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Estado e políticas públicas no Brasil - Luis Estenssoro

  1. Estado e Políticas Públicas no Brasil: Questões Pendentes Luis Estenssoro1 As políticas públicas no Brasil atravessaram diversos avatares de acordo com o desenvolvimento histórico da economia, da sociedade e, particularmente, do Estado brasileiro. Assim, tomando como base os textos de Keinert (1994) e Medeiros (2001), podemos repartir a evolução do Estado de Bem-Estar Social, das políticas públicas e da administração pública no Brasil em diversos períodos de acordo com as metamorfoses do caráter do Estado e os estágios de desenvolvimento econômico e desenvolvimento social da nossa história republicana, a saber: • 1889-1929 – República Velha – Trata-se de uma forma singular de organização do poder correspondente à economia primário-exportadora que pode ser chamada de Estado oligárquico. Devido à regionalização da política e ao caciquismo local, a administração pública era muito clientelista. Havia também um enfoque legalista na administração pública, fruto da influência do Direito Administrativo, da tradição baseada na legislação romana. Os conflitos entre capital e trabalho eram regulados por legislação esparsa e tratados com o aparato policial. As políticas públicas eram pontuais e muito distantes das necessidades e realidades da população, causando até revoltas, como a da Vacina. Questões de saúde pública eram tratadas pelas autoridades locais. A educação era atendida por uma rede escolar muito reduzida. A previdência era predominantemente privada e a questão habitacional não era considerada objeto de política pública. • 1930-1945 – Estado Novo – A Revolução de 1930 e a Crise de 1929 rompem com a hegemonia do Estado oligárquico e surge um Estado burguês propriamente dito para estruturar o funcionamento da força de trabalho e organizar a economia que se industrializava cada vez mais. Neste período, monta-se o Estado administrativo central, segundo os princípios da “neutra” ciência administrativa da Escola Clássica, inclusive com a separação dicotômica entre política e administração e com o paradigma da “gestão empresarial” do Estado. Com o aumento da demanda por capacidade de gestão, ocorre a 1 Administrador Público (FGV) e Mestre em Integração da América Latina (USP) e Doutor em Sociologia (USP).
  2. profissionalização do serviço público: implantação de um sistema de ingresso competitivo, institucionalização do princípio meritocrático de promoção, criação de uma identidade de interesses dos funcionários, e maior centralização e racionalização da administração, inclusive com a criação do Departamento de Administração do Serviço Público (DASP), em 1938. Nesta passagem da economia primário-exportadora para a economia urbano- industrial, o Estado de Bem-Estar Social Brasileiro dá os seus primeiros sinais de vida, por meio de decisões autárquicas e com o objetivo de fornecer as condições para o desenvolvimento da indústria. Sua regulamentação se traduz em leis referentes às condições de trabalho e à venda de força de trabalho. O Estado de Bem-Estar Social adquire desde o início caráter populista, autoritário e corporativista e permanece voltado apenas para os trabalhadores urbanos e com carteira assinada. As políticas sociais, por sua vez, têm um profundo padrão conservador. Pode-se afirmar que, durante este primeiro governo Vargas, não havia tratamento planificado para os setores sociais. • 1945-1964 – Período Democrático-Desenvolvimentista – Após a Constituinte de 1946, abre-se um embate entre o projeto de um capitalismo nacional, ligado a uma burguesia industrial incipiente, e a estratégia de desenvolvimento associado, que unia o latifúndio e o capital estrangeiro. Trata-se de um período democrático muito influenciado pela ideologia desenvolvimentista e pelos planos de desenvolvimento, como o Plano de Metas (1956-61) e o Plano Trienal (1963-65). O planejamento assume uma função importante na administração pública e, para implementar os planos, intenta-se transformar as burocracias em instrumentos de mudança social. Inicia-se também a cooperação internacional para a formação de técnicos em administração. Paralelamente ao aumento do poder da burocracia, o Estado de Bem-Estar Social aumenta a inclusão de grupos sociais, fato decorrente da expansão da indústria e da maior demanda por força de trabalho. Porém, as estruturas corporativistas e populistas permaneceram intactas. A Previdência Social é unificada administrativamente, e os benefícios sofrem um processo de uniformização. Mas, apesar das diversas modificações na legislação trabalhista, a extensão dos benefícios continua limitada. Conserva-se, portanto, um padrão seletivo, heterogêneo e fragmentado de proteção social. Por outro lado, ocorre uma ampliação da assistência médica e uma democratização do ensino. Nos programas referentes aos setores sociais pode-se perceber 2
  3. características populistas, inclusive com exploração política e uma maneira paternalista e personificada de manipulação social em ambiente de democracia limitada. • 1964-1985 – Ditadura Militar – Com o Golpe de Estado de 1964, consolidou-se a vitória da estratégia econômica de desenvolvimento associado, que representou o aprofundamento da economia brasileira como um subsistema dependente do capitalismo internacional. Inicia-se um período marcado pelo centralismo, autoritarismo e expansão do intervencionismo estatal. O conceito de Segurança Nacional é aplicado para o controle da ordem social, fiscalização das forças sociais e controle político das condutas sociais. Há uma exclusão política de grupos contrários e se mantém o controle sobre os sindicatos, ao lado de um fortalecimento do executivo e da máquina decisória impessoal e autoritária. Ocorre um grande crescimento da máquina administrativa, tornando a administração pública uma questão relativa à gestão de grandes organizações. Procede-se uma Reforma Administrativa por meio do Decreto-Lei 200, que institui o planejamento tecnicista baseado na competência e racionalidade técnica e adota a centralização do controle na Secretaria do Planejamento (SEPLAN). Há uma expansão e multiplicação das empresas estatais, cujo controle somente seria tentado com a criação da Secretaria de Estado das Estatais (SEST), em 1979. Em termos de políticas públicas, é uma fase de consolidação do Sistema Brasileiro de Proteção Social com as características de fragmentação institucional, clientelismo, meritocracia, particularismo, tecnocratismo e centralização política e financeira em nível federal. No entanto, ocorre uma ampliação da cobertura e um reforço das políticas sociais de natureza assistencialista dentro de um marco autoritário. O Estado de Bem-Estar Social perde muito de seu caráter populista e passa a ter políticas de caráter compensatório e de caráter produtivista, voltadas para o assistencialismo e para contribuir com o processo de crescimento econômico. Há um aumento do volume de recursos envolvidos e tem curso um processo de privatização das políticas sociais, que assumem um caráter regressivo e são objeto de uso clientelístico. O sistema era ineficiente, ineficaz, com superposições, com altos custos, falta de participação popular, ausência de avaliação e marcado pelo burocratismo. • 1985-2002 – Nova República – Fase que representa duas décadas perdidas em termos de desenvolvimento, pois o ajuste estrutural imposto internacionalizou mais ainda a economia sem uma contrapartida em termos de crescimento econômico e às custas 3
  4. do desenvolvimento social. No plano político, ocorre uma reorganização institucional em bases democráticas, possível graças à mobilização social popular. A ciência política invade o campo da administração pública, pois se reconhecem os obstáculos políticos à eficiência e eficácia das políticas públicas. Com a Constituição de 1988, consolida-se formalmente a cidadania, com a incorporação dos direitos sociais e da participação da sociedade na gestão pública. Estabelece-se também o conceito de seguridade social, que engloba saúde, previdência social e assistência social. Ocorre concomitantemente um movimento de descentralização fiscal e administrativa determinado pela Constituição. Paralelamente, há uma desconcentração do poder, com uma crescente importância dos prefeitos e governadores eleitos diretamente. O Sistema Brasileiro de Proteção Social sofre um desmantelamento e uma retração em nível federal, ao lado de um processo de descentralização, regionalização e municipalização. O desenvolvimento urbano, por exemplo, foi regionalizado e extingui-se o Banco Nacional da Habitação (BNH) e qualquer política federal nesse campo. No entanto, a única reforma bem sucedida foi a do Sistema Único de Saúde (SUS). Paralelamente, ocorre uma unificação do sistema de Previdência Social e um processo de universalização da cobertura, que passa a incluir também trabalhadores rurais. A partir da gestão Collor, acontece um movimento neoliberal de redução do tamanho do Estado, inclusive com privatizações, desregulamentação e cortes orçamentários. Há um desmonte do orçamento e da burocracia do campo social, com um processo de descentralização caótica, desaparelhamento e fragmentação institucional. Paralelamente, ocorre uma ampliação do assistencialismo, do clientelismo e do fisiologismo. No governo Itamar Franco há uma retomada das políticas sociais e uma redução do clientelismo e do assistencialismo. A Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), de 1993, é marcada pela visão da assistência social como direito social, com conquistas como a universalização do acesso e a gratuidade dos serviços. Porém, ao lado de um fortalecimento das instâncias locais de poder, há um enfraquecimento da administração central, processo este que culmina na Reforma Administrativa do governo Cardoso. Esta reforma se trata de um recuo do Estado, que cede espaço para as organizações da sociedade civil por meio de “contratos de gestão”. Em termos de políticas públicas, ocorre um reforço da focalização e da seletividade (sem perda do universalismo), aliado uma redução do estatismo, mediante parcerias com as organizações sociais e o setor privado. Apesar dessa 4
  5. ênfase na terceirização dos serviços e na participação das “Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público” (OSCIPs) na estrutura do Estado, preservou-se o caráter público e gratuito dos serviços. No fim do período, inauguram-se as políticas sociais de transferência de renda, graças à aprovação do Fundo de Combate à Pobreza, em 2000. • 2002-2005 – Fase Atual – Neste período ocorre a retomada do desenvolvimento econômico e do desenvolvimento social. Ao lado da consolidação das conquistas democráticas e da consolidação dos serviços públicos universalistas, há uma ampliação massiva das políticas sociais, um aumento da participação da sociedade civil e promovem-se reformas institucionais e regulamentadoras. Ocorre um fortalecimento do financiamento das políticas públicas ao lado de uma reconstituição da iniciativa federal neste campo. Desta forma, intenta-se redefinir o papel do Estado. A reclassificação das questões públicas como interesse coletivo revela a introdução das ciências sociais no domínio da administração pública. Pretende-se superar a dicotomia entre administração e política por meio da centralidade das questões sociais de interesse coletivo no desenvolvimento nacional. Cria-se um Ministério do Desenvolvimento Social (MDS) que integra a segurança alimentar (Fome Zero), a assistência social (Benefício de Prestação Continuada, BPC, da LOAS) e as políticas de transferência de renda (Bolsa-Família, programa que pretende alcançar até 2006 a totalidade dos 35% pobres da população do Brasil). Consolida-se, portanto, a Rede Brasileira de Proteção Social com caráter universalista, democrático e participativo. Cria-se o Ministério das Cidades e o Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social (FNHIS), voltados para o desenvolvimento urbano e moradia popular. Na área da educação constitui-se o Fundeb, fundo que beneficia toda a educação primária e secundária. As reformas sociais empreendidas e a constituição de fundos públicos destinados às necessidades sociais constituem fatos relevantes no campo social. Altera-se, desta forma, o caráter pouco inclusivo do Sistema Brasileiro de Proteção Social: consolida-se a universalização dos serviços sociais públicos e luta-se para melhorar aos poucos a eficácia e a qualidade dos mesmos. Em geral, há uma unificação e integração do sistema com descentralização e participação nos Conselhos Municipais, principalmente na área da saúde. Tem curso uma política de Estado que tenta ampliar o caráter redistributivo limitado do Estado de Bem-Estar Social Brasileiro de modo que este assuma alguma capacidade de redução da secular desigualdade social. 5
  6. Durante toda a história republicana o Estado assumiu papéis de regulação, intervenção, planejamento, empreendimento e assistência social. Entretanto, percebe-se, na sucessão dos períodos assinalados, um redirecionamento do foco centrado no aparelho estatal para uma perspectiva ampliada da noção de público, inclusive com a incorporação de novos atores. A preocupação com a estruturação do Estado, predominante até a década de 70, irá se ampliar para abranger também a estruturação das políticas públicas. O modelo burocrático tradicional foi levado ao limite com o apogeu da tecnoburocracia, onde o Estado era o sujeito do planejamento centralizado do desenvolvimento, mas cede lugar ao modelo pós-burocrático que incorpora a idéia de espaço público ampliado, cuja condição pluralística demanda a construção de consensos sob uma nova forma. O modelo pós- burocrático tem duas vertentes: o modelo de administração gerencial e o modelo de participação cidadã. O primeiro entende o paradigma público com estatal, privilegiando um corpo funcional profissionalizado e capacitado num “núcleo central” do Estado, que teria suas atividades “não-exclusivas” privatizadas ou tornadas “públicas não-estatais”, com a participação de “organizações sociais” por meio de “contratos de gestão”. Enquanto que o segundo entende o paradigma público como interesse coletivo, onde as questões sociais são objeto de políticas públicas sob controle social. Neste sentido, a tecnoestrutura burocrática dos governos militares cede lugar ao modelo gerencial burocrático do governo Cardoso e, posteriormente, ao modelo participativo cidadão do ideário e da prática do Partido dos Trabalhadores (PT) (para uma visão crítica de cada modelo ver Ianni, 1991; Draibe, 2003; e Yazbek, 2004, respectivamente). Esta dicotomia política entre forças políticas mais à esquerda ou mais à direita também tem seus reflexos nas políticas públicas, particularmente nas políticas de combate à pobreza. O debate em torno da crise do Estado de Bem-Estar Social é relatado por Draibe e Henrique (2003), que mostram que as correntes conservadoras e liberais entendem a pobreza como algo residual e passível de um combate emergencial, pois constitui um entrave à modernização. A ação do Estado, para estas correntes, deveria ater-se a programas assistenciais de auxílio à pobreza, de modo a complementar a filantropia privada e comunitária. Os processos de descentralização, privatização e focalização nos mais pobres, propostos para os programas sociais, seriam uma resposta da sociedade, com suas organizações, e do setor privado para o problema da pobreza. A crise fiscal do Estado 6
  7. o impediria de assumir essas funções de redistribuição. As políticas sociais, assim entendidas, seriam um fator de estabilidade social e de estabilidade política para o processo de reformas estruturais, rumo a uma maior liberalização da economia. Para as correntes mais progressistas, entretanto, a pobreza é estrutural e a dissociação entre renda, trabalho e seguridade social impõe uma necessidade de resposta baseada na solidariedade social, na justiça distributiva e nos direitos sociais. Esta resposta passa, necessariamente, pelos serviços públicos gratuitos e universais e por programas emergenciais massivos de transferência de renda na forma de uma renda social mínima, ao lado de uma política econômica condizente com o combate à desigualdade social. Enfim, um radical programa de erradicação da pobreza e diminuição da desigualdade, inclusive com uma mudança do modelo econômico dependente, concentrador e excludente hoje dominante. Não obstante esta luta política em torno do Estado, o Governo Federal, ao lançar a Política Nacional de Assistência Social (PNAS, MDS, 2004), nos alerta que temos hoje, no Estado brasileiro, um padrão concreto de proteção social de caráter descentralizado, com parâmetros claros para alocação de recursos (baseados no critério per capita), e com fundos públicos definidos para o seu financiamento. Existe também uma definição do caráter das relações público-privadas de maneira geral e, especificamente para investimentos, criou-se a lei das Parcerias Público-Privadas (PPPs). Há uma multiplicação dos mecanismos participativos e um reforço no poder de regulação do Estado. Temos múltiplos programas de transferência de renda nas três esferas de governo, além do Benefício de Prestação Continuada (BPC) e de programas estruturantes como, por exemplo, o Sentinela, contra o abuso sexual de menores, e o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI). Pode- se dizer que acontece uma superação do clientelismo, do assistencialismo e da filantropia com a universalização e gratuidade dos serviços e a ampliação de programas que promovem a cidadania, a emancipação e os direitos sociais. Além disso, temos um Estado com uma alta capilaridade institucional descentralizada em conselhos e secretarias de Estados e de municípios nas áreas de saúde, assistência social e educação, que revela uma capacidade de construção e assimilação progressiva de procedimentos técnicos e operacionais homogêneos e simétricos para o financiamento, para a prestação de serviços, e para a gestão das políticas públicas. 7
  8. Apesar disso, as necessidades e urgências sociais são maiores ainda do que as soluções e capacidades existentes. Como nos demonstram Barros, Henriques e Mendonça (2000), o Brasil não é um país pobre, mas um país extremamente injusto e desigual, com muitos pobres. Entretanto, a sociedade brasileira não enfrenta problemas de escassez absoluta nem relativa de recursos para erradicar seu atual nível de pobreza. A desigualdade na distribuição de renda é o principal determinante da pobreza no Brasil e surpreende pela sua intensidade e estabilidade. Para combatê-la, políticas de crescimento econômico devem ser estimuladas, embora não deva ser a única via existente para reduzir a pobreza. É um imperativo moral e um imperativo de eficácia combater a desigualdade, fonte da pobreza, por meio de políticas sociais que gerem maior eqüidade na distribuição de renda e propriedade. Estas políticas apresentam significativa capacidade de erradicar a pobreza no Brasil, e a escassez de seu uso tem determinado a atual estrutura de distribuição desigual de ativos. A ineficácia no combate à pobreza está associado à preferência que o poder público tem dado à estratégia de crescimento econômico para reduzir a pobreza, em vez de recorrer-se à estratégia da redistribuição de renda e propriedade, muito mais significativa em termos de redução da desigualdade e, portanto, da pobreza. Mas as dificuldades não param aí. Assistiu-se nos últimas décadas à constituição de uma nova articulação de classes sociais responsável pelo avanço ainda maior das classes proprietárias de ativos financeiros na dominação política no país. Pochmann (2004) afirma que o projeto de desenvolvimento nacional deu lugar a um ciclo crescente de financeirização da riqueza, cujo principal sustentáculo encontra-se no Estado, tanto em termos de financiamento quanto em termos de legitimação política. O ciclo de financeirização da riqueza depende da lógica de contínua transferência da renda gerada pelo setor produtivo, especialmente do trabalho, para o setor financeiro, bem como da compressão do gasto social. Há mecanismos e engrenagens estruturados para perpetuar e aumentar essas transferências. Neste sentido, o acréscimo da participação do Estado às custas da massa salarial das classes trabalhadoras, ocorrido na década de 90, atende, não a um aumento do gasto social, mas ao pagamento do serviço da dívida pública. Por sua vez, a dívida pública crescente, devido aos altos juros, favorece as classes proprietárias de ativos na forma de títulos. 8
  9. Neste contexto, um sistema amplo e adequado de proteção social no Brasil, condizente com nossa pobreza estrutural, encontra dificuldades imensas para se viabilizar, pois demanda a contínua e perseverante construção e aperfeiçoamento de um Estado Social: aumento dos fundos de investimento social; aumento da capacidade reguladora das agências públicas; bem como estruturação e incremento das capacidades de gestão, formulação e implementação de políticas públicas dos Ministérios. Sente-se a necessidade de redesenhar os aparelhos burocráticos públicos e integrar as diversas áreas para maximizar os resultados e melhorar a qualidade dos serviços públicos, com aumento da transparência e controle social. Neste sentido, Kliksberg (1998) sustenta que planejamento e gestão devem se aproximar ao máximo para maximizar a interação com a realidade e permitir: 1) um aumento do acesso aos serviços públicos e programas sociais; 2) um incremento da eqüidade no tratamento, com respeito das especificidades; 3) a garantia da sustentabilidade dos projetos, planos, programas e ações; e 4) a potencialização da eficiência das estruturas, da eficácia dos programas e da efetividade destes no combate à pobreza e à desigualdade. Somente com a dinamização deste Estado Social pode-se pensar na melhoria do capital humano e do capital social dos brasileiros. Capital humano entendido como qualidade dos recursos humanos em termos de saúde, educação, nutrição, etc., e capital social entendido como elementos qualitativos das relações humanas, tais como: valores compartilhados, capacidades de ação sinérgica, capacidades de produção de redes, além de acordos, contratos e consensos sociais. O capital social tem uma acepção produtivista, que a define como projetos e serviços destinados a elevar a produtividade e diminuir os custos de reprodução da força de trabalho. Porém, preferimos a definição do capital social como a existência de redes, normas e valores que favorecem a cooperação entre pessoas em busca de objetivos comuns relacionados com seus interesses coletivos. O Estado Social democratizado e sob controle social deve estar a serviço da estruturação do capital social, colaborando para a construção de uma rede ampliada de políticas públicas que interaja com os associativismos políticos, sociais, econômicos e culturais da população. Trata-se de capacitar o Estado para que este potencialize a realização do capital social e do capital humano dos brasileiros visando uma melhoria do seu desenvolvimento social. 9
  10. No entanto, como afirma Abranches (1987), não se prestam serviços sociais nem se erradica a pobreza sem redistribuir custos sociais, o que implica em opções políticas sobre o padrão de desenvolvimento e a ação social do Estado. A política econômica e a política social do Estado são complementares e refletem a direção política das relações econômicas. Ambas são circunscritas pelo padrão de acumulação do modelo econômico vigente. Porém, é a ordem política que define as opções de ação e de intervenção do Estado no combate à miséria social e na promoção da justiça social, entendida como busca de eqüidade sob a forma da garantia e promoção dos direitos sociais e da cidadania. A política econômica e a política social estão no centro do confronto entre interesses de grupos e classes sociais. A ação governamental reflete, portanto, escolhas em um quadro de conflito social e político. Como sabemos, escolhas políticas sempre envolvem julgamento de valor, e a política social, enquanto ação pública, corresponde a um sistema de transferência unilateral de recursos e valores monetários que não obedece à lógica do mercado. Trata-se, então, de um compromisso político assumido em termos de políticas sociais universais e permanentes (auxílio em caso de velhice, invalidez, desemprego, doença ou acidente), políticas de combate à pobreza (compensação de carências e incorporação dos despossuídos) e políticas de redistribuição ou desconcentração de renda (combate à desigualdade na distribuição de renda), todas com o objetivo de combater a pobreza nas suas formas de desproteção, destituição, e marginalização, além da sua forma mais extrema que é a privação absoluta. Mais ainda, qualquer política de planejamento do desenvolvimento social deve contemplar uma política de redistribuição de renda e patrimônio. Ora, conforme vimos acima, isto implica numa redistribuição de custos sociais. Políticas dessa natureza não são aceitas com facilidade pelos grupos privilegiados, causando vetos sociais a estas políticas de planejamento com redistribuição, segundo a acertada terminologia usada por Abranches. Há uma grande resistência de segmentos sociais dominantes às políticas sociais e às políticas econômicas que visem a redistribuição de ativos. Na contraposição e no embate entre grupos e classes sociais, as estruturas e dinâmicas de dominação existentes hoje na sociedade brasileira têm a função de impedir uma redistribuição social dos recursos de renda e posse em favor dos mais pobres. Não somente a renda auferida e a estrutura de propriedade revelam esses vetos sociais, mas também os padrões de produção e consumo, 10
  11. bem como o acesso aos bens e serviços fora dos circuitos normais de mercado, através de políticas de cobertura social. Todos esses padrões de distribuição de bens e serviços, renda e propriedade demarcam as fronteiras da privação absoluta e relativa, bem como a injustiça, a regressividade e os privilégios no perfil de alocação de recursos e de distribuição de renda. Neste sentido, cabe investigar, em primeiro lugar, o caráter do Estado e o papel deste no processo de desenvolvimento. Conforme analisa Kowarick (1985), nos países subdesenvolvidos, o Estado adquire importantes funções relativas ao favorecimento do processo de valorização do capital, não somente como financiador de infra-estrutura necessária para o processo de acumulação de capital, mas também como produtor direto e como regulamentador das atividades econômicas, inclusive com o poder de taxar e conceder subsídios bem como de implementar a política econômica. Desta forma, o Estado tem cumprido historicamente o papel de dinamizador da acumulação privada de capital, pois a riqueza e os mecanismos que cria servem aos interesses do grande capital em economias dependentes. O Estado tem funcionado, portanto, como suporte e alavanca da acumulação privada do capital monopolista globalizado. Por sua vez, este processo de acumulação está apoiado na extração do excedente via mais-valia relativa (aumento da produtividade) e também na mais-valia absoluta (superexploração do trabalho), isto é, na pauperização absoluta dos trabalhadores, principalmente dos não-qualificados, via aumento da jornada de trabalho, decréscimo dos salários reais, dilapidação da mão-de-obra e espoliação existente na prestação de serviços públicos precários – ou mesmo inexistentes – à população. No entanto, não concordamos com a crítica determinista que considera o Estado como sendo inteira e invariavelmente funcional à reprodução e expansão do capital bem como de suas formas de apropriação do excedente. O Estado cumpre esse papel dentro de um contexto de composição de classes no interior da estrutura estatal, o que impõe limites a essa sua função de valorização do capital. Se, por um lado, o Estado organiza a acumulação de capital, por outro, ele também regula e normatiza o funcionamento da força de trabalho. Mais que isto, o Estado passa a ser responsável pela reprodução da força de trabalho. Em primeiro lugar porque regula as relações de trabalho, mas, principalmente, pelos investimentos que o Estado realiza em infra-estrutura e bens de consumo coletivo 11
  12. essenciais para a reprodução da força de trabalho: transporte, energia, saúde, educação, habitação, etc. Sendo assim, as políticas públicas revelam uma tensão contraditória entre os imperativos da reprodução do capital e as necessidades de reprodução da força de trabalho, que, por sua vez, se fazem presentes pela maior ou menor participação política democrática das massas no processo decisório. Neste sentido, pode-se perguntar até que ponto o modelo de participação cidadã, que busca o controle social sobre a burocracia e o controle político das massas sobre o Estado, tem dado os seus primeiros passos na esfera federal, impondo-se aos vetos sociais das classes proprietárias de ativos. Em segundo lugar, cabe investigar também se as políticas públicas estão sendo implementadas com a preocupação de ancorar institucionalmente os valores e princípios de sua intervenção na estrutura social. Isto porque o conteúdo de uma proposta de democratização da burocracia, por exemplo, deve contemplar instituições concretas que sustentem os valores e princípios como, digamos, a participação popular e a transparência. Como sustenta Arretche (2003a e 2003b), é importante investigar a natureza das instituições e mecanismos de implementação de políticas para saber se aquela estrutura burocrática pode representar os valores e princípios que diz representar, bem como se podem implementar os planos do governo na sociedade de maneira eficaz. Independentemente da crítica que se possa fazer à burocratização do Estado, dos partidos, empresas e das organizações, que certamente coloca limites às liberdades democráticas (cf. Tragtenberg, 1992 e Mota e Bresser Pereira, 1988), acreditamos que o processo de construção das políticas públicas, via planejamento, bem como sua efetivação pelas burocracias estatais, correspondem a decisões políticas tomadas no âmbito de um processo social mais amplo, do qual participa a cidadania por meio da escolha dos seus representantes ou diretamente. Conforme explica Habermas (2001 e 2003), trata-se da fórmula democrática de intervenção da sociedade sobre si mesma. Também concordamos com Cardoso (1987) quando afirma que a moderna burocracia faz parte integrante da organização democrática, pois é o instrumento pelo qual se compatibiliza a igualdade formal impessoal requerida pela cidadania. Neste sentido, é preciso verificar a permeabilidade da burocracia estatal para as questões democráticas, participativas e para os conteúdos de mudança social e saber se há, 12
  13. de fato, uma ancoragem institucional para novos valores e princípios democráticos, ou mesmo socializantes, de intervenção do Estado Social na estrutura social desigual do país. Historicamente, pode-se dizer que, no Brasil, as políticas sociais, entendidas como políticas de reprodução da força de trabalho, foram relegadas para segundo plano em função das necessidades de reprodução do capital. Desta forma, o desenvolvimento econômico do subdesenvolvimento industrializado condicionou uma situação de pobreza e de desigualdade social. A repressão política e o controle social foram elementos usados para concretizar essa tendência. O que deve ser entendido, do nosso ponto de vista, é em que medida ocorre uma inflexão, na fase atual, desta tendência histórica de favorecimento, por parte do Estado, da acumulação privada do capital, em detrimento da melhoria do capital humano e do capital social da força de trabalho brasileira. A criação do Ministério das Cidades e do Ministério do Desenvolvimento Social, para ficar nos exemplos mais evidentes, representa ou não uma ancoragem institucional para iniciar esta inflexão da tendência histórica de descaso com as políticas sociais públicas? Por último, em termos de desenvolvimento social, Kowarick (2000) explica que a situação de pobreza social tem também um caráter político, pois constitui o ponto nodal entre a estrutura econômica decorrente das dinâmicas de exploração e de desigualdade, e a experiência política vivida no processo de exclusão sócio-econômica (segregação e discriminação) e nas formas de dominação social (espoliação, destituição). Neste sentido, também deve ser entendido até que ponto essa experiência política das massas excluídas está sendo canalizada, pelos movimentos sociais ou pelas instituições políticas, para uma posição de polarização em torno da reivindicação de direitos sociais relacionados com as políticas públicas, bem como de questionamentos sobre a direção que toma a política econômica do governo. Pode-se falar de um avanço na conscientização e organização das massas, proporcionado por uma condição de disputa política e social decorrente do fato de termos um governo de centro-esquerda no poder? Ou será que tudo se resume a uma experiência de governo mal sucedida, com corrupção institucionalizada, nos marcos do controle do Estado pela mesma elite que impõe vetos sociais às políticas públicas de caráter social? 13
  14. Bibliografia: ABRANCHES, Sérgio H. “Política Social e Combate à Pobreza: A Teoria da Prática”. in: ABRANCHES, Sérgio H., SANTOS, Wanderley G. e COIMBRA, Marcos A. Política Social e Combate à Pobreza. Rio de Janeiro, Zahar, 1987. ARRETCHE, Marta. “Mitos da Descentralização. Mais Democracia e Eficiência nas Políticas Públicas”. Coleção RBCS. São Paulo, ANPOCS, CD-ROM, 2003a. ARRETCHE, Marta. “Políticas Sociais: Descentralização em um Estado Federativo”. Coleção RBCS. São Paulo, ANPOCS, CD-ROM, 2003b. BARROS, Ricardo P., HENRIQUES, Ricardo e MENDONÇA, Rosane. “Evolução Recente da Pobreza e da Desigualdade: Marcos Preliminares para a Política Social”. Cadernos Adenauer. nº 1, 2000. CARDOSO, Fernando H. “Aspectos Políticos do Planejamento”. in: LAFER, Betty M. Planejamento no Brasil. São Paulo, Perspectiva, 1987. DRAIBE, Sônia e HENRIQUE, Wilnês. “Welfare State, Crise e Gestão da Crise: um Balanço da Literatura Internacional”. Coleção RBCS. São Paulo, ANPOCS, CD-ROM, 2003. DRAIBE, Sônia. “A Política Social no Período FHC e o Sistema de Proteção Social”. Tempo Social. Novembro, 2003. DRAIBE, Sônia. “As Políticas Sociais do Neoliberalismo”. Revista USP. pp. 86-101. GOVERNO FEDERAL, Ministério da Administração e Reforma do Estado. Plano Diretor da Reforma do Estado, 1997. GOVERNO FEDERAL. Ministério do Desenvolvimento Social. Política Nacional de Assistência Social, 2004. HABERMAS, Jürgen. “Constelação Pós-Nacional e o Futuro da Democracia”. in: HABERMAS, Jürgen. Costelação Pós-Nacional. Ensaios Políticos. São Paulo, Littera Mundi, 2001. HABERMAS, Jürgen. “O Estado Democrático de Direito”. in: HABERMAS, Jürgen. Era das Transições. Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro, 2003. 14
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