i z a o v e r q u e i s s o transparece quando Richard sente que falhou. Porque artistas falham. Todos falhamos. Nunca fica tão bom quanto v o c ê s a b e q u e p o d e r i a f i c a r . I s s o é p a r t e d o q u e n os m a n t é m escrevendo e às vezes é nossa janela. A sensação de não ter acertado é a parte mais natural e inevitável do processo. É claro que você tinha um livro melhor em mente, você precisa ter. Você precisa tentar ir além daquilo que você faz. Se você tiver algum tipo de controle, alguma saúde mental, saberá minimizar as perdas e pensar: “este livro não ficou tão bom, mas o próximo ficará”. Mas, se você for de natureza muito delicada, poderá encarar sua vida como um fracasso, mesmo que ninguém mais pense assim, mesmo que todos achem que ficou ótimo, você sabe que poderia ter sido u m l i v r o m e l h o r s e v o c ê t i v e s s e s e es f o r ç a d o m a i s , s e concentrado mais, se não tivesse se embebedado naquele sábado e ficado com ressaca, bem no dia em que a grande inspiração teria vindo. Enfim, já disse quase tudo sobre o 7 Copyright © 2004 by Victor Steinberg Motta. Todos os direitos autorais reservados e protegidos pela lei 9.610 de 19/02/98. É proibida a reprodução total ou parcial, por quaisquer meios, sem autorização prévia, por escrito, do autor ou da editora.
  • 8. artista atormentado, mas artistas são atormentados como quase todos. Mas acho que esse é um dos tormentos de que mais sofrem os artistas. Você sabe, mesmo que ninguém mais saiba, você não conseguiu. Não fez o que podia ter feito. O Autor DRAMATIS PERSONAE A Escritora. GABRIEL (1975 - 2002), a princípio, um dramático. Anda sim desesperado, frágil e solitário como alguém desprovido de moradia tanto quanto para um imóvel quanto para as coisas que habitam no eu. Queria ser escritor e tem muita vontade de c o m p r e e n d e r o f i l m e “ A s H o r a s ” . M as é u m d r a m á t i c o , c o m c e r t a ingenuidade. 8 Copyright © 2004 by Victor Steinberg Motta. Todos os direitos autorais reservados e protegidos pela lei 9.610 de 19/02/98. É proibida a reprodução total ou parcial, por quaisquer meios, sem autorização prévia, por escrito, do autor ou da editora.
  • 9. LÚCIO (1974 - ?), observador e analítico, mergulha nas profundezas das pessoas. Mas quando sai, seca-se discreta e rapidamente. PATRÍCIA (1977 - ?), amiga íntima e antiga dos rapazes. Tem u m n a m o r a d o , A N T Ô N IO , q u e es t á m o r a n d o n a E u r o p a . 9 Copyright © 2004 by Victor Steinberg Motta. Todos os direitos autorais reservados e protegidos pela lei 9.610 de 19/02/98. É proibida a reprodução total ou parcial, por quaisquer meios, sem autorização prévia, por escrito, do autor ou da editora.
  • 10. PRÓLOGO Um solo coreográfico de um bailarino. M ús i c a “ M e t a m o r p h os i s # 2 ” , d e P h i l i p G l as s . 10 Copyright © 2004 by Victor Steinberg Motta. Todos os direitos autorais reservados e protegidos pela lei 9.610 de 19/02/98. É proibida a reprodução total ou parcial, por quaisquer meios, sem autorização prévia, por escrito, do autor ou da editora.
  • 11. ATO ÚNICO CENA: 2003. Um apartamento (kitnet ou loft) alugado no centro de São Paulo (como de costume, nublado e frio, acinzentado, subaquático). As três paredes que fecham ( e n c a i x a m ) o es p a ç o c ê n i c o a p ar e n t a m g a s t a s e m a u p i n t a d a s , r as g a d a s , m a n c h a d a s d e f u n g o e b o l h a s , e o pior, quadros incoerentes (não deveriam estar ali j a m a i s ) e s f o r ç a m - s e a s e m a n t e r p e n d u r a d o s , c o m s u as i l u s t r a ç õ e s r i d í c u l a s d e ár v o r e s , p a i s a g e n s e r o s t o s , como se vários m or a d o r e s tivessem habitado lá a n t e r i o r m e n t e , o q u e a p ar e n t a t o d o s e l e s t e r e m s i d o m u i t o i m u n d os , n e g l i g e n c i a n d o o d om i c í l i o . O p i s o é estirado por tapetes atulhados, tapetes distintos, alguns d e s b o t a d o s , o u t r os p e r s a s b e m f a l s o s ( d es a c e r t o s n as e s t a m p as ) , o u t r o s b e m c o l o r i d o s e c h a m a t i v o s , o s c í l i o s melecados de ácaro e acidentes (alguém derrubou cerveja ou deixou cair o cigarro), algo que aumenta b as t a n t e a c a f o n i c e l a m e n t á v e l e a p o d r e c i d a d a q u e l e l u g a r . S o b e s s e p i s o as q u e r o s o , u m r á d i o r o d e a d o p o r c d ´s e l i v r o s , u m s o f á r a s g a d o ( e s p u m a b e g e e m o l a s – 11 Copyright © 2004 by Victor Steinberg Motta. Todos os direitos autorais reservados e protegidos pela lei 9.610 de 19/02/98. É proibida a reprodução total ou parcial, por quaisquer meios, sem autorização prévia, por escrito, do autor ou da editora.
  • 12. anéis bem enferrujados- são evidentes), dois colchões nada profiláticos, uma janela que dá para uma vista (se for puxada a persiana toda enroscada e atrapalhada) f e i a e a p o c a l í p t i c a , um a m e s i n h a d e j a n t a r p a r a d u as pessoas, um banquinho, folhas de jornal, telefone de p ar e d e , p r a t o s e t a l h e r e s s u j o s n a p i a , g a v e t a s , f o g ã o , lixo e, no corredor ao fundo, vê-se somente a porta aberta de um banheirinho que exibe uma cortina de chuveiro gosmenta e sebosa, a outra porta do corredor n u n c a s e r á a b e r t a . H á , n a s a l a , um D VD d o f i l m e “ A S H O R A S ” . T u d o i s s o c o m p o s i ç õ e s es t r a t é g i c a s p ar a t o d o s os c ô m o d o s s e r e m v i s í v e i s n um c a m p o d e v i s ã o g l o b a l d a platéia. (U m a E s c r i t o r a e n t r a , a br e um c a d e r n o e e s cr e v e ) . (G A B R I E L , d e c a l ç a j e a n s , g o r r o e b l u s a d e l ã p o r c a u s a d o f r i o , a br e a p o r t a e e n t r a c o m u m c a r r i n h o d e supermercado bem cheio, com aquelas sacolas plásticas. E s f r e g a as m ã o s , es q u e n t a n d o - a s . L a r g a a s c h a v e s n u m c a n t o e v a i d e p o s i t a n d o as c o m p r as n a m e s i n h a . L i g a u m c d , M e t a m o r p h o s i s # 2 , d e P h i l i p G l a s s . P r o c ur a f i c a r mais à vontade, retirando a blusa, a calça, menos o g or r o e d e i x a c o i s a s c o m o c ar t e i r a e c i g a r r o . V e s t e u m roupão azul e desbotado ilustrado por foguetes, planetas, estrelas e astronautas, algo bem infantil, mas 12 Copyright © 2004 by Victor Steinberg Motta. Todos os direitos autorais reservados e protegidos pela lei 9.610 de 19/02/98. É proibida a reprodução total ou parcial, por quaisquer meios, sem autorização prévia, por escrito, do autor ou da editora.
  • 13. significativo, uma calça de moletom e sapatos Aruba pr e t o s . P õ e - s e a t i r a r o s p r o d u t o s q u e h a v i a c o m p r a d o , um a g a r r a f a d e v i n h o t i n t o , u m l i v r o d e r e c e i t a s e a l g u n s ingredientes gastronômicos como tomate, abóbora, massa, farinha, molhos e carne. O telefone toca. Arruma as s a c o l a s n u m m o n t i n h o e v ê - s e s a t i s f e i t o . O t e l e f o n e insiste). G A BR I E L ( a o t e l e f o n e ) : _ A l ô . O i . . . S i m , es t o u e m casa. Até mais. (desliga). ( A c e n d e u m c i g a r r o , a b r e o v i d r o d a j a n e l a e p ár a a f i m d e r e f l e t i r . D á u n s t r a g os , d e i x a o c i g a r r o n a b o c a , t i r a o montinho de sacolas, amassa tudo e enfia no carrinho de c o m p r as , abandonando o mesmo n um canto da c o z i n h a . D á m a i s u n s t r a g o s p ar a s a b e r o q u e f a z e r c o m os i n g r e d i e n t e s s o b r e a m e s a . P e g a o l i v r o d e r e c e i t a s . L ê , d a n d o a l g u n s t r a g os ) . Escritora:_ A vida toda num só dia. (LÚCIO entra, abrindo a porta do apartamento. Está c a r r e g a n d o – um t a n t o q u e c o m d i f i c u l d a d e , a f i n a l e s t á s em c a r r i n h o - u m m o n t e d e s a c o l a s d e s u p e r m e r c a d o ) . 13 Copyright © 2004 by Victor Steinberg Motta. Todos os direitos autorais reservados e protegidos pela lei 9.610 de 19/02/98. É proibida a reprodução total ou parcial, por quaisquer meios, sem autorização prévia, por escrito, do autor ou da editora.
  • 14. LÚ C I O : _ G a b r i e l . G a b r i e l ? G a b r i e l ! (Silêncio). LÚ C I O : _ R i c h a r d ? G A BR I E L ( p á r a d e e s c r e v e r ) : _ O i . LÚ C I O : _ C o m o v a i ? H o j e a c h o u a l g u m a c o i s a ? G A BR I E L : _ N a d a . N e m d e u t e m p o d e p r o c u r a r . LÚCIO: _ Meu, olha que saco! O carrinho de supermercado sumiu da garagem, eu tive que carregar t u d o i s s o . . . ( n o t a q u e o c a r r i n h o e a s c o m pr a s e s t ã o n o a p ar t a m e n t o ) . M a s o q u e é i s s o ? G A BR I E L : _ Is s o o q u ê ? LÚ C I O : _ V o c ê s a i u ? G A BR I E L : _ A h ! E u f i z a s c o m p r a s . E s t o u q u e r e n d o fazer um jantar. LÙ C I O : _ P o r r a , c a r a ! E u f a l e i q u e i a f a z e r a s c o m p r a s hoje! Depois você fala que eu gasto dinheiro à toa. G A BR I E L : _ E g a s t a m e s m o . N ã o a p r e n d e n u n c a . (LÚCIO vai guardando as c o m pr a s que carrega e n q u a n t o o b s er v a a s c o m p r a s d o c o l e g a , q u e fica s e n t a d o n u m s o f á a p e n a s p ar a l h e e s c u t a r , a n o t a n d o ) . 14 Copyright © 2004 by Victor Steinberg Motta. Todos os direitos autorais reservados e protegidos pela lei 9.610 de 19/02/98. É proibida a reprodução total ou parcial, por quaisquer meios, sem autorização prévia, por escrito, do autor ou da editora.
  • 15. Escritora: _ Ele está sendo agora interrompido por tudo. LÚ C I O : _ M as v o c ê s a i u , v o c ê n u n c a s a i . G A BR I E L : _ S a í , s a í s i m . O q u e é a g o r a ? N ã o p o s s o ? LÚ C I O : _ C l a r o q u e p o d e , n ã o é i s s o . É q u e v o c ê n u n c a s a i . A c h e i es t r a n h o . Q u e h i s t ó r i a d e j a n t a r é es s a ? N o s s a , gruyére! G A BR I E L : _ E u i a f a z e r u m a s u r p r es a . A P a t r í c i a n ã o vem aqui hoje? Então, comprei até vinho. LÚ C I O : _ C o m q u e d i n h e i r o ? G A BR I E L : _ O m e u ! E u t a m b é m t e n h o d i n h e i r o j á s e esqueceu? (Pausa). LÚ C I O : _ M e u D e u s ! E s s e v i n h o é c a r o p r a c a c e t e . Q u e é que deu em você hoje, hein? G A BR I E L : _ P ô , c a r a . E u n ã o t e n h o e m p r e g a d a n e m c o z i n h e i r a p a r a f a z e r u m j a n t a r . E n os s a a m i g a e s t á v i n d o aí. LÚ C I O : _ V o c ê n ã o t e m e m p r e g a d a p o r q u e n ã o q u e r . Podia muito bem morar em outro lugar, mas não, fica trancado nesse estrupício por causa de um filme! Ainda 15 Copyright © 2004 by Victor Steinberg Motta. Todos os direitos autorais reservados e protegidos pela lei 9.610 de 19/02/98. É proibida a reprodução total ou parcial, por quaisquer meios, sem autorização prévia, por escrito, do autor ou da editora.
  • 16. bem que você tem um amigo. Nem sei porque fico te visitando. Tortelli, abóbora! Você quer abrir um restaurante? G A BR I E L : _ Q u e r i a e s c r e v e r . V o c ê s a b e d e a l g u m lugar que venda inspiração? Cacei hoje o dia inteiro e não achei. Depois dizem que São Paulo tem tudo. LÚ C I O : _ C o m o v o c ê s e v i r o u l á f o r a ? G A BR I E L : _ S e i e x a t a m e n t e o q u e f a z e r l á f o r a , n ã o s e preocupe. LÚ C I O : _ A P a t r í c i a l i g o u ? G A BR I E L : _ A i n d a n ã o . S e r á q u e e l a v e m m e s m o ? LÚ C I O : _ S e i l á . P o r q u e v o c ê q u e r f a z e r u m j a n t a r , hein? G A BR I E L : _ M e d e u n a t e l h a . LÚ C I O : _ N ã o é p e l a P a t r í c i a ? G A BR I E L : _ T a m b é m , n ã o s e i . P o d e s e r . LÚ C I O : _ V o c ê s ó e s c u t a e s s a m ú s i c a ! É t ã o c h a t o ! (Vai ao rádio e desliga a música). 16 Copyright © 2004 by Victor Steinberg Motta. Todos os direitos autorais reservados e protegidos pela lei 9.610 de 19/02/98. É proibida a reprodução total ou parcial, por quaisquer meios, sem autorização prévia, por escrito, do autor ou da editora.
  • 17. E s c r i t o r a : _ o q u e f a z e m c o m a m ús i c a d e l e ? O q u e fazem com ele? G A BR I E L : _ M e f a z b e m . E u a c h o b o n i t o . É m ú s i c a d e ficar em casa e pensar sobre lá fora, entende? LÙ C I O : _ Q u e h o r as v o c ê f o i a o s u p e r m e r c a d o ? G A BR I E L : _ Fui bem cedo, fiquei o dia inteiro inventando coisas para o jantar. Porque você não me ajuda? Comprei livro de receitas, tem um prato delicioso, esse com abóbora; e a sobremesa é formidável... LÚ C I O : _ E u j á c o m i . G A BR I E L : _ J á c o m e u ? Q u e m a n c a d a ! LÚ C I O : _ C o m o é q u e e u i a s a b e r ? D es c u l p a . G A BR I E L : _ N ã o , t u d o b e m . A g o r a j á f o i . LÙ C I O : _ M as e u t o m o u m v i n h o c o m v o c ê s . G A BR I E L : _ E s t á b e m . P e l o m e n o s i s s o . LÙ C I O : _ U m j a n t a r n a s u a c a s a . V o c ê n u n c a f o i d i s s o ! G A BR I E L : _ E v o c ê n u n c a f o i d e f i c a r r e c l a m a n d o tanto. LÚ C I O : _ S ó e s t o u s e n d o s i n c e r o . F o i m u i t o e s t r a n h o chegar aqui e ver que você tinha saído. Como uma surpresa, sabe? É como chegar em casa e ver um móvel 17 Copyright © 2004 by Victor Steinberg Motta. Todos os direitos autorais reservados e protegidos pela lei 9.610 de 19/02/98. É proibida a reprodução total ou parcial, por quaisquer meios, sem autorização prévia, por escrito, do autor ou da editora.
  • 18. novo, que você nem sabe como foi parar lá. Isso faz você ficar questionando. G A BR I E L : _ S u r p r e s a ! LÚ C I O ( V ê o D V D d o f i l m e A s H o r as ) : _ Ah, você comprou o filme! G A BR I E L : _ É . C h e g o u o n t e m . J á as s i s t i u m a s d u a s vezes. LÚ C I O : _ E o j o r n a l ? N ã o a c h o u n a d a m e s m o ? G A BR I E L : _ N ã o . ( l e v a n t a - s e ) . N a d a q u e s e r v i s s e . LÚ C I O : _ V a i t r a b a l h a r ! F i c a a í c o m o u m i d i o t a , p a r e c e um velho ranzinza. G A BR I E L : _ N ã o d á p a r a a c r e d i t a r q u e v o c ê a i n d a n ã o p os s a t e r m e e n t e n d i d o . S e r á t ã o d i f í c i l ? LÚ C I O : _ N ã o é a s s i m . N ã o é a s s i m m e s m o . G A BR I E L : _ N ã o é a s s i m m a s é a s s i m s i m ! F a l a a í : Então porque quem me conhece pela primeira vez se incomoda? LÚ C I O : _ Q u e m f i c a i n c o m o d a d o ? G A BR I E L : _ T o d o m u n d o ! T e m s e m p r e a l g u é m q u e e u vejo pela primeira vez, conversa um pouco e me chama 18 Copyright © 2004 by Victor Steinberg Motta. Todos os direitos autorais reservados e protegidos pela lei 9.610 de 19/02/98. É proibida a reprodução total ou parcial, por quaisquer meios, sem autorização prévia, por escrito, do autor ou da editora.
  • 19. para um cantinho: “posso falar com você? Vou ser bem sincera. Você é diferente e isso me irrita”. LÚ C I O : _ M e n t i r a ! Q u e m f e z i s s o ? G A BR I E L : _ É o q u e s i n t o . É i s s o . É o q u e s i n t o . N ã o s o u e u q u e m q u e r q u e e u s e j a as s i m . LÚ C I O : _ V o c ê p o d e m u d a r . P a r e c e u m e s t ú p i d o . O l h a para o espelho. Pensa que você no espelho é uma pintura. Retoque. G A BR I E L : _ A c a b o u a t i n t a e n ã o f a b r i c a m m a i s . V o u ver a receita. LÚ C I O : _ V o c ê c o n s e g u e m e d e i x a r t e n s o . S ó v o c ê . M as q u e p o r r a ! G A BR I E L : _ V o c ê é q u e v e m a q u i p o r q u e q u e r . LÚ C I O : _ V o c ê d e v i a e r a s e r a g r a d e c i d o . V e n h o p o r q u e você é meu amigo. To fazendo até as compras de supermercado pra você! G A BR I E L : _ V e m p o r q u e s o u u m ó t i m o o b j e t o d e análise. O paciente cdf dos psiquiatras. LÚ C I O : _ A h , c a r a . P á r a c o m i s s o ! D e i x a e u l e v a r i s s o pra lá. (Segura o carrinho e sai). 19 Copyright © 2004 by Victor Steinberg Motta. Todos os direitos autorais reservados e protegidos pela lei 9.610 de 19/02/98. É proibida a reprodução total ou parcial, por quaisquer meios, sem autorização prévia, por escrito, do autor ou da editora.
  • 20. G A BR I E L (s e n t i n d o - s e c u l p a d o ) : _ E s q u e c i q u e v o c ê faria compras hoje. LÚ C I O : _ ( f o r a d e c e n a ) . N ã o d i s s e ? G A BR I E L : _ E s t o u c o m a c a b e ç a f o r a d o e i x o . E s q u e ç o que existe vida pra viver nesse planeta e fico divagando na minha imaginação. Acho que o único espaço que vou ter sempre é o que está de baixo da minha pele. Se eu pudesse virar do avesso e viver sempre no meu mundo eu seria bem mais feliz, você não acha? LÚ C I O : _ V a i v i v e r , a m i g o ! V o c ê v a i v e r c o m o é b o m . Depois, se não for, você se lamenta com o pé na cova. G A BR I E L : _ E u s e m p r e v o u m o r r e r i n c o m p l e t o , L ú c i o . Eu sou a escultura mal feita, o poema hermético, a obra incoerente, o esboço do quadro. LÚ C I O : _ V o c ê t e m a r t e n a v e i a e f i c a f a l a n d o , vomitando, despejando arte toda hora. Você aí, sozinho, recluso, só te fortalece como artista. Você está se preparando, parece. Um dia vai explodir. G A BR I E L ( r i n d o ) : _ Você vem aqui na minha casa e tira umas conclusões! 20 Copyright © 2004 by Victor Steinberg Motta. Todos os direitos autorais reservados e protegidos pela lei 9.610 de 19/02/98. É proibida a reprodução total ou parcial, por quaisquer meios, sem autorização prévia, por escrito, do autor ou da editora.
  • 21. LÚ C I O : _ Você não sabe como vai ser amanhã. N i n g u é m s a b e . V o c ê s a i u h o j e . Is s o é d i f e r e n t e . O n t e m você nem abria a janela. Olha que diferença. G A BR I E L : _ N ã o é n ã o . N ã o é . LÚ C I O : _ A í , t á v e n d o ? S u a s p a l a v r a s , i m p o s t a d a s desse jeito, é como uma vitamina. Você nem pode perceber, mas está se nutrindo. Assim é que você irá se formar. E eu sei que esse dia vai surgir numa surpresa e você vai notar como sua idiotice era inútil. G A BR I E L : _ A c h a q u e s o u i d i o t a ? LÚ C I O : _ N ã o d e v o t e r d i t o n a d a q u e p u d e s s e t e m o v e r , não é? G A BR I E L : _ N ã o , e s p e r a . S a b e q u e o q u e v o c ê d i s s e é m u i t o i m p o r t a n t e . M o v e u s i m . D es c u l p a . LÚ C I O : _ E s p e r o u m d i a d i z e r p a l a v r a s q u e t e m o v a m daí de verdade. Palavras que lhe levantasse. G A BR I E L : _ Você é amigo. Meu amigo mesmo. Obrigado, amigo. Obrigado por me aceitar. Sou mal agradecido. LÚ C I O : _ V o c ê n ã o e s t á c o m f o m e ? E u p o s s o a j u d a r . . . G A BR I E L : _ E s p e r e , o l h a e s s e p o e m a q u e e u l i h o j e n o jornal! James Merril. Já ouviu falar? 21 Copyright © 2004 by Victor Steinberg Motta. Todos os direitos autorais reservados e protegidos pela lei 9.610 de 19/02/98. É proibida a reprodução total ou parcial, por quaisquer meios, sem autorização prévia, por escrito, do autor ou da editora.
  • 22. (Pega um jornal). LÚ C I O : _ N ã o . . . G A BR I E L (lendo): _ Olha que maravilha! “…Ela e s c o l h e u p es c a r , p e s c a r u s a n d o c o m o i s c a a m i n h a v i d a , esperando qual o suspense para a dor inevitável de me engolir onde eu agarro sua água. E, de fato, o r e c o n h e c i m e n t o c o m o l h o s d e f ó s f o r o es c o r r e g a d e v a g a r dentro de minhas profundidades”. Legal, né? LÚ C I O : _ L e g a l . (Silêncio. Entreolham-se). G A BR I E L (rindo):_ Como você adora analisar os outros! Você faz de todos uns quadros numa exposição. Sou o seu quadro preferido, fala aí. LU C I O : _ É o m e u t r a b a l h o . (Silêncio). LÚ C I O : _ P o r q u e t e d e u v o n t a d e d e f a z e r e s s e j a n t a r ? É o filme? (Silêncio). E s c r i t o r a : _ D e s c o b r i r am - m e ! E s a b e m t u d o s o b r e m i m ! G A BR I E L _ S i m . É o f i l m e s i m . (Pega o DVD do filme “As Horas”). 22 Copyright © 2004 by Victor Steinberg Motta. Todos os direitos autorais reservados e protegidos pela lei 9.610 de 19/02/98. É proibida a reprodução total ou parcial, por quaisquer meios, sem autorização prévia, por escrito, do autor ou da editora.
  • 23. G A BR I E L : _ É e s s a m a r a v i l h a q u e e s t á m e d e i x a n d o louco. LU C I O : _ M e u D e u s , G a b r i e l . O q u e e s t á a c o n t e c e n d o ? G A BR I E L : _ E u q u e r i a s a b e r . E u b e m q u e q u e r i a ! E s c r i t o r a : E s t o u m e i o q u e m e t r a ns f o r m a n d o n o f i l m e . N e m n o f i l m e e m s i , m a s n o l i v r o , n a t r i l h a s o n or a , n o conteúdo! E s t o u d e i x a n d o d e s e r p ar a v i v e r n o f i l m e . Aquele poeta... É como se ele tivesse se jogado da s a c a d a e c a í s s e d e n t r o d e m im . E u , q u e t ã o v u l n e r á v e l estava sendo, fui sugado pelo personagem. Eu queria ser ele. E até digo que quero ser ele do modo que eu imagino que ele diria. E não saio disso, acabo sendo um f r a c a s s a d o . E p or e l e t a m b é m s er um f r a c a s s a d o , o u p e l o m e n os s e c o n s i d e r a r u m , s i n t o - m e v i t o r i o s o e m f r a c as s a r como ele. LÚ C I O : _ O c a r a é u m g a y v e l h o e a i d é t i c o q u e s e m a t a . P e ns a a s s i m e e s q u e c e t u d o . E s q u e c e . G A BR I E L : _ Virginia Woolf mesma disse que ficar louco é bem melhor que ser normal, você pensa em coisas q u e n u n c a q u e os n o r m a i s d a r i a m c o n t a d e p e n s a r . E e u não sei o que é. É um sentimento... LÚ C I O : _ Is s o , f a l a . . . 23 Copyright © 2004 by Victor Steinberg Motta. Todos os direitos autorais reservados e protegidos pela lei 9.610 de 19/02/98. É proibida a reprodução total ou parcial, por quaisquer meios, sem autorização prévia, por escrito, do autor ou da editora.
  • 24. G A BR I E L : _ É a q u e l e s e n t i m e n t o a i n d a . A s e n s a ç ã o , a maneira, o jeito que as coisas estão fazendo, essa perda d os s e n t i m e n t o s . E o i n t e r e s s a n t e é q u e p a r e c e q u e o único sentimento que sobrou é o dessa sensação de que t o d o s os s e n t i m e n t o s f o r a m e s q u e c i d o s . LU C I O : _ Q u a n d o v o c ê f a l a e s s a s c o i s a s , é c o m o s e e u deixasse de existir. Ou melhor, existo em outro lugar, bem longe daqui. Eu não sei se isso que você está falando vem de você mesmo, você, Gabriel, não Richard, o Gabriel, meu amigo de infância, ou você do jeito que v o c ê q u e r i a s e r , s e r d o f i l m e , f a l a n d o as m e s m a s c o i s a s do filme. Não dá. Eu não sou bom o bastante pra te compreender. G A BR I E L : _ E n t ã o o q u e v o c ê e s t á f a z e n d o a q u i ? LU C I O : _ E u e s t o u a q u i , t e n h o c é r e b r o e c o r p o . E u f u i um feto também. G A BR I E L : _ E u q u e r i a t e r n a s c i d o m u d o e s u r d o . LU C I O : _ O u d o a v e s s o ? G A BR I E L : _ O u d o a v e s s o . . . M a s q u e e s t r a n h o . E n t ã o porque será que somos amigos há tanto tempo se não existe nenhuma coisa a ver? 24 Copyright © 2004 by Victor Steinberg Motta. Todos os direitos autorais reservados e protegidos pela lei 9.610 de 19/02/98. É proibida a reprodução total ou parcial, por quaisquer meios, sem autorização prévia, por escrito, do autor ou da editora.
  • 25. LU C I O : _ Talvez por uma questão de formalidade. Talvez por sermos vitimas de máscaras sociais. Talvez porque eu te entendo e você gosta de ser entendido,mesmo que seja da minha maneira, por alguém. É confuso. G A BR I E L : _ D a n e - s e s e é c o n f u s o . P o d e s e r c o n f u s o p a r a u m a e s p e c i e z i n h a d e s e r e s e v o l u í d o s d e p o i s d os macacos. O que a gente já nasce tendo, que é idêntico o que também já tem os animais, é muito melhor do que saber alguma coisa. LU C I O : _ E s t a m o s v i v e n d o e f a l a n d o s o b r e a v i d a . É como se a gente não existisse. G A BR I E L : _ N o i t e a p ó s n o i t e , d e i t o e d u r m o o u v i n d o a trilha sonora.Visto-me como o aidético do filme, gosto de ser doente? Por acaso sou sadomasoquista e gosto do que é deprimente? LU C I O : _ A í , t á v e n d o ? N ã o s e i s e a g o r a e u r e a j o c o m o uma platéia aplaudindo de pé ou tento acreditar que esse é você falando. G A BR I E L : _ E u t a m b é m . LU C I O : _ C o m o a s s i m , “ e u t a m b é m ” ? O q u e v o c ê e s t á falando? 25 Copyright © 2004 by Victor Steinberg Motta. Todos os direitos autorais reservados e protegidos pela lei 9.610 de 19/02/98. É proibida a reprodução total ou parcial, por quaisquer meios, sem autorização prévia, por escrito, do autor ou da editora.
  • 26. G A BR I E L : _ E u e s t o u f a l a n d o e e s s a é m i n h a v o z , p u x a vida. Então sou eu, não sou? LU C I O : _ N ã o s e i ! (Silêncio. GABRIEL volta a colocar Metamorphosis. A d u p l a g u a r d a a s e g u n d a c o m pr a n o s d e v i d o s l u g a r e s . Alguns produtos de limpeza, desinfetante, esponja de a ç o , d e t e r g e n t e , c â n d i d a , s a b ã o e m p ó , os q u a i s e n f i a n um a r m ar i n h o debaixo do fogão. Depois alguns pr o d u t o s d e h i g i e n e , p a s t a d e d e n t e , p a p e l h i g i ê n i c o e sabonete, p os t o s atrás no ar m a r i n h o - e s p e l h o do b a n h e i r o . T u d o p ar e c e e s t a r o r g a n i z a d o , a p e s a r d e q u e a m á x i m a or g a n i z a ç ã o n a q u e l e a p a r t a m e n t o a i n d a é u m a bagunça. LÚCIO entra no banheiro e se fecha. GABRIEL ar r u m a a m es a d o j a n t a r d o j e i t o q u e q u e r i a . E s t i c a u m a b o a t o a l h a , b o t a t a ç a s , t a l h e r e s , g u a r d a n a p os d e p a n o , pr a t o s b o n i t o s e a g a r r a f a d e v i n h o . L ê a r e c e i t a novamente). G A BR I E L : _ Eu comprei duas garrafas de vinho. Enquanto a Pati não chega a gente pode ir tomando... ( a l c a n ç a a g ar r a f a n a c o z i n h a ) LU C I O : _ P o d e s e r . Q u e h o r a s s ã o ? G A BR I E L ( c a ç a n d o um a b r i d o r ) : _ O q u ê ? 26 Copyright © 2004 by Victor Steinberg Motta. Todos os direitos autorais reservados e protegidos pela lei 9.610 de 19/02/98. É proibida a reprodução total ou parcial, por quaisquer meios, sem autorização prévia, por escrito, do autor ou da editora.
  • 27. LU C I O : _ A s h o r a s ! G A BR I E L : _ S i m , o q u e é q u e t e m ? LU C I O : _ Q u a i s s ã o a s h o r a s ? G A BR I E L : _ Ah! Desculpa. (Recompõe-se). Seis e quinze. LU C I O ( d a n d o a d e s c a r g a , u s a n d o a p i a , s a i n d o d o banheiro com uma roupa mais a vontade. Uma roupa g os t o s a d e f i c a r e m c a s a ) : _ S e r á q u e a P a t i v e m m e s m o ? Não sei não, hein. G A BR I E L ( A p ó s a c h a r um a b r i d o r e i n i c i a r a a b e r t u r a do vinho):_ Tem que vir, né. Fiz tudo isso por ela. LÚ C I O : _ O u p o r v o c ê ? G A BR I E L ( r e t i r a n d o a r o l h a ) : _ A h , s e i l á . P e g a a s taças ali na mesa. ( L U C I O p e g a , d e i x a n d o - a s pr o n t a s p a r a G A B R I E L e desliga a música. Serve-se o vinho). G A BR I E L ( p r o v a n d o ) : _ D e l í c i a . LU C I O ( p r o v a n d o ) : _ M u i t o b o m . (Silêncio). LÚ C I O : _ A i , e s s a m ú s i c a ! 27 Copyright © 2004 by Victor Steinberg Motta. Todos os direitos autorais reservados e protegidos pela lei 9.610 de 19/02/98. É proibida a reprodução total ou parcial, por quaisquer meios, sem autorização prévia, por escrito, do autor ou da editora.
  • 28. G A BR I E L : _ E d a í ? (r e f l e t e ) . E s t á b e m . (G A B R I E L i n s t a l a u m f o n e d e o u v i d o p a r a o u v i r a música). LÚ C I O : _ N a d a d á c e r t o . N a d a d á c e r t o ! G A BR I E L : _ O q u ê ? LÚ C I O : _ P á r a d e e s c u t a r e s s a m ú s i c a u m p o u c o ! E u estou te fazendo uma visita! (G A B R I E L t i r a o s f o n e s e s e n t a - s e à m e s a c o m o am i g o ) . E s c r i t o r a : É e l e a m ú s i c a . É d e l e e s s a m as s a d e p e l e c h e i a d e s u l c o s q u e é a m ã o . É u m a m as s a d e p e l e c h e i a de sulcos essa música. Quando não há mais música ele t e m u m g é l i d o n a d a , um n a d a a b e r r a ç ã o q u e f i c a l h e mostrando que ele não é uma coisa nem outra. G A BR I E L : _ E a í ? C o m o f o i h o j e ? LU C I O : _ A h , a m e s m a c o i s a d e s e m p r e . N a d a d e m a i s . G A BR I E L : _ C e r t o . ( P e g a u m c i g a r r o n o m a ç o ) . Q u e r ? LU C I O : _ D á u m a í . ( F u m am . S i l ê n c i o . A l t e r n a m e n t r e b e b e r e f u m a r . N e m se olham). G A BR I E L ( r i n d o ) : _ Q u e e n g r a ç a d o , n ã o é ? 28 Copyright © 2004 by Victor Steinberg Motta. Todos os direitos autorais reservados e protegidos pela lei 9.610 de 19/02/98. É proibida a reprodução total ou parcial, por quaisquer meios, sem autorização prévia, por escrito, do autor ou da editora.
  • 29. LU C I O ( q u e r e n d o r i r ) : _ O q u ê ? G A BR I E L : _ E s s a s c o i s a s t o d a s . LU C I O ( c o m u m a r i s a d i n h a s o l u ç a n t e ) : _ P o i s é . G A BR I E L : _ E u c o m p r e i t u d o i s s o e n e m s e i c o z i n h a r . LU C I O : _ E u s e i f a z e r o d e s e m p r e . D e i x a e u d a r u m a olhada (pega o livro de receitas). Tortelli di Zucca. Ah! Esse que vai abóbora... G A BR I E L : _ Is s o . A c h e i s i m p l e s e s o f i s t i c a d o . M a s , mesmo assim, não sei nem o que fazer com a abóbora... LU C I O ( l e n d o ) : _ E u c o n s i g o f a z e r a m a s s a , m a s e s s e recheio, vai saber... G A BR I E L : _ E u a t é t i n h a p e n s a d o q u e v o c ê s a b i a . LU C I O : _ E u s e i . V o c ê n u n c a c o z i n h o u n a v i d a . E u tinha pensado até que você comprou tudo pronto. Ou comida congelada. G A BR I E L : _ E u q u i s f a z e r t u d o e m c a s a . LU C I O : _ E s s e é s e u m a l . T u d o e m c a s a . S e m p r e t u d o em casa. G A BR I E L : _ A i , m e u D e u s . O l h a , e u . . . ( d e s i s t e ) . E s c r i t o r a : _ M a s e s s e é o ú n i c o l u g a r q u e e u p o s s o s er quem quero. 29 Copyright © 2004 by Victor Steinberg Motta. Todos os direitos autorais reservados e protegidos pela lei 9.610 de 19/02/98. É proibida a reprodução total ou parcial, por quaisquer meios, sem autorização prévia, por escrito, do autor ou da editora.
  • 30. LU C I O ( i g n o r a n d o ) : _ É . (G A B R I E L s e l e v a n t a e j o g a t o d a a c om i d a q u e c o m p r o u no lixo). LU C I O : _ O q u e é i s s o ? O q u e v o c ê e s t á f a z e n d o ? P u t a merda! O que você está fazendo!? G A BR I E L : _ E l a n ã o v e m m a i s . LU C I O : _ E d a í , c a r a ? E s e e l a v i e r ? E m e s m o q u e e l a não viesse, por favor! Que é isso, meu. Isso não é coisa de gente normal não. G A BR I E L ( r i n d o ) : _ M as é q u e n o f i l m e . . . LU C I O : _ V o c ê ‘ t á l o u c o c a r a ! ( r i f a l s a m e n t e ) J o g a r a comida fora? Isso é pecado, meu! Porra, acorda, cara! Is s o d a q u i é a r e a l i d a d e , a q u i l o é u m f i l m e , p o r r a ! A g o r a você vai querer se fantasiar de Meryl Streep, puta que p a r i u ! T e m g e n t e p a s s a n d o f o m e n es s e m u n d o e v o c ê compra comida pra jogar fora por causa de um filme? Pelo amor de Deus! Você ‘tá precisando de um terapeuta, sei lá! (G A B R I E L r i . T o c a o i n t e r f o n e ) . G A BR I E L : _ S e r á q u e é e l a ? 30 Copyright © 2004 by Victor Steinberg Motta. Todos os direitos autorais reservados e protegidos pela lei 9.610 de 19/02/98. É proibida a reprodução total ou parcial, por quaisquer meios, sem autorização prévia, por escrito, do autor ou da editora.
  • 31. LU C I O : _ E u n ã o f a l e i ? ( V a i a o i n t e r f o n e ) . A g o r a e l a chegou e não tem mais comida... (atende o interfone) Pronto. Oi, pode subir. Obrigado. G A BR I E L : _ É e l a ? LU C I O ( e m b u r r a d o ) : _ E s t á s u b i n d o a í . (G A B R I E L c o r r e p a r a o a r m á r i o , t i r a o g o r r o , a j e i t a o c a b e l o , t i r a o r o u p ã o e v e s t e um a c a m i s e t a ) . Escritora: _ Precisa ser trivial e deixar passar o personagem um instante. Quando alguém chega como Patrícia, não pode ficar sendo o que é ou o que quer ser. Tenho medo de a s s o m b r ar alguma pessoa com sua monstruosidade - que não tem nenhuma evidência. G A BR I E L : _ N o s s a , m e u d e u s , q u a n t o t e m p o ! S e r á q u e ela está muito diferente? LU C I O : _ V a m o s v e r . G A BR I E L : _ N o s s a . V a m o s v e r a c a r a d e l a d e m u l h e r agora. LU C I O : _ É m e s m o . E l a j á e s t á c o m v i n t e e o i t o ! G A BR I E L : _ O q u e s e r á q u e e s t a v i n d o a i , h e i n L u c i o ? O que será que está subindo esse elevador? Eu estou com uma sensação estranha... 31 Copyright © 2004 by Victor Steinberg Motta. Todos os direitos autorais reservados e protegidos pela lei 9.610 de 19/02/98. É proibida a reprodução total ou parcial, por quaisquer meios, sem autorização prévia, por escrito, do autor ou da editora.
  • 32. LU C I O : _ E u n ã o s e i . N ã o s e i m e s m o . ( T o c a a c a m p a i n h a . G A B R I E L c o r r e , a br e a p or t a . PATRICIA entra, agasalhada e com flores). P A TR I C I A : _ Oi, Ga... (abraça GABRIEL). Quanto t e m p o . ( V ê L Ú C IO ) . L ú c i o ! ( c o r r e e o a b r a ç a ) . E a í ? Q u e saudades! LU C I O : _ O l á , P a t i ! T u d o b o m ? P A TR I C I A : _ T u d o b o m . E a í , g e n t e ? E a s n o v i d a d e s ? LU C I O : _ V o c ê n ã o m u d o u n a d a ! G A BR I E L : _ M u d o u s i m ! Q u e m d i r i a v o c ê t r a z e n d o flores. P A TR I C I A ( v a i s e a c o m o d a n d o , d e i x a n d o o c as a c o n o s o f á e g u a r d a n d o as f l o r e s ) : _ A h , e u t r o u x e , G a . . . G A BR I E L : _ S ã o m u i t o l i n d a s . E u n ã o e s p e r a v a i s s o d e você mas nunca. E s c r i t o r a : _ E l a pr e c i s a f a l a r a l g u m a c o i s a p a r a n ã o ficar quieta e dar uma imagem de p er t u r b a d a e c o m p l e x a , u m a i m a g e m q u e n e n h u m a m o ç a q u e r p as s a r . As moças querem apenas ser moças e sentir na vida todos os e l o g i o s q u e r e c e b e m um a m o ç a n o s e n t i d o t ã o p u r o e lindo que se tem quando alguém diz “uma moça”. Ao 32 Copyright © 2004 by Victor Steinberg Motta. Todos os direitos autorais reservados e protegidos pela lei 9.610 de 19/02/98. É proibida a reprodução total ou parcial, por quaisquer meios, sem autorização prévia, por escrito, do autor ou da editora.
  • 33. d i z e r “ u m a m o ç a ” a f r as e j á t e m u m a p a r t e i m p o r t a n t e de beleza. P A TR I C I A : _ A i , G a ! por quê? (olha para LUCIO). Onde tem um vaso? LÚ C I O ( t o m a n d o a s f l o r e s ) : _ D á a q u i . ( pr o c u r a u m v a s o , a c h a , c o l o c a um p o u c o d ´ á g u a e a s f l o r e s ) . G A BR I E L : _ Não esperava esse romantismo seu. Você nunca foi disso. Sempre trazendo a si mesma como presente para qualquer um. P A TR I C I A ( E s c r i t o r a : . . . r e pr e s e n t a n d o . . . ) : _ Ga, eu sempre fui romântica. LU C I O : _ B o m , e a í ? V o c ê v e i o d e c a r r o ? Escritora: Ele quis romper essa discussão antes de tudo vir a explodir. P A TR I C I A : _ E u v i m . N o s s a , G a b r i e l , e u j u r a v a q u e seu apartamento não ia ser assim. Escritora:_ Patrícia percebe que tem o maior ar r e p e n d i m e n t o imaginável em ter entrado nesse a p ar t a m e n t o . G A BR I E L : _ F e i n h o , n é ? M as s e i l á . E u g o s t o d e s s e jeito. 33 Copyright © 2004 by Victor Steinberg Motta. Todos os direitos autorais reservados e protegidos pela lei 9.610 de 19/02/98. É proibida a reprodução total ou parcial, por quaisquer meios, sem autorização prévia, por escrito, do autor ou da editora.
  • 34. LÚ C I O : _ V e m a q u i . (Leva-a para o fundo. GABRIEL, sozinho, rapidamente cheira as flores. Voltam. PATRICIA vê o vinho). Escritora:_ Quando vê o vinho, sente que precisa de a l g o q u e s e j a m i s t u r a d o c o m s e us p e n s am e n t o s . V i n h o s er i a p e r f e i t o . P A TR I C I A : _ V i n h o ! D á u m p o u c o p r a m i m ? ( L Ú C I O a s er v e n u m a t a ç a ) . P A TR I C I A ( b e b e n d o ) : _ E c o m o ‘ t á o t r a b a l h o , L u c i o ? LU C I O : _ E s t á ó t i m o . T r a b a l h a n d o b a s t a n t e . P A TR I C I A : _ E v o c ê , G a ? C o m o e s t á i n d o ? G A BR I E L : _ N ã o a r r u m e i n a d a a i n d a . P A TR I C I A : _ I h , m a s v a i d a r c e r t o ! V o c ê v a i v e r . G A BR I E L : _ É o q u e e u e s p e r o . Escritora:_ olha para amiga de uma maneira ofensiva, p ar a e l a , t u d o é f á c i l . P a r a e l e , t u d o é i m p r a t i c á v e l . P A TR I C I A : _ V a m o s c o m e r a l g u m a c o i s a ? LU C I O : _ C o m e r o q u ê ? O G a b r i e l c o m p r o u u m m o n t e de comida e jogou fora! 34 Copyright © 2004 by Victor Steinberg Motta. Todos os direitos autorais reservados e protegidos pela lei 9.610 de 19/02/98. É proibida a reprodução total ou parcial, por quaisquer meios, sem autorização prévia, por escrito, do autor ou da editora.
  • 35. P A TR I C I A ( r i n d o ) : _ V o c ê j o g o u a c o m i d a f o r a ? ( r i muito mais). G A BR I E L : _ E u n ã o s e i c o z i n h a r m e s m o ! E u c o m p r e i pensando que o Lucio saberia fazer, mas ele não sabe também. Aí eu joguei pra não ficar apodrecendo na geladeira. LU C I O : _ A h , n e m é i s s o . É p o r c a u s a d o A s H o r as . P o r isso que ele jogou fora. P A TR I C I A : _ O q u ê ? G A BR I E L ( e n v e r g o n h a d o ) : _ A h , é u m f i l m e n o v o q u e eu comprei que a mulher joga a comida fora também. P A TR I C I A (s e m e n t e n d e r b u l h u f a s ) : _ E s s e G a b r i e l , viu. E aí? O que vocês estão a fim de comer? LU C I O : _ P u t z , e u j á c o m i . S e e u s o u b e s s e . . . P A TR I C I A : _ A h , j á ? E v o c ê , G a ? G A BR I E L : _ E u c o m e r i a q u a l q u e r c o i s a . P A TR I C I A : _ M as v o c ê s e s t ã o a f i m d e p e d i r , d e s a i r ? G A BR I E L : _ T a n t o f a z . A h , v a m o s p e d i r e n t ã o . P A TR I C I A : _ U m a p i z z a ? G A BR I E L : _ Ó t i m o . D e i x a e u v e r a q u i p a r a l i g a r ( c a ç a um n ú m e r o n o s i m ãs d e g e l a d e i r a . L i g a em m í m i c a ) . 35 Copyright © 2004 by Victor Steinberg Motta. Todos os direitos autorais reservados e protegidos pela lei 9.610 de 19/02/98. É proibida a reprodução total ou parcial, por quaisquer meios, sem autorização prévia, por escrito, do autor ou da editora.
  • 36. LU C I O : _ E o A n t ô n i o ? P A TR I C I A : _ C o n t i n u a t r a b a l h a n d o l á . V o l t a r p a r a o B r a s i l e s t á b e m f o r a d os p l a n o s , l á e l e t e m t u d o , p r a q u e se preocupar em vir aqui, né? LU C I O : _ N o s s a , P a t i ! Q u a n t o t e m p o , n é ? E l e v i a j o u e depois disso parece que nunca mais volta. ( S or r i e m e a br a ç a m - s e ) . E s c r i t o r a : _ A p e n a s o s d o i s , a s s i m , e s t á um c l i m a delicioso. Mas Gabriel ataca com algo tão bobo. G A BR I E L ( a o t e l e f o n e ) : _ P a t i , p i z z a d e q u ê ? E s c r i t o r a : _ E l a p r e c i s a r es p o n d e r . N ã o q u e r m a g o a r n i n g u é m . N ã o s a b e , m as t e m um c e r t o p o d e r . S e q u i s e r magoar, fere violentamente. Se quiser alegrar, leva a pessoa ao êxtase. P A TR I C I A : _ P o d e s e r d e c a l a b r e s a , v ê q u a l q u e r u m a aí! (volta para LUCIO). Então, e ele disse que não sabe se volta cedo. LU C I O : _ P u t z , f a z o m a i o r t e m p ã o q u e e u n ã o f a l o c o m ele. Puta saudade. P A TR I C I A : _ E e u e n t ã o , L ú c i o . ‘ T o f i c a n d o l o u c a s e m ele. O que eu faço enquanto ele não volta? Ainda por 36 Copyright © 2004 by Victor Steinberg Motta. Todos os direitos autorais reservados e protegidos pela lei 9.610 de 19/02/98. É proibida a reprodução total ou parcial, por quaisquer meios, sem autorização prévia, por escrito, do autor ou da editora.
  • 37. cima parece que ele foi efetivado. Ele não largaria tudo pra voltar pra cá por minha causa, né? (G A B R I E L v o l t a d a l i g a ç ã o , p r o c u r a n d o a l c a n ç a r o as s u n t o ) . LU C I O : _ S e e l e f o i e f e t i v a d o é b o m p a r a e l e , n ã o é ? Quem sabe a gente que tem que ir pra lá um dia. Ou ele p a g a p r a g e n t e i r . (r i ) . P A TR I C I A ( n u n c a t i n h a p e n s a d o n i s s o ) : _ É . G A BR I E L : _ E o A n t ô n i o ? C o m o e s t á ? P A TR I C I A : _ E s t á l á a t é h o j e . G A BR I E L : _ E s t á t u d o c e r t o ? P A TR I C I A : _ E l e t á s e d a n d o b e m l á , v i u . T á t u d o certo, mas dá aquela saudade, né? Ainda mais quando eu vi vocês assim, fiquei lembrando de todos aqueles momentos... LU C I O : _ F o i t a n t a c o i s a , n ã o ? D e s d e p e r d a s d e f ô l e g o com risadas até três dias na delegacia. G A BR I E L : _ A q u i l o s i m e r a v i v e r . T o d o d i a , l e m b r a ? Todo dia a gente inventava uma coisa diferente para fazer e a gente nunca ficava satisfeito. Agora olha a gente a q u i , u m b a n d o d e a d u l t o . U ns v e r d a d e i r o s m o n s t r o s . Bicho-papão do planeta Terra. É assim, fazer o que, né? 37 Copyright © 2004 by Victor Steinberg Motta. Todos os direitos autorais reservados e protegidos pela lei 9.610 de 19/02/98. É proibida a reprodução total ou parcial, por quaisquer meios, sem autorização prévia, por escrito, do autor ou da editora.
  • 38. Agora a gente depende cada um de si para viver. Só resta recordar. P A TR I C I A : _ A i , G a ! Q u e é i s s o ? A g e n t e c o n t i n u a sendo amigos! Olha só, ainda estamos juntos. G A BR I E L : _ E s t a m o s j u n t o s p o r q u e o A n t ô n i o e s t á viajando e a gente precisava compartilhar essa falta ou então cada um ia pirar da cabeça. P A TR I C I A ( l e v a n t a n d o - s e ) : _ A i g e n t e , a c h o q u e e u v o u embora. Fui infeliz de vir, meu deus. É. Que triste. G A BR I E L : _ N ã o v a i a g o r a ! E s c r i t o r a : _ L ú c i o p r e c i s a a c a b ar c o m e s s a d i s c u s s ã o d e u m a v e z p o r t o d a s . M a i s um a v e z . LÚ C I O : _ P e d i u a p i z z a ? G A BR I E L : _ E s t á v i n d o a í . LU C I O : _ Q u e r m a i s v i n h o ? P A TR I C I A : _ P o d e s e r . LU C I O : _ Q u e r t a m b é m , G a b r i e l ? G A BR I E L : _ P o d e s e r . ( L Ú C I O e n c h e as t a ç a s e as t r a z ) . G A BR I E L : _ E l e c o ns e g u i u t u d o o q u e r i a , n ã o ? 38 Copyright © 2004 by Victor Steinberg Motta. Todos os direitos autorais reservados e protegidos pela lei 9.610 de 19/02/98. É proibida a reprodução total ou parcial, por quaisquer meios, sem autorização prévia, por escrito, do autor ou da editora.
  • 39. P A TR I C I A : _ E l e f o i e f e t i v a d o o n t e m . LÚ C I O : _ A h , q u e b o m , P a t i . E l e d e v e e s t a r m u i t o f e l i z . Logo logo vocês estão juntos de novo. G A BR I E L : _ N ós e s t a r e m o s j u n t o s d e n o v o . P A TR I C I A : _ É . . . E a n a m o r a d a , L u c i o ? LU C I O : _ A h , n e m t o n a m o r a n d o . P A TR I C I A : _ N ã o t á n e m p r e o c u p a d o c o m i s s o , n é ! E você, Ga? E s c r i t o r a : _ P o r q u e e l a m e c h a m a d e G a ? O n om e é G a b r i e l . A p o r c a r i a d a m i n h a m ã e e s c o l h e u e s s e n om e . O pr o b l e m a é q u e e u g o s t o d e m a i s d e s s e a f e t o q u a s e infantil. G A BR I E L : _ S e m p r e à p r o c u r a . P A TR I C I A : _ A í , G a , p o r q u e v o c ê n ã o n a m o r a a q u e l a sua amiga? Ela combina com você. G A BR I E L : _ É e s t r a n h o . T o d o m u n d o a c h a q u e e u combino com ela, só eu que não. P A TR I C I A : _ A í , t á v e n d o ? G A BR I E L : _ A h , s e i l á . E l a é m e i o d e s e n c a n a d a d e m a i s . Eu gosto das arrumadinhas. P A TR I C I A : _ Q u a l é o s e u t i p o d e m u l h e r , e n t ã o ? 39 Copyright © 2004 by Victor Steinberg Motta. Todos os direitos autorais reservados e protegidos pela lei 9.610 de 19/02/98. É proibida a reprodução total ou parcial, por quaisquer meios, sem autorização prévia, por escrito, do autor ou da editora.
  • 40. G A BR I E L ( E s c r i t o r a : _ E s f o r ç a - s e m u i t o ) : _ A h , o l h a . . . Eu queria uma mulher que desse valor para o que eu faço, entende? E ficasse feliz com meu trabalho. Eu queria uma mulher assim... que se dedicasse. Uma mulher que inventasse todo tempo como me deixar feliz. P A TR I C I A : _ E v o c ê n ã o f a r i a n a d a p o r e l a ? G A BR I E L : _ S e e u t i v e s s e u m a m u l h e r a s s i m , e u i a fazer ela esquecer a palavra tristeza. P A TR I C I A : _ N o s s a ! Q u e p r o f u n d o . E v o c ê , L ú c i o ? LU C I O : _ E u s o u a o c o n t r á r i o . E u q u e r i a a q u e l a s b e m independentes, que vivesse a vida dela sem me encher o saco. P A TR Í C I A : _ A i , L ú c i o , s ó v o c ê m e s m o . G A BR I E L : _ E o A n t ô n i o ? E l e é s e u t i p o d e h o m e m ? P A TR Í C I A : _ A h , a c h o q u e s i m . E u j á ‘ t o h á t a n t o tempo com ele que nem sei mais o que seria outro tipo de homem. G A BR I E L ( r i n d o ) : _ Is s o é v e r d a d e . M a s a c h o q u e e u sou mais feliz solteiro. Nessa fase de minha vida eu acho que não me adaptaria com uma mulher. 40 Copyright © 2004 by Victor Steinberg Motta. Todos os direitos autorais reservados e protegidos pela lei 9.610 de 19/02/98. É proibida a reprodução total ou parcial, por quaisquer meios, sem autorização prévia, por escrito, do autor ou da editora.
  • 41. P A TR I C I A : _ Então cada vez mais você vai ficar pensando isso? Depois fica um velho e aí que ninguém mais vai te querer. G A BR I E L : _ O n e g ó c i o m e s m o é u m a c o i s a q u e e u cheguei à conclusão um dia. Se eu quisesse mesmo uma mulher, eu ia atrás. Sou capaz até de ir nas balada pra arrumar uma. Enquanto isso, eu vou assistindo a vida passar só com meus próprios olhos. Sem uma visão feminina para ficar comentando. LÚ C I O : _ A h , e u t a m b é m s o u m e i o a s s i m , s a b e ? S e m p r e fui, né? Não sou de ficar azaranado as menininha com um p a p i n h o d e p l a y b o y z i n h o e b l a b l a b l a . Is s o é t ã o f a l s o , sei lá. Se algum dia uma mulher interessante aparecer, aí ótimo, senão, pra que ficar que nem bicho atrás de fêmea? G A BR I E L : _ É q u e a s p e s s o a s g u a r d a m u m a c o i s a dentro da cabeça que se chama instinto. Afinal, a gente é bicho como qualquer bicho. LÚ C I O : _ M as a g e n t e s a b e s e c o n t r o l a r . G A BR I E L : _ S e r á ? P A TR I C I A : _ A c o n t e c e q u e v o c ê s n ã o s ã o p r a q u a l q u e r mulher não, viu, gente. As mulheres sempre pensam que 41 Copyright © 2004 by Victor Steinberg Motta. Todos os direitos autorais reservados e protegidos pela lei 9.610 de 19/02/98. É proibida a reprodução total ou parcial, por quaisquer meios, sem autorização prévia, por escrito, do autor ou da editora.
  • 42. s ã o os h o m e n s q u e n ã o s e r v e m p a r a e l a s , m a s à s v e z e s são as mulheres que não prestam para os homens. G A BR I E L : _ N o s s a , P a t i ! Is s o é u m a c o i s a m u i t o d i f í c i l de ouvir. Uma mulher admitindo as coisas desse jeito! Você continua com a mesma carinha de menina mas agora tem opiniões formadas e precisas. Quem são as amigas que te ensinaram tudo isso? Tem o telefone delas? LU C I O : _ E l a s e m p r e f o i a s s i m , v a i G a b r i e l . G A BR I E L : _ O p i o r d e f e i t o d a P a t i f o i t e r n a s c i d o f i l h a única! Maldita! Bem que você podia ter uma irmãzinha, nem precisava ser idêntica, mas parecida, que chegasse perto, entende? Ou quem sabe eu espero que você e o Antônio tenham uma filha, que tal? Vinte e poucos anos de diferença hoje em dia não são nada, imagine daqui alguns anos. ( P A T R I C I A d á r i s a d a c om o u m a c r i a n ç a ) . P A TR I C I A : _ A i , G a . V o c ê v a i e n c o n t r a r e s s a s u a m u s a um dia. Não precisa ser minha filha. G A BR I E L : _ S e e u e n c o n t r a r u m a m u s a e e l a f o r u m a b u r r a , f i n g e q u e v o c ê q u e r s e r b as t a n t e a m i g a e f a z u m a boa lavagem cerebral nela. O que você acha? Uma coisa bem sutil, que ela nem perceba. 42 Copyright © 2004 by Victor Steinberg Motta. Todos os direitos autorais reservados e protegidos pela lei 9.610 de 19/02/98. É proibida a reprodução total ou parcial, por quaisquer meios, sem autorização prévia, por escrito, do autor ou da editora.
  • 43. P A TR I C I A ( r i n d o ) : _ A i , G a . S ó v o c ê m e s m o . G A BR I E L : _ N ã o é m á i d é i a n ã o , v i u ? S e e u e s q u e c e s s e essa porra de emprego que poderia me trazer um pouco de felicidade e trabalhasse no que minha mãe sempre quis que eu fosse e ficasse arquibilhardário, vazando d i n h e i r o a t é p e l o c u , e u p a g a r i a u ns d e z m i l h õ e s p r a u m a g os t o s a b u r r a , e f a r i a d e l a u m a l e g í t i m a m y f a i r l a d y . E u ficaria dando aulas de etiqueta, sexo e comportamento e v o c ê s e r i a a p r o f es s o r a d e l a v a g e m c e r e b r a l , m a s e l a t e m que ficar igual a você, hein! Putz! Aí eu viveria para sempre com uma gostosa lambendo meus pés de felicidade. LU C I O : _ N ã o f o i v o c ê q u e m d i s s e q u e f a r i a a m u l h e r da sua vida esquecer a palavra tristeza? Essa escravidão manipulada poderia acabar num processo judicial e você i a v i r a r a q u e l e s e x - m a r i d o s l e p r o s os . A c a d a f i m d o m ê s vai perdendo uma parte do que tem. G A BR I E L : _ E , p o r a c a s o , v o c ê a c h a q u e e u n ã o i a q u e r e r f i c a r l a m b e n d o o s p é s d e u m a g os t o s o n a t a m b é m ? Eu tenho fetiches muito interessantes, sabia? P A TR I C I A : _ A i , G a , q u e p é s s i m o ! G A BR I E L ( i r ô n i c o , p a r a n ã o gr i t a r c o m o s am i g o s ) : _ Que foi? Deixa eu sonhar um pouco! As pessoas têm uma 43 Copyright © 2004 by Victor Steinberg Motta. Todos os direitos autorais reservados e protegidos pela lei 9.610 de 19/02/98. É proibida a reprodução total ou parcial, por quaisquer meios, sem autorização prévia, por escrito, do autor ou da editora.
  • 44. imagem de mim, como se eu fosse um psicótico fugitivo. Porra, parece que eu sou proibido de tudo nessa vida. Não to falando que eu vou fazer isso mesmo, vou largar minha vida pra fazer a merda de uma faculdade e faturar. Olha só. Você acha que no meu estado eu ia fazer uma coisa dessas? Quem vai querer um escritor medíocre, enfiado no apartamento, cheio de dificuldade e um monte de complicações? (vai ao banheiro). P A TR I C I A : _ Q u e f o i ? LÚ C I O : _ ‘ T á a t a c a d o h o j e . M e i o t r i s t e q u e n ã o e s t á achando emprego, sabe? P A TR I C I A : _ A h , s e i . LU C I O : _ É u m a s c o i s a s q u e d ã o n e l e d e r e p e n t e . C o i s a de escritor, né? P A TR I C I A ( n ã o p e r c e b e ) : _ É . M a s v a i d a r t u d o c e r t o . LÚ C I O : _ A h , v a i . (G A B R I E L s a i d o b a n h e i r o e t o m a á g u a . A c e n d e u m c i g a r r o e s e j u n t a a os d o i s ) . LÚ C I O : _ D á u m c i g a r r o p a r a m i m ? (G A B R I E L d á - l h e ) . 44 Copyright © 2004 by Victor Steinberg Motta. Todos os direitos autorais reservados e protegidos pela lei 9.610 de 19/02/98. É proibida a reprodução total ou parcial, por quaisquer meios, sem autorização prévia, por escrito, do autor ou da editora.
  • 45. P A TR I C I A : _ E u t a m b é m q u e r o . (r e c e b e o c i g a r r o ) . (O s t r ê s f u m a m ) . LÚ C I O : _ N o s s a , s a b e o q u e e u v i h o j e ? P A TR Í C I A : _ O q u ê ? LÚ C I O : _ D u a s m u l h e r e s s e b e i j a n d o n o m e i o d a r u a . G A BR I E L : _ Q u e j ó i a ! P A TR Í C I A : _ A i , c r e d o . G A BR I E L : _ V o c ê b e i j a r i a u m a m u l h e r n a b o c a , P a t i ? PATRÍCIA:_ Eu não, imagina! LÚ C I O : _ F o i b e m i n t e r e s s a n t e . G A BR I E L : _ E u a c h o a c o i s a m a i s l i n d a d u a s m u l h e r e s se beijando... P A TR Í C I A : _ Ai, que safadinho você, hein. Você beijaria um homem na boca? G A BR I E L : _ A h , m a s d u a s m u l h e r e s s e b e i j a n d o t e m u m outro sentido completamente diferente. P A TR Í C I A : _ P r a v o c ê q u e é h o m e m , n é ? G A BR I E L : _ N ã o , m a s n o a s p e c t o p o é t i c o d a c o i s a , sabe? As mulheres ficam mais bonitas desse jeito. 45 Copyright © 2004 by Victor Steinberg Motta. Todos os direitos autorais reservados e protegidos pela lei 9.610 de 19/02/98. É proibida a reprodução total ou parcial, por quaisquer meios, sem autorização prévia, por escrito, do autor ou da editora.
  • 46. P A TR Í C I A : _ É , b e m p o é t i c o m e s m o . G A BR I E L : _ A h , v o c ê s n ã o m e e n t e n d e m . LÚ C I O : _ A h , c a r a . . . É q u e é e s t r a n h o d u a s m u l h e r e s s e beijando. G A BR I E L : _ D e p e n d e . É s ó n ã o t e r p r e c o n c e i t o e descobrir o porquê que elas fazem isso. E elas fazem bastante. P A TR Í C I A : _ E u t e n h o u m a a m i g a q u e j á b e i j o u o u t r a também. G A BR I E L : _ E n a h o r a v o c ê a c h o u e s t r a n h o ? P A TR Í C I A : _ A h , s e i l á . N ã o c u r t i m u i t o f i c a r v e n d o mas não me senti incomodada, sabe? G A BR I E L : _ E c o m c e r t e z a s e f o s s e m d o i s c a r a s s e beijando ia ser bem mais estranho, não é? P A TR Í C I A : _ É v e r d a d e . . . LÚ C I O : _ É . E u g o s t e i m a i s d e t e r v i s t o d u a s m u l h e r e s do que dois homens. G A BR I E L : _ A m u l h e r t e m u m o u t r o j e i t o d e v i v e r . E l a é muito mais pura, muito mais efetiva do que o homem, que é tão fraco que acaba gastando a força para se impor 46 Copyright © 2004 by Victor Steinberg Motta. Todos os direitos autorais reservados e protegidos pela lei 9.610 de 19/02/98. É proibida a reprodução total ou parcial, por quaisquer meios, sem autorização prévia, por escrito, do autor ou da editora.
  • 47. e m e s t e r e ó t i p o s d e p os i ç õ e s s o c i a i s . A s m u l h e r e s s a b e m compartilhar. P A TR Í C I A : _ N o s s a , G a . V o c ê e n t e n d e n d o a s s i m d e mulher e solteiro, hein? Quem diria? G A BR I E L : _ E u g o s t a r i a m u i t o d e s a b e r o p o r q u ê também. Eu ‘to chegando a conclusão de que as mulheres além disso são a contradição em pessoa. Sempre dizendo que procuram homens diferentes e sensíveis, mas estão sempre acompanhadas de marmanjos de bolso cheio. P A TR Í C I A : _ E u n ã o s o u a s s i m . G A BR I E L : _ A h , v a i . O A n t ô n i o s e m p r e f o i o b o n z ã o d a turma. P A TR Í C I A : _ M as e l e é s e n s í v e l e b e m d i f e r e n t e . G A BR I E L : _ P e l o m e n o s i s s o , n é ? LÚ C I O : _ O A n t ô n i o é c o m o v o c ê , G a b r i e l . G A BR I E L : _ C o m o e u . M as e l e e s t a n a E u r o p a d e v i d a feita e eu aqui, não conseguindo arrumar nada. É assim, os vencedores tem namoradas, os fracassos ficam chupando o dedo e batendo punheta. Seleção Natural! LÚ C I O : _ A c h o q u e a s m u l h e r e s q u a n d o v ê e m u m a pessoa como você se sentem tão iguais que acabam procurando uns caras nada a ver com quem elas são. 47 Copyright © 2004 by Victor Steinberg Motta. Todos os direitos autorais reservados e protegidos pela lei 9.610 de 19/02/98. É proibida a reprodução total ou parcial, por quaisquer meios, sem autorização prévia, por escrito, do autor ou da editora.
  • 48. G A BR I E L : _ E s c r e v a i s s o . P A TR Í C I A : _ Calma, Ga. Essa namorada d os seus sonhos vai vir no momento mais inesperado que você imaginar. G A BR I E L : _ E s t a m o s a í p a r a o q u e d e r e v i e r . LÚ C I O : _ I s s o a í , r a p a z . C o r a g e m ! L a r g a a m ã o d e f i c a r deprimidinho, chorando nos cantos. Vá a luta! P A TR Í C I A : _ É , G a . D e i x a p r a l á . V o c ê v a i v e r . G A BR I E L : _ É tão bom ficar recebendo essas c a l i b r a d a s d e e s p e r a n ç a . E u g os t o m u i t o d e v o c ê s . M e s m o mesmo. LÚ C I O : _ A g e n t e c u r t e v o c ê p r a c a r a m b a . N ã o p r e c i s a ficar achando que é um órfão de compaixão. Você devia dar mais valor para o que você tem. G A BR I E L : _ É , e u s e i . (Toca o interfone). LÚ C I O : _ É a p i z z a . ( v a i a o i n t e r f o n e ) . P r o n t o ? ‘ T o descendo. (desliga). Vou descer lá. P A TR Í C I A : _ O d i n h e i r o ! LÚ C I O : _ A h . Q u a n t o d e u , G a b r i e l ? G A BR I E L : _ Q u i n z e . 48 Copyright © 2004 by Victor Steinberg Motta. Todos os direitos autorais reservados e protegidos pela lei 9.610 de 19/02/98. É proibida a reprodução total ou parcial, por quaisquer meios, sem autorização prévia, por escrito, do autor ou da editora.
  • 49. P A TR Í C I A ( m e x e n d o n a b o l s a ) : _ E n t ã o d e u q u a n t o p a r a cada um? G A BR I E L : _ N ã o . E u p a g o . P A TR Í C I A : _ N ã o , es p e r a a í . M e t a d e , m e t a d e ! G A BR I E L : _ N ã o , p o r f a v o r . P o r f a v o r , P a t i . H o j e e u insisto, eu pago. (dá o dinheiro para LÚCIO). P A TR I C I A : _ ‘ T a b o m e n t ã o . O b r i g a d a . (LÚCIO desce). G A BR I E L : _ O b a , p i z z i n h a d e l í c i a , h e i n ? P A TR Í C I A : _ H m m m . G A BR I E L : _ M a i s v i n h o ? P A TR Í C I A : _ Q u e r o . (G A B R I E L a s e r v e ) . G A BR I E L : _ V a m o s f i c a r c h a p a d o s . P A TR Í C I A : _ P e l o s v e l h o s t e m p o s , G a ! G A BR I E L : _ E u f i c o c h a p a d o a q u a l q u e r h o r a . F i q u e i mais preocupado com você. Mas você nunca foi certinha mesmo. P A TR Í C I A : _ E a i n d a n ã o c o n s e g u i r a m m e c o r r i g i r . Pode encher a taça. 49 Copyright © 2004 by Victor Steinberg Motta. Todos os direitos autorais reservados e protegidos pela lei 9.610 de 19/02/98. É proibida a reprodução total ou parcial, por quaisquer meios, sem autorização prévia, por escrito, do autor ou da editora.
  • 50. (Enche). G A BR I E L : _ V o u a b r i n d o o o u t r o v i n h o . . . (Abre). P A TR Í C I A : _ J á ‘ t o c o m e ç a n d o a f i c a r a l e g r i n h a . E você? G A BR I E L : _ É d i f í c i l e u f i c a r a l e g r e c o m b e b i d a . E u diria que estou começando a ficar tristinho. P A TR Í C I A : _ P u t a m e r d a , G a ! Q u e d e p r i m i d o ! J á s e i . Vamos numa balada hoje, mais tarde. Que tal? Daí você se anima um pouco. G A BR I E L : _ M as e o L ú c i o ? E l e n ã o c u r t e n a d a d e música eletrônica. P A TR Í C I A : _ A g e n t e c o n v e n c e e l e ! Q u a l q u e r c o i s a vamos nós dois. Só hoje! G A BR I E L ( i n d e c i s o ) : _ F es t a h o j e . . . P A TR Í C I A : _ V a m o s ! G A BR I E L : _ M a i s t a r d e e u d e c i d o , ‘ t á ? P A TR Í C I A : _ ‘ T á b o m , G a . . . (LÚCIO entra com a pizza). LÚ C I O : _ O l á . 50 Copyright © 2004 by Victor Steinberg Motta. Todos os direitos autorais reservados e protegidos pela lei 9.610 de 19/02/98. É proibida a reprodução total ou parcial, por quaisquer meios, sem autorização prévia, por escrito, do autor ou da editora.
  • 51. P A TR I C I A : _ H m m m ! G A BR I E L : _ N o s s a , p u t a f o m e ! (Sentam-se reunidos. Abrem a pizza). G A BR I E L e P A TR Í C I A : _ N o s s a ! ( c o m e m c o m a m ã o ) . LÚ C I O : _ P u t z , e u s a b i a q u e d e v i a e s p e r a r p r a j a n t a r aqui. G A BR I E L : _ C o m e u m p e d a c i n h o ! LÚ C I O : _ A h , n ã o . E u j á c o m i m e s m o . E s t o u s e m f o m e nenhuma. P A TR Í C I A : _ Ah, vai, Lúcio! Só por hoje. Pra comemorar. LÚ C I O ( E s c r i t o r a : _ p ar a q u ê e v i t a r a i d i o t i c e ? ) : _ ‘ T á bom, me dá esse pedaço aí. (serve-se). E s c r i t o r a : _ C o n t i n u a m o s t r ês s e n t a d o s , b e b e n d o e c o m e n d o . B a s t a v a f a z er a q u i l o . E r a t ã o s i m p l e s . E r a s ó . N ã o pr e c i s a t e r o t r a b a l h o d e s er a l g u é m p ar a c o m e r o u beber; o que para eles era um alívio e ficava sendo a m e l h o r h or a d a n o i t e . P A TR Í C I A : _ V a m o s n a b a l a d a h o j e , L ú c i o ? LÚ C I O : _ B a l a d a ? V o c ê s ‘ t ã o l o u c o s ! P A TR Í C I A : _ P r a c o m e m o r a r , v a m o s a í ! Q u e c o i s a ! 51 Copyright © 2004 by Victor Steinberg Motta. Todos os direitos autorais reservados e protegidos pela lei 9.610 de 19/02/98. É proibida a reprodução total ou parcial, por quaisquer meios, sem autorização prévia, por escrito, do autor ou da editora.
  • 52. LÚ C I O : _ P u t z , n e m s e i . . . A m a n h ã e u t e n h o q u e a c o r d a r bem cedo. P A TR Í C I A : _ A i , L ú ! V o c ê n ã o v a i m o r r e r s e a c o r d a r com sono amanhã (ri). LÚ C I O ( e l a o c h a m o u d e L ú ) : _ A i a i a i . . . b e l e z a . P A TR Í C I A : _ O b a ! P õ e m a i s v i n h o p r a n ó i s , G a ! (G A B R I E L s e r v e a t o d o s ) . ( C om e m e b e b e m ) . P A TR Í C I A : _ N os s a , g e n t e . N ã o a g ü e n t o m a i s . ( l e v a o pr a t o n a p i a ) . G A BR I E L : _ P u t z . T a m b é m n ã o q u e r o m a i s n ã o . Q u e r esse pedaço, Lúcio? LÚ C I O : _ V a l e u , c a r a . ‘ T ô b e m s a t i s f e i t o . ( F u m am , t i r a m a s c o i s a s d a m e s a . B e b e m o q u e s o br o u d a s e g u n d a g ar r a f a . S e n t a m - s e j u n t o s n o s o f á , f u m a n d o ) . P A TR Í C I A : _ A i , c o m o a g e n t e e s t á l i v r e , n ã o é ? S e m preocupação, cada um cuida da sua vida, sem mãe pra ficar farejando aonde a gente vai, que beleza. LÚ C I O : _ Is s o é b o m . M a s h o j e a g e n t e t r a b a l h a e c u i d a d a p r ó p r i a v i d a . Is s o é f o d a . M a s e s s a l i b e r d a d e v a l e a pena mesmo. Olha a gente aqui, no ap. do Gabriel, 52 Copyright © 2004 by Victor Steinberg Motta. Todos os direitos autorais reservados e protegidos pela lei 9.610 de 19/02/98. É proibida a reprodução total ou parcial, por quaisquer meios, sem autorização prévia, por escrito, do autor ou da editora.
  • 53. tomando vinho, comendo pizza e indo pra balada! Não é coisa de criança não. G A BR I E L : _ A g e n t e p e n s a v a n es s a l i b e r d a d e t o d a v e z , lembra? Sempre quando acontecia alguma merda, agente pensava: “putz, se agente tivesse um lugar só nosso pra fugir”. P A TR Í C I A : _ E u l e m b r o . E a g e n t e n ã o t i n h a l u g a r p r a sair de noite e ficava rodando de carro mesmo. (ri). LÚ C I O ( l e m b r a n d o ) : _ N o s s a , c a d a u m a . G A BR I E L : _ P u t a m e r d a . O p a s s a d o m e l h o r a m a s n ã o cura o presente. A gente falando de todas essas épocas deliciosas, da ansiedade pela liberdade, mas sabe que eu não perdi essa ânsia ainda? Hoje eu posso ter tudo bem ali, mas tem um peso dentro que não me deixa ir pra frente. LÚ C I O : _ É q u e v o c ê a i n d a n ã o s e c o n s o l i d o u d e verdade na sua profissão. E eu tenho certeza que quando você arrumar uma namorada e começar a ganhar um monte de prêmio, você nem vai perceber de tão livre que vai estar sendo. A sua hora ainda não chegou, meu amigo. G A BR I E L : _ S e r á ? 53 Copyright © 2004 by Victor Steinberg Motta. Todos os direitos autorais reservados e protegidos pela lei 9.610 de 19/02/98. É proibida a reprodução total ou parcial, por quaisquer meios, sem autorização prévia, por escrito, do autor ou da editora.
  • 54. P A TR Í C I A (bêbada):_ Fica com medo não, Gabrielzinho... (acaricia-lhe a nuca). Fica assim que do jeito não vai dar pé. LÚ C I O ( r i n d o ) : _ O q u e v o c ê d i s s e ? P A TR Í C I A : _ S e i l á . E u n e m s e i m a i s o q u e e u ‘ t ô fazendo. E s c r i t o r a : _ T o d os r i e m . S ó G A B R I E L q u e d á um a r is a d a disfarçada, tensa, estranha – “Para quê c h o r am i n g a r e d e p o i s d a r i n ú m er a s e x p l i c a ç õ e s s e t o d o s estão se divertindo?”. LÚ C I O : _ V o u p e g a r u m c i g a r r i n h o ( v a i t r o p e ç a n d o ) . P A TR Í C I A : _ P õ e u m s o m a í , L ú ! (LÚCIO imediatamente tira o cd de GABRIEL e coloca o u t r o , d e m ús i c a m a i s m o d e r n o s a , a g i t a d i n h a ) . Escritora:_ A música; a música! P A TR Í C I A ( r i n d o ) : _ Q u e m ú s i c a é e s s a , L ú c i o ? LÙ C I O ( r i n d o ) : _ A h , é u m c d q u e e u g a n h e i . G A BR I E L : _ S ó p o r c a r i a . LÚ C I O : _ Ah, Gabriel. Você não queria que eu colocasse aquelas músicas suas, né, meu? 54 Copyright © 2004 by Victor Steinberg Motta. Todos os direitos autorais reservados e protegidos pela lei 9.610 de 19/02/98. É proibida a reprodução total ou parcial, por quaisquer meios, sem autorização prévia, por escrito, do autor ou da editora.
  • 55. G A BR I E L : _ N ã o , t á b o m . T á b o m . H o j e a P a t i es t á a q u i então pode botar qualquer música que vocês quiserem. P A TR Í C I A : _ A c a b o u o v i n h o ? LÚ C I O ( f u m a n d o ) : _ V o c ê q u e r m a i s ? G A BR I E L : _ A c a b o u . ( p e n s a n d o , a f a s t a - s e d e t u d o ) . P A TR Í C I A : _ A h , e u q u e r i a . LÚ C I O : _ V i r o u p i n g u ç a ? P A TR Í C I A ( r i n d o ) : _ P i n g u ç a , e u ? LÚ C I O : _ ‘ T o b r i n c a n d o , P a t i ! P A TR Í C I A : _ A h , e u q u e r i a d a r u m a a n i m a d a , v a m o s fazer alguma coisa! Vamos pra balada? LÚ C I O : _ A g o r a ? P A TR Í C I A : _ É ! V a m o s , G a ? Escritora:_ Não ouve nada. Continua em outro lugar. P A TR Í C I A : _ G a b r i e l ! G A BR I E L ( c h e g a n d o ) : _ O i ? P A TR Í C I A : _ E a í , v a m o s p r a b a l a d a ? G A BR I E L : _ A c h o q u e e u n ã o v o u n ã o , P a t i . V o c ê n ã o vai ficar brava? P A TR Í C I A : _ P o r q u ê ? 55 Copyright © 2004 by Victor Steinberg Motta. Todos os direitos autorais reservados e protegidos pela lei 9.610 de 19/02/98. É proibida a reprodução total ou parcial, por quaisquer meios, sem autorização prévia, por escrito, do autor ou da editora.
  • 56. G A BR I E L : _ N ã o es t o u m u i t o b o m p r a s a i r h o j e . LÚ C I O : _ P u t a m e r d a , c a r a ! V a i e n c a n a r c o m o f i l m e d e novo? P A TR Í C I A : _ A q u e l e f i l m e ? LÚ C I O : _ É . T e m u m a m u l h e r n o f i l m e q u e c h a m a o cara pra uma festa e ele não vai, fica em casa. E o Gabriel fica imitando o filme, sabe? Uma encanação do cacete. G A BR I E L : _ N ã o é q u e e u f i c o e n c a n a d o n o f i l m e ! E u não estou a fim de sair mesmo. Sei lá. Bebi demais! Não ia nem conseguir. LÚ C I O : _ E s t á b e m , c a r a . V a m o s f i n g i r q u e e s t a m o s n o filme, Richard. E as vozes? Estão aqui, Richard? G A BR I E L : _ P á r a , c a r a . N ã o é i s s o . LÚ C I O : _ M r s . D a l l o w a y d i z q u e v a i c o m p r a r a s f l o r e s ela mesma. G A BR I E L : _ L a r g a a m ã o d i s s o . P A TR Í C I A : _ V o c ê v i u o f i l m e ? LÚ C I O : _ V i d u a s v e z e s n o c i n e m a p o r c a u s a d o s “ p o r favor, vai comigo” dele. 56 Copyright © 2004 by Victor Steinberg Motta. Todos os direitos autorais reservados e protegidos pela lei 9.610 de 19/02/98. É proibida a reprodução total ou parcial, por quaisquer meios, sem autorização prévia, por escrito, do autor ou da editora.
  • 57. P A TR Í C I A : _ V a m o s v e r o f i l m e e n t ã o . E s t o u c u r i o s a já. G A BR I E L : _ A h , n ã o , g e n t e . D e i x a p r a l á . P A TR Í C I A : _ E n t ã o v a m o s s a i r ! G A BR I E L : _ E n t ã o b e l e z a . V a m o s s a i r , u é . (Silêncio). Escritora:_ Ela percebe alguma coisa, então tenta não pr e s s i o n a r d e m a i s . P A TR Í C I A : _ Gente, deixa então. Vamos ficar aqui e pronto. Já está ótimo. A gente não é mais adolescente! LÚ C I O : _ P e l o j e i t o ; n ã o é ? P A TR Í C I A : _ V a m o s c o n v e r s a r . O p a p o j á t a v a ó t i m o pra quê parar, não é? Então. O que está acontecendo com você, Ga? G A BR I E L ( j á um t a n t o d e s e s p e r a d o ) : _ B o a p e r g u n t a ! Vocês me fazem tantas perguntas difíceis! LÚ C I O : _ É q u e é o s e g u i n t e . ( i m p õ e - s e ) O s l a ç o s d e s p r o p os i t a i s d os a r t i s t a s ! ( P a r a G A B R I E L ) V ê s e n ã o é meio assim, cara. (Para PATRÍCIA) Eu até já conversei bastante com ele sobre isso. Esse choque, essa encanação engrunhida é porque a mãe do cara do filme tratou o filho 57 Copyright © 2004 by Victor Steinberg Motta. Todos os direitos autorais reservados e protegidos pela lei 9.610 de 19/02/98. É proibida a reprodução total ou parcial, por quaisquer meios, sem autorização prévia, por escrito, do autor ou da editora.
  • 58. mais ou menos da mesma maneira que a mãe do Gabriel tratou ele e também tem outras coisas que eles se parecem, você lembra da mãe do Gabriel? P A TR Í C I A : _ L e m b r o . E s c r i t o r a : _ G A B R I E L pr e s t a d e d i c a d a a t e n ç ã o . C o m o L Ú C I O p o d e f a z e r um a c o i s a d e s s a s ? Q u e d om ! Q u e m er g u l h o ! M as p o r q u a l r a z ã o e l e t e m d e m e h u m i l h a r ? LÚ C I O : _ Duas mães que de jeitos diferentes abandonaram o filho. Ao mesmo tempo em que são bruxas, são santas. E criaram monstros como Richard e Gabriel. Pode ter deixado eles de lado, mas são eternas grávidas. G A BR I E L (r i n d o ) : _ Viu só? Nem preciso pagar terapeuta! Tenho tudo em casa! P A TR Í C I A : _ M as o q u e f o i q u e s u a m ã e f e z q u e t e deixou tão triste, Ga? G A BR I E L : _ E u n e m g os t o m u i t o d e f i c a r f a l a n d o s o b r e o jeito que fiquei por causa da minha mãe. Me sinto um idiota. E percebi que me sinto um idiota de tanto que eu cheguei tarde pra ver como é que eu fiquei por causa dela. Cheguei tarde demais. P A TR Í C I A : _ G a b r i e l , a g e n t e é s e u a m i g o . 58 Copyright © 2004 by Victor Steinberg Motta. Todos os direitos autorais reservados e protegidos pela lei 9.610 de 19/02/98. É proibida a reprodução total ou parcial, por quaisquer meios, sem autorização prévia, por escrito, do autor ou da editora.
  • 59. G A BR I E L (Escritora:_ c om a frase de PATRÍCIA ecoando dentro da cabeça. Ela está bêbada? Ela r e a l m e n t e q u er s a b e r i s s o ? ) : _ A h , v a m o s c o n t i n u a r a f a l a r s o b r e as c o i s a s b o a s q u e a g e n t e f a z i a ! P a r a q u ê lembrar das coisas pessoais, os medos, as paranóias! Tava tão gostosa nossas memórias de aventuras e o que a gente aprontava. LÚ C I O : _ M as a c o n v e r s a c h e g o u a q u i , c a r a . E f o i p o r acaso. Acho importante a gente revelar até as coisas mais í n t i m a s p a r a os a m i g o s d e v e r d a d e . A g e n t e n ã o d e v e p ô r essa falsidade de voltar aos assuntos felizes se a gente chegou n os assuntos tristes. Senão tudo parece tão mitológico, tão representativo. G A BR I E L : _ M a s t e m t a n t a c o i s a . S e e u c o n t a s s e o porquê que eu acho que pareço com Richard, porquê minha mãe entra na história, por isso ou por aquilo, é tudo tão evidente! Eu sou assim do jeito que eu fiquei hoje por causa de tudo o que aconteceu. E eu fiquei assim t a m b é m p o r q u e t e n h o e s s a v e l h a s e ns i b i l i d a d e q u e é c o m o uma doença, entende? Pode parecer tão imbecil, mas uma das coisas que eu mais lembro foi assim: Meu quarto tinha um monte de desenhos do espaço, sabe? Até o teto, cheio de foguetes, planetas, estrelas e astronautas. Eu sentia que era o meu universo. E eu era o deus daquele 59 Copyright © 2004 by Victor Steinberg Motta. Todos os direitos autorais reservados e protegidos pela lei 9.610 de 19/02/98. É proibida a reprodução total ou parcial, por quaisquer meios, sem autorização prévia, por escrito, do autor ou da editora.
  • 60. universo. Até que minha mãe resolveu arrancar o papel de parede e tudo foi pintado de branco. Ela me deu aquele m u n d o e d e r e p e n t e t u d o es t a v a v a z i o q u a n d o e u c h e g u e i d a es c o l a . T u d o b r a n c o , f e d e n d o a t i n t a f r e s c a . E u t i v e que dormir em outro quarto por causa do cheiro e nunca fiquei tão triste. Como a criança sente essas coisas, não é? E como isso influencia de outras maneiras, tipo, a mulher que me emprestou um universo e de repente, sem consulta, sem razão, por pura vaidade, tira esse universo de mim. Escritora:_ GABRIEL fica meio sério, p r es t a n d o a t e n ç ã o n a c o n v e r s a c o m o um a l i e n í g e n a l e n d o o s l á b i o s p ar a e n t e n d e r c o m o os h um a n o s s ã o as s i m . A f i n a l , confiante, ele realmente expôs coisas de seu mais intangível interior. LÚ C I O : _ A h , e u t a m b é m t i v e c a d a d e c e p ç ã o q u a n d o e u era criança. Uma vez eu queria fazer uma experiência em casa e botei fogo no sofá mais adorado da família. Queimei metade do negócio e chamaram bombeiro, levei uma porrada do meu pai. Foda, né? P A TR Í C I A ( r i n d o ) : _ V o c ê f e z i s s o , L ú ? A i , m e u d e u s . . . cada uma! LÚ C I O : _ E v o c ê , P a t i ? 60 Copyright © 2004 by Victor Steinberg Motta. Todos os direitos autorais reservados e protegidos pela lei 9.610 de 19/02/98. É proibida a reprodução total ou parcial, por quaisquer meios, sem autorização prévia, por escrito, do autor ou da editora.
  • 61. P A TR Í C I A : _ A h , e u j á a f o g u e i o c a c h o r r o d a m i n h a v ó na piscina, já perdi na escola a roupinha de festa junina da minha mãe, putz! Minha mãe sofreu comigo, coitada. LÚ C I O ( r i n d o ) : _ N o s s a , c o m o v o c ê f o i l e v a d a , h e i n ! P A TR Í C I A : _ D es a s t r a d a ! S e m p r e f u i d e s a s t r a d a . LÚ C I O : _ É . A s c r i a n ç a s s ã o a s s i m . I m a g i n e q u a n d o a g e n t e t i v e r n os s o s f i l h o s . P A TR Í C I A : _ N e m m e f a l e n i s s o ! M a i s d e s a s t r e s ! LÚ C I O : _ D es a s t r e s r e c o m p e n s a d o r e s . P A TR Í C I A : _ E a f e t i v o s ! (Riem). G A BR I E L (m e t e n d o - s e n o m e i o d a c o n v e r s a ) : _ S e f o r para eu ter um filho, rezo para que ele nunca seja como eu sou. Nem como o Richard do filme. E que a mãe do meu filho não seja nem parecida com a minha nem com a dele. P A TR Í C I A ( r i n d o ) : _ T o m a r a q u e e u n ã o f i q u e c o m o sua mãe então. LÚ C I O ( r i n d o ) : _ P e l o a m o r d e d e u s , h e i n P a t r í c i a ! G A BR I E L : _ P u x a , c o m o v o c ê s s ã o l e g a i s ! P A TR Í C I A : _ A h , b r i n c a d e i r a , G a . 61 Copyright © 2004 by Victor Steinberg Motta. Todos os direitos autorais reservados e protegidos pela lei 9.610 de 19/02/98. É proibida a reprodução total ou parcial, por quaisquer meios, sem autorização prévia, por escrito, do autor ou da editora.
  • 62. LÚ C I O : _ M a s q u e n ã o s e j a m e s m o ! V o c ê q u e r i a q u e a Pati fosse como sua mãe para o filho dela? G A BR I E L : _ C l a r o q u e n ã o . P A TR Í C I A : _ G e n t e , v o u n o b a n h e i r o . ( V a i ) . E s c r i t o r a : _ S o br a m G A B R I E L e L Ú C IO n a s e n s a ç ã o d e que a tormenta PATRÍCIA deu uma pausa, esse era o momento do dia que eles estavam como antes dela chegar. GABRIEL já sente falta. LÚCIO sente alívio e p e r c e b e q u e s e c a n s o u . E n ã o s u p or t a m a i s o u v i r o am i g o . G A BR I E L : _ ’ T á v e n d o ? A s m u l h e r e s v i v e m m u i t o m a i s no passado do que nós. Apegam-se aos lugares; e seus pais...as mulheres sempre se orgulham de seus pais. Eu aqui, como uma estátua antiga roída de chuva ácida e ela lá, com a cabeça no futuro e com a roupa do passado, como se agora não existisse. LÚ C I O : _ M as a g o r a e x i s t e o u t u d o n ã o p a s s a d e u m a continuação? G A BR I E L : _ N ã o s e i . LÚ C I O : _ A i , c a r a . J á e s t á m e i o t a r d e . ( l e v a n t a - s e ) . V o u dormir, que amanhã começa tudo de novo. Você não vai dormir? 62 Copyright © 2004 by Victor Steinberg Motta. Todos os direitos autorais reservados e protegidos pela lei 9.610 de 19/02/98. É proibida a reprodução total ou parcial, por quaisquer meios, sem autorização prévia, por escrito, do autor ou da editora.