O documento descreve a trajetória de vida e carreira política de Luiz Inácio Lula da Silva, desde seu nascimento em uma família pobre no interior de Pernambuco até se tornar o primeiro presidente de esquerda eleito democraticamente no Brasil em 2002. O texto detalha a origem humilde de Lula, sua atuação como líder sindical durante a ditadura militar e a fundação do Partido dos Trabalhadores. Também aborda suas três candidaturas presidenciais anteriores de 1989, 1994 e 1998 e a vitória nas eleições
2. Luiz Inácio "Lula" da Silva
Presidente do Brasil
1° discurso no exterior (Argentina) - 03.12.2002
Em 27 de outubro de 1945, em Vargem Grande, atual Caetés, numa família de
pequenos lavradores, nasce Luiz Inácio da Silva (o apelido “Lula” só foi acrescentado ao nome
em 1982). Sobre a data de nascimento, conta Lula: “Até hoje, é a maior polêmica. Porque meu
pai me registrou dia 6 de outubro... Na verdade, eu prefiro acreditar na memória de minha
mãe, que diz que eu nasci no dia 27”. Coincidência feliz: 57 anos depois, os dois turnos da
eleição que decidiria o futuro presidente do Brasil aconteceriam nestes mesmos dias 6 e 27 de
outubro.
Lula ainda era bebê quando o pai, Aristides, migra para trabalhar em São Paulo, na
estiva do porto de Santos. No sertão de Pernambuco ficam a mulher, Dona Eurídice, e os oito
filhos. Em 1952 é a vez da mãe, Lula e seus sete irmãos cumprirem o ritual de milhões de
nordestinos. Numa viagem de 13 dias num pau-de-arara, migram para o Guarujá, no litoral
paulista.
Em 1956, Lula, a mãe e os irmãos se mudam para a capital paulista, mas as condições de
vida não melhoraram muito. Moram num quarto minúsculo nos fundos de um bar, na Vila
Carioca. São anos de pobreza, mas felizes. Todos trabalham. Nas horas livres o menino Lula se
diverte com brincadeiras de moleque: bolinha de gude, peão, pipa, guerra de mamona e muito
futebol.
Lula começa como engraxate e, aos 12 anos, faz entregas para uma tinturaria. Aos 14
consegue seu primeiro emprego com carteira assinada, numa metalúrgica. Mesmo
trabalhando 12 horas por dia, Lula ainda arranja tempo para seguir um curso de torneiro
mecânico no Senai, concluído em 1963. No ano seguinte, começa a trabalhar na metalúrgica
Aliança. Trabalho pesado, no turno da noite. É nessa ocasião que um colega cochila e fecha a
prensa transversal sobre a mão esquerda de Lula, que perde o dedo mínimo.
Em 1966 Lula ingressa nas Indústrias Villares. Nessa mesma ocasião, entra no
sindicalismo pela mão do irmão mais velho, Frei Chico. É o início de sua paixão pela política. No
mesmo ano, a paixão e o casamento com Maria de Lourdes, também operária. Lula espera ser
pai, mas Maria e o filho morrem durante o parto. Nos anos seguintes Lula participa
intensamente da vida sindical. Em 1972, é eleito primeiro-secretário do Sindicato dos
3. Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema. Em 1974 reencontra o amor com Marisa,
também viúva e mãe do pequeno Marcos Cláudio. A essa altura Lula já é pai de Lurian, que lhe
dará seu primeiro neto. Lula e Marisa estão casados até hoje e têm três filhos, Fábio, Sandro e
Luiz Cláudio.
Entre 1975 e 1978, Lula é duas vezes eleito presidente do sindicato e lidera as greves do
ABC. A mobilização dos metalúrgicos é extremamente importante no contexto da época, em
pleno regime militar. Conscientiza os trabalhadores da sua força política e, também, deixa
claro o anseio de liberdade e justiça, compartilhado por toda a sociedade brasileira. As greves
aceleram o final da ditadura. Em 10 de fevereiro de 1980, no tradicional colégio Sion, em São
Paulo, é lançado o manifesto que dá origem ao Partido dos Trabalhadores. Lula funda o PT
juntamente com outros sindicalistas, intelectuais e acadêmicos.
Nos anos 1980, ainda na ditadura, Lula e o PT se firmam como uma força nova na
política nacional. Em 1983, Lula participa da fundação da Central Única dos Trabalhadores
(CUT). No ano seguinte, o PT está na origem da campanha “Diretas Já”, defendendo o direito
de votar para presidente da República. 1986 é o ano da Assembléia Nacional Constituinte. Lula
se candidata a deputado federal. Com 650 mil votos, é o mais votado do país.
Em 1989 os brasileiros, depois de quase trinta anos de regime militar, finalmente vão às
urnas escolher o presidente da República. A campanha de Lula é feita por centenas de comitês
populares, que mesmo sem recursos conquistam 31 milhões de votos. Lula chega em segundo
lugar e, nos anos seguintes, prefere não se candidatar a outros cargos: dedica-se ao “governo
paralelo”, amplia contatos e se aprofunda nas questões administrativas do país.
Enquanto isso, o PT elege seu primeiro senador, Eduardo Suplicy, 35 deputados federais
e 81 estaduais. Começa a enquadrar seus extremistas e dá um passo decisivo em seu processo
de amadurecimento: define-se pelo “socialismo democrático”. Chega 1992 e Lula comanda o
PT na campanha pelo “impeachment” do então presidente Fernando Collor.
Em 1993 Lula dá início a uma série de viagens pelo Brasil. Percorre mais de 40 mil
quilômetros, cobrindo o país de ponta a ponta, com um só objetivo: conhecer de perto as
pessoas, os problemas e os desejos do Brasil real. Nas novas eleições para a Presidência, Lula
tem como vice o hoje deputado federal Aloizio Mercadante. As forças governistas lançam o
Plano Real, atraindo as atenções e as esperanças do eleitorado. O PT perde a disputa para a
Presidência, mas elege os governadores do Distrito Federal e do Espírito Santo, quatro
senadores, 50 deputados federais e 92 estaduais.
4. Em 1998 Lula disputa, pela terceira vez, a Presidência da República. Obtém 32% dos
votos, mas Fernando Henrique é reeleito. O PT cresce, conquista os governos do Rio Grande do
Sul, do Acre, do Mato Grosso do Sul, faz três senadores, 59 deputados federais e 90 estaduais.
No ano seguinte, Lula é um dos líderes da “Marcha dos Cem Mil”, a maior manifestação
política nacional contra o governo FHC.
Nas eleições seguintes, em 2000, o PT ganha as prefeituras de São Paulo, Goiânia,
Aracaju, Recife, Belém, Porto Alegre e de mais 181 cidades, recebendo, em todo o Brasil, cerca
de 12 milhões de votos. Consolida, assim, sua trajetória como o partido que mais cresce no
país.
Em janeiro de 2001 Lula participa em Porto Alegre do Fórum Social Mundial,
contraponto crítico à miséria social provocada pela “globalização”. Começa, também, a
divulgar projetos para áreas específicas da vida nacional: economia, política habitacional,
combate à fome, entre outras prioridades.
Em 06.10.2002, no 1° turno das eleições 2002, Lula é o mais votado e disputa o 2° turno
com o "tucano" José Serra. No 2° turno, em 27.10.2002, "Lula" finalmente é consagrado
vencedor e é eleito o novo presidente do Brasil, com mandato iniciando em 01.01.2003 e até
31.12.2006. O "governo de transição" é criado no dia seguinte - 28.10.2002 - pelo então
presidente Fernando Henrique Cardoso e, assim, democraticamente, o Brasil inicia uma fase
diferente de sua história: um representante do partido de oposição, representante dos
trabalhadores - partido de esquerda -, assume o poder no Brasil.
FONTES: Base de dados do Portal Brasil® e do PT.
GOVERNO LULA
5. O governo Lula representa uma nova etapa na democracia brasileira.
no ano de 2002, as eleições presidenciais agitaram o contexto político nacional. Os primeiros
problemas que cercavam o governo FHC abriram brechas para que Lula chegasse ao poder
com a promessa de dar um outro rumo à política brasileira. O desenvolvimento econômico
trazido pelo Plano Real tinha trazido grandes vantagens à população, entretanto, alguns
problemas com o aumento do desemprego, o endividamento dos Estados e a distribuição de
renda manchavam o bloco governista.
Foi nesse contexto que Lula buscou o apoio de diversos setores políticos para empreender
uma chapa eleitoral capaz de agradar diferentes setores da sociedade brasileira. No primeiro
turno, a vitória de Lula sobre os demais candidatos não foi suficiente para lhe dar o cargo. Na
segunda rodada da disputa, o ex-operário e retirante nordestino conseguiu realizar um feito
histórico na trajetória política do país.
Lula se tornou presidente do Brasil e sua trajetória de vida fazia com que diversas expectativas
cercassem o seu governo. Seria a primeira vez que as esquerdas tomariam controle da nação.
No entanto, seu governo não se resume a essa simples mudança. Entre as primeiras medidas
tomadas, o Governo Lula anunciou um projeto social destinado à melhoria da alimentação das
populações menos favorecidas. Estava lançada a campanha “Fome Zero”.
Essa seria um dos diversos programas sociais que marcaram o seu governo. A ação
assistencialista do governo se justificava pela necessidade em sanar o problema da
concentração de renda que assolava o país. Tal medida inovadora foi possível graças à
continuidade dada às políticas econômicas traçadas durante a Era FHC. O combate à inflação, a
ampliação das exportações e a contenção de despesas foram algumas das metas buscadas
pelo governo.
A ação política de Lula conseguiu empreender um desenvolvimento historicamente reclamado
por diversos setores sociais. No entanto, o crescimento econômico do Brasil não conseguiu se
desvencilhar de práticas econômicas semelhantes às dos governos anteriores. A manutenção
de determinadas ações políticas foram alvo de duras críticas. No ano de 2005, o governo foi
denunciado por realizar a venda de propinas para conseguir a aprovação de determinadas
medidas.
O esquema, que ficou conhecido como “Mensalão”, instaurou um acalorado debate político
que questionava se existia algum tipo de oposição política no país. Em meio a esse clima de
indefinição das posições políticas, o governo Lula conseguiu vencer uma segunda disputa
6. eleitoral. O novo mandato de Lula é visto hoje mais como uma tendência continuísta a um
quadro político estável, do que uma vitória dos setores de esquerda do Brasil.
Independente de ser um governo vitorioso ou fracassado, o Governo Lula foi uma importante
etapa para a experiência democrática no país. De certa forma, o fato de um partido
formalmente considerado de esquerda ascender ao poder nos insere em uma nova etapa do
jogo democrático nacional. Mesmo ainda sofrendo com o problema da corrupção, a chegada
de Lula pode dar fim a um pensamento político que excluía a chegada de novos grupos ao
poder.
Por Rainer Sousa
Graduado em História
Revista época
QUEM É
7. André Singer é jornalista e professor do Departamento de Ciência Política da Universidade de
São Paulo. Tem 51 anos, é casado e pai de duas filhas
O QUE FEZ
Foi porta-voz da Presidência da República entre 2003 e 2007 e secretário de Imprensa de 2005
a 2007
O QUE PUBLICOU
É autor de Esquerda e direita no eleitorado brasileiro (Edusp, 2000) e de O PT (Publifolha,
2009) e organizador de Sem medo de ser feliz: cenas de campanha (Scritta, 1990)
ÉPOCA – Como o senhor define o lulismo?
André Singer – O lulismo é a execução de um projeto político de redistribuição de renda
focado no setor mais pobre da população, mas sem ameaça de ruptura da ordem, sem
confrontação política, sem radicalização, sem os componentes clássicos das propostas de
mudanças mais à esquerda. Foi o que o governo Lula fez. A manutenção de uma conduta de
política macroeconômica mais conservadora, com juros elevados, austeridade fiscal e câmbio
flutuante, foi o preço a pagar pela manutenção da ordem. Diante desse projeto, a camada de
baixa renda, cerca de metade do eleitorado, começou a se realinhar em direção ao presidente.
ÉPOCA – Quando isso aconteceu?
Singer – Em 2006. Houve um realinhamento eleitoral, um deslocamento grande de eleitores
que ocorre a cada tantas décadas. A matriz desse tipo de estudo é americana. Lá, eles acham
que aconteceu um realinhamento eleitoral em 1932, quando (Franklin) Roosevelt ganhou a
eleição presidencial. Ele puxou uma base social de trabalhadores para o Partido Democrata
que não havia antes. Aqui, em 2006 a camada de baixíssima renda da população, que sempre
tinha votado contra o Lula, votou a favor dele. A diferença entre 2002 e 2006 foi que Lula
perdeu base na classe média, seu eleitorado tradicional, e ganhou base entre os eleitores de
baixa renda.
8. ÉPOCA – O lulismo pode sobreviver sem o Lula? Não é preciso uma liderança carismática à
frente desse projeto político?
Singer – No lulismo existe um elemento de carisma, mas isso não é o mais importante. A
importância do carisma é maior nas regiões menos urbanizadas do país, onde se tende a
atribuir a capacidade de execução de um projeto a características especiais da liderança. Em
regiões urbanizadas existe uma adesão mais racional ao programa político. Se minha análise
estiver correta, o lulismo sobreviverá sem o Lula. Uma hipótese é que o lulismo vá desaguar no
PT. Essa camada social que aderiu ao Lula pode lentamente começar a votar nos candidatos do
PT a prefeito, governador, senador. Vejo indícios de que isso começou a ocorrer nas eleições
municipais de 2008. O PT foi mal nas capitais, mas foi bem nas regiões metropolitanas de São
Paulo, Porto Alegre, Belo Horizonte. Isso pode sinalizar que o voto da camada de menor renda
da sociedade está caminhando para o PT.
ÉPOCA – Dilma Rousseff será a herdeira do lulismo? O que acontecerá em 2010?
Singer – Mantidas as condições atuais, a tendência é que, à medida que ficar claro para o
eleitor que a Dilma é a candidata de continuidade do lulismo, ela aumentará suas intenções de
voto com chances consideráveis de ganhar a eleição.
ÉPOCA – Se o lulismo desaguar no PT, o partido terá de abrir mão de bandeiras históricas de
esquerda?
Singer – O PT poderá ser uma fusão de duas forças, o petismo e o lulismo, que têm projetos
com pontos de contato e diferenças. O PT continua sendo o partido do proletariado
organizado, sindicalizado, com carteira de trabalho assinada. Pode vir a ser também o partido
do subproletariado. Quando a gente vê a força do PT na periferia de São Paulo pode ser a
expressão da confluência dessas duas forças.
ÉPOCA – Se essa convergência ocorrer, haverá uma hegemonia do PT?
Singer – Pode ser. É possível que estejamos assistindo a um realinhamento como foi na época
do Roosevelt, que trouxe segmentos da classe trabalhadora para o Partido Democrata por
cerca de 30 anos.
ÉPOCA – Essa camada que era anti-Lula, antiesquerda e a favor da ordem não teria
dificuldades em se associar ao PT?
Singer – Com adaptações de parte a parte parece possível, mas será um processo lento. Não é
tão simples porque o PT tem formação ideológica de esquerda e, embora tenha se
transformado, mantém a identidade de um partido de esquerda. O PT é herdeiro de uma
9. tradição de crítica ao populismo. Se o partido vier a ser caudatário desse movimento, vai haver
o encontro de águas bem diferentes.
ÉPOCA – O que aproxima o lulismo do populismo de Getúlio Vargas?
Singer – Em ambos há uma política de governo voltada para os setores de menor renda. Mas
há uma diferença importante. Getúlio Vargas, ao fazer a CLT (Consolidação das Leis do
Trabalho), criou direitos para o setor urbano da classe trabalhadora, em um país
predominantemente rural. Deixou de fora um vasto setor da classe trabalhadora que foi
incorporado agora.
ÉPOCA – O lulismo pode prejudicar as instituições democráticas?
Singer – O presidente Lula tomou uma decisão fundamental ao não aceitar a proposta do
terceiro mandato. Colocou um ponto final nessa questão. O Brasil sai desse processo com
instituições democráticas fortalecidas. Há problemas na política partidária, cada vez mais
pragmática e menos programática. Isso cria a sensação de que a política diz respeito aos
políticos, e não à sociedade.
ÉPOCA – Lula e o PT, em sua estratégia eleitoral, fizeram uma guinada ao centro. A política
econômica ortodoxa não tem a ver com esse caminho que o partido já vinha tomando antes
de chegar ao poder?
Singer – O PT foi se institucionalizando, mas a ida ao centro é relativa se você olhar o aspecto
programático. O partido manteve um programa com mudanças relativamente pequenas. E é
isso que faz com que o PT mantenha a identidade de esquerda. Onde houve mudança foi na
política de alianças do PT. Antes ele recusava alianças até o ponto de, em 1989, não querer o
apoio do PMDB no segundo turno, sem contrapartida. Hoje o PT dá prioridade à aliança com o
PMDB. Isso é compreensível do ponto de vista eleitoral, por causa do tempo de televisão, do
tamanho do PMDB. Mas é também um problema porque não se sabe qual é a base
programática dessa aliança.
ÉPOCA – Com Dilma na Presidência, crescem as chances de o PT aplicar um programa de
governo mais à esquerda?
Singer – Depende da política de alianças. Se você tiver um vice-presidente como o Henrique
Meirelles (presidente do Banco Central), as probabilidades caem muito. Mas o sentimento do
PT é ter um governo mais à esquerda.
ÉPOCA – A emergência dos pobres significará a marginalização da classe média?
10. Singer – A entrada em cena dessa força nova tirou a centralidade das decisões políticas da
classe média. Se o lulismo se consolidar, teremos o setor de baixa renda em um campo político
e a classe média tradicional em outro. A nova classe média é dúvida. A oposição em 2010 vai
fazer tudo para não se isolar dos eleitores de baixa renda. Vai tentar a mágica de convencer os
lulistas de que seu candidato é melhor para dar continuidade ao projeto do que a candidata da
situação.