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UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA (UFRO)
        CENTRO DE HERMENÊUTICA DO PRESENTE

          PRIMEIRA VERSÃO
                                                              PRIMEIRA VERSÃO
                                                              ISSN 1517-5421    lathé biosa   113
    ANO II, Nº113 - SETEMBRO - PORTO VELHO, 2003
                    VOLUME VIII

                       ISSN 1517-5421


                         EDITOR
                   NILSON SANTOS

                 CONSELHO EDITORIAL
          ALBERTO LINS CALDAS – História - UFRO
     CLODOMIR S. DE MORAIS – Sociologia - IATTERMUND
              ARTUR MORETTI – Física - UFRO
             CELSO FERRAREZI – Letras - UFRO
        HEINZ DIETER HEIDEMANN – Geografia - USP
         JOSÉ C. SEBE BOM MEIHY – História – USP
             MARIO COZZUOL – Biologia - UFRO
              MIGUEL NENEVÉ – Letras - UFRO
        SILVIO A. S. GAMBOA – Educação - UNICAMP
          VALDEMIR MIOTELLO – Filosofia - UFSC
                                                               RONDÔNIA: VESTIDA PARA TIRAR FOTOS
Os textos de até 5 laudas, tamanho de folha A4, fonte Times
New Roman 11, espaço 1.5, formatados em “Word for Windows”
           deverão ser encaminhados para e-mail:

                     nilson@unir.br                                                   NILZA MENEZES
                                                                                        & CÉLIO LINO
                     CAIXA POSTAL 775
                     CEP: 78.900-970
                      PORTO VELHO-RO


                  TIRAGEM 200 EXEMPLARES



        EDITORA UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA
Nilza Menezes e Célia Lino                                                                                        RONDÔNIA: VESTIDA PARA TIRAR FOTOS
Coordenadora do Centro de Documentação do TJ-RO / Jornalista Pós-graduada em Moda
cendoc@tj.ro.gov.br / célia.menezes@ig.com.br


        O vestir é a reprodução da condição social e da visão de mundo. O vestir reproduz o que somos ou que gostaríamos de ser. Através das vestes expressamos as
nossas posturas sociais, culturais e os momentos históricos. Cada povo ao seu tempo vestiu-se das suas realidades e dos seus sonhos. Conforme observa Erica
Palomino: “...a moda tem muito mais a ver com a vida real do que as pessoas pensam” (Palomino, 2000).
        Muitas vezes, o mundo não se dá conta dessa historicidade da moda ou, também muitas vezes, não percebe que a moda termina por completar o quadro
histórico das sociedades (Palomino, 2000) As vestimentas apresentam os momentos históricos vividos por cada comunidade, cada povo. Através das roupas, vamos
percebendo as suas relações e transformações. As fotos e gravuras são as fontes principais para observarmos essas imagens que são inseridas no roteiro histórico.
        Rondônia apresenta ao longe uma imagem desnuda. Essa imagem é construída pelos relatos dos viajantes, pelos cartões postais exibindo nativos em pêlo.
Ainda há quem pense que índios andem nus pelas ruas atirando fechas. Imagem construída pelas fotos de Rondon distribuindo roupas aos nativos. Desse vestir-se
para tirar fotos desnudamos as imagens regionais.
        Geograficamente o que antes era um pedaço do Amazonas e uma grande porção de terras do Mato Grosso passou a ser o Território do Guaporé (1947), após
Território Federal de Rondônia (1956) onde hoje conhecemos por Estado de Rondônia, criado em 1982.
        A historia do lugar pode ser divida em três tempos, dos três períodos três fortes figuras fardadas Mal. Cândido Rondon, Cel. Aluísio Ferreira e Cel. Jorge
Teixeira fazem parte da galeria dos que representam os momentos de rupturas políticas e culturais da região. Em Rondônia, uniforme escolar é também chamado
farda, resquícios dos seus momentos históricos marcados pelo comando de militares ainda não apagados.
        A cidade de Porto Velho, feita com as locomotivas e estrangeiros surgiu do ponto de partida da Ferrovia Madeira Mamoré construída no começo do século XX
(Hardmann, 1988) e falamos dela sempre a partir do ponto de onde parte a sua locomotiva. Como se antes fosse o caos, partimos sempre no trem da Madeira Mamoré
para contarmos a história da região.
        Antes era só a selva e não Rondônia. No entanto a maneira de vestir-se e de adornar-se dos habitantes da floresta e beira de rios ficou registrada por muitos
viajantes. Os enfeites coloridos feitos de penas com dentes de animais, peles, com todas as suas tendências foram mostrados por Alexandre Rodrigues Ferreira em seu
relatório de viagem realizado no século XVII e deixaram de existir para a história a partir do apito da locomotiva.
        Ao embarcarmos no trem, no momento da sua partida inicial, vamos nos encontrar com diversos povos. As fotografias da época mostram distintas
formas de vestimentas de acordo com o país de origem dos trabalhadores.
O Museu do Estado guarda exemplares de sapatos e sacos para viagem, produzidos nos seringais a partir da goma elástica e que eram usados pelos
trabalhadores dentro da floresta, objetos ainda encontrados nas comunidades que vivem nos seringais.
       Têm-se também desses tempos referências de Euclides da Cunha e de Manuel Carneiro da Cunha dos procedimentos efetuados pelo Marechal Cândido Rondon
providenciando calções, camisas e cintos para os povos indígenas durante a instalação da linha telegráfica.
       Antes da locomotiva da modernidade, registros documentais mostram-nos que mulheres judias já se encontravam com seus maridos comerciantes em
pequenos povoados como Presidente Marques, Generoso Ponce e, em número mais acentuado, em Santo Antônio do Rio Madeira. Os judeus, assim como
mais tarde os árabes, estabeleceram na região uma rede comercial que, partindo de Belém para Manaus cobria a região da hinterlândia.
       As listas de mercadorias dos comerciantes do começo do século XX na região trazem junto com o bacalhau, vinho do porto e chumbo, as sedas, brins, chitas,
fitas e pó de arroz. Todo o comércio era feito por esses estrangeiros o que foi mantido até os anos 80, conforme recorda Labibe Aiech: “Tínhamos as lojas, aqui tinha
muito estrangeiros e as lojas foram se estendendo. Tudo chegava de navio” (Aiech: 2001)
       Do ponto de partida do trem, as primeiras mulheres a chamarem a atenção pela maneira de vestir-se e que encontramos registradas em fotografia
são as Barbadianas, negras caribenhas que chegaram em Porto Velho por volta de 1912.
       Nas fotos oficiais da ferrovia são apresentadas como enfermeiras e lavadeiras. Elas foram observadas e comentadas pelo uso do chapéu, hábito
britânico que trouxeram para a floresta e que preservaram, sendo assim registradas e lembradas.
       Em sua visita à Porto Velho e Guajará-Mirim em 1929, Mario de Andrade não deixou de observar essas mulheres: Mulher do povo e de chapéu, já sabe, é
barbadiana. (Andrade,1983) .
       Eduardo Barros Prado registrou-as como verdadeiras belezas de ébano. Pinto Pessoa, em Selva Selvagem, também notou essas mulheres e assim as
descreveu: As mulheres tem um hábito interessante de conversar sempre mettido na cabeça um chapéo. Vemol-as em ruidosos grupos pelas ruas ás horas de
descanso, engrolando um máo inglez, exhibindo chapéos de todos os feitios. Muitas levam tão longe tal habito que se conservam de chapéo, em casa, ao serviço
(Apud: Lopes, 1995).
       Com a modernidade na selva, marcada pela construção da Estrada de Ferro e pela afluência de trabalhadores e efervescência econômica da borracha, mesmo
ao calor de 38 graus, as damas da sociedade exibiram chapéus e casacos ao longo das primeiras décadas do século XX.
       Vestir-se na selva com algo de Londres foi imperativo. Gilberto Freiry, em sua obra “Modos de homem & Modas de mulher”, esbraveja contra esse
costume, “não só extravagante para o Brasil, como terrivelmente anti-higiênico, antiecológico e antitropical” Freyre,1987).
       As mulheres que viveram esse período como a Srª Labibe Aiech, descendente de libaneses e que chegou em Porto Velho no ano de 1912, hoje com
92 anos, conta que as roupas para as festas do Clube Internacional onde freqüentava a alta sociedade portovelhense eram feitas por costureiras. Com a
peculiaridade dos antigos, o saudosismo fala dos famosos “soiarées” que eram as noitadas onde as mulheres costumavam comparecer vestidas todas da

                                                                                                                                                                  3
mesma cor. Antes das festas, elas escolhiam a cor que seria a roupa. Por exemplo, se a cor era verde, todas iam de verde, podendo variar a tonalidade e os
modelos dos vestidos.
        Observamos que os primeiros comerciantes a trazerem o fascínio dos fetiches femininos para os rios Madeira, Mamoré e Guaporé foram os árabes com seus
regatões que, a partir do Porto de Belém, passando por Manaus, escorriam por estradas líquidas e junto com o sal, o açúcar e os enlatados levavam os leques, rendas,
perfumes e água de colônia. Os anúncios de jornais da época apresentam as mercadorias oferecidas à sociedade de Porto Velho, sendo que a maior parte das lojas
pertencentes a árabes tinha um toque francês no nome da loja.
        As mulheres que presenciaram ou que ouviram de suas mães e avós sobre o período falam de barcos ao longo dos rios trazendo um quase “shopping”
ambulante: móveis, alimentos, roupas, objetos de necessidade e de fetiche para o consumo dos que produziam a borracha. Mesmo após a queda, durante as décadas
de 20 a 60, em ritmo menor, a vida ao longo dos rios e nas duas únicas cidades (Porto Velho e Guajará-Mirim) manteve-se guardando as tradições e uma espécie de
saudosismo, esperança de retorno. Muita gente ainda insistiu no sonho.
        A artista plástica Rita Queiroz, filha de seringalista, vivendo nas margens do Rio Madeira durante as décadas de 40, 50 e 60, fala desses barcos como sendo o
grande sonho de consumo dos moradores das beiras dos rios no período. Lembra ainda que seu pai, originário do Estado de Alagoas, quando viajava para o Nordeste
trazia algumas roupas diferentes para a família, mas que a grande maioria dos trabalhadores usava roupas feitas de tecido de algodão e morim colorido comprados dos
mascates.
        Através dos procedimentos de arrolamento ou inventário, entre os pertences das mulheres que morriam na região encontramos quase sempre uma máquina de
costura. Pelo que se observa esse objeto de trabalho foi muito utilizado. Mulheres solitárias que viviam nas vilas ao longo da ferrovia, salvo outras informações, poderiam pela
característica dos pertences e da condição social ser classificadas como se observa dos documentos judiciais da época de mulheres de vida fácil ou mundana. Elas tinham entre
seus bens algumas jóias, cortes de tecidos, fitas, espelhos, perfumes, leques, e materiais de costura, além da máquina de costurar, é claro.
        O clube internacional que abrigava a alta sociedade assim ficou registrado: ... o salão elegante de seu clube Internacional, repleto de almofadinhas e
melindrosas, cheio de senhoras e cavalheiros distintos, que se agitam coreograficamente ao som do on-step, do fox trot, dos lanceiros, e onde se vê o inglês de
Londres e a francesa de paris... (Moraes, 1969, p. 175).
        Conforme observa Labibe Aiech, hoje as coisas tornaram-se mais fáceis. A moda no meu tempo era um bocado difícil. Hoje você encontra tudo. Só falta
dinheiro, o resto você encontra, mas naquela época tudo era preciso fazer. Era tudo com costureira (Aiech:2001).
        O olhar de Miguel Roumiê sobre os hábitos culturais da região e sobre o comportamento na década de 70, período causador de grandes mudanças, está ligado
a um costume da época de que as pessoas que viviam nas cidades de Porto Velho e Guajará-Mirim viajavam muito para a cidade do Rio de Janeiro. Esse costume se
deu em face de que, sendo um Território Federal, se encontrava fortemente ligada à capital brasileira, no caso o Rio de Janeiro. Esse costume foi mantido ainda após a
transferência do centro político para Brasília. As pessoas de alguma posse da região tinham o hábito de viajar para o Rio de onde traziam as novidades: Embora não

                                                                                                                                                                             4
tivéssemos televisão, tínhamos o rádio. Já chegavam as revistas e outras coisas mais e o pessoal viajava muito. Era o “must” daqui o pessoal viajar para o Rio de
Janeiro passar as férias no Rio. Hoje se viaja muito para o Nordeste, antes era para o Rio de Janeiro. Belém do Pará como no meu caso. Apesar de ter isso já a outros
lugares, mas era a situação que se vivia naquele momento. Quem viajava para o Rio voltava de lá influenciado. Em moda, em costumes, em mentalidade, em tudo
(Roumiê: 1999).
        Hoje, em tempos de globalização, tudo está em todos os lugares ao mesmo tempo. No entanto, as regiões possuem suas características trazidas e adaptadas.
        Assim como os viajantes observaram as barbadianas e seus chapéus no começo do século, ainda é comum observarmos uma sulista comentando sobre hábitos
das mulheres das camadas populares, chamadas de rondonienses, como por exemplo, o costume de lavar roupa nos igarapés ou mesmo nos tanques nas áreas de
serviço de suas casas apenas de roupas íntimas. Esse hábito proporcionado pelo clima quente em que o corpo pede pouca roupa, é aproveitado também para um
bronzeamento que o clima regional proporciona durante todo o ano. De modo geral, as nossas mulheres, principalmente das classes populares, usam pouca roupa e
exibem um bom bronzeado durante todo o ano.
        Em Rondônia, a moda produzida resume-se ainda a uma grande utilização de costureiras e a existências de malharias para produção de uniformes escolares e
camisetas. O grosso da demanda das lojas vem dos grandes centros como São Paulo, Rio de Janeiro e Goiânia.
        Tudo compõe as características da população múltipla que vive no Estado. Apesar de todas as variações e gostos, as vitrines exibem e as mulheres desfilam
botas e roupas pretas feitas para o consumo do sul do país, obedecendo a um imperativo da moda. Práticas observadas por Gilberto Freiry em “Modos de Homem &
Modas de mulher” (Freyre, 1997) são comentadas por Erica Palomino: Assim, traziam-se da França vestidos de todos os tipos (das roupas de festa às do dia-a-dia),
sapatos, meias, espartilhos e roupas íntimas, perfumes, maquiagem (rouge), acessórios e luvas. Na Belle Époque, uma brasileira que saísse sem luvas não seria
considerada “bem vestida”. A sombrinha completava o conjunto. As cores eram escuras: pretos, pardos e cinzentos – como era moda em Paris. Levando em conta o
calor do Brasil, dá para imaginar o tormento pelo qual passavam as mulheres da época, mas ainda assim era possível ver aberrações como, por exemplo, capas de pele
em pleno verão carioca (Palomino, 2000).
        Essas características, observadas no Brasil com relação à Europa durante o século XIX e parte do século XX, (Freyre, 1987), fizeram parte da vida das pessoas
que consumiam o que vinha para o Rio de Janeiro e outras capitais e se reproduzem ainda hoje em Rondônia. Tais atitudes são impostas pelos meios de comunicação
e pela falta de indústrias de moda nessa região onde o calor é mais acentuado. As tendências são impostas e aceitas. A moda ditada pelo sul do país para o inverno é
usada por muitas mulheres do norte, impondo seus corpos ao sacrifício das botas e roupas escuras. Ainda hoje a demanda comercial é atendida pelos grandes centros.
        Considerando as distintas classes sociais, hoje se compra tanto nas lojas populares pelas principais ruas do comércio como nas feiras populares e no expressivo
número de hippies e camelôs. Lojas de franquia alcançam o consumidor antenado com a moda divulgada pela televisão e revistas, além das lojas chiques ou exóticas que
trabalham com clientela específica, e a exemplo do que ocorreu no início do século XX, com a moda trazida do Rio de Janeiro e outras capitais brasileiras.



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A moda é como Barthes coloca, “uma ordem da qual se faz uma desordem”. Aqui no norte, não se pode deixar de entrever as marcas regionais que se vão
sendo colocadas no que se reproduz: em olhar diferente, um corte que se faz no modo de usar. Em tudo acabam transparecendo as particularidades do resultado
dessa grande mistura cultural.
       Para Françoise Vicente-Ricard, “a moda parece feita de rupturas sucessivas, no entanto, por sua evolução fundamental, revela-se a nossos olhos como
expressão de múltiplas representações do mundo em diferentes níveis de intensidade”. Aqui, de uma primeira fase de nativos, caboclos, estrangeiros, depois
nordestinos e sulistas, formou-se todo esse caldeirão multicutural que ajuda a contar a história de um povo.


Fontes Primárias: Foram utilizadas partes de entrevistas com Labibe Aiech, Rita Queiroz e Miguel Roumiê que estão arquivadas e fazem parte do Acervo de Histórica
Oral do Centro de Documentação Histórica do TJRO.


Bibliografia
ANDRADE, Mario de. O Turista Aprendiz. Duas Cidades. São Paulo. 1983.
BENCHIMOL, Samuel. Amazônia-Formação Social e Cultural. Valer. Manaus. 2000.
BARTHES, Roland. O Sistema da Moda. Ed. Nacional/Ed. da Universidade de São Paulo. São Paulo. 1979.
CUNHA, Manoel Carneiro. História dos Índios no Brasil. Companhia das Letras. São Pa0ulo. 1998.
CUNHA, Euclides da. A Margem da História. Martins Fontes. São Paulo. 1999.
FREIRY, Gilberto. Modos de Homem Modas de Mulher. Record. Rio de Janeiro. 1987.
KÖHLER, Carl. História do Vestuário. Martins Fontes. 2001.
HARDMANN, Francisco Foot. O Trem Fantasma. Companhia das Letras. São Paulo. 1988.
LOPES, Evandro da Rocha. Súditos e Cassacos: os trabalhadores da Estrada de Ferro Madeira Mamoré. (1907-1931) Mimeo. Porto Velho. 1995.
MAIA, Álvaro. Gente dos Seringais. Rio de Janeiro. 1956.
MORAES, Raimundo. Na Planície Amazônica. Itatiaia. Belo Horizonte. 1987.
PALOMINO, Erica. A Moda. Folha. São Paulo. 2000.
VICENTE-RICARD, Françoise. As Espirais da Moda. Paz e Terra. Rio de Janeiro. 1989.




                                                                                                                                                               6
UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA (UFRO)
        CENTRO DE HERMENÊUTICA DO PRESENTE

          PRIMEIRA VERSÃO
                                                              PRIMEIRA VERSÃO
                                                              ISSN 1517-5421      lathé biosa   114
    ANO II, Nº114 - SETEMBRO - PORTO VELHO, 2003
                    VOLUME VIII

                       ISSN 1517-5421


                         EDITOR
                   NILSON SANTOS

                 CONSELHO EDITORIAL
          ALBERTO LINS CALDAS – História - UFRO
     CLODOMIR S. DE MORAIS – Sociologia - IATTERMUND
              ARTUR MORETTI – Física - UFRO
             CELSO FERRAREZI – Letras - UFRO
        HEINZ DIETER HEIDEMANN – Geografia - USP
         JOSÉ C. SEBE BOM MEIHY – História – USP
             MARIO COZZUOL – Biologia - UFRO
              MIGUEL NENEVÉ – Letras - UFRO
        SILVIO A. S. GAMBOA – Educação - UNICAMP
          VALDEMIR MIOTELLO – Filosofia - UFSC


Os textos de até 5 laudas, tamanho de folha A4, fonte Times
New Roman 11, espaço 1.5, formatados em “Word for Windows”
           deverão ser encaminhados para e-mail:                       PORQUE (AMO) BARTHES?
                     nilson@unir.br


                     CAIXA POSTAL 775                                              MILENA MAGALHÃES
                     CEP: 78.900-970
                      PORTO VELHO-RO


                  TIRAGEM 200 EXEMPLARES




        EDITORA UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA

                                                                                                      7
Milena Magalhães                                                                                                                  POR QUE (AMO) BARTHES?
Professora de Literatura Brasileira
e-mail: milena@ronet.com.br



        Desde que encontrei por acaso um pequeno livro de Alain Robbe-Grillet, intitulado Por que amo Barthes, sinto vontade de escrever algo com o mesmo título. Tal livro
chama-me a atenção por dois motivos: primeiro, porque trata-se de um ficcionista falando sobre um teórico - e não é muito comum “amar” um teórico; segundo, porque, de
uma forma ou de outra, é sempre essa a pergunta que faço desde que li pela primeira vez um livro de Roland Barthes. Lê-los, para mim, não se trata de obrigação
acadêmica, mas de uma curiosidade sempre renovada por essa escritura que é, em essência, a busca da escritura. Por isso, este artigo, mais do que abordar alguns pontos do
texto barthesiano, faz um relato dos meus encontros com os livros de Barthes. Toda aparição de um livro tem sua história.
        Não causa estranheza um leitor eleger algum ficcionista como seu autor preferido, embora não seja de bom tom na crítica literária – sempre em busca de
palavras estéreis que indiquem objetividade e imparcialidade – usar expressões que demonstrem que essa preferência passa por razões que só podem ser explicitadas
se palavras subjetivas se deixarem pronunciar. Conheço uma moça que afirma que, apesar de vez ou outra lê outros autores, ao menos uma vez por mês precisa reler
algum dos livros de García Márquez. Compreendo-a perfeitamente. No entanto, creio que “amar” um teórico exige um pouco mais de explicações, principalmente
quando não é um impulso “teórico” que me move, mas o simples e ingênuo prazer de identificar-me de tal forma com um autor que sinto vontade de lê-lo nos
momentos mais inoportunos: quando estou muito feliz (para “levantar os olhos” do que está sendo lido), muito triste (para esquecer as razões da tristeza), muito
ocupada com outras leituras obrigatórias (nada melhor do que lê Barthes quando se escreve uma dissertação sobre Umberto Eco), e daí por diante.
        O contato com a sua obra ocorreu no 2º ano do curso de Letras. O livro era Aula. Inicialmente, pareceu-me aterrador, complexo e praticamente
incompreensível, o que não me impediu de descobrir ali, dentre tantas definições do que seja literatura, a que me parece mais sedutora até hoje: “Essa trapaça
salutar, essa esquiva, esse logro magnífico que permite ouvir a língua fora do poder, no esplendor de uma revolução permanente da linguagem, eu a chamo, quanto a
mim: literatura”. É também em Aula que Barthes se denomina um sujeito incerto. Autodenominar-se um “sujeito incerto” pareceu-me – e continua parecendo – um
ato de coragem, pois como ele mesmo afirma em outro momento: “O público exige uma fidelidade. Ela não é possível, o escritor só conhece a fidelidade às formas”.
Essa infidelidade corajosa acaba por subverter o que geralmente entendemos por literatura: “Entendo por literatura não um corpo ou uma seqüência de obras, nem
mesmo um setor de comércio ou de ensino, mas o grafo complexo das pegadas de uma prática: a prática de escrever”. Barthes, dessa forma, ao escolher como sua
“língua natural” a literatura não se contenta em observar os seus contornos já definidos, e sim perscruta, questiona e expõe o traço mais definidor desta: a linguagem.
        Ainda não sabia, mas a indicação foi a mais acertada. No mesmo livro, Perrone-Moisés nos alerta que a aula funciona como um caleidoscópio de toda a obra
de Barthes. Este apresenta seu envolvimento visceral com a literatura e também com outras artes a ponto de afirmar: “Se, por não sei que excesso de socialismo ou
de barbárie, todas as nossas disciplinas devessem ser expulsas do ensino, exceto numa, é a disciplina literária que devia ser salva, pois todas as ciências estão
presentes no monumento literário”. É importante confidenciar desde já que é quase heresia chamar Barthes de teórico, uma vez que sua escrita é atravessada por
uma linguagem que está muito distante da que geralmente concebemos como texto teórico. Mais do que dissertar sobre, o que ele propõe é um modo de fazer, um
tipo de saber perpassado pela lógica subjetiva. Seus argumentos são feitos de humores. Sua escritura é uma luta contra o reducionismo do sujeito. Embora o discurso
proferido na aula revele o tom solene que o momento exige, acaba por deixar transparecer, pelo seu conteúdo anti-dogmático, uma vontade de não se aliar ao poder
(mesmo admitindo que ele está emboscado em todo e qualquer discurso). O saber instituído não lhe interessa.
        A academia, na maioria das vezes, prima por coerência teórica e obriga a demarcação de posições. A ordem é não “misturar” teóricos de pensamentos antagônicos,
manter uma certa unidade na diversidade teórica que nos constitui. Em meio a essas exigências, Barthes parece-me “inclassificável” (para empregar uma palavra que me
lembra outro texto). As suas contradições são marcadas pelo apelo vibrante dos desejos, do gozo e do subjetivo: “devo reconhecer que produzi tão-somente ensaios, gênero
incerto onde a escritura rivaliza com a análise”. Essa infidelidade à objetividade, como era de se esperar, causou-lhe transtornos e também inimigos. A aceitação da diferença
é, muitas vezes, apenas um mito teórico. Acusaram-no de não ter posição definida, escrevendo sempre o que pedia o momento teórico. Mesmo sendo considerado a figura-
mãe do estruturalismo por François Dosse – “sua encarnação ondulante e sutil, feita mais de humores do que de rigor” –, também é ele visto como pós-estruturalista, o que
enfatiza a idéia de um trabalho em progressivas transformações. Quem é o escritor Barthes? O que considerar: os seus primeiros escritos ou os últimos? Colocada assim, essa
discussão é estéril, pois, embora esteja ligado ao estruturalismo, ele atravessa o rigor exigido, revelando uma linguagem segunda que se pretendia liberta de toda ordem e
que, assim como a linguagem primeira (literatura), estava situada num topos subversivo. Por que não aceitar um estruturalista que sonha com a ausência de sentido e um
pós-estruturalista apaixonado pelos clássicos como Balzac e Gide?
        Foi envolvida por essas idéias, então novas e instigantes, que li S/Z e fiz da sua estrutura a estrutura da minha monografia final de curso. Em S/Z, os recortes
operados no texto interpretado são grade e libertação: o despedaçar aleatório não tem uma lógica previamente definida pela estrutura, e sim a partir da imaginação
do leitor, embora o que se veja ainda seja uma tentativa de estruturar a partir de um sistema de códigos (sempre podemos dizer que os códigos ali são somente
pontes para o imaginário fluir). Por isso, a sua ligação com o estruturalismo, neste livro, começa a esgarçar-se, uma vez que a idéia de interpretação ganha novos
contornos. Consolida-se em mim a idéia de que o texto de Barthes se constitui sobre o signo da subversão, ampliando os limites do que seja a crítica literária. Nesta,
para ele, deve haver espaço para o escritor (“aquele que trabalha a sua palavra”) e o amador (aquele que ama). Tanto a concepção do que seja leitor – “o que está
em jogo no trabalho literário ... é fazer do leitor não mais um consumidor, mas um produtor do texto” – como a do que seja interpretação – “Interpretar um texto não
é dar-lhe um sentido (mais ou menos embasado, mais ou menos livre), é, ao contrário, estimar de que plural é feito” – se constrói sobre a convicção de “afirmar o ser
da pluralidade”, ferindo de morte o desejo de impor a verdade como condição da interpretação. Prevalece a validade.
        No grupo de estudo que participei na Universidade, um dos primeiros livros comentados foi O prazer do texto. A discussão não foi das mais fortuitas, menos ainda
minha leitura. Somente depois, reli-o. Brincando com os significantes/significados, Barthes opera a distinção entre prazer e fruição. Para ele, alguns textos provocam
prazer (satisfação), enquanto outros fruição/gozo (desfalecimento). Os textos ficam emboscados entre esses dois momentos distintos de recepção que, por vezes, estão

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em oposição. Barthes parece aproximar-se do receptor, dando-lhe importância: “Este retorno da palavra ‘prazer’, é porque ela permite uma certa exploração do sujeito
humano”, embora a ênfase seja dada ao Texto. Ainda é a busca pelo grau zero da escrita, um lugar atópico por excelência em que os signos possam revelar-se e
esconder-se. A alforria da palavra é exposta e desvirtuada, e o gozo deixa de ser apenas prazer: é como um coito proibido e desejado. Senti isso quando li agora
Graciliano, Hilda Hilst e Calvino: quase entendo, mas algo sobra e escapa-me, o que não senti quando li outros: o texto do prazer é dizível, o texto da fruição opera no
interdito: “texto de prazer: aquele que contenta, enche, dá euforia; aquele que vem da cultura, não rompe com ela, está ligado a uma prática confortável de leitura. Texto
de fruição: aquele que põe em estado de perda, aquele que desconforta ..., faz vacilar as bases históricas, culturais, psicológicas, do leitor, a consistência de seus gostos,
de seus valores e de suas lembranças, faz entrar em crise sua relação com a linguagem”. A partir dessa diferenciação, no primeiro momento, parece ser possível afirmar
que Barthes faz a opção pelos textos de vanguarda em detrimento dos clássicos. No entanto, não creio que seja isso. A consciência histórica do já-dito e do já-feito abre o
leque para o que está sendo feito à sua época (como os textos de vanguarda de Alain Robbe-Grillet), sem deixar de perceber que há todo um lastro textual que vem dos
clássicos pronto para ser recortado na produção de novos textos. É o que ele faz com o texto legível de Balzac - Sarrasine - em S/Z. Se não é mais possível reescrever
textos realistas como os de Balzac, Zola e Proust (é o que ele diz em Roland Barthes por Roland Barthes) é porque estamos diante de um novo mundo que se transforma
continuamente: “O mundo como objecto literário, escapa-se; o saber deserta a literatura que já não pode ser nem Mimesis nem Matesis mas simplesmente Simiosis, a
aventura do impossível linguageiro, numa palavra: Texto”. O par prazer/fruição não é o único estabelecido por Barthes. Para deixar falar a contrariedade com a voz da
ciência, outros pares lhe fazem companhia: studium/punctum – óbvio/obtuso.
        Nos livros da seleção de mestrado, Crítica e Verdade era um dos que precisava ser lido. Por isso, numa viagem às pressas, ele passeou comigo pelas estradas
do Nordeste e foi lido em uma noite, uma manhã ensolarada na casa da irmã e um vôo de volta a Porto Velho. O Barthes incisivo, que responde a provocações,
produz alguns textos que se tornaram referência em qualquer discussão sobre o papel da crítica, como “Escritores e Escreventes” e “Crítica e Verdade”. Como ainda
vemos até hoje, a batalha trava-se num campo de guerra em que de um lado estão os defensores da objetividade, da unidade e da clareza em oposição a um deslizar
contínuo da linguagem. A crítica proposta por Barthes não quer esclarecer, não quer comentar, quer apenas o direito de produzir nova linguagem que possibilite outra:
“fazer uma segunda escrita com a primeira escrita da obra é com efeito abrir a via de prolongamentos imprevisíveis, o jogo infinito dos espelhos, e é esta escapada
que é suspeita”.
        Há certos livros que sempre me fazem pensar que toda cidade merece uma Livraria da Rose. Para quem como eu fantasia poder deitar em qualquer lugar para
ler, é numa livraria como essa que podemos alimentar as nossas paixões literárias. E digo isso porque foi sempre essa livreira-mito que materializou meus mais loucos
desejos bibliográficos, como, por exemplo, O Grau Zero da Escrita. Este é o primeiro livro lançado por Barthes. Um dos artigos mais contundentes é o que designa a
sua concepção de literatura: O que é escrita? Se fosse uma tradução brasileira, certamente seria O que é escritura? Nas palavras do crítico José Augusto Seabra, este
livro é “O germe da subversão barthesiana”, pois a literatura já é vista essencialmente como linguagem, desligada das ortodoxias. Outro artigo que me chamou a
atenção, envolvida que estava com minha “iniciação” em poesia, foi Existe uma escrita poética?. Comparando a palavra poética a “uma caixa de Pandora de onde

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saem voando todas as virtualidades da linguagem”, Barthes imagina também um novo receptor que a devore com “uma curiosidade particular, uma espécie de
gulodice sagrada”. A palavra poética não é inocente nem ingênua, é, ao contrário, “uma palavra terrível e desumana”. A afirmação de que o Texto é basicamente
linguagem - a consciência da linguagem como mola e mote para o que pode ser dito depois - é fundamental para compreender o pensamento de Barthes e, a meu
ver, embrenhar-se pela escritura.
        Encontrei Fragmentos de um discurso amoroso numa livraria da cidade de Araraquara. Ao lê-lo, a partir de uma certa página, passei a sentir-me uma das
personagens de Calvino em Se um viajante numa noite de inverno, pois, para minha surpresa, as páginas começaram a repetir-se, os caracteres abraçavam-se de
cabeça para baixo, com duas escritas superpostas uma à outra. Precisei esperar alguns meses até chegar um novo exemplar em que os caracteres não desejassem
ocupar o mesmo espaço. Tendo escrito tantos pedaços, recortes, quadros, como a dizer que não acreditava numa totalidade fechada, um título como Fragments d’un
Discours Amoureux expande a sedução plena de que se valeu Barthes para enunciar uma nova crítica ou a desnecessidade desta, se percebida como um velho modo
de olhar os textos. Fragmentos já não é metalinguagem. O uso da primeira pessoa quase compactua com o texto romanesco, mas a ausência de enredo, o argumento
que persegue cada figura nos diz que, se estamos diante de um romance, sua forma ainda nos é totalmente desconhecida. O que mais me seduz nesse livro é a sua
montagem que pode ser comparada a um grande Frankenstein, visto ser um texto feito de pedaços de outros textos, em que as citações, alusões, ganham novo
sentido no eu que se pronuncia: “... um discurso cuja instância não é outra coisa senão a memória de lugares (livros, encontros) onde tal coisa foi lida, dita, ouvida”.
        No ano passado, Rose apareceu com dois livros de Barthes raros no Brasil (edição portuguesa): fiquei apenas no desejo de Sistema da Moda, muito caro para
meus padrões. Sobrou-me Incidentes, seu livro póstumo, comprido e fininho, em forma de diário. A vontade de que sua escrita evoluísse para uma espécie de diário, à
moda de André Gide, um dos seus escritores essenciais, já tinha sido proferida em Roland Barthes por Roland Barthes, ele mesmo uma espécie de diário escrito em
terceira pessoa. Em Incidentes, a sua face mais humana – já imposta em outros livros – deixa de ser mascarada e observamos pelo “buraco da fechadura” suas tardes
improdutivas, seu desagrado com as conversas “sempre as mesmas” dos intelectuais, suas aflições com as paixões breves e intensas e com sua falta de memória.
Seus aforismos, as paisagens e passagens rápidas são como fotografias que ele nos vai mostrando. Identifico-me numa série de lamúrias: “Sempre esta dificuldade
em trabalhar de tarde...”.
        No sebo da Carlos Gomes, embaixo das prateleiras, encontrei por acaso - como encontramos todos os livros em sebos - três exemplares de O Grão da Voz, livro que
reúne suas entrevistas em língua francesa. Comprei os três, dei de presente os outros dois e, junto com o livro 40 escritos, de Arnaldo Antunes, é a minha primeira
experiência de ler no banheiro. Talvez por ter horror a entrevistas, Barthes deriva sobre os pontos que causam mais controvérsia e curiosidade na sua obra sem deixar de lado
o teatro de vozes plurais que assegura a sua liberdade teórica. Perguntado se as coisas significam alguma coisa, ele responde fazendo uma síntese do seu pensamento: “O
que toda a minha vida me apaixonou foi o modo como os homens tornam o mundo inteligível. ... a escritura cria um sentido que as palavras não possuem de início. É isso que
eu tento exprimir”. A pluralidade de sentidos quase se transforma em ausência de sentido, desejo manifesto em vários de seus textos.



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Na cidade de Vilhena, onde se consegue ler com meia no pé (sempre achei o máximo essa imagem), iniciei a leitura de uma biografia de Roland Barthes, mas
li apenas algumas partes. Fiquei enjoada como se estivesse rompendo um acordo, transgredindo uma norma de conduta. As biografias, na maioria das vezes,
exploram a privacidade causando-me a estranha impressão de que retornamos ao tempo em que era um espetáculo público o banho do rei. As especulações sobre a
sua vida me pareceu ser de importância menor diante do dito que constitui sua obra. Como diz Antunes, a “vida contém cenas explícitas de tédio nos intervalos da
emoção”. Não é isso que me interessa. Assim como a ele, é a sua escritura que me seduz. O que como leitores precisamos saber da vida de R. B. pode ser encontrado
nos seus livros. Nestes, a realidade é desvirtuada pelo imaginário que passa a ser mais interessante do que o real a ponto de este se camuflar em várias virtualidades.
No livro Roland Barthes por Roland Barthes, “arrancado à força da insistência” de minha melhor amiga que teve a sorte de encontrá-lo em um sebo antes de mim, a
projeção em terceira pessoa desvela o desejo que percorre o seu autor: “O esforço vital deste livro é pôr em cena o imaginário”.
       Também em Vilhena, assisti à palestra de uma professora que fez sua tese de doutorado tendo como suporte teórico as idéias de studium e punctum que
estão no livro A Câmara Clara, último dos livros publicados em vida. Quando retornei, a primeira ação foi relê-lo. Para mim, mais do que em O prazer do texto, é em A
Câmara Clara que Barthes faz a opção pelo leitor, no caso, o observador (spectator) das imagens. Em cada fotografia, é o ínfimo que ganha relevância; e aquilo que é
ausência (ou quase) para outrem é o que transtorna o observador solitário. A ironia reside no fato de ser justamente no que nos parece mais objetivo (a fotografia)
que ele impõe com maior dinamismo a força da subjetividade.
       Talvez os autores que verdadeiramente amamos não devam ser estudados, mas apenas lidos. Explico assim o excesso de covardia que me impediu de fazer
minha pesquisa de mestrado com a obra de Roland Barthes. Imagino as horas de fruição das quais me furtei, embora recorra a suas idéias em várias passagens da
dissertação. Dou início à conclusão com as suas palavras para afirmar: até mesmo Barthes foi contraditório quando falou sobre o leitor (com tudo pronto, meu
orientador falou: “por que não disse antes que queria pesquisar Barthes? Teríamos diminuído vários impasses. No mínimo, teríamos discutido menos”). Silenciei
porque não queria admitir naquele momento de realização que talvez não me sinta à altura de escrever sobre ele. Em um daqueles dias de zanga em que se coloca
em xeque até a quem se admira, escrevi: “Não sei se gosto tanto assim da Leyla Perrone-Moisés. Ela pesquisa Barthes, mas a sua escrita é desprovida de poesia, por
isso quando eu a leio penso naquele trecho da música dos Paralamas do Sucesso: ‘tendo a lua aquela gravidade onde o homem flutua merecia a visita não de
militares, mas de bailarinos e de você e eu...’. Barthes merecia poetas estudando-o e não uma crítica com escrita de cientista”. Talvez por isso eu só tenha coragem de
escrever sobre Barthes inserindo-o na minha vivência. Há um medo de escancarar de vez a cientista que habita em mim – não dizem que fazemos projeções?
       À medida que vou escrevendo este ensaio, às vezes euforicamente, outras dando longas pausas relegando-o ao esquecimento, a possível razão de Por que
amo Barthes vai delineando-se. Anima-me a idéia de a razão de amá-lo residir no fato de, para mim, ele ser um dos poucos escritores que permite ao seu leitor
encontrar e recriar as próprias razões de ser um leitor que por vezes sente necessidade de ser também escritor. Sem ser rebelde ou marginal (estar à margem),
Barthes assegura-me a possibilidade de ser as duas coisas e está num entre-lugar que confirma a necessidade da inquietude para a produção.



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Na estante repousa Sade, Fourier, Loyola (por que ainda não me animei a lê-lo?). O óbvio e o obtuso também espera. Acabei de ganhar do meu companheiro
Sistema da Moda, encontrado em sebo numa edição brasileira bem mais acessível ao nosso bolso. Logo após, comprei Mitologias e Michelet, dois dos seus livros mais
importantes. De olhos arregalados, leio agora Michelet. Muito ainda falta para ser lido e tudo para ser relido. Mesmo quando minha escrita cessar, fugaz como boa parte da
produção de hoje, anima-me pensar que a de Barthes continuará atravessando as gerações. Sempre haverá um dia em que algum graduando vai topar com Barthes, bater o
olho e encontrar. E encontrar-se. Por que amo Barthes? Porque amo a leitura. Talvez seja esta a razão primeira de amar um autor.

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BARTHES, Roland. Sistema da moda. Trad. L. L. S. Mosca. São Paulo: Editora da USP, 1979.
________. A câmara clara. Trad. J. C. Guimarães. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984.
________. Sobre Racine. Trad. A. C. Viana. Porto Alegre: L&PM, 1987.
________. Incidentes. Trad. T. Coelho e A. Melo. Lisboa: Quetzal Editores, 1987.
________. O rumor da língua. Trad. M. Laranjeira. São Paulo: Brasiliense, 1988.
________. O óbvio e o obtuso. Trad. L. Novaes. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1990.
________. S/Z. Trad. L. Novaes. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1992.
________. O grão da voz. Trad. A. Skinner. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1995.
________. Aula. Trad. L. Perrone-Moisés. São Paulo: Cultrix, 1996.
________. Crítica e verdade. Trad. L. Perrone-Moisés. São Paulo: Ed. Perspectiva, 1999.
________. Mitologias. Trad. R. Buongermino e P. de Souza. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1999.
________. O prazer do texto. Trad. J. Guinsburg. São Paulo: Perspectiva, 1999.
________. Fragmentos de um discurso amoroso. Trad. H. Santos. RJ: Francisco Alves, 2000.
________. O grau zero da escrita. Trad. M. Laranjeira. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
________. Sade, Fourier, Loyola. Trad. M. Laranjeira. São Paulo: Brasiliense, s/d.
________. Roland Barthes por Roland Barthes. Lisboa: edições 70, s/d.
ROBBE-GRILLET, Alain. Por que amo Barthes. Trad. S. Santiago. RJ: Ed. UFRJ, 1995.
SEABRA,           José           Augusto.           Poiética            de           Barthes.                  Porto:              Brasília      Editora,           1980
.




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UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA (UFRO)
        CENTRO DE HERMENÊUTICA DO PRESENTE

          PRIMEIRA VERSÃO
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                                                              ISSN 1517-5421    lathé biosa   115
    ANO II, Nº115 - SETEMBRO - PORTO VELHO, 2003
                    VOLUME VIII

                       ISSN 1517-5421

                         EDITOR
                   NILSON SANTOS

                 CONSELHO EDITORIAL
          ALBERTO LINS CALDAS – História - UFRO
     CLODOMIR S. DE MORAIS – Sociologia - IATTERMUND
              ARTUR MORETTI – Física - UFRO
             CELSO FERRAREZI – Letras - UFRO
        HEINZ DIETER HEIDEMANN – Geografia - USP
         JOSÉ C. SEBE BOM MEIHY – História – USP
             MARIO COZZUOL – Biologia - UFRO
              MIGUEL NENEVÉ – Letras - UFRO
        SILVIO A. S. GAMBOA – Educação - UNICAMP
          VALDEMIR MIOTELLO – Filosofia - UFSC

Os textos de até 5 laudas, tamanho de folha A4, fonte Times
New Roman 11, espaço 1.5, formatados em “Word for Windows”      O JUDICIÁRIO NO PERÍODO MILITAR
           deverão ser encaminhados para e-mail:

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                     CAIXA POSTAL 775                                                   & CÉLIA LINO
                     CEP: 78.900-970
                      PORTO VELHO-RO



                  TIRAGEM 200 EXEMPLARES



        EDITORA UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA


                                                                                                    14
Nilza Menezes e Célia Lino
                                              O JUDICIÁRIO NO PERÍODO MILITAR
Coordenadora do Centro de Documentação do TJ-RO / Jornalista Pós-graduada em Moda
cendoc@tj.ro.gov.br / célia.menezes@ig.com.br



        Fazendo uso de informações em entrevistas que fazem parte do Acervo de História Oral do Centro de Documentação Histórica do Tribunal de Justiça do
Estado de Rondônia, serão feitas algumas reflexões sobre a posição do judiciário e dos juizes dentro de um período marcante da história brasileira no século XX. O
período que ficou conhecido como os anos de chumbo, ou período do regime militar, demarcado pelos anos que vão de 1964 até o final dos anos 70, lembrado como
um tempo de acontecimentos marcantes para a história contemporânea brasileira.
        São tomados por base depoimentos de juízes federais, que à época, prestavam serviços nos territórios Federais de Roraima, Amapá e Rondônia e também em
observações feitas por advogados sobre a postura dos juízes no período, o que nos oportunizou observar como era o entendimento de uma classe que praticamente
não se manifestou, mas que possuía uma posição sobre o momento político brasileiro.
        Os magistrados são tidos como uma classe não afeita à exposição, uma instituição até pouco tempo completamente fechada. Entretanto,
recentemente, começaram a aparecer pesquisas feitas a partir da documentação do judiciário, surgindo também na última década, em vários Estados, os
Centros de Memória e Documentação, em alguns casos museus, disponibilizando fontes que proporcionam novas leituras e colocam a disposição dos
pesquisadores documentos antes inacessíveis.
        Essa mudança ocorre em razão de mudanças nos focos de interesse da historiografia e dos pesquisadores e historiadores que passam a fazer uso de uma
fonte antes não utilizada, os documentos judiciais, havendo por parte do próprio Poder Judiciário o interesse em oferecer essa documentação, o que faz parte de uma
política de abertura adotada que busca afrouxar a aparência formal, num processo de transparência para que se possa melhor conhecer a instituição.
        Sem nos aprofundarmos na questão, ela ocorre por iniciativa do Poder Judiciário, abrindo seus Centros de Memória e Museus dando a possibilidade de
utilização de documentos antes não de interesse de historiadores e não disponibilizados pela Justiça. Assim, surge o interesse da história por essas abordagens,
apresentando novas possibilidades de diálogos e de interpretações.
        Sobre o período de análise que se caracterizou pela tomada do poder, o que aconteceu com o apoio da classe média, o país vai viver os anos mais dolorosos
da nossa história.
        Conforme Boris Fausto, a partir do golpe em 64, o país passa a viver sob normas dos Atos Institucionais que atingiam os direitos dos cidadãos e
também o Congresso e o Judiciário. No caso do Judiciário, no período completamente a serviço dos interesses do governo, só no ano de 64 foram
expurgados 49 juízes (Fausto: 2000).
Com a comemoração dos 30 anos do estranho ano, em 1998, quando os participantes do processo foram considerados “demonizados”, as vozes começaram a
se soltar proporcionando uma visão mais ampla dos fatos (Reis: 2000).
        Os projetos de História Oral trazem para a cena vozes desconhecidas. No caso presente, as vozes dos juizes de Direito, à época Juizes Federais a serviço nos
territórios, que nos permitem observar o olhar que eles tinham sobre a situação e a posição que mantinham para sobreviverem dentro de um regime autoritário.
        O colaborador Desembargador Aldo Castanheira, que exerceu o cargo de Promotor de Justiça no Território Federal de Roraima de 1962 a 1972 e em Rondônia
de 1972 a 1982, quando foi nomeado Desembargador na criação do Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia em razão da transformação de Território em Estado da
Federação, informa: “a estrutura judicial funcionava com juízes e promotores vinculados à Justiça do Distrito Federal” (Castanheira: 1999)
        O Desembargador Hélio Fonseca, que chegou em Rondônia no ano de 1959 para ser promotor público e que assumiu como Desembargador na criação do Poder
Judiciário comenta sobre o período: Naquele tempo a justiça daqui era subordinada ao Rio de Janeiro e, depois de 1960, passou para Brasília. O Tribunal ficava muito distante
e não dava a menor confiança para a justiça local. Tinham a justiça dos territórios como de segunda classe. Isso desestimulava os juízes e promotores. Quem vinha para cá
não tinha nem o direito de promoção. Era nomeado Juiz e jamais chegaria a Desembargador do Tribunal de Justiça e o promotor daqui jamais seria promovido para Brasília
para chegar ao cargo de Procurador. Então a carreira morria aqui. Não se tinha um apoio psicológico, desanimavam (Fonseca: 1999).
        A postura do judiciário com relação ao regime foi de estar a serviço do governo, o que não impedia de muitos juízes de terem opinião própria e mesmo de, em
algumas ocasiões, manifestarem suas idéias em decisões. Quando essas idéias não eram de interesse do Estado, podiam ser punidas severamente.
        Mesmo não se manifestando, ou não contrariando os interesses do Estado, eles tinham consciência do papel que ocupavam. Aqueles que ousaram tomar
qualquer atitude que veio desagradar à elite sofreu as penalidades que faziam parte do sistema naquele momento. No caso dos juízes que passaram pela judicatura
no então Território Federal de Rondônia, a pena foi a de cassação.
        Dois juízes foram cassados. O Dr. Joel Quaresma de Moura na década de 60 e o Dr. Antônio Alberto Pacca na década de 70. Ambos já faleceram.
        Sobre o assunto nada se registrou na documentação do judiciário, mas, conforme comenta o advogado Pedro Origa, sobre a cassação do Juiz Antonio Alberto
Pacca, o fato ocorreu por meio de um procedimento completamente inquisitorial.
        Não houve para a sua cassação um processo com ampla defesa. Eu digo, aquilo não foi defesa. Você responder as indagações de um inquisitor ou
inquisidor, ardentemente preparado para punir (conseguir a confissão,) não pode ser processo legal. Sem que se soubesse o que realmente existia de prova
contra a pessoa (depoimentos, documentos). Ninguém assistia os depoimentos, eles eram feitos de forma secreta, quer dizer inquisição mesmo (Origa,
1999)
        Com relação à cassação do Dr. Joel Quaresma de Moura, quem comenta o assunto é o Desembargador Aldo Castanheira que assim o descreve: Em 1972
quando cheguei aqui, já conhecia de nome o Dr. Joel Quaresma de Moura, que foi juiz por muitos anos e era um cidadão de respeitabilidade impressionante, uma


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figura extraordinária, apesar de viver em uma região isolada, era um gênio. Eu o conheci quando cheguei aqui, ele estava como advogado porque tinha sido cassado
por conta da revolução. Quanto ao processo de cassação dele, até hoje não sei o que aconteceu (Castanheira,1999).
        Todos os colaboradores fizeram comentários sobre o período militar e a cassação dos dois magistrados no Território Federal de Rondônia. Todos afirmam que
eles foram cassados por conta do regime militar, no entanto não possuem informações detalhadas sobre o fato, o que é natural.
       Observamos que os dois juízes federais estavam exercendo as funções no Território Federal de Rondônia e que foram cassados no período. Tanto Antônio
Alberto Pacca como o Joel Quaresma de Moura apresentam pela documentação uma atuação forte quanto à quantidade de trabalho. Não tendo, portanto sido a
incompetência o motivo da exoneração, mas possivelmente tenha sido provocada por questões ideológicas, podendo isso ser observado na fala do colaborador
Desembargador Aldo Alberto Castanheira e Silva que observa: Quando eu cheguei aqui, já conhecia de nome o Dr. Joel Quaresma de Moura, que foi juiz por muitos
anos era um cidadão de respeitabilidade impressionante, uma figura jurídica extraordinária, apesar de viver em uma região isolada era um gênio. Eu conheci quando
cheguei aqui como advogado, porque tinha sido cassado por conta da revolução (Castanheira, 1999).
        Algumas informações dão conta de divergências desses juízes nas decisões tomadas com relação ao INCRA, outros falam em improbidade, mas, mediante
observações feitas por juízes aposentados e advogados que à época exerciam as atividades vamos perceber que dentre os membros do judiciário havia discordância e
atitudes contrárias que foram punidas.
        Ao lembrar o Juiz Antonio Alberto Pacca, o advogado Pedro Origa, que chegou na região no ano de 1971 e tomou conhecimento dos fatos, esses se deram
pelos seguintes motivos: Sua visão era dos juizes da época, era um magistrado positivista. Existia a lei, e ele tinha que cumpri-la. O INCRA achava que a lei era ele.
Como o processo revolucionário vinha se acumulando, ele foi objeto de um processo altamente inquisitorial que culminou com a sua cassação. (Origa:1999)
       Explicando melhor a questão, comenta: Com a chegada do desenvolvimento, o INCRA entendia que não havendo o título ele podia fazer o assentamento. O
Dr. Pacca entendia que a posse tinha de ser respeitada, que o INCRA não podia chegar como dono. Então, ele tinha noção que o papel dele como magistrado era o de
preservar o direito individual, mesmo estando num período autoritário, altamente autoritário, Veja bem: ele era um homem de origem da direita, mas que resolveu
preservar valores que aprendeu na vida e se tornou aquilo que todos os perseguidos da revolução tornaram (Origa, 1999)
       Joel Quaresma de Moura exerceu as funções na década de 60 e Antônio Alberto Pacca na década de 70. Sem juízo de valor, observamos nos dois casos uma
produção expressiva em sentenças, despachos, uma atividade notável tanto em quantidade como em rapidez. Eles aparecem exatamente no momento de
renascimento do judiciário da região, o que se dá em razão do incentivo da migração no início dos anos 60, conforme política adotada pelo governo federal.
       Possuíam, segundo informações de advogados, personalidade forte, não se dobravam aos interesses políticos. O advogado Pedro Origa, que militava na
advocacia no tempo em que Pacca era magistrado, comenta: “ele era uma pessoa que pensava nos pobres, que ficava do lado dos mais fracos, desagrava aos
interesses dos grandes proprietários” (Origa, 1999).


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O Desembargador aposentado Clemenceau Pedrosa lembra o período militar como um tempo que se os juizes não fizessem a vontade dos grandes sofreriam a
degola, e comenta a interferência em decisões. Fala que naquele tempo, tempo do AI-5 a magistratura não tinha estabilidade e que ficavam a mercê da simpatia do
Poder, não havendo garantias para o Magistrado que, no geral, acabava fazendo o jogo do poder. Nas suas palavras podemos perceber a carga que isso acarretava:
Minha vivência nos Territórios era difícil porque eu era só, não tinha contatos com outros juízes. Meus diálogos eram feitos em Belém do Pará com os
Desembargadores do Tribunal de Justiça e alguns juízes. Naquela época, foi excepcional, estava em pleno desenvolvimento o Ato Institucional nº 5. Todas as
garantias constitucionais da magistratura estavam suspensas. Qualquer juiz podia ser cassado com base no AI-5. As garantias da Magistratura, ou seja: vitaliciedade,
inamobilidade e retroatividade de vencimentos estavam suspensas, conseqüentemente se contrariássemos os “poderosos” que eram os militares da época, estávamos
sujeitos a sofrer uma degola. Recebíamos pressões a toda hora, mas graças a Deus nunca me submeti a essas pressões, sempre decidi com independência, mesmo
sofrendo pressões tanto no Amapá como em Roraima. Em Rondônia nenhuma, graças a clarividência e o espírito público do governador Jorge Teixeira de Oliveira
(Clemenceau, 1999)
       Sobre a cassação do Juiz Antônio Alberto Pacca, ele observa: “O Dr. Antonio Alberto Pacca, havia sido cassado pelo AI-,5 o que foi uma grande injustiça aqui
em Porto Velho...” (Clemenceau, 1999).
       O advogado Pedro Origa, ao falar sobre a cassação do Dr. Pacca, informa: O problema que ele enfrentou foi o de ter sido na época do arbítrio,
apesar da seleção de juizes ser uma seleção onde o conteúdo ideológico era mensurado, isso não se tem como esconder, evidentemente quem tivesse
participado do processo de 64 não seria juiz no período revolucionário. Quem quiser esconder, esconde, porque não está com vontade de dizer. Então,
evidentemente, o Dr. Antonio Pacca não era um homem que se pudesse dizer de esquerda, mas era um homem com um senso muito grande de justiça, com
uma percepção muito grande para decidir e com uma concepção muito grande do papel que desempenhava. O confronto básico dele foi em razão de
representar um poder que era o Poder Judiciário, encarregado de dirimir conflitos naquela visão mesmo sua, e dos juizes da época, de um magistrado
positivista. (Origa, 1999).
       Sobre a cassação do Juiz Alberto Pacca, o Desembargador Aldo Alberto Castanheira informa: O Dr. Pacca foi colega de concurso do Dr. César Montenegro e do
Dr. Clemenceau Pedrosa Maia. Trabalhei com ele muito tempo aqui em Porto Velho, era exclusive muito trabalhador, mas por um motivo ou outro, talvez seja um
processo muito longo tocar nessa questão, ele foi se indispondo com o Capitão Silvio Gonçalves de Farias, o executor do INCRA em Rondônia. O Capitão era um
homem forte na época, era ligado ao Conselho de Segurança Nacional. Por essas questões, os ânimos foram se exacerbando e parece que foi se complicando. Nas
defesas que ele andou fazendo, segundo consta, não se saiu muito bem. A situação ficou complicada e ele acabou sendo cassado (Castanheira,1999).
       As duas falas, tanto a do advogado Pedro Origa como do Desembargador Clemenceau Pedrosa Maia, trazem referências aos problemas políticos da época. Deixam
claro que a questão que deu causa as cassações foram problemas relacionados à postura desses magistrados frente ao INCRA que através do seu executor o Capitão Silvio
Gonçalves de Farias, representava o Poder. O Desembargador Clemenceau Pedrosa Maia, em sua fala deixa transparecer de forma clara o que representava contrariar o

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poder naquele período: Naquela época, foi excepcional, estava em pleno desenvolvimento o Ato Institucional nº 05, o AI-5. Todas as garantias constitucionais da magistratura
estavam suspensas. Qualquer juiz podia ser cassado. Vitaliciedade, inamobilidade e retroatividade de vencimentos estavam suspensas, conseqüentemente se contrariássemos
os “poderosos” que eram os militares da época, estávamos sujeitos a sofrer uma degola (Clemenceau, 1999).
        Sobre a estrutura do Judiciário nos territórios, o Desembargador Aldo Alberto Castanheira e Silva, conta que: “O Judiciário existia nos territórios, e os juizes
eram vinculados ao Tribunal de Justiça do Distrito Federal”. Falando sobre os processos de cassação observa: Na época tinha o CGI - Comissão Geral de Investigação
no âmbito da justiça, cada Estado tinha uma sub CGI, geralmente comandada por um militar. Eram processos sigilosos, eles faziam coletas de depoimentos, às vezes
nem isso e era mandado para Brasília, é claro que isso era negócio de regime forte. Muitas cassações talvez tenham sido até corretas, mas desta forma eram absurdas
(Castanheira, 1999).
        As falas nos possibilitam um outro olhar sobre o Judiciário. Conforme observamos na introdução o Poder Judiciário permaneceu hermético ao longo da sua
história, estando nos últimos anos a procura de novas formas de posicionar-se. Isso se apresentou latente conforme observamos em recente Seminário na cidade de
Porto Alegre no Rio Grande do Sul, cujo tema era memória e historiografia institucional, organizado pelo do Memorial do Judiciário. Além de discutir as questões
ligadas aos problemas de arquivo e preservação de documentos, falou-se na questão de que muitas vezes a imprensa divulga notícias e o Poder Judiciário permanece
silente, sendo um órgão do qual pouco se sabe, o que demonstra a preocupação deste em mostrar-se mais receptivo ao público.
        Nos últimos anos, através dos museus e memoriais, o Poder Judiciário começa a disponibilizar sua documentação aos pesquisadores surgindo possibilidades de
novas interpretações. Os Estados do Mato Grosso do Sul, do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Minas Gerais, Rondônia, entre outros, já possuem seus acervos
disponibilizados. Alguns casos ainda se encontram em fase de organização, sistematização e tratamento dos documentos, no entanto com a documentação sendo
organizada, e a construção de acervos de História Oral, oferecem novas oportunidades de pesquisas e novas leituras em diversas áreas do conhecimento.
Fontes: Depoimentos dos Desembargadores, Clemenceau Pedrosa Maia, Hélio Fonseca, Aldo Alberto Castanheira e Silva e com o advogado Pedro Origa. As
entrevistas encontram-se arquivadas no Centro de Documentação do Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia.


Bibliografia
FAUSTO, Boris, História do Brasil. Edusp. São Paulo. 2000.
MEIHY, Jose Carlos Sebe Bom. Manual de História Oral. Loyola. São Paulo. 1999.
REIS, Daniel Aarão. Ditadura Militar, esquerdas e sociedade. Jorge Zahar. Rio de Janeiro. 2000.
THOMPSON,              Paul.       A          Voz         do          Passado.         Paz          e         Terra.         Rio         de          Janeiro.         1998.




                                                                                                                                                                        19
UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA (UFRO)
        CENTRO DE HERMENÊUTICA DO PRESENTE

          PRIMEIRA VERSÃO
                                                              PRIMEIRA VERSÃO
                                                                     EDITORA UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA

    ANO II, Nº116 - SETEMBRO - PORTO VELHO, 2003              ISSN 1517-5421             lathé biosa        116
                    VOLUME VIII

                       ISSN 1517-5421


                         EDITOR
                   NILSON SANTOS

                 CONSELHO EDITORIAL
          ALBERTO LINS CALDAS – História - UFRO
     CLODOMIR S. DE MORAIS – Sociologia - IATTERMUND
              ARTUR MORETTI – Física - UFRO
             CELSO FERRAREZI – Letras - UFRO
        HEINZ DIETER HEIDEMANN – Geografia - USP
         JOSÉ C. SEBE BOM MEIHY – História – USP
             MARIO COZZUOL – Biologia - UFRO
              MIGUEL NENEVÉ – Letras - UFRO
           ROMUALDO DIAS – Educação - UNICAMP
          VALDEMIR MIOTELLO – Filosofia - UFSC



Os textos de até 5 laudas, tamanho de folha A4, fonte Times
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           deverão ser encaminhados para e-mail:                     METODOLOGIA DA HISTÓRIA
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Alberto Lins Caldas                                                                                                                                          METODOLOGIA DA HISTÓRIA
Professor de Teoria da História - UFRO
www.unir.br/~caldas/Alberto - caldas@unir.br



                                     “... cada vez mais historiadores estão começando a perceber que seu trabalho não reproduz ‘o que realmente aconteceu’ ...” Peter Burke


           Este é um texto estritamente heurístico: sua função deve se esgotar “na sala de aula”. Sua meta é reunir determinadas “experiências” para discussão e estímulo à pesquisa em História. Seu âmbito é
restrito e aberto exatamente para permitir os desdobramentos da individualidade na pesquisa historiográfica e os debates em sala de aula. Suprindo deficiências, não sendo “usado”, não se tornando “manual”:
sua forma de existência é de instigamento e estímulo preliminares. Suas incompletudes e erros devem estimular, na prática do debate e na pesquisa, um processo de “resposta” ativa e criativa.



O PROJETO
            O projeto é rascunho inicial de pretensões, intuições, articulações imprevistas, desejos, paixões. Não é “modelo”, devendo se apresentar preliminarmente como imaginação seduzida, espaço de
devaneio que se ajusta para agir, para se pôr a criar ou arrebanhar seu “objeto de desejo”. O momento inicial, o que levará ao projeto, não é nem deve ser acadêmico: ele é pessoal, é obsessão, escolha,
dúvida, querer saber, não saber, um querer completar, o desenvolvimento de um “quadro de questionamentos” que precisam se corporificar num primeiro esboço. Esse esboço é o projeto: guia no caminho
inicial, jamais algo a ser realizado em sua plenitude, algo que force os documentos, a escrita, a ação ou o pensamento na pesquisa. O projeto é condensação de princípios não “planilha de execuções”, uma
“delimitação de objeto” e uma “definição de direção”.

         Esboçaremos aqui um “modelo de projeto”, idéias esparsas, bases, estímulos. Dele podemos fazer quantas modificações for preciso, acrescentando, retirando,
refazendo ao gosto do desejo e da matéria, e à cada matéria um projeto específico.
         Na Justificativa desenvolve-se por que se pretende realizar a pesquisa. Busca-se
falar do “problema”, da “idéia”, da “imagem” que conduziram ao projeto que se pretende realizar e onde (na bibliografia, na vida, no sonho, no desejo e porquê) se
originou o problema central do trabalho. Também se fala sobre a relevância da pesquisa e inicia sua defesa numa explicação dos motivos de viabilidade da execução,
as referências à originalidade e, principalmente, relacionar em grandes linhas os marcos teóricos com o tema. Os Objetivos apontam com o para que da investigação,
com o que se quer pesquisar, definindo os problemas, devendo-se, nesse momento, se inter-relacionar intimamente com o tema da pesquisa. No Quadro Teórico
delimita-se a série de marcos teóricos que sustentam a pesquisa, situando-a dentro do campo teórico principal. Na Metodologia desenvolve-se a metodologia geral,
nascida dos quadros teóricos e dos problemas específicos do assunto, relacionando essa metodologia geral com uma metodologia específica (procedimentos) gerados
a partir do tema ou da área de conhecimento. Mas deve-se lembrar que um projeto de História não deve ter Hipóteses (que não são questões ou problemas mas um
tipo de visão de mundo), o que seria reposicionar o conhecimento para um tempo onde se queria prever, materializar, objetificar tanto os documentos quanto a
atividade do historiador.
         Podemos também desenvolver uma parte de Recursos Financeiros e Humanos, onde se põe as despesas, os financiamento e as necessidades com material, e
até mesmo a quantidade de pessoal para realização da pesquisa, mas isso em casos muito específicos, principalmente quando envolve projeto institucional com bolsa,
relatório, etc, o que exigiria também um Cronograma, que é estrutura temporal geral da pesquisa: princípio e fim, uma estimativa das ações no tempo, as etapas a
serem seguidas numa seqüência lógica. A Bibliografia deve pôr, num mesmo conjunto, textos específicos sobre o tema tratado, textos gerais onde se desenvolve o
tema e seus correlatos imediatos, textos gerais da fundamentação teórica, demonstrando conhecimento e leitura tanto sobre a questão quanto daquilo que a envolve.
A desenvoltura bibliográfica é fundamental em todo o processo de pesquisa.


MÉTODO
           Toda pesquisa flui em contradições. Deve-se assumir estão as contradições como componentes da existência, do pensamento, das teorias, dos conceitos, das idéias e, principalmente, do pensamento
histórico. Os elementos contraditórios devem ser compreendidos e enfrentados, não anulados ou afastados. Os elementos contraditórios, os conjuntos contraditórios não exigem mediações lógicas para se
restabelecer numa harmonia falsa. O sistema será compreensível mesmo sem as mediações forçadas, sejam pelas teorias sejam pelo estilo inconsciente de si mesmo. As contradições não devem ser
expurgadas, "superadas" ou pensadas separadamente: elas nascem da relação, da dialogicidade geral. Uma pretensa pureza esconde as fissuras, as incomunicabilidades, as imperfeições necessárias ao
entendimento. As contradições pedem somente a não-conciliação para se mostrarem vivas. Não há a-realidade e suas-contradições, mas contradições criadas enquanto realidade, contradições históricas.

         A pesquisa deve se apropriar em pormenor da matéria, criando tanto as relações internas quanto os próprios elementos e a relação dialética dos elementos
entre si. Após a investigação (análise) vem a exposição, que é sintética, modo de narrar, sem esquecer que a análise é também processo sintetizante. A análise atinge
os elementos e a exposição (síntese e estilo) reconstitui a estrutura.
         Cada mediação e configuração têm as suas contradições, deformações e historicidades peculiares. Portanto o método deve subordinar-se ao conteúdo, à
matéria em estudo, à vontade, critério e criatividade do historiador.
         Depois que a análise cria os elementos mais simples, os conceitos, as realidades mais elementares, não pode a pesquisa ficar satisfeita e parar. O nível
analítico comporta tipos de "reconstrução sintética" que, falsamente, criam a ilusão de haver-se chegado ao final. A análise é apenas um dos primeiros momentos da
pesquisa. Em seguida é preciso percorrer o caminho em sentido contrário. Do simples ao complexo e do complexo ao simples. Cada elemento é "revisto" pelo conjunto
enquanto o fundamenta.
         A matéria é exposta a partir dos seus elementos, compreendidos como complexos, ricos em facetas, múltiplos em determinações, contradição sobre
contradição, polifonia em processo. Dessa maneira, a matéria historiográfica só pode resultar da análise crítica e criativa de uma escritura. Assim como a realidade é o
sonho-real de determinada sociedade, a história é o sonho do método, o sonho da História.
         Desta maneira, o método não é neutro, mas crítico, político, totalizador, histórico, vivo, negativo, pessoal, devendo ser constantemente renovado e
desenvolvido, sem se tornar saber somente instituído, sem se tornar estrutura estável.
         É preciso também uma auto-avaliação do historiador com relação a sua posição de classe, sua função social, o lugar da sua fala e com qual sistema de poder
sua fala se compromete, suas metas teóricas e uma consciência que o capacite a compreender a geração de homens, coisas e idéias na sua formação social: isso
normalmente “escapa” aos “professores de história”, abismados na reprodução banal e ideológica (periculosa) dos acontecimentos.



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O método não é analítico ou sintético, indutivo ou dedutivo. Superação desses componentes numa perspectiva crítica, onde um se converte no outro, na própria
realidade, no historiador, no seu contrário, num limite e num deslimite, criação/invenção, o método como eterna superação de si mesmo, sonho desta realidade.
          A historicidade (resultado da escrita) deve comungar com a literatura a abertura infinita das interpretações e dos sentidos. A relação sujeito (historiador)
objeto (documentos) não é relação simples, principalmente porque os “objetos” parecem autônomos, reais mais que o real: sua dimensão de resultante da práxis e
dimensão imaginária desaparecem. Os documentos possuem astúcias: não são objetos, como algo "dado naturalmente": os documentos são "sujeitos". Por outro lado,
o historiador, sujeito, deve avaliar sua condição de "objeto" e a própria objetificação.
          Os documentos não falam por “si mesmos”. Além de serem "testemunhos", são "escolhidos" pelo pesquisador por interesses do presente e não por "algo" "no"
e "para" o passado: sua existência é somente relacional: aos discursos, aos saberes, ao pesquisador, aos procedimentos.
          Somente o confronto, o diálogo entre o historiador e os documentos (luta de mundos, concepções, tempos, realidades, eixos) é que realiza e supera a teoria,
o método, os procedimentos. Nada substitui essa luta, onde interpretação e realidade se digladiam, se estimulam, se delimitam, se criam, florescem, explodem ou
morrem. Os documentos não são inocentes: eles fazem parte da rede seletiva que os fez existir e se perpetuar: todo documento é político: sua língua é ideológica e
sua matéria é ficcional, sua razão é disciplinar.
         História é diálogo, é reflexão, é negatividade. É selecionar determinando quais documentos são relevantes à pesquisa e os que não são, mas é a criação do historiador e a realidade em estudo os
elementos que definirão esses cortes, não teorias pré-concebidas ou aspectos incontroláveis de métodos e procedimentos.



A PESQUISA
         1 - O “levantamento bibliográfico” é ação inespecífica, isto é, foi atividade que levou ao assunto, ao tema, ao desejo e, ao mesmo tempo, acompanha a produção geral da pesquisa, fazendo parte da
sedução e não das obrigações ou das regras. Seu lugar não é nem pode ser definido;

          2 - A pesquisa é, inicialmente, um procurar, um produzir, um preparar, um reunir a documentação num processo de “viver o assunto”, encontrar o desejado,
vivendo o risco do encontro, do fragmento e das perdas, mas a história não é encontrada, ela será produzida, escrita, inscrita: sua dimensão de existência é um a
priori;
        3 - A organização da documentação é fundamental (por pessoa, instituição, época, assunto, região, etc): sem esse ordenamento constitutivo toda a pesquisa pode desmoronar, mas essa ordem é
documental, instrumental, não “ontológica”;

          4 - Ler e reler exaustivamente a documentação como um todo, selecionando os documentos que irão fazer parte do corpus (já exige uma visão de conjunto,
uma pré-ideação e uma idéia de história, de texto final);
          5 - Cozinhar os documentos (eles não são comidos crus: são transformados em notas, fichas, resenhas, comentários, artigos, fragmentos, imagens):
intimidade progressiva e julgamento dos documentos: articulações e desarticulações;
          6 - Crítica das fontes (exige leituras mais vastas: a História é um domínio múltiplo): a) crítica externa (de autenticidade): verifica o valor extrínseco do
documento. É uma perícia material do documento. Como o documento foi produzido; quem redigiu o documento; em que momento se redige o documento; para qual

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destinatário; sob que forma se apresenta; como chegou até os que o detêm; qual discurso elabora; questões de letra, suportes, escrita, etc; b) crítica interna: é uma
hermenêutica buscando saber as intenções de fundo do documento;
         7 - Procedimentos críticos: a) análise do documento: atomização de seus elementos (avaliação psicológica, social, econômica, institucional dos elementos do
documento); b) controle das fontes do documento (se observado pelo narrador ou se contado a ele por outro): foco narrativo; c) comparação dos documentos e dos
elementos internos;
         8 - O historiador é prisioneiro dos quadros teóricos de referência, da sua classe social, da posição política, dos discursos envolvidos, dos métodos escolhidos: um dos
movimentos teóricos será tomar consciência dessas “referências” e não projeta-las inocentemente sobre sua escrita, como se fizessem parte da “realidade histórica”;
         9 - Comparar, reagrupar, afastar, extrapolar, selecionar, solicitar, torcer a documentação em busca de respostas às perguntas e questionamentos: a “natureza
discursiva” dos documentos exige um mergulho “lingüístico”, não a espera por um “encontro”: ali nada existe: ali é o lugar da nossa criação;
         10 - Construir um “modelo”, uma “idéia”, uma “imagem” do conjunto documental (história, trama, narrativa): primeiro passo da escrita: constituir uma visão
de conjunto provisória, pois será modificada pela escrita: isso advirá das leituras e da feitura das fichas, notas, textos;
         11 - Com as notas, os resumos, as fichas, as resenhas iniciar a escrita buscando realizar a “visão de conjunto” passo a passo, como se escrevesse um texto
literário (um conto, uma novela, um romance: história é ficção: perder essa dimensão é meio caminho andado para uma ideologia deslavada), compondo os
personagens em seus lugares, escrevendo sua psicologia, seus embates, suas idéias, suas razões, suas ações, suas relações, criando o ambiente, o lugar, o espaço de
vida onde se desenrolará a história;
         12 - Com-pondo as vozes enquanto carne a escrita da História materializa teatralmente numa simbiose onde as vozes compostas e as vozes do historiador se
articulam inseparáveis;
          13 - Articular o desarticulado, separar o unido, perguntar ao informe, fazer mover o imóvel, imaginar nos vazios, perguntar aos silêncios, reviver os mortos, dar corpo e movimento aos vestígios,
dizer mais e sempre muito menos que o vivido;

         14 - O método geral tanto da feitura de notas e fichas quanto da escrita do texto é um ir e vir constantes: das perguntas ao documento e do documento às
perguntas: dos documentos à escrita e da escrita aos documentos.


NOTAS SOBRE HISTÓRIA
         1 - O vivendo (o imediato do presente) desaparece na medida do seu acontecer, sendo impossível apreendê-lo tanto em sua totalidade quanto em suas
relações; o viver deixa vestígios (documentos), mas esses vestígios só se tornam documentos depois de raptados por discursos que lhe dão não somente visibilidade
(não existem vestígios-em-si) mas sentido e estrutura; o historiador (com todas as questões do sujeito) irá transformar os vestígios em documentos para a História,
isto é, lhe dará uma dimensão dentro do conhecimento, trabalhando para constituir sua existência estruturada e significativa; o resultado desse trabalho, dessa escrita


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que é a História (atividade que produz a história) é chamada fato (que a “história de segundo grau” acredita ser-o-que-aconteceu). A História produz a história:
dimensões fundamentais: escrita e ideologia.
        2 - Separar o “discurso dos historiadores” da questão passado. Enquanto o primeiro se liga aos conceitos de discurso, escrita, ideologia, o segundo faz parte
do ambiente ontológico junto com tempo, presente, memória.
        3 - Dessa maneira, a história migra para a História, e esta deve enfrentar sua produção, as ilusões decorrentes dessa produção e os poderes advindos dessa
construção enquanto ideologia (idéia, sistema de idéias que se pretende dizer-o-real, serem o próprio real).
        4 - As questões próprias da História devem ceder o lugar a uma preocupação mais ampla, não a partir de um ponto cego no presente, mas uma articulação de
“várias disciplinas” na reflexão-tempo.
        5 - Partir da tese marxista de “que o objeto, a realidade, o mundo sensível” deve ser compreendido “enquanto atividade humana concreta”: nos cabe agora
pensar a forma de existência desse “mundo sensível”, como ele é criado/reproduzido, como essa atividade concreta transformada em vestígios aparece ao historiador.
“Objetivamente” (dimensão do imediato do presente) a história está inscrita somente na História, isto é, nos livros, na escrita, nos complexos imaginários que são o
tempo. É preciso enfrentar esse “primeiro momento”, essa dimensão de escrita, de imaginário; em segundo lugar a dimensão que a primeira instância abre enquanto
teoria e alienação das questões, ou materialização do teórico enquanto realidade. A primeira questão metodológica da História é a compreensão desses mecanismos,
desses fluxos, dessas substituições: essa vontade obscura em ser Ciência.
        6 - No imediato do presente não há história (a origem, o linear, o destino), mas o simples vivendo. A história (coletiva ou pessoal) só aparece, sempre
enquanto discurso, com uma torção do imediato do presente, onde discursos (historiográfico, psicológico, sociológico, antropológico) se põe a se preencher com uma
reflexão pós-mortem. Essa reflexão é um simulacro daquilo que exercitamos vivamente para sermos no imediato do presente, isto é, o tempo.
        7 - História é ou deve ser uma filosofia das realidades básicas e fundantes. Sua matéria é o tempo.
        8 - A relação entre a Literatura e a História pode ser muito mais produtiva do que normalmente se espera. São duas dimensões da narrativa, mesmo que uma alardei
sua ficcionalidade enquanto a outra esconda sua dimensão de criação literária. O contato poderia abrir para a História um arsenal moderno para sua escritura, trazendo
estratégias literárias para o enfrentamento de uma realidade não mais compatível com “narrativas judiciárias e policiais” tornadas princípio historiográfico.
        9 - A narrativa histórica esconde os vazios do viver, as incompletudes, os silêncios, as faltas, as repetições, as in-articulações, sua própria atividade escritural:
o resultado é sempre muito mais e muito menos que o vivendo: faz parte da mesma matéria imaginária e ficcional da existência: a História, que poderia tocar o
próprio centro do existir, se conforma com uma escrita alienada e ideológica.


BIBLIOGRAFIA



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UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA (UFRO)
        CENTRO DE HERMENÊUTICA DO PRESENTE

          PRIMEIRA VERSÃO
                                                              PRIMEIRA VERSÃO
                                                              ISSN 1517-5421       lathé biosa   117
    ANO II, Nº117 - OUTUBRO - PORTO VELHO, 2003
                    VOLUME VIII

                       ISSN 1517-5421


                         EDITOR
                   NILSON SANTOS

                 CONSELHO EDITORIAL
          ALBERTO LINS CALDAS – História - UFRO
     CLODOMIR S. DE MORAIS – Sociologia - IATTERMUND
              ARTUR MORETTI – Física - UFRO
             CELSO FERRAREZI – Letras - UFRO
        HEINZ DIETER HEIDEMANN – Geografia - USP
         JOSÉ C. SEBE BOM MEIHY – História – USP
             MARIO COZZUOL – Biologia - UFRO
              MIGUEL NENEVÉ – Letras - UFRO
           ROMUALDO DIAS – Educação - UNICAMP
          VALDEMIR MIOTELLO – Filosofia - UFSC


Os textos de até 5 laudas, tamanho de folha A4, fonte Times
New Roman 11, espaço 1.5, formatados em “Word for Windows”    A MARGINALIZAÇÃO DA SEMÂNTICA E DA
           deverão ser encaminhados para e-mail:
                                                                  PRAGMÁTICA NA SALA DE AULA
                     nilson@unir.br


                     CAIXA POSTAL 775                                      MARIA DO SOCORRO DIAS LOURA
                     CEP: 78.900-970
                      PORTO VELHO-RO


                  TIRAGEM 200 EXEMPLARES



        EDITORA UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA


                                                                                                       27
Maria Do Socorro Dias Loura                                  A MARGINALIZAÇÃO DA SEMÂNTICA E DA PRAGMÁTICA NA SALA DE AULA
        Professora e Mestra em Linguistica
        dias-so@uol.com.br



        O homem sempre se preocupou com a linguagem. Na Grécia antiga, os pensadores já se deixavam seduzir por questionamentos como: as palavras imitam as
coisas? Como se dá os nomes às coisas? Como a linguagem se organiza?
        Somente no século XX, essas e outras curiosidades começam a ter forma científica, com objeto, objetivo e método. Surge a Lingüística Moderna com o Curso
de Lingüística Geral do suíço Ferdinand de Saussure, o qual propôs a língua como objeto específico de estudo da ciência. A língua é conceituada pelo mestre como um
"sistema de signos", ou seja, um conjunto de unidades que estão organizadas formando um todo. Vários lingüístas surgiram após Saussure. Modernamente, Cagliari
(1990, p.42) apresenta uma divisão da Lingüística: "Podemos dividir a Lingüistica em Fonética, Fonologia, Morfologia,, Sintaxe, Semântica, Análise do Discurso,
Pragmática, Sociolingüística, Psicolingüística, etc. "
        A relação entre algumas destas ramificações, muitas vezes, é muito direta, o que dificulta a delimitação do campo de uma ou outra. Tomemos, por exemplo, a
Pragmática e a Análise do Discurso: o que distingue, na prática, a primeira da segunda, não fica muito evidente. Outro caso, é a tênue diferença entre a Semântica e a
Pragmática. Ambas têm características comuns. Para diferenciá-las, teoricamente, podemos listar alguns aspectos inerentes a uma e não a outra., entretanto, as
situações apresentadas em cenários diversos nem sempre nos deixam uma perfeita distinção: isto é Semântica, isto é Pragmática.
         A escola ainda privilegia a Morfologia, a Sintaxe e a Fonética, apesar das constantes críticas à gramática tradicional. Esse privilégio contribui para que muitas aulas de
português ainda sejam silenciosas, sistemáticas e opressoras. Silenciosas, porque o aluno pouco ou nada se manifesta como falante da língua nativa, uma vez que a gramática
internalizada é subestimada. Não sendo a fala do aluno valorizada, ele se retrai . Sistemáticas, haja vista os professores seguirem, à risca, e sem critérios a gramática tradicional,
obrigando o aluno a decorar regras e exceções impostas pela norma padrão. Além disso, os professores limitam-se a trabalhar exercícios mecanizados e leituras sem objetivos
pedagógicos pré-estabelecidos. Opressoras, por manipular os alunos com ideologias, geralmente, através do livro didático ou apostilas. Pode-se comprovar esta afirmação
considerando-se o resultado de uma pesquisa que, embora tenha sido realizada em São Paulo, mostra a realidade do país. A professora Maria Helena Neves pesquisou seis grupos
de professores de língua portuguesa no ensino fundamental e médio . Neves (1999, ps. 12, 13) constatou que:
      “As aulas de gramática consistem numa simples transmissão de conteúdos expostos no livro didático em uso”.
      Verifica-se que os grupos de quatro exercícios mais aplicados, que são os relativos ao reconhecimento (e classificação) das classes de palavras e das
      funções sintáticas é responsável por 62% das ocorrências: somando-se a esse grupo as ocorrências que ocupam o quinto lugar e o sexto, que também
      se referem a classes de palavras e a "análise sintática", respectivamente, chega-se a um percentual de mais de 70%, o qual se eleva, se considerados os
      exercícios que se encontram nas posições 9, 10, 25 e 26, todos relativos a funções sintáticas."
Não há dúvida de que, com tais procedimentos, o professor não desenvolverá, no aluno, pelo menos adequada e satisfatoriamente, a habilidades oral e a escrita.
Neste caso, é ilusória a prática pedagógica da aprendizagem do ensino de língua em que o processo ensino-aprendizagem não seja um constante interagir. Esse não interagir,
impossibilita o aluno perceber que a língua tem relação com o poder, com o social, podendo ser um instrumento de opressão ou libertação nos diversos grupos sociais com os
quais ele convive. Neste momento, é pertinente lembrarmos Bourdieu (1983, p. 160):"A língua não é somente um instrumento de comunicação ou mesmo de conhecimento,
mas um instrumento de poder. Não procuramos somente ser compreendidos, mas também obedecidos, acreditados, respeitados, reconhecidos."
        Bourdieu foi feliz ao fazer a afirmação acima. É verdade que usamos a língua como principal meio de comunicação para expressamos sentimentos, emoções,
como também perpetuar conhecimentos adquiridos. Entretanto, ela é muito mais: é instrumento de poder. Tem o poder de persuadir, negativa ou positivamente,
poder de influir em mudanças de comportamento e valores já pré-estabelecidos pelo falante; poder de discriminar.
        Gnerre (1987, p.3) retoma as palavras de Bourdieu:"As pessoas falam para serem "ouvidas", às vezes para serem respeitadas e também para exercer uma
influência no ambiente em que realizam os atos lingüísticos."
        Tanto Bourdieu quanto Gnerre, são enfáticos ao referir-se à relação língua e indivíduo, língua e poder, língua e sociedade, como também ao fato de que as pessoas
falam não somente para se comunicar, simplesmente, isto é, a interação que deve acontecer entre aluno e professor tem que ultrapassar o simples ato informativo. Deve
partir do eu para o outro, para a coletividade, levando em conta todo o contexto da realização da enunciação. Como diz Bakhtin (1999, p. 113):"Toda palavra serve de
expressão a um em relação ao outro. Através da palavra, defino-me em relação ao outro, isto é, em última análise, em relação à coletividade. A palavra é uma espécie de
ponte lançada entre mim numa extremidade, na outra apoia-se sobre o meu interlocutor. A palavra é o território comum do locutor e do interlocutor."


Da marginalização da semântica e da pragmática
        Infelizmente, a palavra, durante quase toda a convivência entre o professor e o aluno, não é território comum. Não é ponte. Ao contrário, distancia, por não
ter o espaço devido em muitas aulas de Português. O que chega a ser uma ironia: a palavra, principal instrumento das aulas de português, é ignorada ! Não se trata
somente de uso do vocabulário obscuro ou muita formalidade por parte do docente. Isso acontece, mas não é uma regra geral. Trata-se de aplicação de conteúdos,
exemplos, textos - quando ocasionalmente são trabalhados - em grande parte, distantes do aluno, descontextualizados do seu mundo, da sua prática social.
        Embora esteja enfatizando a habilidade da fala, sabe-se que a escrita é a preocupação maior dos nossos professores e professoras de Português, haja vista
ser ela a privilegiada pela norma padrão. Entretanto, já há uma significativa porcentagem que valoriza a oralidade do aluno, pois, como afirma Castilho (1998: 13),
      (...) não se acredita mais que a função da escola deve concentrar-se apenas no ensino da língua escrita, a pretexto de que o aluno já aprendeu a língua
      falada em casa. Ora, se essa disciplina se concentrasse mais na reflexão sobre a língua que falamos, deixando de lado a reprodução de esquemas
      classificatórios, logo se descobriria a importância da língua falda, mesmo para a aquisição da língua escrita. Atenuou-se, também, a convicção de que o
      único papel da escola é a transmissão da norma culta. Essas novas convicções apontam para o ensino da Língua portuguesa como uma reflexão sobre a
      língua como atividade, não apenas como estrutura”.

                                                                                                                                                                      29
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Rondônia: vestimentas e moda no processo histórico

  • 1. UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA (UFRO) CENTRO DE HERMENÊUTICA DO PRESENTE PRIMEIRA VERSÃO PRIMEIRA VERSÃO ISSN 1517-5421 lathé biosa 113 ANO II, Nº113 - SETEMBRO - PORTO VELHO, 2003 VOLUME VIII ISSN 1517-5421 EDITOR NILSON SANTOS CONSELHO EDITORIAL ALBERTO LINS CALDAS – História - UFRO CLODOMIR S. DE MORAIS – Sociologia - IATTERMUND ARTUR MORETTI – Física - UFRO CELSO FERRAREZI – Letras - UFRO HEINZ DIETER HEIDEMANN – Geografia - USP JOSÉ C. SEBE BOM MEIHY – História – USP MARIO COZZUOL – Biologia - UFRO MIGUEL NENEVÉ – Letras - UFRO SILVIO A. S. GAMBOA – Educação - UNICAMP VALDEMIR MIOTELLO – Filosofia - UFSC RONDÔNIA: VESTIDA PARA TIRAR FOTOS Os textos de até 5 laudas, tamanho de folha A4, fonte Times New Roman 11, espaço 1.5, formatados em “Word for Windows” deverão ser encaminhados para e-mail: nilson@unir.br NILZA MENEZES & CÉLIO LINO CAIXA POSTAL 775 CEP: 78.900-970 PORTO VELHO-RO TIRAGEM 200 EXEMPLARES EDITORA UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA
  • 2. Nilza Menezes e Célia Lino RONDÔNIA: VESTIDA PARA TIRAR FOTOS Coordenadora do Centro de Documentação do TJ-RO / Jornalista Pós-graduada em Moda cendoc@tj.ro.gov.br / célia.menezes@ig.com.br O vestir é a reprodução da condição social e da visão de mundo. O vestir reproduz o que somos ou que gostaríamos de ser. Através das vestes expressamos as nossas posturas sociais, culturais e os momentos históricos. Cada povo ao seu tempo vestiu-se das suas realidades e dos seus sonhos. Conforme observa Erica Palomino: “...a moda tem muito mais a ver com a vida real do que as pessoas pensam” (Palomino, 2000). Muitas vezes, o mundo não se dá conta dessa historicidade da moda ou, também muitas vezes, não percebe que a moda termina por completar o quadro histórico das sociedades (Palomino, 2000) As vestimentas apresentam os momentos históricos vividos por cada comunidade, cada povo. Através das roupas, vamos percebendo as suas relações e transformações. As fotos e gravuras são as fontes principais para observarmos essas imagens que são inseridas no roteiro histórico. Rondônia apresenta ao longe uma imagem desnuda. Essa imagem é construída pelos relatos dos viajantes, pelos cartões postais exibindo nativos em pêlo. Ainda há quem pense que índios andem nus pelas ruas atirando fechas. Imagem construída pelas fotos de Rondon distribuindo roupas aos nativos. Desse vestir-se para tirar fotos desnudamos as imagens regionais. Geograficamente o que antes era um pedaço do Amazonas e uma grande porção de terras do Mato Grosso passou a ser o Território do Guaporé (1947), após Território Federal de Rondônia (1956) onde hoje conhecemos por Estado de Rondônia, criado em 1982. A historia do lugar pode ser divida em três tempos, dos três períodos três fortes figuras fardadas Mal. Cândido Rondon, Cel. Aluísio Ferreira e Cel. Jorge Teixeira fazem parte da galeria dos que representam os momentos de rupturas políticas e culturais da região. Em Rondônia, uniforme escolar é também chamado farda, resquícios dos seus momentos históricos marcados pelo comando de militares ainda não apagados. A cidade de Porto Velho, feita com as locomotivas e estrangeiros surgiu do ponto de partida da Ferrovia Madeira Mamoré construída no começo do século XX (Hardmann, 1988) e falamos dela sempre a partir do ponto de onde parte a sua locomotiva. Como se antes fosse o caos, partimos sempre no trem da Madeira Mamoré para contarmos a história da região. Antes era só a selva e não Rondônia. No entanto a maneira de vestir-se e de adornar-se dos habitantes da floresta e beira de rios ficou registrada por muitos viajantes. Os enfeites coloridos feitos de penas com dentes de animais, peles, com todas as suas tendências foram mostrados por Alexandre Rodrigues Ferreira em seu relatório de viagem realizado no século XVII e deixaram de existir para a história a partir do apito da locomotiva. Ao embarcarmos no trem, no momento da sua partida inicial, vamos nos encontrar com diversos povos. As fotografias da época mostram distintas formas de vestimentas de acordo com o país de origem dos trabalhadores.
  • 3. O Museu do Estado guarda exemplares de sapatos e sacos para viagem, produzidos nos seringais a partir da goma elástica e que eram usados pelos trabalhadores dentro da floresta, objetos ainda encontrados nas comunidades que vivem nos seringais. Têm-se também desses tempos referências de Euclides da Cunha e de Manuel Carneiro da Cunha dos procedimentos efetuados pelo Marechal Cândido Rondon providenciando calções, camisas e cintos para os povos indígenas durante a instalação da linha telegráfica. Antes da locomotiva da modernidade, registros documentais mostram-nos que mulheres judias já se encontravam com seus maridos comerciantes em pequenos povoados como Presidente Marques, Generoso Ponce e, em número mais acentuado, em Santo Antônio do Rio Madeira. Os judeus, assim como mais tarde os árabes, estabeleceram na região uma rede comercial que, partindo de Belém para Manaus cobria a região da hinterlândia. As listas de mercadorias dos comerciantes do começo do século XX na região trazem junto com o bacalhau, vinho do porto e chumbo, as sedas, brins, chitas, fitas e pó de arroz. Todo o comércio era feito por esses estrangeiros o que foi mantido até os anos 80, conforme recorda Labibe Aiech: “Tínhamos as lojas, aqui tinha muito estrangeiros e as lojas foram se estendendo. Tudo chegava de navio” (Aiech: 2001) Do ponto de partida do trem, as primeiras mulheres a chamarem a atenção pela maneira de vestir-se e que encontramos registradas em fotografia são as Barbadianas, negras caribenhas que chegaram em Porto Velho por volta de 1912. Nas fotos oficiais da ferrovia são apresentadas como enfermeiras e lavadeiras. Elas foram observadas e comentadas pelo uso do chapéu, hábito britânico que trouxeram para a floresta e que preservaram, sendo assim registradas e lembradas. Em sua visita à Porto Velho e Guajará-Mirim em 1929, Mario de Andrade não deixou de observar essas mulheres: Mulher do povo e de chapéu, já sabe, é barbadiana. (Andrade,1983) . Eduardo Barros Prado registrou-as como verdadeiras belezas de ébano. Pinto Pessoa, em Selva Selvagem, também notou essas mulheres e assim as descreveu: As mulheres tem um hábito interessante de conversar sempre mettido na cabeça um chapéo. Vemol-as em ruidosos grupos pelas ruas ás horas de descanso, engrolando um máo inglez, exhibindo chapéos de todos os feitios. Muitas levam tão longe tal habito que se conservam de chapéo, em casa, ao serviço (Apud: Lopes, 1995). Com a modernidade na selva, marcada pela construção da Estrada de Ferro e pela afluência de trabalhadores e efervescência econômica da borracha, mesmo ao calor de 38 graus, as damas da sociedade exibiram chapéus e casacos ao longo das primeiras décadas do século XX. Vestir-se na selva com algo de Londres foi imperativo. Gilberto Freiry, em sua obra “Modos de homem & Modas de mulher”, esbraveja contra esse costume, “não só extravagante para o Brasil, como terrivelmente anti-higiênico, antiecológico e antitropical” Freyre,1987). As mulheres que viveram esse período como a Srª Labibe Aiech, descendente de libaneses e que chegou em Porto Velho no ano de 1912, hoje com 92 anos, conta que as roupas para as festas do Clube Internacional onde freqüentava a alta sociedade portovelhense eram feitas por costureiras. Com a peculiaridade dos antigos, o saudosismo fala dos famosos “soiarées” que eram as noitadas onde as mulheres costumavam comparecer vestidas todas da 3
  • 4. mesma cor. Antes das festas, elas escolhiam a cor que seria a roupa. Por exemplo, se a cor era verde, todas iam de verde, podendo variar a tonalidade e os modelos dos vestidos. Observamos que os primeiros comerciantes a trazerem o fascínio dos fetiches femininos para os rios Madeira, Mamoré e Guaporé foram os árabes com seus regatões que, a partir do Porto de Belém, passando por Manaus, escorriam por estradas líquidas e junto com o sal, o açúcar e os enlatados levavam os leques, rendas, perfumes e água de colônia. Os anúncios de jornais da época apresentam as mercadorias oferecidas à sociedade de Porto Velho, sendo que a maior parte das lojas pertencentes a árabes tinha um toque francês no nome da loja. As mulheres que presenciaram ou que ouviram de suas mães e avós sobre o período falam de barcos ao longo dos rios trazendo um quase “shopping” ambulante: móveis, alimentos, roupas, objetos de necessidade e de fetiche para o consumo dos que produziam a borracha. Mesmo após a queda, durante as décadas de 20 a 60, em ritmo menor, a vida ao longo dos rios e nas duas únicas cidades (Porto Velho e Guajará-Mirim) manteve-se guardando as tradições e uma espécie de saudosismo, esperança de retorno. Muita gente ainda insistiu no sonho. A artista plástica Rita Queiroz, filha de seringalista, vivendo nas margens do Rio Madeira durante as décadas de 40, 50 e 60, fala desses barcos como sendo o grande sonho de consumo dos moradores das beiras dos rios no período. Lembra ainda que seu pai, originário do Estado de Alagoas, quando viajava para o Nordeste trazia algumas roupas diferentes para a família, mas que a grande maioria dos trabalhadores usava roupas feitas de tecido de algodão e morim colorido comprados dos mascates. Através dos procedimentos de arrolamento ou inventário, entre os pertences das mulheres que morriam na região encontramos quase sempre uma máquina de costura. Pelo que se observa esse objeto de trabalho foi muito utilizado. Mulheres solitárias que viviam nas vilas ao longo da ferrovia, salvo outras informações, poderiam pela característica dos pertences e da condição social ser classificadas como se observa dos documentos judiciais da época de mulheres de vida fácil ou mundana. Elas tinham entre seus bens algumas jóias, cortes de tecidos, fitas, espelhos, perfumes, leques, e materiais de costura, além da máquina de costurar, é claro. O clube internacional que abrigava a alta sociedade assim ficou registrado: ... o salão elegante de seu clube Internacional, repleto de almofadinhas e melindrosas, cheio de senhoras e cavalheiros distintos, que se agitam coreograficamente ao som do on-step, do fox trot, dos lanceiros, e onde se vê o inglês de Londres e a francesa de paris... (Moraes, 1969, p. 175). Conforme observa Labibe Aiech, hoje as coisas tornaram-se mais fáceis. A moda no meu tempo era um bocado difícil. Hoje você encontra tudo. Só falta dinheiro, o resto você encontra, mas naquela época tudo era preciso fazer. Era tudo com costureira (Aiech:2001). O olhar de Miguel Roumiê sobre os hábitos culturais da região e sobre o comportamento na década de 70, período causador de grandes mudanças, está ligado a um costume da época de que as pessoas que viviam nas cidades de Porto Velho e Guajará-Mirim viajavam muito para a cidade do Rio de Janeiro. Esse costume se deu em face de que, sendo um Território Federal, se encontrava fortemente ligada à capital brasileira, no caso o Rio de Janeiro. Esse costume foi mantido ainda após a transferência do centro político para Brasília. As pessoas de alguma posse da região tinham o hábito de viajar para o Rio de onde traziam as novidades: Embora não 4
  • 5. tivéssemos televisão, tínhamos o rádio. Já chegavam as revistas e outras coisas mais e o pessoal viajava muito. Era o “must” daqui o pessoal viajar para o Rio de Janeiro passar as férias no Rio. Hoje se viaja muito para o Nordeste, antes era para o Rio de Janeiro. Belém do Pará como no meu caso. Apesar de ter isso já a outros lugares, mas era a situação que se vivia naquele momento. Quem viajava para o Rio voltava de lá influenciado. Em moda, em costumes, em mentalidade, em tudo (Roumiê: 1999). Hoje, em tempos de globalização, tudo está em todos os lugares ao mesmo tempo. No entanto, as regiões possuem suas características trazidas e adaptadas. Assim como os viajantes observaram as barbadianas e seus chapéus no começo do século, ainda é comum observarmos uma sulista comentando sobre hábitos das mulheres das camadas populares, chamadas de rondonienses, como por exemplo, o costume de lavar roupa nos igarapés ou mesmo nos tanques nas áreas de serviço de suas casas apenas de roupas íntimas. Esse hábito proporcionado pelo clima quente em que o corpo pede pouca roupa, é aproveitado também para um bronzeamento que o clima regional proporciona durante todo o ano. De modo geral, as nossas mulheres, principalmente das classes populares, usam pouca roupa e exibem um bom bronzeado durante todo o ano. Em Rondônia, a moda produzida resume-se ainda a uma grande utilização de costureiras e a existências de malharias para produção de uniformes escolares e camisetas. O grosso da demanda das lojas vem dos grandes centros como São Paulo, Rio de Janeiro e Goiânia. Tudo compõe as características da população múltipla que vive no Estado. Apesar de todas as variações e gostos, as vitrines exibem e as mulheres desfilam botas e roupas pretas feitas para o consumo do sul do país, obedecendo a um imperativo da moda. Práticas observadas por Gilberto Freiry em “Modos de Homem & Modas de mulher” (Freyre, 1997) são comentadas por Erica Palomino: Assim, traziam-se da França vestidos de todos os tipos (das roupas de festa às do dia-a-dia), sapatos, meias, espartilhos e roupas íntimas, perfumes, maquiagem (rouge), acessórios e luvas. Na Belle Époque, uma brasileira que saísse sem luvas não seria considerada “bem vestida”. A sombrinha completava o conjunto. As cores eram escuras: pretos, pardos e cinzentos – como era moda em Paris. Levando em conta o calor do Brasil, dá para imaginar o tormento pelo qual passavam as mulheres da época, mas ainda assim era possível ver aberrações como, por exemplo, capas de pele em pleno verão carioca (Palomino, 2000). Essas características, observadas no Brasil com relação à Europa durante o século XIX e parte do século XX, (Freyre, 1987), fizeram parte da vida das pessoas que consumiam o que vinha para o Rio de Janeiro e outras capitais e se reproduzem ainda hoje em Rondônia. Tais atitudes são impostas pelos meios de comunicação e pela falta de indústrias de moda nessa região onde o calor é mais acentuado. As tendências são impostas e aceitas. A moda ditada pelo sul do país para o inverno é usada por muitas mulheres do norte, impondo seus corpos ao sacrifício das botas e roupas escuras. Ainda hoje a demanda comercial é atendida pelos grandes centros. Considerando as distintas classes sociais, hoje se compra tanto nas lojas populares pelas principais ruas do comércio como nas feiras populares e no expressivo número de hippies e camelôs. Lojas de franquia alcançam o consumidor antenado com a moda divulgada pela televisão e revistas, além das lojas chiques ou exóticas que trabalham com clientela específica, e a exemplo do que ocorreu no início do século XX, com a moda trazida do Rio de Janeiro e outras capitais brasileiras. 5
  • 6. A moda é como Barthes coloca, “uma ordem da qual se faz uma desordem”. Aqui no norte, não se pode deixar de entrever as marcas regionais que se vão sendo colocadas no que se reproduz: em olhar diferente, um corte que se faz no modo de usar. Em tudo acabam transparecendo as particularidades do resultado dessa grande mistura cultural. Para Françoise Vicente-Ricard, “a moda parece feita de rupturas sucessivas, no entanto, por sua evolução fundamental, revela-se a nossos olhos como expressão de múltiplas representações do mundo em diferentes níveis de intensidade”. Aqui, de uma primeira fase de nativos, caboclos, estrangeiros, depois nordestinos e sulistas, formou-se todo esse caldeirão multicutural que ajuda a contar a história de um povo. Fontes Primárias: Foram utilizadas partes de entrevistas com Labibe Aiech, Rita Queiroz e Miguel Roumiê que estão arquivadas e fazem parte do Acervo de Histórica Oral do Centro de Documentação Histórica do TJRO. Bibliografia ANDRADE, Mario de. O Turista Aprendiz. Duas Cidades. São Paulo. 1983. BENCHIMOL, Samuel. Amazônia-Formação Social e Cultural. Valer. Manaus. 2000. BARTHES, Roland. O Sistema da Moda. Ed. Nacional/Ed. da Universidade de São Paulo. São Paulo. 1979. CUNHA, Manoel Carneiro. História dos Índios no Brasil. Companhia das Letras. São Pa0ulo. 1998. CUNHA, Euclides da. A Margem da História. Martins Fontes. São Paulo. 1999. FREIRY, Gilberto. Modos de Homem Modas de Mulher. Record. Rio de Janeiro. 1987. KÖHLER, Carl. História do Vestuário. Martins Fontes. 2001. HARDMANN, Francisco Foot. O Trem Fantasma. Companhia das Letras. São Paulo. 1988. LOPES, Evandro da Rocha. Súditos e Cassacos: os trabalhadores da Estrada de Ferro Madeira Mamoré. (1907-1931) Mimeo. Porto Velho. 1995. MAIA, Álvaro. Gente dos Seringais. Rio de Janeiro. 1956. MORAES, Raimundo. Na Planície Amazônica. Itatiaia. Belo Horizonte. 1987. PALOMINO, Erica. A Moda. Folha. São Paulo. 2000. VICENTE-RICARD, Françoise. As Espirais da Moda. Paz e Terra. Rio de Janeiro. 1989. 6
  • 7. UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA (UFRO) CENTRO DE HERMENÊUTICA DO PRESENTE PRIMEIRA VERSÃO PRIMEIRA VERSÃO ISSN 1517-5421 lathé biosa 114 ANO II, Nº114 - SETEMBRO - PORTO VELHO, 2003 VOLUME VIII ISSN 1517-5421 EDITOR NILSON SANTOS CONSELHO EDITORIAL ALBERTO LINS CALDAS – História - UFRO CLODOMIR S. DE MORAIS – Sociologia - IATTERMUND ARTUR MORETTI – Física - UFRO CELSO FERRAREZI – Letras - UFRO HEINZ DIETER HEIDEMANN – Geografia - USP JOSÉ C. SEBE BOM MEIHY – História – USP MARIO COZZUOL – Biologia - UFRO MIGUEL NENEVÉ – Letras - UFRO SILVIO A. S. GAMBOA – Educação - UNICAMP VALDEMIR MIOTELLO – Filosofia - UFSC Os textos de até 5 laudas, tamanho de folha A4, fonte Times New Roman 11, espaço 1.5, formatados em “Word for Windows” deverão ser encaminhados para e-mail: PORQUE (AMO) BARTHES? nilson@unir.br CAIXA POSTAL 775 MILENA MAGALHÃES CEP: 78.900-970 PORTO VELHO-RO TIRAGEM 200 EXEMPLARES EDITORA UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA 7
  • 8. Milena Magalhães POR QUE (AMO) BARTHES? Professora de Literatura Brasileira e-mail: milena@ronet.com.br Desde que encontrei por acaso um pequeno livro de Alain Robbe-Grillet, intitulado Por que amo Barthes, sinto vontade de escrever algo com o mesmo título. Tal livro chama-me a atenção por dois motivos: primeiro, porque trata-se de um ficcionista falando sobre um teórico - e não é muito comum “amar” um teórico; segundo, porque, de uma forma ou de outra, é sempre essa a pergunta que faço desde que li pela primeira vez um livro de Roland Barthes. Lê-los, para mim, não se trata de obrigação acadêmica, mas de uma curiosidade sempre renovada por essa escritura que é, em essência, a busca da escritura. Por isso, este artigo, mais do que abordar alguns pontos do texto barthesiano, faz um relato dos meus encontros com os livros de Barthes. Toda aparição de um livro tem sua história. Não causa estranheza um leitor eleger algum ficcionista como seu autor preferido, embora não seja de bom tom na crítica literária – sempre em busca de palavras estéreis que indiquem objetividade e imparcialidade – usar expressões que demonstrem que essa preferência passa por razões que só podem ser explicitadas se palavras subjetivas se deixarem pronunciar. Conheço uma moça que afirma que, apesar de vez ou outra lê outros autores, ao menos uma vez por mês precisa reler algum dos livros de García Márquez. Compreendo-a perfeitamente. No entanto, creio que “amar” um teórico exige um pouco mais de explicações, principalmente quando não é um impulso “teórico” que me move, mas o simples e ingênuo prazer de identificar-me de tal forma com um autor que sinto vontade de lê-lo nos momentos mais inoportunos: quando estou muito feliz (para “levantar os olhos” do que está sendo lido), muito triste (para esquecer as razões da tristeza), muito ocupada com outras leituras obrigatórias (nada melhor do que lê Barthes quando se escreve uma dissertação sobre Umberto Eco), e daí por diante. O contato com a sua obra ocorreu no 2º ano do curso de Letras. O livro era Aula. Inicialmente, pareceu-me aterrador, complexo e praticamente incompreensível, o que não me impediu de descobrir ali, dentre tantas definições do que seja literatura, a que me parece mais sedutora até hoje: “Essa trapaça salutar, essa esquiva, esse logro magnífico que permite ouvir a língua fora do poder, no esplendor de uma revolução permanente da linguagem, eu a chamo, quanto a mim: literatura”. É também em Aula que Barthes se denomina um sujeito incerto. Autodenominar-se um “sujeito incerto” pareceu-me – e continua parecendo – um ato de coragem, pois como ele mesmo afirma em outro momento: “O público exige uma fidelidade. Ela não é possível, o escritor só conhece a fidelidade às formas”. Essa infidelidade corajosa acaba por subverter o que geralmente entendemos por literatura: “Entendo por literatura não um corpo ou uma seqüência de obras, nem mesmo um setor de comércio ou de ensino, mas o grafo complexo das pegadas de uma prática: a prática de escrever”. Barthes, dessa forma, ao escolher como sua “língua natural” a literatura não se contenta em observar os seus contornos já definidos, e sim perscruta, questiona e expõe o traço mais definidor desta: a linguagem. Ainda não sabia, mas a indicação foi a mais acertada. No mesmo livro, Perrone-Moisés nos alerta que a aula funciona como um caleidoscópio de toda a obra de Barthes. Este apresenta seu envolvimento visceral com a literatura e também com outras artes a ponto de afirmar: “Se, por não sei que excesso de socialismo ou de barbárie, todas as nossas disciplinas devessem ser expulsas do ensino, exceto numa, é a disciplina literária que devia ser salva, pois todas as ciências estão
  • 9. presentes no monumento literário”. É importante confidenciar desde já que é quase heresia chamar Barthes de teórico, uma vez que sua escrita é atravessada por uma linguagem que está muito distante da que geralmente concebemos como texto teórico. Mais do que dissertar sobre, o que ele propõe é um modo de fazer, um tipo de saber perpassado pela lógica subjetiva. Seus argumentos são feitos de humores. Sua escritura é uma luta contra o reducionismo do sujeito. Embora o discurso proferido na aula revele o tom solene que o momento exige, acaba por deixar transparecer, pelo seu conteúdo anti-dogmático, uma vontade de não se aliar ao poder (mesmo admitindo que ele está emboscado em todo e qualquer discurso). O saber instituído não lhe interessa. A academia, na maioria das vezes, prima por coerência teórica e obriga a demarcação de posições. A ordem é não “misturar” teóricos de pensamentos antagônicos, manter uma certa unidade na diversidade teórica que nos constitui. Em meio a essas exigências, Barthes parece-me “inclassificável” (para empregar uma palavra que me lembra outro texto). As suas contradições são marcadas pelo apelo vibrante dos desejos, do gozo e do subjetivo: “devo reconhecer que produzi tão-somente ensaios, gênero incerto onde a escritura rivaliza com a análise”. Essa infidelidade à objetividade, como era de se esperar, causou-lhe transtornos e também inimigos. A aceitação da diferença é, muitas vezes, apenas um mito teórico. Acusaram-no de não ter posição definida, escrevendo sempre o que pedia o momento teórico. Mesmo sendo considerado a figura- mãe do estruturalismo por François Dosse – “sua encarnação ondulante e sutil, feita mais de humores do que de rigor” –, também é ele visto como pós-estruturalista, o que enfatiza a idéia de um trabalho em progressivas transformações. Quem é o escritor Barthes? O que considerar: os seus primeiros escritos ou os últimos? Colocada assim, essa discussão é estéril, pois, embora esteja ligado ao estruturalismo, ele atravessa o rigor exigido, revelando uma linguagem segunda que se pretendia liberta de toda ordem e que, assim como a linguagem primeira (literatura), estava situada num topos subversivo. Por que não aceitar um estruturalista que sonha com a ausência de sentido e um pós-estruturalista apaixonado pelos clássicos como Balzac e Gide? Foi envolvida por essas idéias, então novas e instigantes, que li S/Z e fiz da sua estrutura a estrutura da minha monografia final de curso. Em S/Z, os recortes operados no texto interpretado são grade e libertação: o despedaçar aleatório não tem uma lógica previamente definida pela estrutura, e sim a partir da imaginação do leitor, embora o que se veja ainda seja uma tentativa de estruturar a partir de um sistema de códigos (sempre podemos dizer que os códigos ali são somente pontes para o imaginário fluir). Por isso, a sua ligação com o estruturalismo, neste livro, começa a esgarçar-se, uma vez que a idéia de interpretação ganha novos contornos. Consolida-se em mim a idéia de que o texto de Barthes se constitui sobre o signo da subversão, ampliando os limites do que seja a crítica literária. Nesta, para ele, deve haver espaço para o escritor (“aquele que trabalha a sua palavra”) e o amador (aquele que ama). Tanto a concepção do que seja leitor – “o que está em jogo no trabalho literário ... é fazer do leitor não mais um consumidor, mas um produtor do texto” – como a do que seja interpretação – “Interpretar um texto não é dar-lhe um sentido (mais ou menos embasado, mais ou menos livre), é, ao contrário, estimar de que plural é feito” – se constrói sobre a convicção de “afirmar o ser da pluralidade”, ferindo de morte o desejo de impor a verdade como condição da interpretação. Prevalece a validade. No grupo de estudo que participei na Universidade, um dos primeiros livros comentados foi O prazer do texto. A discussão não foi das mais fortuitas, menos ainda minha leitura. Somente depois, reli-o. Brincando com os significantes/significados, Barthes opera a distinção entre prazer e fruição. Para ele, alguns textos provocam prazer (satisfação), enquanto outros fruição/gozo (desfalecimento). Os textos ficam emboscados entre esses dois momentos distintos de recepção que, por vezes, estão 9
  • 10. em oposição. Barthes parece aproximar-se do receptor, dando-lhe importância: “Este retorno da palavra ‘prazer’, é porque ela permite uma certa exploração do sujeito humano”, embora a ênfase seja dada ao Texto. Ainda é a busca pelo grau zero da escrita, um lugar atópico por excelência em que os signos possam revelar-se e esconder-se. A alforria da palavra é exposta e desvirtuada, e o gozo deixa de ser apenas prazer: é como um coito proibido e desejado. Senti isso quando li agora Graciliano, Hilda Hilst e Calvino: quase entendo, mas algo sobra e escapa-me, o que não senti quando li outros: o texto do prazer é dizível, o texto da fruição opera no interdito: “texto de prazer: aquele que contenta, enche, dá euforia; aquele que vem da cultura, não rompe com ela, está ligado a uma prática confortável de leitura. Texto de fruição: aquele que põe em estado de perda, aquele que desconforta ..., faz vacilar as bases históricas, culturais, psicológicas, do leitor, a consistência de seus gostos, de seus valores e de suas lembranças, faz entrar em crise sua relação com a linguagem”. A partir dessa diferenciação, no primeiro momento, parece ser possível afirmar que Barthes faz a opção pelos textos de vanguarda em detrimento dos clássicos. No entanto, não creio que seja isso. A consciência histórica do já-dito e do já-feito abre o leque para o que está sendo feito à sua época (como os textos de vanguarda de Alain Robbe-Grillet), sem deixar de perceber que há todo um lastro textual que vem dos clássicos pronto para ser recortado na produção de novos textos. É o que ele faz com o texto legível de Balzac - Sarrasine - em S/Z. Se não é mais possível reescrever textos realistas como os de Balzac, Zola e Proust (é o que ele diz em Roland Barthes por Roland Barthes) é porque estamos diante de um novo mundo que se transforma continuamente: “O mundo como objecto literário, escapa-se; o saber deserta a literatura que já não pode ser nem Mimesis nem Matesis mas simplesmente Simiosis, a aventura do impossível linguageiro, numa palavra: Texto”. O par prazer/fruição não é o único estabelecido por Barthes. Para deixar falar a contrariedade com a voz da ciência, outros pares lhe fazem companhia: studium/punctum – óbvio/obtuso. Nos livros da seleção de mestrado, Crítica e Verdade era um dos que precisava ser lido. Por isso, numa viagem às pressas, ele passeou comigo pelas estradas do Nordeste e foi lido em uma noite, uma manhã ensolarada na casa da irmã e um vôo de volta a Porto Velho. O Barthes incisivo, que responde a provocações, produz alguns textos que se tornaram referência em qualquer discussão sobre o papel da crítica, como “Escritores e Escreventes” e “Crítica e Verdade”. Como ainda vemos até hoje, a batalha trava-se num campo de guerra em que de um lado estão os defensores da objetividade, da unidade e da clareza em oposição a um deslizar contínuo da linguagem. A crítica proposta por Barthes não quer esclarecer, não quer comentar, quer apenas o direito de produzir nova linguagem que possibilite outra: “fazer uma segunda escrita com a primeira escrita da obra é com efeito abrir a via de prolongamentos imprevisíveis, o jogo infinito dos espelhos, e é esta escapada que é suspeita”. Há certos livros que sempre me fazem pensar que toda cidade merece uma Livraria da Rose. Para quem como eu fantasia poder deitar em qualquer lugar para ler, é numa livraria como essa que podemos alimentar as nossas paixões literárias. E digo isso porque foi sempre essa livreira-mito que materializou meus mais loucos desejos bibliográficos, como, por exemplo, O Grau Zero da Escrita. Este é o primeiro livro lançado por Barthes. Um dos artigos mais contundentes é o que designa a sua concepção de literatura: O que é escrita? Se fosse uma tradução brasileira, certamente seria O que é escritura? Nas palavras do crítico José Augusto Seabra, este livro é “O germe da subversão barthesiana”, pois a literatura já é vista essencialmente como linguagem, desligada das ortodoxias. Outro artigo que me chamou a atenção, envolvida que estava com minha “iniciação” em poesia, foi Existe uma escrita poética?. Comparando a palavra poética a “uma caixa de Pandora de onde 10
  • 11. saem voando todas as virtualidades da linguagem”, Barthes imagina também um novo receptor que a devore com “uma curiosidade particular, uma espécie de gulodice sagrada”. A palavra poética não é inocente nem ingênua, é, ao contrário, “uma palavra terrível e desumana”. A afirmação de que o Texto é basicamente linguagem - a consciência da linguagem como mola e mote para o que pode ser dito depois - é fundamental para compreender o pensamento de Barthes e, a meu ver, embrenhar-se pela escritura. Encontrei Fragmentos de um discurso amoroso numa livraria da cidade de Araraquara. Ao lê-lo, a partir de uma certa página, passei a sentir-me uma das personagens de Calvino em Se um viajante numa noite de inverno, pois, para minha surpresa, as páginas começaram a repetir-se, os caracteres abraçavam-se de cabeça para baixo, com duas escritas superpostas uma à outra. Precisei esperar alguns meses até chegar um novo exemplar em que os caracteres não desejassem ocupar o mesmo espaço. Tendo escrito tantos pedaços, recortes, quadros, como a dizer que não acreditava numa totalidade fechada, um título como Fragments d’un Discours Amoureux expande a sedução plena de que se valeu Barthes para enunciar uma nova crítica ou a desnecessidade desta, se percebida como um velho modo de olhar os textos. Fragmentos já não é metalinguagem. O uso da primeira pessoa quase compactua com o texto romanesco, mas a ausência de enredo, o argumento que persegue cada figura nos diz que, se estamos diante de um romance, sua forma ainda nos é totalmente desconhecida. O que mais me seduz nesse livro é a sua montagem que pode ser comparada a um grande Frankenstein, visto ser um texto feito de pedaços de outros textos, em que as citações, alusões, ganham novo sentido no eu que se pronuncia: “... um discurso cuja instância não é outra coisa senão a memória de lugares (livros, encontros) onde tal coisa foi lida, dita, ouvida”. No ano passado, Rose apareceu com dois livros de Barthes raros no Brasil (edição portuguesa): fiquei apenas no desejo de Sistema da Moda, muito caro para meus padrões. Sobrou-me Incidentes, seu livro póstumo, comprido e fininho, em forma de diário. A vontade de que sua escrita evoluísse para uma espécie de diário, à moda de André Gide, um dos seus escritores essenciais, já tinha sido proferida em Roland Barthes por Roland Barthes, ele mesmo uma espécie de diário escrito em terceira pessoa. Em Incidentes, a sua face mais humana – já imposta em outros livros – deixa de ser mascarada e observamos pelo “buraco da fechadura” suas tardes improdutivas, seu desagrado com as conversas “sempre as mesmas” dos intelectuais, suas aflições com as paixões breves e intensas e com sua falta de memória. Seus aforismos, as paisagens e passagens rápidas são como fotografias que ele nos vai mostrando. Identifico-me numa série de lamúrias: “Sempre esta dificuldade em trabalhar de tarde...”. No sebo da Carlos Gomes, embaixo das prateleiras, encontrei por acaso - como encontramos todos os livros em sebos - três exemplares de O Grão da Voz, livro que reúne suas entrevistas em língua francesa. Comprei os três, dei de presente os outros dois e, junto com o livro 40 escritos, de Arnaldo Antunes, é a minha primeira experiência de ler no banheiro. Talvez por ter horror a entrevistas, Barthes deriva sobre os pontos que causam mais controvérsia e curiosidade na sua obra sem deixar de lado o teatro de vozes plurais que assegura a sua liberdade teórica. Perguntado se as coisas significam alguma coisa, ele responde fazendo uma síntese do seu pensamento: “O que toda a minha vida me apaixonou foi o modo como os homens tornam o mundo inteligível. ... a escritura cria um sentido que as palavras não possuem de início. É isso que eu tento exprimir”. A pluralidade de sentidos quase se transforma em ausência de sentido, desejo manifesto em vários de seus textos. 11
  • 12. Na cidade de Vilhena, onde se consegue ler com meia no pé (sempre achei o máximo essa imagem), iniciei a leitura de uma biografia de Roland Barthes, mas li apenas algumas partes. Fiquei enjoada como se estivesse rompendo um acordo, transgredindo uma norma de conduta. As biografias, na maioria das vezes, exploram a privacidade causando-me a estranha impressão de que retornamos ao tempo em que era um espetáculo público o banho do rei. As especulações sobre a sua vida me pareceu ser de importância menor diante do dito que constitui sua obra. Como diz Antunes, a “vida contém cenas explícitas de tédio nos intervalos da emoção”. Não é isso que me interessa. Assim como a ele, é a sua escritura que me seduz. O que como leitores precisamos saber da vida de R. B. pode ser encontrado nos seus livros. Nestes, a realidade é desvirtuada pelo imaginário que passa a ser mais interessante do que o real a ponto de este se camuflar em várias virtualidades. No livro Roland Barthes por Roland Barthes, “arrancado à força da insistência” de minha melhor amiga que teve a sorte de encontrá-lo em um sebo antes de mim, a projeção em terceira pessoa desvela o desejo que percorre o seu autor: “O esforço vital deste livro é pôr em cena o imaginário”. Também em Vilhena, assisti à palestra de uma professora que fez sua tese de doutorado tendo como suporte teórico as idéias de studium e punctum que estão no livro A Câmara Clara, último dos livros publicados em vida. Quando retornei, a primeira ação foi relê-lo. Para mim, mais do que em O prazer do texto, é em A Câmara Clara que Barthes faz a opção pelo leitor, no caso, o observador (spectator) das imagens. Em cada fotografia, é o ínfimo que ganha relevância; e aquilo que é ausência (ou quase) para outrem é o que transtorna o observador solitário. A ironia reside no fato de ser justamente no que nos parece mais objetivo (a fotografia) que ele impõe com maior dinamismo a força da subjetividade. Talvez os autores que verdadeiramente amamos não devam ser estudados, mas apenas lidos. Explico assim o excesso de covardia que me impediu de fazer minha pesquisa de mestrado com a obra de Roland Barthes. Imagino as horas de fruição das quais me furtei, embora recorra a suas idéias em várias passagens da dissertação. Dou início à conclusão com as suas palavras para afirmar: até mesmo Barthes foi contraditório quando falou sobre o leitor (com tudo pronto, meu orientador falou: “por que não disse antes que queria pesquisar Barthes? Teríamos diminuído vários impasses. No mínimo, teríamos discutido menos”). Silenciei porque não queria admitir naquele momento de realização que talvez não me sinta à altura de escrever sobre ele. Em um daqueles dias de zanga em que se coloca em xeque até a quem se admira, escrevi: “Não sei se gosto tanto assim da Leyla Perrone-Moisés. Ela pesquisa Barthes, mas a sua escrita é desprovida de poesia, por isso quando eu a leio penso naquele trecho da música dos Paralamas do Sucesso: ‘tendo a lua aquela gravidade onde o homem flutua merecia a visita não de militares, mas de bailarinos e de você e eu...’. Barthes merecia poetas estudando-o e não uma crítica com escrita de cientista”. Talvez por isso eu só tenha coragem de escrever sobre Barthes inserindo-o na minha vivência. Há um medo de escancarar de vez a cientista que habita em mim – não dizem que fazemos projeções? À medida que vou escrevendo este ensaio, às vezes euforicamente, outras dando longas pausas relegando-o ao esquecimento, a possível razão de Por que amo Barthes vai delineando-se. Anima-me a idéia de a razão de amá-lo residir no fato de, para mim, ele ser um dos poucos escritores que permite ao seu leitor encontrar e recriar as próprias razões de ser um leitor que por vezes sente necessidade de ser também escritor. Sem ser rebelde ou marginal (estar à margem), Barthes assegura-me a possibilidade de ser as duas coisas e está num entre-lugar que confirma a necessidade da inquietude para a produção. 12
  • 13. Na estante repousa Sade, Fourier, Loyola (por que ainda não me animei a lê-lo?). O óbvio e o obtuso também espera. Acabei de ganhar do meu companheiro Sistema da Moda, encontrado em sebo numa edição brasileira bem mais acessível ao nosso bolso. Logo após, comprei Mitologias e Michelet, dois dos seus livros mais importantes. De olhos arregalados, leio agora Michelet. Muito ainda falta para ser lido e tudo para ser relido. Mesmo quando minha escrita cessar, fugaz como boa parte da produção de hoje, anima-me pensar que a de Barthes continuará atravessando as gerações. Sempre haverá um dia em que algum graduando vai topar com Barthes, bater o olho e encontrar. E encontrar-se. Por que amo Barthes? Porque amo a leitura. Talvez seja esta a razão primeira de amar um autor. Bibliografia BARTHES, Roland. Sistema da moda. Trad. L. L. S. Mosca. São Paulo: Editora da USP, 1979. ________. A câmara clara. Trad. J. C. Guimarães. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984. ________. Sobre Racine. Trad. A. C. Viana. Porto Alegre: L&PM, 1987. ________. Incidentes. Trad. T. Coelho e A. Melo. Lisboa: Quetzal Editores, 1987. ________. O rumor da língua. Trad. M. Laranjeira. São Paulo: Brasiliense, 1988. ________. O óbvio e o obtuso. Trad. L. Novaes. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1990. ________. S/Z. Trad. L. Novaes. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1992. ________. O grão da voz. Trad. A. Skinner. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1995. ________. Aula. Trad. L. Perrone-Moisés. São Paulo: Cultrix, 1996. ________. Crítica e verdade. Trad. L. Perrone-Moisés. São Paulo: Ed. Perspectiva, 1999. ________. Mitologias. Trad. R. Buongermino e P. de Souza. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1999. ________. O prazer do texto. Trad. J. Guinsburg. São Paulo: Perspectiva, 1999. ________. Fragmentos de um discurso amoroso. Trad. H. Santos. RJ: Francisco Alves, 2000. ________. O grau zero da escrita. Trad. M. Laranjeira. São Paulo: Martins Fontes, 2000. ________. Sade, Fourier, Loyola. Trad. M. Laranjeira. São Paulo: Brasiliense, s/d. ________. Roland Barthes por Roland Barthes. Lisboa: edições 70, s/d. ROBBE-GRILLET, Alain. Por que amo Barthes. Trad. S. Santiago. RJ: Ed. UFRJ, 1995. SEABRA, José Augusto. Poiética de Barthes. Porto: Brasília Editora, 1980 . 13
  • 14. UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA (UFRO) CENTRO DE HERMENÊUTICA DO PRESENTE PRIMEIRA VERSÃO PRIMEIRA VERSÃO ISSN 1517-5421 lathé biosa 115 ANO II, Nº115 - SETEMBRO - PORTO VELHO, 2003 VOLUME VIII ISSN 1517-5421 EDITOR NILSON SANTOS CONSELHO EDITORIAL ALBERTO LINS CALDAS – História - UFRO CLODOMIR S. DE MORAIS – Sociologia - IATTERMUND ARTUR MORETTI – Física - UFRO CELSO FERRAREZI – Letras - UFRO HEINZ DIETER HEIDEMANN – Geografia - USP JOSÉ C. SEBE BOM MEIHY – História – USP MARIO COZZUOL – Biologia - UFRO MIGUEL NENEVÉ – Letras - UFRO SILVIO A. S. GAMBOA – Educação - UNICAMP VALDEMIR MIOTELLO – Filosofia - UFSC Os textos de até 5 laudas, tamanho de folha A4, fonte Times New Roman 11, espaço 1.5, formatados em “Word for Windows” O JUDICIÁRIO NO PERÍODO MILITAR deverão ser encaminhados para e-mail: nilson@unir.br NILZA MENEZES CAIXA POSTAL 775 & CÉLIA LINO CEP: 78.900-970 PORTO VELHO-RO TIRAGEM 200 EXEMPLARES EDITORA UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA 14
  • 15. Nilza Menezes e Célia Lino O JUDICIÁRIO NO PERÍODO MILITAR Coordenadora do Centro de Documentação do TJ-RO / Jornalista Pós-graduada em Moda cendoc@tj.ro.gov.br / célia.menezes@ig.com.br Fazendo uso de informações em entrevistas que fazem parte do Acervo de História Oral do Centro de Documentação Histórica do Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia, serão feitas algumas reflexões sobre a posição do judiciário e dos juizes dentro de um período marcante da história brasileira no século XX. O período que ficou conhecido como os anos de chumbo, ou período do regime militar, demarcado pelos anos que vão de 1964 até o final dos anos 70, lembrado como um tempo de acontecimentos marcantes para a história contemporânea brasileira. São tomados por base depoimentos de juízes federais, que à época, prestavam serviços nos territórios Federais de Roraima, Amapá e Rondônia e também em observações feitas por advogados sobre a postura dos juízes no período, o que nos oportunizou observar como era o entendimento de uma classe que praticamente não se manifestou, mas que possuía uma posição sobre o momento político brasileiro. Os magistrados são tidos como uma classe não afeita à exposição, uma instituição até pouco tempo completamente fechada. Entretanto, recentemente, começaram a aparecer pesquisas feitas a partir da documentação do judiciário, surgindo também na última década, em vários Estados, os Centros de Memória e Documentação, em alguns casos museus, disponibilizando fontes que proporcionam novas leituras e colocam a disposição dos pesquisadores documentos antes inacessíveis. Essa mudança ocorre em razão de mudanças nos focos de interesse da historiografia e dos pesquisadores e historiadores que passam a fazer uso de uma fonte antes não utilizada, os documentos judiciais, havendo por parte do próprio Poder Judiciário o interesse em oferecer essa documentação, o que faz parte de uma política de abertura adotada que busca afrouxar a aparência formal, num processo de transparência para que se possa melhor conhecer a instituição. Sem nos aprofundarmos na questão, ela ocorre por iniciativa do Poder Judiciário, abrindo seus Centros de Memória e Museus dando a possibilidade de utilização de documentos antes não de interesse de historiadores e não disponibilizados pela Justiça. Assim, surge o interesse da história por essas abordagens, apresentando novas possibilidades de diálogos e de interpretações. Sobre o período de análise que se caracterizou pela tomada do poder, o que aconteceu com o apoio da classe média, o país vai viver os anos mais dolorosos da nossa história. Conforme Boris Fausto, a partir do golpe em 64, o país passa a viver sob normas dos Atos Institucionais que atingiam os direitos dos cidadãos e também o Congresso e o Judiciário. No caso do Judiciário, no período completamente a serviço dos interesses do governo, só no ano de 64 foram expurgados 49 juízes (Fausto: 2000).
  • 16. Com a comemoração dos 30 anos do estranho ano, em 1998, quando os participantes do processo foram considerados “demonizados”, as vozes começaram a se soltar proporcionando uma visão mais ampla dos fatos (Reis: 2000). Os projetos de História Oral trazem para a cena vozes desconhecidas. No caso presente, as vozes dos juizes de Direito, à época Juizes Federais a serviço nos territórios, que nos permitem observar o olhar que eles tinham sobre a situação e a posição que mantinham para sobreviverem dentro de um regime autoritário. O colaborador Desembargador Aldo Castanheira, que exerceu o cargo de Promotor de Justiça no Território Federal de Roraima de 1962 a 1972 e em Rondônia de 1972 a 1982, quando foi nomeado Desembargador na criação do Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia em razão da transformação de Território em Estado da Federação, informa: “a estrutura judicial funcionava com juízes e promotores vinculados à Justiça do Distrito Federal” (Castanheira: 1999) O Desembargador Hélio Fonseca, que chegou em Rondônia no ano de 1959 para ser promotor público e que assumiu como Desembargador na criação do Poder Judiciário comenta sobre o período: Naquele tempo a justiça daqui era subordinada ao Rio de Janeiro e, depois de 1960, passou para Brasília. O Tribunal ficava muito distante e não dava a menor confiança para a justiça local. Tinham a justiça dos territórios como de segunda classe. Isso desestimulava os juízes e promotores. Quem vinha para cá não tinha nem o direito de promoção. Era nomeado Juiz e jamais chegaria a Desembargador do Tribunal de Justiça e o promotor daqui jamais seria promovido para Brasília para chegar ao cargo de Procurador. Então a carreira morria aqui. Não se tinha um apoio psicológico, desanimavam (Fonseca: 1999). A postura do judiciário com relação ao regime foi de estar a serviço do governo, o que não impedia de muitos juízes de terem opinião própria e mesmo de, em algumas ocasiões, manifestarem suas idéias em decisões. Quando essas idéias não eram de interesse do Estado, podiam ser punidas severamente. Mesmo não se manifestando, ou não contrariando os interesses do Estado, eles tinham consciência do papel que ocupavam. Aqueles que ousaram tomar qualquer atitude que veio desagradar à elite sofreu as penalidades que faziam parte do sistema naquele momento. No caso dos juízes que passaram pela judicatura no então Território Federal de Rondônia, a pena foi a de cassação. Dois juízes foram cassados. O Dr. Joel Quaresma de Moura na década de 60 e o Dr. Antônio Alberto Pacca na década de 70. Ambos já faleceram. Sobre o assunto nada se registrou na documentação do judiciário, mas, conforme comenta o advogado Pedro Origa, sobre a cassação do Juiz Antonio Alberto Pacca, o fato ocorreu por meio de um procedimento completamente inquisitorial. Não houve para a sua cassação um processo com ampla defesa. Eu digo, aquilo não foi defesa. Você responder as indagações de um inquisitor ou inquisidor, ardentemente preparado para punir (conseguir a confissão,) não pode ser processo legal. Sem que se soubesse o que realmente existia de prova contra a pessoa (depoimentos, documentos). Ninguém assistia os depoimentos, eles eram feitos de forma secreta, quer dizer inquisição mesmo (Origa, 1999) Com relação à cassação do Dr. Joel Quaresma de Moura, quem comenta o assunto é o Desembargador Aldo Castanheira que assim o descreve: Em 1972 quando cheguei aqui, já conhecia de nome o Dr. Joel Quaresma de Moura, que foi juiz por muitos anos e era um cidadão de respeitabilidade impressionante, uma 16
  • 17. figura extraordinária, apesar de viver em uma região isolada, era um gênio. Eu o conheci quando cheguei aqui, ele estava como advogado porque tinha sido cassado por conta da revolução. Quanto ao processo de cassação dele, até hoje não sei o que aconteceu (Castanheira,1999). Todos os colaboradores fizeram comentários sobre o período militar e a cassação dos dois magistrados no Território Federal de Rondônia. Todos afirmam que eles foram cassados por conta do regime militar, no entanto não possuem informações detalhadas sobre o fato, o que é natural. Observamos que os dois juízes federais estavam exercendo as funções no Território Federal de Rondônia e que foram cassados no período. Tanto Antônio Alberto Pacca como o Joel Quaresma de Moura apresentam pela documentação uma atuação forte quanto à quantidade de trabalho. Não tendo, portanto sido a incompetência o motivo da exoneração, mas possivelmente tenha sido provocada por questões ideológicas, podendo isso ser observado na fala do colaborador Desembargador Aldo Alberto Castanheira e Silva que observa: Quando eu cheguei aqui, já conhecia de nome o Dr. Joel Quaresma de Moura, que foi juiz por muitos anos era um cidadão de respeitabilidade impressionante, uma figura jurídica extraordinária, apesar de viver em uma região isolada era um gênio. Eu conheci quando cheguei aqui como advogado, porque tinha sido cassado por conta da revolução (Castanheira, 1999). Algumas informações dão conta de divergências desses juízes nas decisões tomadas com relação ao INCRA, outros falam em improbidade, mas, mediante observações feitas por juízes aposentados e advogados que à época exerciam as atividades vamos perceber que dentre os membros do judiciário havia discordância e atitudes contrárias que foram punidas. Ao lembrar o Juiz Antonio Alberto Pacca, o advogado Pedro Origa, que chegou na região no ano de 1971 e tomou conhecimento dos fatos, esses se deram pelos seguintes motivos: Sua visão era dos juizes da época, era um magistrado positivista. Existia a lei, e ele tinha que cumpri-la. O INCRA achava que a lei era ele. Como o processo revolucionário vinha se acumulando, ele foi objeto de um processo altamente inquisitorial que culminou com a sua cassação. (Origa:1999) Explicando melhor a questão, comenta: Com a chegada do desenvolvimento, o INCRA entendia que não havendo o título ele podia fazer o assentamento. O Dr. Pacca entendia que a posse tinha de ser respeitada, que o INCRA não podia chegar como dono. Então, ele tinha noção que o papel dele como magistrado era o de preservar o direito individual, mesmo estando num período autoritário, altamente autoritário, Veja bem: ele era um homem de origem da direita, mas que resolveu preservar valores que aprendeu na vida e se tornou aquilo que todos os perseguidos da revolução tornaram (Origa, 1999) Joel Quaresma de Moura exerceu as funções na década de 60 e Antônio Alberto Pacca na década de 70. Sem juízo de valor, observamos nos dois casos uma produção expressiva em sentenças, despachos, uma atividade notável tanto em quantidade como em rapidez. Eles aparecem exatamente no momento de renascimento do judiciário da região, o que se dá em razão do incentivo da migração no início dos anos 60, conforme política adotada pelo governo federal. Possuíam, segundo informações de advogados, personalidade forte, não se dobravam aos interesses políticos. O advogado Pedro Origa, que militava na advocacia no tempo em que Pacca era magistrado, comenta: “ele era uma pessoa que pensava nos pobres, que ficava do lado dos mais fracos, desagrava aos interesses dos grandes proprietários” (Origa, 1999). 17
  • 18. O Desembargador aposentado Clemenceau Pedrosa lembra o período militar como um tempo que se os juizes não fizessem a vontade dos grandes sofreriam a degola, e comenta a interferência em decisões. Fala que naquele tempo, tempo do AI-5 a magistratura não tinha estabilidade e que ficavam a mercê da simpatia do Poder, não havendo garantias para o Magistrado que, no geral, acabava fazendo o jogo do poder. Nas suas palavras podemos perceber a carga que isso acarretava: Minha vivência nos Territórios era difícil porque eu era só, não tinha contatos com outros juízes. Meus diálogos eram feitos em Belém do Pará com os Desembargadores do Tribunal de Justiça e alguns juízes. Naquela época, foi excepcional, estava em pleno desenvolvimento o Ato Institucional nº 5. Todas as garantias constitucionais da magistratura estavam suspensas. Qualquer juiz podia ser cassado com base no AI-5. As garantias da Magistratura, ou seja: vitaliciedade, inamobilidade e retroatividade de vencimentos estavam suspensas, conseqüentemente se contrariássemos os “poderosos” que eram os militares da época, estávamos sujeitos a sofrer uma degola. Recebíamos pressões a toda hora, mas graças a Deus nunca me submeti a essas pressões, sempre decidi com independência, mesmo sofrendo pressões tanto no Amapá como em Roraima. Em Rondônia nenhuma, graças a clarividência e o espírito público do governador Jorge Teixeira de Oliveira (Clemenceau, 1999) Sobre a cassação do Juiz Antônio Alberto Pacca, ele observa: “O Dr. Antonio Alberto Pacca, havia sido cassado pelo AI-,5 o que foi uma grande injustiça aqui em Porto Velho...” (Clemenceau, 1999). O advogado Pedro Origa, ao falar sobre a cassação do Dr. Pacca, informa: O problema que ele enfrentou foi o de ter sido na época do arbítrio, apesar da seleção de juizes ser uma seleção onde o conteúdo ideológico era mensurado, isso não se tem como esconder, evidentemente quem tivesse participado do processo de 64 não seria juiz no período revolucionário. Quem quiser esconder, esconde, porque não está com vontade de dizer. Então, evidentemente, o Dr. Antonio Pacca não era um homem que se pudesse dizer de esquerda, mas era um homem com um senso muito grande de justiça, com uma percepção muito grande para decidir e com uma concepção muito grande do papel que desempenhava. O confronto básico dele foi em razão de representar um poder que era o Poder Judiciário, encarregado de dirimir conflitos naquela visão mesmo sua, e dos juizes da época, de um magistrado positivista. (Origa, 1999). Sobre a cassação do Juiz Alberto Pacca, o Desembargador Aldo Alberto Castanheira informa: O Dr. Pacca foi colega de concurso do Dr. César Montenegro e do Dr. Clemenceau Pedrosa Maia. Trabalhei com ele muito tempo aqui em Porto Velho, era exclusive muito trabalhador, mas por um motivo ou outro, talvez seja um processo muito longo tocar nessa questão, ele foi se indispondo com o Capitão Silvio Gonçalves de Farias, o executor do INCRA em Rondônia. O Capitão era um homem forte na época, era ligado ao Conselho de Segurança Nacional. Por essas questões, os ânimos foram se exacerbando e parece que foi se complicando. Nas defesas que ele andou fazendo, segundo consta, não se saiu muito bem. A situação ficou complicada e ele acabou sendo cassado (Castanheira,1999). As duas falas, tanto a do advogado Pedro Origa como do Desembargador Clemenceau Pedrosa Maia, trazem referências aos problemas políticos da época. Deixam claro que a questão que deu causa as cassações foram problemas relacionados à postura desses magistrados frente ao INCRA que através do seu executor o Capitão Silvio Gonçalves de Farias, representava o Poder. O Desembargador Clemenceau Pedrosa Maia, em sua fala deixa transparecer de forma clara o que representava contrariar o 18
  • 19. poder naquele período: Naquela época, foi excepcional, estava em pleno desenvolvimento o Ato Institucional nº 05, o AI-5. Todas as garantias constitucionais da magistratura estavam suspensas. Qualquer juiz podia ser cassado. Vitaliciedade, inamobilidade e retroatividade de vencimentos estavam suspensas, conseqüentemente se contrariássemos os “poderosos” que eram os militares da época, estávamos sujeitos a sofrer uma degola (Clemenceau, 1999). Sobre a estrutura do Judiciário nos territórios, o Desembargador Aldo Alberto Castanheira e Silva, conta que: “O Judiciário existia nos territórios, e os juizes eram vinculados ao Tribunal de Justiça do Distrito Federal”. Falando sobre os processos de cassação observa: Na época tinha o CGI - Comissão Geral de Investigação no âmbito da justiça, cada Estado tinha uma sub CGI, geralmente comandada por um militar. Eram processos sigilosos, eles faziam coletas de depoimentos, às vezes nem isso e era mandado para Brasília, é claro que isso era negócio de regime forte. Muitas cassações talvez tenham sido até corretas, mas desta forma eram absurdas (Castanheira, 1999). As falas nos possibilitam um outro olhar sobre o Judiciário. Conforme observamos na introdução o Poder Judiciário permaneceu hermético ao longo da sua história, estando nos últimos anos a procura de novas formas de posicionar-se. Isso se apresentou latente conforme observamos em recente Seminário na cidade de Porto Alegre no Rio Grande do Sul, cujo tema era memória e historiografia institucional, organizado pelo do Memorial do Judiciário. Além de discutir as questões ligadas aos problemas de arquivo e preservação de documentos, falou-se na questão de que muitas vezes a imprensa divulga notícias e o Poder Judiciário permanece silente, sendo um órgão do qual pouco se sabe, o que demonstra a preocupação deste em mostrar-se mais receptivo ao público. Nos últimos anos, através dos museus e memoriais, o Poder Judiciário começa a disponibilizar sua documentação aos pesquisadores surgindo possibilidades de novas interpretações. Os Estados do Mato Grosso do Sul, do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Minas Gerais, Rondônia, entre outros, já possuem seus acervos disponibilizados. Alguns casos ainda se encontram em fase de organização, sistematização e tratamento dos documentos, no entanto com a documentação sendo organizada, e a construção de acervos de História Oral, oferecem novas oportunidades de pesquisas e novas leituras em diversas áreas do conhecimento. Fontes: Depoimentos dos Desembargadores, Clemenceau Pedrosa Maia, Hélio Fonseca, Aldo Alberto Castanheira e Silva e com o advogado Pedro Origa. As entrevistas encontram-se arquivadas no Centro de Documentação do Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia. Bibliografia FAUSTO, Boris, História do Brasil. Edusp. São Paulo. 2000. MEIHY, Jose Carlos Sebe Bom. Manual de História Oral. Loyola. São Paulo. 1999. REIS, Daniel Aarão. Ditadura Militar, esquerdas e sociedade. Jorge Zahar. Rio de Janeiro. 2000. THOMPSON, Paul. A Voz do Passado. Paz e Terra. Rio de Janeiro. 1998. 19
  • 20. UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA (UFRO) CENTRO DE HERMENÊUTICA DO PRESENTE PRIMEIRA VERSÃO PRIMEIRA VERSÃO EDITORA UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA ANO II, Nº116 - SETEMBRO - PORTO VELHO, 2003 ISSN 1517-5421 lathé biosa 116 VOLUME VIII ISSN 1517-5421 EDITOR NILSON SANTOS CONSELHO EDITORIAL ALBERTO LINS CALDAS – História - UFRO CLODOMIR S. DE MORAIS – Sociologia - IATTERMUND ARTUR MORETTI – Física - UFRO CELSO FERRAREZI – Letras - UFRO HEINZ DIETER HEIDEMANN – Geografia - USP JOSÉ C. SEBE BOM MEIHY – História – USP MARIO COZZUOL – Biologia - UFRO MIGUEL NENEVÉ – Letras - UFRO ROMUALDO DIAS – Educação - UNICAMP VALDEMIR MIOTELLO – Filosofia - UFSC Os textos de até 5 laudas, tamanho de folha A4, fonte Times New Roman 11, espaço 1.5, formatados em “Word for Windows” deverão ser encaminhados para e-mail: METODOLOGIA DA HISTÓRIA nilson@unir.br CAIXA POSTAL 775 ALBERTO LINS CALDAS CEP: 78.900-970 PORTO VELHO-RO TIRAGEM 200 EXEMPLARES 20
  • 21. Alberto Lins Caldas METODOLOGIA DA HISTÓRIA Professor de Teoria da História - UFRO www.unir.br/~caldas/Alberto - caldas@unir.br “... cada vez mais historiadores estão começando a perceber que seu trabalho não reproduz ‘o que realmente aconteceu’ ...” Peter Burke Este é um texto estritamente heurístico: sua função deve se esgotar “na sala de aula”. Sua meta é reunir determinadas “experiências” para discussão e estímulo à pesquisa em História. Seu âmbito é restrito e aberto exatamente para permitir os desdobramentos da individualidade na pesquisa historiográfica e os debates em sala de aula. Suprindo deficiências, não sendo “usado”, não se tornando “manual”: sua forma de existência é de instigamento e estímulo preliminares. Suas incompletudes e erros devem estimular, na prática do debate e na pesquisa, um processo de “resposta” ativa e criativa. O PROJETO O projeto é rascunho inicial de pretensões, intuições, articulações imprevistas, desejos, paixões. Não é “modelo”, devendo se apresentar preliminarmente como imaginação seduzida, espaço de devaneio que se ajusta para agir, para se pôr a criar ou arrebanhar seu “objeto de desejo”. O momento inicial, o que levará ao projeto, não é nem deve ser acadêmico: ele é pessoal, é obsessão, escolha, dúvida, querer saber, não saber, um querer completar, o desenvolvimento de um “quadro de questionamentos” que precisam se corporificar num primeiro esboço. Esse esboço é o projeto: guia no caminho inicial, jamais algo a ser realizado em sua plenitude, algo que force os documentos, a escrita, a ação ou o pensamento na pesquisa. O projeto é condensação de princípios não “planilha de execuções”, uma “delimitação de objeto” e uma “definição de direção”. Esboçaremos aqui um “modelo de projeto”, idéias esparsas, bases, estímulos. Dele podemos fazer quantas modificações for preciso, acrescentando, retirando, refazendo ao gosto do desejo e da matéria, e à cada matéria um projeto específico. Na Justificativa desenvolve-se por que se pretende realizar a pesquisa. Busca-se falar do “problema”, da “idéia”, da “imagem” que conduziram ao projeto que se pretende realizar e onde (na bibliografia, na vida, no sonho, no desejo e porquê) se originou o problema central do trabalho. Também se fala sobre a relevância da pesquisa e inicia sua defesa numa explicação dos motivos de viabilidade da execução, as referências à originalidade e, principalmente, relacionar em grandes linhas os marcos teóricos com o tema. Os Objetivos apontam com o para que da investigação, com o que se quer pesquisar, definindo os problemas, devendo-se, nesse momento, se inter-relacionar intimamente com o tema da pesquisa. No Quadro Teórico delimita-se a série de marcos teóricos que sustentam a pesquisa, situando-a dentro do campo teórico principal. Na Metodologia desenvolve-se a metodologia geral, nascida dos quadros teóricos e dos problemas específicos do assunto, relacionando essa metodologia geral com uma metodologia específica (procedimentos) gerados a partir do tema ou da área de conhecimento. Mas deve-se lembrar que um projeto de História não deve ter Hipóteses (que não são questões ou problemas mas um tipo de visão de mundo), o que seria reposicionar o conhecimento para um tempo onde se queria prever, materializar, objetificar tanto os documentos quanto a atividade do historiador. Podemos também desenvolver uma parte de Recursos Financeiros e Humanos, onde se põe as despesas, os financiamento e as necessidades com material, e até mesmo a quantidade de pessoal para realização da pesquisa, mas isso em casos muito específicos, principalmente quando envolve projeto institucional com bolsa,
  • 22. relatório, etc, o que exigiria também um Cronograma, que é estrutura temporal geral da pesquisa: princípio e fim, uma estimativa das ações no tempo, as etapas a serem seguidas numa seqüência lógica. A Bibliografia deve pôr, num mesmo conjunto, textos específicos sobre o tema tratado, textos gerais onde se desenvolve o tema e seus correlatos imediatos, textos gerais da fundamentação teórica, demonstrando conhecimento e leitura tanto sobre a questão quanto daquilo que a envolve. A desenvoltura bibliográfica é fundamental em todo o processo de pesquisa. MÉTODO Toda pesquisa flui em contradições. Deve-se assumir estão as contradições como componentes da existência, do pensamento, das teorias, dos conceitos, das idéias e, principalmente, do pensamento histórico. Os elementos contraditórios devem ser compreendidos e enfrentados, não anulados ou afastados. Os elementos contraditórios, os conjuntos contraditórios não exigem mediações lógicas para se restabelecer numa harmonia falsa. O sistema será compreensível mesmo sem as mediações forçadas, sejam pelas teorias sejam pelo estilo inconsciente de si mesmo. As contradições não devem ser expurgadas, "superadas" ou pensadas separadamente: elas nascem da relação, da dialogicidade geral. Uma pretensa pureza esconde as fissuras, as incomunicabilidades, as imperfeições necessárias ao entendimento. As contradições pedem somente a não-conciliação para se mostrarem vivas. Não há a-realidade e suas-contradições, mas contradições criadas enquanto realidade, contradições históricas. A pesquisa deve se apropriar em pormenor da matéria, criando tanto as relações internas quanto os próprios elementos e a relação dialética dos elementos entre si. Após a investigação (análise) vem a exposição, que é sintética, modo de narrar, sem esquecer que a análise é também processo sintetizante. A análise atinge os elementos e a exposição (síntese e estilo) reconstitui a estrutura. Cada mediação e configuração têm as suas contradições, deformações e historicidades peculiares. Portanto o método deve subordinar-se ao conteúdo, à matéria em estudo, à vontade, critério e criatividade do historiador. Depois que a análise cria os elementos mais simples, os conceitos, as realidades mais elementares, não pode a pesquisa ficar satisfeita e parar. O nível analítico comporta tipos de "reconstrução sintética" que, falsamente, criam a ilusão de haver-se chegado ao final. A análise é apenas um dos primeiros momentos da pesquisa. Em seguida é preciso percorrer o caminho em sentido contrário. Do simples ao complexo e do complexo ao simples. Cada elemento é "revisto" pelo conjunto enquanto o fundamenta. A matéria é exposta a partir dos seus elementos, compreendidos como complexos, ricos em facetas, múltiplos em determinações, contradição sobre contradição, polifonia em processo. Dessa maneira, a matéria historiográfica só pode resultar da análise crítica e criativa de uma escritura. Assim como a realidade é o sonho-real de determinada sociedade, a história é o sonho do método, o sonho da História. Desta maneira, o método não é neutro, mas crítico, político, totalizador, histórico, vivo, negativo, pessoal, devendo ser constantemente renovado e desenvolvido, sem se tornar saber somente instituído, sem se tornar estrutura estável. É preciso também uma auto-avaliação do historiador com relação a sua posição de classe, sua função social, o lugar da sua fala e com qual sistema de poder sua fala se compromete, suas metas teóricas e uma consciência que o capacite a compreender a geração de homens, coisas e idéias na sua formação social: isso normalmente “escapa” aos “professores de história”, abismados na reprodução banal e ideológica (periculosa) dos acontecimentos. 22
  • 23. O método não é analítico ou sintético, indutivo ou dedutivo. Superação desses componentes numa perspectiva crítica, onde um se converte no outro, na própria realidade, no historiador, no seu contrário, num limite e num deslimite, criação/invenção, o método como eterna superação de si mesmo, sonho desta realidade. A historicidade (resultado da escrita) deve comungar com a literatura a abertura infinita das interpretações e dos sentidos. A relação sujeito (historiador) objeto (documentos) não é relação simples, principalmente porque os “objetos” parecem autônomos, reais mais que o real: sua dimensão de resultante da práxis e dimensão imaginária desaparecem. Os documentos possuem astúcias: não são objetos, como algo "dado naturalmente": os documentos são "sujeitos". Por outro lado, o historiador, sujeito, deve avaliar sua condição de "objeto" e a própria objetificação. Os documentos não falam por “si mesmos”. Além de serem "testemunhos", são "escolhidos" pelo pesquisador por interesses do presente e não por "algo" "no" e "para" o passado: sua existência é somente relacional: aos discursos, aos saberes, ao pesquisador, aos procedimentos. Somente o confronto, o diálogo entre o historiador e os documentos (luta de mundos, concepções, tempos, realidades, eixos) é que realiza e supera a teoria, o método, os procedimentos. Nada substitui essa luta, onde interpretação e realidade se digladiam, se estimulam, se delimitam, se criam, florescem, explodem ou morrem. Os documentos não são inocentes: eles fazem parte da rede seletiva que os fez existir e se perpetuar: todo documento é político: sua língua é ideológica e sua matéria é ficcional, sua razão é disciplinar. História é diálogo, é reflexão, é negatividade. É selecionar determinando quais documentos são relevantes à pesquisa e os que não são, mas é a criação do historiador e a realidade em estudo os elementos que definirão esses cortes, não teorias pré-concebidas ou aspectos incontroláveis de métodos e procedimentos. A PESQUISA 1 - O “levantamento bibliográfico” é ação inespecífica, isto é, foi atividade que levou ao assunto, ao tema, ao desejo e, ao mesmo tempo, acompanha a produção geral da pesquisa, fazendo parte da sedução e não das obrigações ou das regras. Seu lugar não é nem pode ser definido; 2 - A pesquisa é, inicialmente, um procurar, um produzir, um preparar, um reunir a documentação num processo de “viver o assunto”, encontrar o desejado, vivendo o risco do encontro, do fragmento e das perdas, mas a história não é encontrada, ela será produzida, escrita, inscrita: sua dimensão de existência é um a priori; 3 - A organização da documentação é fundamental (por pessoa, instituição, época, assunto, região, etc): sem esse ordenamento constitutivo toda a pesquisa pode desmoronar, mas essa ordem é documental, instrumental, não “ontológica”; 4 - Ler e reler exaustivamente a documentação como um todo, selecionando os documentos que irão fazer parte do corpus (já exige uma visão de conjunto, uma pré-ideação e uma idéia de história, de texto final); 5 - Cozinhar os documentos (eles não são comidos crus: são transformados em notas, fichas, resenhas, comentários, artigos, fragmentos, imagens): intimidade progressiva e julgamento dos documentos: articulações e desarticulações; 6 - Crítica das fontes (exige leituras mais vastas: a História é um domínio múltiplo): a) crítica externa (de autenticidade): verifica o valor extrínseco do documento. É uma perícia material do documento. Como o documento foi produzido; quem redigiu o documento; em que momento se redige o documento; para qual 23
  • 24. destinatário; sob que forma se apresenta; como chegou até os que o detêm; qual discurso elabora; questões de letra, suportes, escrita, etc; b) crítica interna: é uma hermenêutica buscando saber as intenções de fundo do documento; 7 - Procedimentos críticos: a) análise do documento: atomização de seus elementos (avaliação psicológica, social, econômica, institucional dos elementos do documento); b) controle das fontes do documento (se observado pelo narrador ou se contado a ele por outro): foco narrativo; c) comparação dos documentos e dos elementos internos; 8 - O historiador é prisioneiro dos quadros teóricos de referência, da sua classe social, da posição política, dos discursos envolvidos, dos métodos escolhidos: um dos movimentos teóricos será tomar consciência dessas “referências” e não projeta-las inocentemente sobre sua escrita, como se fizessem parte da “realidade histórica”; 9 - Comparar, reagrupar, afastar, extrapolar, selecionar, solicitar, torcer a documentação em busca de respostas às perguntas e questionamentos: a “natureza discursiva” dos documentos exige um mergulho “lingüístico”, não a espera por um “encontro”: ali nada existe: ali é o lugar da nossa criação; 10 - Construir um “modelo”, uma “idéia”, uma “imagem” do conjunto documental (história, trama, narrativa): primeiro passo da escrita: constituir uma visão de conjunto provisória, pois será modificada pela escrita: isso advirá das leituras e da feitura das fichas, notas, textos; 11 - Com as notas, os resumos, as fichas, as resenhas iniciar a escrita buscando realizar a “visão de conjunto” passo a passo, como se escrevesse um texto literário (um conto, uma novela, um romance: história é ficção: perder essa dimensão é meio caminho andado para uma ideologia deslavada), compondo os personagens em seus lugares, escrevendo sua psicologia, seus embates, suas idéias, suas razões, suas ações, suas relações, criando o ambiente, o lugar, o espaço de vida onde se desenrolará a história; 12 - Com-pondo as vozes enquanto carne a escrita da História materializa teatralmente numa simbiose onde as vozes compostas e as vozes do historiador se articulam inseparáveis; 13 - Articular o desarticulado, separar o unido, perguntar ao informe, fazer mover o imóvel, imaginar nos vazios, perguntar aos silêncios, reviver os mortos, dar corpo e movimento aos vestígios, dizer mais e sempre muito menos que o vivido; 14 - O método geral tanto da feitura de notas e fichas quanto da escrita do texto é um ir e vir constantes: das perguntas ao documento e do documento às perguntas: dos documentos à escrita e da escrita aos documentos. NOTAS SOBRE HISTÓRIA 1 - O vivendo (o imediato do presente) desaparece na medida do seu acontecer, sendo impossível apreendê-lo tanto em sua totalidade quanto em suas relações; o viver deixa vestígios (documentos), mas esses vestígios só se tornam documentos depois de raptados por discursos que lhe dão não somente visibilidade (não existem vestígios-em-si) mas sentido e estrutura; o historiador (com todas as questões do sujeito) irá transformar os vestígios em documentos para a História, isto é, lhe dará uma dimensão dentro do conhecimento, trabalhando para constituir sua existência estruturada e significativa; o resultado desse trabalho, dessa escrita 24
  • 25. que é a História (atividade que produz a história) é chamada fato (que a “história de segundo grau” acredita ser-o-que-aconteceu). A História produz a história: dimensões fundamentais: escrita e ideologia. 2 - Separar o “discurso dos historiadores” da questão passado. Enquanto o primeiro se liga aos conceitos de discurso, escrita, ideologia, o segundo faz parte do ambiente ontológico junto com tempo, presente, memória. 3 - Dessa maneira, a história migra para a História, e esta deve enfrentar sua produção, as ilusões decorrentes dessa produção e os poderes advindos dessa construção enquanto ideologia (idéia, sistema de idéias que se pretende dizer-o-real, serem o próprio real). 4 - As questões próprias da História devem ceder o lugar a uma preocupação mais ampla, não a partir de um ponto cego no presente, mas uma articulação de “várias disciplinas” na reflexão-tempo. 5 - Partir da tese marxista de “que o objeto, a realidade, o mundo sensível” deve ser compreendido “enquanto atividade humana concreta”: nos cabe agora pensar a forma de existência desse “mundo sensível”, como ele é criado/reproduzido, como essa atividade concreta transformada em vestígios aparece ao historiador. “Objetivamente” (dimensão do imediato do presente) a história está inscrita somente na História, isto é, nos livros, na escrita, nos complexos imaginários que são o tempo. É preciso enfrentar esse “primeiro momento”, essa dimensão de escrita, de imaginário; em segundo lugar a dimensão que a primeira instância abre enquanto teoria e alienação das questões, ou materialização do teórico enquanto realidade. A primeira questão metodológica da História é a compreensão desses mecanismos, desses fluxos, dessas substituições: essa vontade obscura em ser Ciência. 6 - No imediato do presente não há história (a origem, o linear, o destino), mas o simples vivendo. A história (coletiva ou pessoal) só aparece, sempre enquanto discurso, com uma torção do imediato do presente, onde discursos (historiográfico, psicológico, sociológico, antropológico) se põe a se preencher com uma reflexão pós-mortem. Essa reflexão é um simulacro daquilo que exercitamos vivamente para sermos no imediato do presente, isto é, o tempo. 7 - História é ou deve ser uma filosofia das realidades básicas e fundantes. Sua matéria é o tempo. 8 - A relação entre a Literatura e a História pode ser muito mais produtiva do que normalmente se espera. São duas dimensões da narrativa, mesmo que uma alardei sua ficcionalidade enquanto a outra esconda sua dimensão de criação literária. O contato poderia abrir para a História um arsenal moderno para sua escritura, trazendo estratégias literárias para o enfrentamento de uma realidade não mais compatível com “narrativas judiciárias e policiais” tornadas princípio historiográfico. 9 - A narrativa histórica esconde os vazios do viver, as incompletudes, os silêncios, as faltas, as repetições, as in-articulações, sua própria atividade escritural: o resultado é sempre muito mais e muito menos que o vivendo: faz parte da mesma matéria imaginária e ficcional da existência: a História, que poderia tocar o próprio centro do existir, se conforma com uma escrita alienada e ideológica. BIBLIOGRAFIA 25
  • 26. BLOCH, Marc. INTRODUÇÃO À HISTÓRIA. Europa-América, Sintra, 1976. BURKE, Peter (Org.). A ESCRITA DA HISTÓRIA. UNESP, São Paulo, 1992. CALDAS, Alberto Lins. HISTÓRIA E CIÊNCIA. Boletim/Labogeo/UFRO, nº 1, setembro, Porto Velho, 1993a. __________. COMPREENSÃO HISTÓRICA. Jornal O ESTADÃO, p. 2, Porto Velho, 29 de maio de 1993b. __________. HISTÓRIA E ESQUECIMENTO. Jornal O ESTADÃO, p. 2, Porto Velho, 10 de julho de 1993c. __________. A INVENÇÃO DA HISTÓRIA. Jornal O ESTADÃO, p. 2, Porto Velho, 12 de junho de 1993d. __________. HISTÓRIA E CAPITALISMO. Jornal O ESTADÃO, p. 2, Porto Velho, 20 de junho de 1993e. __________. O ENSINO DE HISTÓRIA. Caderno de Criação/UFRO, nº 6, março, Porto Velho, 1995a. __________. HISTÓRIA E MÉTODO. Caderno de Criação/UFRO, nº 8, novembro, Porto Velho, 1995b. __________. O PAPEL SOCIAL DA HISTÓRIA. Caderno de Criação/UFRO, nº 9, novembro, Porto Velho, 1995c. __________. O HORROR DA HISTÓRIA. Caderno de Criação/UFRO, nº 9, novembro, Porto Velho, 1995d. __________. A CRIAÇÃO DA HISTÓRIA. Caderno de Criação/UFRO, nº12, março, Porto Velho, 1997. __________. HISTÓRIA E VIRTUALIDADE. Caderno de Criação/UFRO, nº18, junho, Porto Velho, 1999a. __________. ORALIDADE, TEXTO E HISTÓRIA. Loyola, São Paulo, 1999b. __________. NAS ÁGUAS DO TEXTO. Edufro, Porto Velho, 2001. CARDOSO, Ciro Flamarion. UMA INTRODUÇÃO À HISTÓRIA. Brasiliense, São Paulo, 1981. __________. NARRATIVA, SENTIDO, HISTÓRIA. Papirus, Campinas, 1997. __________. ; BRIGNOLI, Héctor Pérez. OS MÉTODOS DA HISTÓRIA. Graal, Rio de Janeiro, 1983. __________; VAINFAS, Ronaldo (Org.). DOMÍNIOS DA HISTÓRIA: ENSAIOS DE TEORIA E METODOLOGIA. Campus, Rio de Janeiro, 1997. CERTEAU, Michel de. A ESCRITA DA HISTÓRIA. Forense Universitária, Rio de Janeiro, 2002. DOSSE, François. A HISTÓRIA EM MIGALHAS. Ensaio/Unicamp, São Paulo, 1992. ECO, Humberto. COMO SE FAZ UMA TESE. Perspectiva, São Paulo, 1985. FERNANDES, Florestan. FUNDAMENTOS EMPÍRICOS DA EXPLICAÇÃO SOCIOLÓGICA. Livros Técnicos e Científicos, Rio de Janeiro, 1978. FLEISCHER, Helmut. CONCEPÇÃO MARXISTA DA HISTÓRIA. Edições 70, Lisboa, 1978. GAY, Peter. O ESTILO NA HISTÓRIA. Companhia das Letras, São Paulo, 1990. GLÉNISSON, Jean. INICIAÇÃO AOS ESTUDOS HISTÓRICOS. Difusão Européia do Livro, São Paulo, 1961. JAPIASSU, Hilton. INTRODUÇÃO AO PENSAMENTO EPISTEMOLÓGICO. Francisco Alves, Rio de Janeiro. LE GOFF, Jacques; NORA, Pierre (org.). HISTÓRIA: NOVOS PROBLEMAS, NOVAS ABORDAGENS, NOVOS OBJETOS. Francisco Alves, 3 vol., Rio de Janeiro, 1976. MARROU, Henri-Irénée. SOBRE O CONHECIMENTO HISTÓRICO. Zahar, Rio de Janeiro, 1978. REIS, Jose Carlos. NOUVELLE HISTOIRE E TEMPO HISTÓRICO. Ática, São Paulo, 1994. _________. A HISTÓRIA: ENTRE A FILOSOFIA E A CIÊNCIA. Ática, São Paulo, 1996. RODRIGUES, José Honório. TEORIA DA HISTÓRIA DO BRASIL: INTRODUÇÃO METODOLÓGICA. Companhia Editora Nacional, São Paulo, 1969. __________. FILOSOFIA E HISTÓRIA. Nova Fronteira, Rio de Janeiro, 1981. SCHAFF, Adam. HISTÓRIA E VERDADE. Martins Fontes, São Paulo, 1978. VEYNE, Paul. COMO SE ESCRIBE LA HISTORIA. Editorial Fragua, Madrid, 1972. VIEIRA, Maria do Pilar (et al.). A PESQUISA EM HISTÓRIA. Ática, Série Princípios/159, São Paulo, 1989. WHITE, Hayden. TRÓPICOS DO DISCURSO. EDUSP, São Paulo, 1994. __________. META-HISTÓRIA. EDUSP, São Paulo, 1995. 26
  • 27. UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA (UFRO) CENTRO DE HERMENÊUTICA DO PRESENTE PRIMEIRA VERSÃO PRIMEIRA VERSÃO ISSN 1517-5421 lathé biosa 117 ANO II, Nº117 - OUTUBRO - PORTO VELHO, 2003 VOLUME VIII ISSN 1517-5421 EDITOR NILSON SANTOS CONSELHO EDITORIAL ALBERTO LINS CALDAS – História - UFRO CLODOMIR S. DE MORAIS – Sociologia - IATTERMUND ARTUR MORETTI – Física - UFRO CELSO FERRAREZI – Letras - UFRO HEINZ DIETER HEIDEMANN – Geografia - USP JOSÉ C. SEBE BOM MEIHY – História – USP MARIO COZZUOL – Biologia - UFRO MIGUEL NENEVÉ – Letras - UFRO ROMUALDO DIAS – Educação - UNICAMP VALDEMIR MIOTELLO – Filosofia - UFSC Os textos de até 5 laudas, tamanho de folha A4, fonte Times New Roman 11, espaço 1.5, formatados em “Word for Windows” A MARGINALIZAÇÃO DA SEMÂNTICA E DA deverão ser encaminhados para e-mail: PRAGMÁTICA NA SALA DE AULA nilson@unir.br CAIXA POSTAL 775 MARIA DO SOCORRO DIAS LOURA CEP: 78.900-970 PORTO VELHO-RO TIRAGEM 200 EXEMPLARES EDITORA UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA 27
  • 28. Maria Do Socorro Dias Loura A MARGINALIZAÇÃO DA SEMÂNTICA E DA PRAGMÁTICA NA SALA DE AULA Professora e Mestra em Linguistica dias-so@uol.com.br O homem sempre se preocupou com a linguagem. Na Grécia antiga, os pensadores já se deixavam seduzir por questionamentos como: as palavras imitam as coisas? Como se dá os nomes às coisas? Como a linguagem se organiza? Somente no século XX, essas e outras curiosidades começam a ter forma científica, com objeto, objetivo e método. Surge a Lingüística Moderna com o Curso de Lingüística Geral do suíço Ferdinand de Saussure, o qual propôs a língua como objeto específico de estudo da ciência. A língua é conceituada pelo mestre como um "sistema de signos", ou seja, um conjunto de unidades que estão organizadas formando um todo. Vários lingüístas surgiram após Saussure. Modernamente, Cagliari (1990, p.42) apresenta uma divisão da Lingüística: "Podemos dividir a Lingüistica em Fonética, Fonologia, Morfologia,, Sintaxe, Semântica, Análise do Discurso, Pragmática, Sociolingüística, Psicolingüística, etc. " A relação entre algumas destas ramificações, muitas vezes, é muito direta, o que dificulta a delimitação do campo de uma ou outra. Tomemos, por exemplo, a Pragmática e a Análise do Discurso: o que distingue, na prática, a primeira da segunda, não fica muito evidente. Outro caso, é a tênue diferença entre a Semântica e a Pragmática. Ambas têm características comuns. Para diferenciá-las, teoricamente, podemos listar alguns aspectos inerentes a uma e não a outra., entretanto, as situações apresentadas em cenários diversos nem sempre nos deixam uma perfeita distinção: isto é Semântica, isto é Pragmática. A escola ainda privilegia a Morfologia, a Sintaxe e a Fonética, apesar das constantes críticas à gramática tradicional. Esse privilégio contribui para que muitas aulas de português ainda sejam silenciosas, sistemáticas e opressoras. Silenciosas, porque o aluno pouco ou nada se manifesta como falante da língua nativa, uma vez que a gramática internalizada é subestimada. Não sendo a fala do aluno valorizada, ele se retrai . Sistemáticas, haja vista os professores seguirem, à risca, e sem critérios a gramática tradicional, obrigando o aluno a decorar regras e exceções impostas pela norma padrão. Além disso, os professores limitam-se a trabalhar exercícios mecanizados e leituras sem objetivos pedagógicos pré-estabelecidos. Opressoras, por manipular os alunos com ideologias, geralmente, através do livro didático ou apostilas. Pode-se comprovar esta afirmação considerando-se o resultado de uma pesquisa que, embora tenha sido realizada em São Paulo, mostra a realidade do país. A professora Maria Helena Neves pesquisou seis grupos de professores de língua portuguesa no ensino fundamental e médio . Neves (1999, ps. 12, 13) constatou que: “As aulas de gramática consistem numa simples transmissão de conteúdos expostos no livro didático em uso”. Verifica-se que os grupos de quatro exercícios mais aplicados, que são os relativos ao reconhecimento (e classificação) das classes de palavras e das funções sintáticas é responsável por 62% das ocorrências: somando-se a esse grupo as ocorrências que ocupam o quinto lugar e o sexto, que também se referem a classes de palavras e a "análise sintática", respectivamente, chega-se a um percentual de mais de 70%, o qual se eleva, se considerados os exercícios que se encontram nas posições 9, 10, 25 e 26, todos relativos a funções sintáticas."
  • 29. Não há dúvida de que, com tais procedimentos, o professor não desenvolverá, no aluno, pelo menos adequada e satisfatoriamente, a habilidades oral e a escrita. Neste caso, é ilusória a prática pedagógica da aprendizagem do ensino de língua em que o processo ensino-aprendizagem não seja um constante interagir. Esse não interagir, impossibilita o aluno perceber que a língua tem relação com o poder, com o social, podendo ser um instrumento de opressão ou libertação nos diversos grupos sociais com os quais ele convive. Neste momento, é pertinente lembrarmos Bourdieu (1983, p. 160):"A língua não é somente um instrumento de comunicação ou mesmo de conhecimento, mas um instrumento de poder. Não procuramos somente ser compreendidos, mas também obedecidos, acreditados, respeitados, reconhecidos." Bourdieu foi feliz ao fazer a afirmação acima. É verdade que usamos a língua como principal meio de comunicação para expressamos sentimentos, emoções, como também perpetuar conhecimentos adquiridos. Entretanto, ela é muito mais: é instrumento de poder. Tem o poder de persuadir, negativa ou positivamente, poder de influir em mudanças de comportamento e valores já pré-estabelecidos pelo falante; poder de discriminar. Gnerre (1987, p.3) retoma as palavras de Bourdieu:"As pessoas falam para serem "ouvidas", às vezes para serem respeitadas e também para exercer uma influência no ambiente em que realizam os atos lingüísticos." Tanto Bourdieu quanto Gnerre, são enfáticos ao referir-se à relação língua e indivíduo, língua e poder, língua e sociedade, como também ao fato de que as pessoas falam não somente para se comunicar, simplesmente, isto é, a interação que deve acontecer entre aluno e professor tem que ultrapassar o simples ato informativo. Deve partir do eu para o outro, para a coletividade, levando em conta todo o contexto da realização da enunciação. Como diz Bakhtin (1999, p. 113):"Toda palavra serve de expressão a um em relação ao outro. Através da palavra, defino-me em relação ao outro, isto é, em última análise, em relação à coletividade. A palavra é uma espécie de ponte lançada entre mim numa extremidade, na outra apoia-se sobre o meu interlocutor. A palavra é o território comum do locutor e do interlocutor." Da marginalização da semântica e da pragmática Infelizmente, a palavra, durante quase toda a convivência entre o professor e o aluno, não é território comum. Não é ponte. Ao contrário, distancia, por não ter o espaço devido em muitas aulas de Português. O que chega a ser uma ironia: a palavra, principal instrumento das aulas de português, é ignorada ! Não se trata somente de uso do vocabulário obscuro ou muita formalidade por parte do docente. Isso acontece, mas não é uma regra geral. Trata-se de aplicação de conteúdos, exemplos, textos - quando ocasionalmente são trabalhados - em grande parte, distantes do aluno, descontextualizados do seu mundo, da sua prática social. Embora esteja enfatizando a habilidade da fala, sabe-se que a escrita é a preocupação maior dos nossos professores e professoras de Português, haja vista ser ela a privilegiada pela norma padrão. Entretanto, já há uma significativa porcentagem que valoriza a oralidade do aluno, pois, como afirma Castilho (1998: 13), (...) não se acredita mais que a função da escola deve concentrar-se apenas no ensino da língua escrita, a pretexto de que o aluno já aprendeu a língua falada em casa. Ora, se essa disciplina se concentrasse mais na reflexão sobre a língua que falamos, deixando de lado a reprodução de esquemas classificatórios, logo se descobriria a importância da língua falda, mesmo para a aquisição da língua escrita. Atenuou-se, também, a convicção de que o único papel da escola é a transmissão da norma culta. Essas novas convicções apontam para o ensino da Língua portuguesa como uma reflexão sobre a língua como atividade, não apenas como estrutura”. 29