O Significado da Nova Jerusalém no Apocalipse de João
1. O Significado da Nova Jerusalém
Por Hans K. LaRondelle
"Vi novo céu e nova terra, pois o primeiro céu e a primeira terra passaram, e o mar já
não existe. Vi também a cidade santa, a nova Jerusalém, que descia do céu, da parte de
Deus, ataviada como noiva adornada para o seu esposo. Então, ouvi grande voz vinda
do trono, dizendo: Eis o tabernáculo de Deus com os homens. Deus habitará com eles.
Eles serão povos de Deus, e Deus mesmo estará com eles. E lhes enxugará dos olhos
toda lágrima, e a morte já não existirá, já não haverá luto, nem pranto, nem dor, porque
as primeiras coisas passaram. E aquele que está assentado no trono disse: Eis que faço
novas todas as coisas. E acrescentou: Escreve, porque estas palavras são fiéis e
verdadeiras. Disse-me ainda: Tudo está feito. Eu sou o Alfa e o Ômega, o Princípio e o
Fim. Eu, a quem tem sede, darei de graça da fonte da água da vida. O vencedor herdará
estas coisas, e eu lhe serei Deus, e ele me será filho. Quanto, porém, aos covardes, aos
incrédulos, aos abomináveis, aos assassinos, aos impuros, aos feiticeiros, aos idólatras e
a todos os mentirosos, a parte que lhes cabe será no lago que arde com fogo e enxofre, a
saber, a segunda morte" (Apoc. 21:1-8).
Esta visão de João continua a série de visões ("Vi") que começaram com a do segundo
advento em Apocalipse 19:11. Alguns inclusive consideram Apocalipse 21:1-8 como "a
parte mais importante de seu livro".1 Apocalipse 20 e 21 estão unidos por muitos elos.
Ambos falam de "céu e terra" (20:11; 21:1), do "mar" (20:13; 21:1), do "livro da vida"
(20:12; 21:17), do "trono" de Deus (20:11; 21:3), da "segunda morte" (20:14; 21:8) e do
"lago de fogo" (20:15; 21:8). Estas conexões confirmam que a visão da Nova Jerusalém
é a culminação da longa cadeia de visões que aparecem em Apocalipse 19:11 a 21:8.
Em outras palavras, a visão de "um novo céu e uma terra nova" (21:1) segue à segunda
vinda de Cristo (19:11-16) e ao milênio.
A descida da presença constante de Deus sobre a terra renovada é o propósito do plano
de Deus e de seus juízos sobre a humanidade pecadora. Por conseguinte, a visão de
Deus morando com os homens em Apocalipse 21:1-8 forma o ponto culminante de
todas as visões anteriores de João, e a consumação da esperança dos mártires. Roy
Naden diz bem. "Sob a inspiração do Espírito Santo, os dois últimos capítulos de seu
livro [o de João] formam o cântico mais sublime".2
Agora João recebe visões repetidas da Nova Jerusalém (Apoc. 21:1-8, 10-27; 22:1-6),
que revelam progressivamente o esplendor da cidade de Deus. O fato de que João volta
a ouvir a voz de Deus desde seu trono ordenando que escrevesse palavras que são "fiéis
e verdadeiras" (21:5) é significativo. Desta maneira Deus autentica a veracidade do que
João viu. As palavras de Deus estão formuladas nas promessas do Antigo Testamento
que eram familiares ao povo de Israel. João usa estas alusões para enfatizar a
continuidade do pacto de Deus. Destaca seu cumprimento repetindo sete vezes que
Deus e o Cordeiro estão unidos inseparavelmente com a Nova Jerusalém (21:9, 14, 22,
2. 23, 27; 22:1, 3). Dessa maneira João informa à igreja que suas visões da Nova
Jerusalém são em essência diferentes das esperanças nacionais judaicas de seu tempo.
Sua esperança futura se centraliza em Cristo Jesus e em seu povo universal.
Ao adotar a linguagem gráfica de Isaías e Ezequiel, João descreve "a realidade
indescritível do céu... o quadro mais detalhado que alguma vez se deu na Escritura da
realidade incomparável que Deus preparou para seus filhos".3
O Significado Religioso de Jerusalém no Antigo Testamento
Os nomes de Jerusalém e o monte Sião são usados em forma sinônima no Antigo
Testamento (ver Miq. 3:12; 4:8; Isa. 10:12). Jerusalém devia sua santidade ao traslado
que fez Davi da arca de Jeová, o símbolo do trono de Deus ao monte Sião (2 Sam. 6;
Sal. 132:13-16). Sião funcionou como o centro da inspiração, salvação e adoração
divinas (vejam-se os salmos 46, 48, 76). O Salmo 46 não glorifica a Jerusalém em si,
exceto como o lugar onde Deus mora:
"Deus é o nosso refúgio e fortaleza, socorro bem presente nas tribulações... Há um rio,
cujas correntes alegram a cidade de Deus, o santuário das moradas do Altíssimo. Deus
está no meio dela; jamais será abalada; Deus a ajudará desde antemanhã" (Sal. 46:1, 4,
5).
O Salmo 46 termina com uma perspectiva escatológica da majestade de Deus:
"Aquietai-vos e sabei que eu sou Deus; sou exaltado entre as nações, sou exaltado na
terra" (Sal. 46:10).
Espraiando-se sobre esta esperança paradisíaca, o salmista descreve a Jerusalém em
termos ideais: "Há um rio, cujas correntes alegram a cidade de Deus, o santuário das
moradas do Altíssimo" (Sal. 46:4). Como pôde o salmista dizer que Jerusalém tinha um
"rio" quando não possui nenhum arroio, exceto um pequeno manancial perto de Giom?
(ver 1 Reis 1:33, 38). Sua visão percebeu o tempo de salvação messiânico.
Vários profetas também descreveram a Jerusalém escatológica como possuindo uma
correnteza no marco do paraíso restaurado (ver Isa. 33:21; 35:6, 7; Joel 3:18; Ezeq.
47:1-12; Zac. 14:8). Dessa maneira, a cidade histórica de Davi chegou a ser na "teologia
de Sião" de Jerusalém um símbolo da esperança escatológica, um tipo profético do reino
messiânico. Dois profetas fizeram de Jerusalém a parte central de seu panorama futuro e
portanto merecem nossa atenção.
Ezequiel mostrou que Deus não estava atado incondicionalmente a Jerusalém, mas sim
a julgaria por sua apostasia religiosa, moral e social (Ezeq. 8-11). Deus abandonaria o
templo e voltaria só para um Israel renovado moralmente (36:24-28; 37:26, 27),
promessa que se amplia na descrição do novo templo em Ezequiel 40 a 48. Esse templo
da visão de Ezequiel é de origem divina. É "uma realidade celestial criada pelo próprio
Jeová e transplantada para permanecer na terra".4 Virá à terra só quando o Israel de
Deus seja purificado e quando o Messias tenha vindo a Israel (37:24, 25). A
característica do novo templo será um rio doador de vida fluindo debaixo do templo
(47:1-12). Este característico forma um elo com o jardim do Éden (ver Gên. 2:8-14).
Isaías viu, em sua perspectiva profética, como os gentios irão à Nova Jerusalém com a
confissão religiosa: "Só contigo está Deus, e não há outro que seja Deus" (Isa. 45:14; cf.
1 Cor. 14:25). Tudo estará unido por sua fé messiânica antes que por laços étnicos ou
políticos. Isaías emprega os símbolos das pedras preciosas e jóias resplandecentes para
descrever a beleza de seus muros e portas (Isa. 54:12), desenho que evoca a volta da
opulência paradisíaca (ver Ezeq. 28:11-15; Isa. 51:3). Embora isto assinala a uma
qualidade transcendente da Nova Jerusalém, não há indicação em Isaías de que esta
cidade tem uma origem extraterrestre. Sua glória sobrenatural emana da presença de
3. Deus. A essência de seu atrativo único não é tanto sua beleza externa como a promessa
de que Jeová voltará e de novo estará unido com seu povo (Isa. 60:1, 2, 19; 62:11 ).
Portanto, a cidade recebe um nome novo (Isa. 62:2). Já não necessitará mais a luz do sol
ou a da lua, porque "o Senhor será a tua luz perpétua, e o teu Deus, a tua glória" (60:19;
cf. Apoc. 21:23; 22:5). Isaías mescla seu conceito da Sião do tempo do fim com seu
motivo de uma nova criação usando as cores realistas de um paraíso terrestre (Isa.
65:17-25). Embora tenha anunciado mais explicitamente que nenhum outro profeta a
criação de "novos céus e terra nova" (v. 17), esta descrição poética da Jerusalém
renovada permanece em continuidade com o contexto histórico (v. 20). Permanece
como uma realidade terrestre embora transformada. Sua bênção mais rica não será a
longevidade ou a prosperidade, a não ser a presença de Jeová para responder suas
orações (v. 24). Mas também estará presente o Messias, porque terá chegado o jubileu
messiânico (61:1-3, 10; cf. Luc. 4:17-21).
Por esta análise breve do panorama profético de Jerusalém que temos nos salmos, no
Isaías e no Ezequiel, sabemos que a cidade de Jerusalém desempenha o papel de tipo de
uma Jerusalém futura e mais gloriosa. No Apocalipse de João vemos como se cumprirá
esta promessa, muito além das expectativas dos profetas hebreus, na Nova Jerusalém de
Apocalipse 21 e 22. Roberto Badenas o resumiu bem nestas palavras:
"Como uma recapitulação mestra da história humana e da história da salvação, a Nova
Jerusalém chega a ser a realização da teocracia ideal de Deus, o símbolo perfeito da
reunião do povo de Deus, o lugar da comunicação perfeita entre o Criador/Redentor e
suas criaturas redimidas. A Nova Jerusalém será para os novos céus e nova terra o que a
antiga Jerusalém nunca conseguiu ser para o Israel e o mundo".5
Depois de tudo, a Nova Jerusalém desce de cima, como uma criação nova de Deus, e
por conseguinte será completamente diferente da velha Jerusalém.
Esperanças Judaicas Durante o Período Intertestamentário
Muito pouco tempo depois da revolta macabéia (168-164 a.C.), os "sonhos-visão" do
Apocalipse Etiópico de Enoc, escrito por volta dos anos 165-161 a.C., predisseram que
com a aparição do Messias e a ressurreição dos justos mortos se construiria uma Nova
Jerusalém, "uma casa nova, maior e mais alta que a primeira, e a pôs no lugar da que
tinha sido recolhida" (1 Enoc 90:29).6 Alguns escritos apocalípticos judeus depois de 70
d.C. expressaram a esperança de uma Nova Jerusalém "preparada antes", quando Deus
decidiu criar o paraíso (2 Baruc 4:3).7 "Aparecerá a esposa como uma cidade e se verá a
terra que está atualmente oculta... Com efeito, se manifestará meu Filho o Messias com
os que estão com ele, e encherá de gozo os (justos) que sobrevivam durante
quatrocentos anos" (4 Esdras 7:26-28).8
Aparentemente, alguns conciliábulos de judeus piedosos contavam com que Deus havia
"preparado e edificado" (4 Esdras 13:36) uma Sião ou Nova Jerusalém no céu que
desceria à terra com o amanhecer do novo mundo. O autor do livro Apocalipse
Eslavônico de Enoc (2 Enoc 55:2), também afirmou que a Nova Jerusalém estava
situada no céu.
A literatura rabínica não continuou com estas expectativas judaicas, exceto na época
posterior dos Midrash.9 Os rabinos em general acreditavam que imediatamente depois
do juízo dos ímpios, Deus ou o Messias edificariam uma Nova Jerusalém sobre a
terra.10 Eduard Lohse declara que "nenhum rabino diz que a Jerusalém celestial
descerá à terra".11
As portas e as muralhas da Nova Jerusalém seriam construídas com safiras e com pedras
preciosas e suas ruas com puro mármore branco (Tobias 13:16, 17). A cidade seria tão
4. grande, que sua grande muralha se estenderia tão longe como Jope ou Damasco para
albergar a "a raça celestial dos judeus bem-aventurados" no futuro (Oráculos sibilinos
5:250-252).12 Deus viveria na cidade que levaria o nome de Deus.13 A característica
central desta Jerusalém reconstruída seria o novo templo.14 Comentam Strack-
Billerbeck: "Para o pensamento judeu, era completamente patente que a Nova Jerusalém
não careceria de templo. A declaração do vidente cristão, 'e não vi nela templo' (Apoc.
21:22) teria sido inconcebível na velha sinagoga".15
Esta recapitulação das diversas esperanças no judaísmo tardio indica que a esperança
apocalíptica de João em uma Nova Jerusalém sem um templo é uma esperança
distintivamente cristã, que se centraliza na presença de Cristo.
A Teologia de Paulo de uma Jerusalém Celestial
Paulo continuou o ensino de Cristo, de que Jerusalém e seu templo já não eram o lugar
onde Deus habitava (ver Mat. 23:38; Gál. 4:25; também Heb. 12:22). Paulo escreveu
que a igreja apostólica tinha chegado a ser o templo terrestre onde Deus estava presente:
"Porque nós somos santuário do Deus vivente, como ele próprio disse: Habitarei e
andarei entre eles; serei o seu Deus, e eles serão o meu povo" (2 Cor. 6:16; cf. Lev.
26:12; Jer. 32:38; Ezeq. 37:27; também Ef. 2:19-21).
Esta verdade do evangelho não compete com a eficácia do templo do novo pacto no céu,
onde Cristo ministra como nosso Sumo Sacerdote e intercessor e de onde envia seu
Espírito vivificante (Heb. 7:25; 8:1, 2; 10:19; Rom. 8:34; 1 João 2:1). Paulo cria que a
Jerusalém "de cima" é a "mãe" de todos os crentes cristãos, porque todos são renascidos
por seu Espírito (Gál. 4:26, 29).
Enquanto que no judaísmo rabínico a idéia de uma Jerusalém celestial se concebia em
termos de um equivalente da Jerusalém terrestre em topografia e mobiliário, Paulo
contempla a Jerusalém celestial como isenta de todas as noções geográficas, étnicas e
nacionais. A Jerusalém celestial é a pátria dos cristãos, onde Cristo está e em que todos
os cristãos têm sua cidadania (políteuma) registrada no livro da vida do Cordeiro (Filip.
3:20; 4:3; também Heb. 12:22, 23; Apoc. 21:27). Por Apocalipse 21:27 chega a ser
evidente que o livro da vida do Cordeiro é a lista dos que estão inscritos como cidadãos
da Jerusalém celestial.
A cidade celestial não é uma estrutura vazia; é a comunidade adoradora da igreja na
terra com os anjos e os redimidos no céu (Heb. 12:22). Alguns identificaram a Nova
Jerusalém com a igreja. Entretanto, deve conservar-se a distinção entre a cidade celestial
e a igreja na terra, da mesma maneira que Hebreus 12 declara que a igreja se aproximou
hoje a Cristo e à Jerusalém celestial (vs. 22-24). Como Cristo está ao mesmo tempo no
céu e (por meio de seu Espírito) na terra, assim também existe uma relação espiritual
íntima entre a Jerusalém celestial e a igreja sobre a terra. Assim como Cristo, que
descerá fisicamente do céu à terra (Filip. 3:20), assim também a Jerusalém celestial
descerá do céu à terra (Apoc. 21:2)! O objeto da esperança cristã não é meramente o
"céu" e sim a cidade celestial: a Nova Jerusalém. Nossa cidadania atual nesta santa
cidade representa mais que a segurança da salvação presente. Também nos dá a certeza
de nossa entrada na cidade de descanso e gozo eternos (ver Heb. 4:9; 11:13-16). Assim
como Abraão, os cristãos têm confiança absoluta procurando a "cidade... por vir" (Heb.
13:14). Virá depois do juízo final.
É chamativo que a esperança de uma Jerusalém celestial se descreva no contexto de
uma polêmica antijudaica, não só no Gálatas 4:26 e 27 e em Hebreus 12:18-24, mas
também em Apocalipse 3:9 e 12. João destaca a verdade evangélica de que só o Cristo
ressuscitado "tem a chave de Davi, que abre e ninguém fecha, e fecha e ninguém abre"
5. (Apoc. 3:7). À luz de seu significado original em Isaías 22:22, esta declaração ensina
"que a Cristo pertence toda a autoridade com respeito à admissão ou exclusão da cidade
de Davi, a Nova Jerusalém".17 Cristo é a fonte de segurança para os crentes fiéis de que
herdarão a cidade celestial. Diz Jesus:
"Ao vencedor, fá-lo-ei coluna no santuário do meu Deus, e daí jamais sairá; gravarei
também sobre ele o nome do meu Deus, o nome da cidade do meu Deus, a nova
Jerusalém que desce do céu, vinda da parte do meu Deus, e o meu novo nome" (Apoc.
3:12).
A Nova Jerusalém em Contraste com Babilônia
A Nova Jerusalém de Apocalipse 21 e 22 se descreve com a mesma imagem simbólica
de uma "mulher" ou "esposa" como se tem descrito a igreja no Novo Testamento (ver 2
Cor. 11:2; Ef. 5:25-27). A visão que teve João da Jerusalém celestial como a "a noiva, a
esposa do Cordeiro" (Apoc. 21:9), conecta a Jerusalém vindoura com a formosa
"mulher" que aparece em Apocalipse 12:1 e 2. Na Nova Jerusalém a igreja já não
sofrerá por causa da perseguição ou da adoração apóstata. Por isso Apocalipse 12 e 21
representam duas eras consecutivas: a era atual da igreja e a era por vir.
A Nova Jerusalém está colocada em contraste com Babilônia, a cidade prostituta. A
prostituta tem gravado sobre sua fronte as palavras "mistério: Babilônia, a grande"
(Apoc. 17:5), e está representada em Apocalipse 18 como a cidade condenada. "A
mulher que viste é a grande cidade que domina sobre os reis da terra" (v. 18). Este
simbolismo duplo de Babilônia (Apoc. 17, 18) contrapõe-se com o da Nova Jerusalém
em Apocalipse 21 e 22 por meio de uma antítese perfeita.
Todos os habitantes da terra que não procurem refúgio no monte Sião (Apoc. 14:1),
pertencem a Babilônia; seus nomes não estão escritos no livro da vida do Cordeiro
(13:8). Estão obrigados a beber não só do cálice do vinho de Babilônia mas também do
cálice do vinho da ira de Deus sem mescla de misericórdia (14:10). Esta ira divina a
descreve simbolicamente com a imagem da condenação de Sodoma e Gomorra ("com
fogo e enxofre") (14:1; cf. Gên. 19:24), e a de Edom ("a fumaça de sua tortura sobe
pelos séculos dos séculos", Apoc. 14:11; cf. Isa. 34:9, 10). Esta linguagem figurada
expressa a finalidade do juízo de Deus. Os impenitentes nunca entrarão no descanso de
Deus (Apoc. 14:11 ; cf. Sal. 95:11 ).
O Apocalipse de João põe em contraste a Jerusalém como a cidade do Cordeiro (Apoc.
21:2, 9) com Babilônia como a cidade da besta (caps. 17 e 18). É significativa a forma
idêntica como as introduz o anjo do juízo:
APOCALIPSE 17:1 APOCALIPSE 21:9
"Veio um dos sete anjos que têm as sete "Então, veio um dos sete anjos que têm
taças e falou comigo, dizendo: Vem, as sete taças cheias dos últimos sete
mostrar-te-ei o julgamento da grande flagelos e falou comigo, dizendo: Vem,
meretriz que se acha sentada sobre mostrar-te-ei a noiva, a esposa do
muitas águas". Cordeiro".
Este arranjo literário ensina que a Nova Jerusalém é a única alternativa para Babilônia.
Ambas as visões desenvolvem mais correspondências opostas (ver Apoc. 17:3-5 e
6. 21:10-14). Ambas as seções literárias sobre Babilônia (17:1-19:10) e a Nova Jerusalém
(21:9-22:6) concluem com a mesma segurança de que estas revelações descansam não
meramente sobre a autoridade de um anjo e sim sobre Deus mesmo e, portanto, são
"fiéis e verdadeiras":
APOCALIPSE 19:9 APOCALIPSE 22:6
"Então, me falou o anjo: Escreve: ...São "Disse-me [o anjo] ainda: Estas palavras
estas as verdadeiras palavras de Deus". são fiéis e verdadeiras".
A reação de João de adorar ao anjo depois de cada visão recebe a mesma exortação:
"Adora a Deus!" (Apoc. 19:10; 22:8, 9). Enquanto que tanto as seções sobre Babilônia e
sobre Jerusalém começam e terminam da mesma forma, seus contextos ampliam os
contrastes entre a cidade prostituta e a cidade santa.
A Segurança e Consolo Final do Apocalipse
Em Apocalipse 21 e 22 João revela "o último das últimas coisas", o ponto culminante de
todas suas visões e de toda a Bíblia. A revelação principal é a aparição de uma nova
criação e o descida da Nova Jerusalém (21:1, 2), que será a consumação do propósito
eterno de Deus para o planeta terra. Deus garante de uma maneira explícita a
confiabilidade de suas promessas (v. 5). Uma voz que sai do trono de Deus explica seu
significado para a humanidade:
"Então, ouvi grande voz vinda do trono, dizendo: Eis o tabernáculo de Deus com os
homens. Deus habitará com eles. Eles serão povos de Deus, e Deus mesmo estará com
eles. E lhes enxugará dos olhos toda lágrima, e a morte já não existirá, já não haverá
luto, nem pranto, nem dor, porque as primeiras coisas passaram" (vs. 3, 4).
Estas palavras resumem a essência da esperança de todos os profetas e santos. Disse um
comentador a respeito desta passagem:
"Na verdade, é gozo inefável, porque aqui se descreve o propósito final da igreja
sofredora e a única recompensa que desejam realmente os mártires de Cristo, quer dizer,
o próprio Deus na companhia de todos os que o amam".18
As palavras de João, "Vi novo céu e nova terra; porque o primeiro céu e a primeira terra
passaram, e o mar já não existe" (Apoc. 21:1), apontam ao novo ato criador de Deus que
está confirmado por sua declaração: "Eis que faço novas [kainá] todas as coisas!" (v. 5).
O termo grego kainós ("novo"), que se emprega 4 vezes nos versículos 1-5, significa
algo fundamentalmente novo, e enfatiza com mais vigor que o termo néos o caráter de
cumprimento escatológico.
Em sua visão anterior do grande trono branco, João declarou: "Vi um grande trono
branco e aquele que nele se assenta, de cuja presença fugiram a terra e o céu, e não se
achou lugar para eles" (Apoc. 20:11). João já declara que a velha terra e seus céus
atmosféricos serão substituídos por uma nova criação. A nova característica dominante
será a cidade santa, a Nova Jerusalém. Sua perspectiva está afiançada sobre este centro
de existência para os redimidos. Vê a cidade Nova Jerusalém "que descia do céu, da
parte de Deus" (21:2). Portanto, não é uma velha Jerusalém reconstruída na Palestina, e
sim uma nova criação. Cumprirá a esperança de Abraão, "que esperava a cidade que
tem fundamentos, cujo arquiteto e construtor é Deus" (Heb. 11:10). Pedro acrescenta a
esperança de uma sociedade transformada: "Atendo-nos a sua promessa, aguardamos
um céu novo e uma terra nova nos que habite a justiça" (2 Ped. 3:13, NBE).
7. Tanto Pedro como João fundamentam suas expectativas nas predições de Isaías (ver Isa.
65:17-19; 66:22, 23). A promessa do pacto de Deus será levada a cabo na Nova
Jerusalém sobre a terra feita nova:
"Eis o tabernáculo [skené] de Deus com os homens [anthrópon]. Deus habitará
[literalmente, 'tabernaculará'] com eles. Eles serão povos de Deus [literalmente 'povos'],
e Deus mesmo estará com eles" (Apoc. 21:3).
A expressão que diz que Deus "habitará" com os "homens" é profunda, porque recorda a
presença redentora de Deus no antigo tabernáculo [skené] de Israel: "E me farão um
santuário, e habitarei no meio deles" (Êxo. 25:8). Em segundo lugar, o verbo "habitar,
fazer morada" recorda João 1:14, onde se expressa a encarnação do Verbo de Deus com
as palavras: "Habitou [literalmente, 'acampou', 'pôs seu tabernáculo'] entre nós".
Dessa maneira a promessa da Nova Jerusalém conecta a glória de Deus com a glória de
Cristo e assegura à igreja que Deus deverá habitar entre os "homens" em cumprimento
de sua promessa do pacto, o que significa que o primeiro advento de Cristo é a garantia
da futura vinda de Deus com os seres humanos. As expressões "homens" e "seus povos"
(em plural no texto original) indicam a inclusão de todos os crentes em Cristo na
sociedade do futuro. Inclusive serão abolidos os limites da igreja e de todas as
denominações religiosas. A raça humana sobre a terra nova será o povo de Deus porque
todos são "seus povos" (Apoc. 21:3). E ele estará "com eles" sempre como o "Deus-
com-eles" (v. 3, BJ).
O resultado desta comunhão com Deus é: "E lhes enxugará dos olhos toda lágrima"
(Apoc. 21:4). Aqui se repetem as promessas divinas de Isaías 25:8, 35:10 e 65:19 para
indicar seu cumprimento dramático na Nova Jerusalém. Então se cumprirá a esperança
mais elevada de todos os santos: "Verão seu rosto..." (Apoc. 22:4). Este ver a Deus dos
seres humanos foi a esperança dos crentes hebreus:
"Quanto a mim, contemplarei a tua face na justiça; eu me satisfarei da tua semelhança
quando acordar" (Sal. 17:15).
"Depois que me arranquem a pele, já sem carne, verei deus; eu mesmo o verei, e não
outro, meus próprios olhos o verão. O coração me desfaz no peito!" (Jó. 19:26, 27,
NBE).
Esta foi a promessa explícita de Cristo: "Bem-aventurados os limpos de coração, porque
eles verão a Deus" (Mat. 5:8). Esta foi a segurança do Paulo: "Então veremos face a
face" (1 Cor. 13:12). E a de João: "Haveremos de vê-lo como ele é" (1 João 3:2). A
confiabilidade desta promessa está recalcada por Deus: "Tudo está feito. Eu sou o Alfa e
o Ômega, o Princípio e o Fim... " (Apoc. 21:6).
Só o Criador pode pronunciar palavras que criarão uma realidade nova (ver Gên. 1).
Disse Cristo na cruz: "Está consumado!" (João 19:30), e sua missão de oferecer sua vida
em expiação pela raça humana ficou consumada. No fim das 7 últimas pragas a voz de
Deus voltará a dizer: "Feito está!" (Apoc. 16:17), e então se consumará o juízo de
Babilônia. Quando a Nova Jerusalém descenda sobre a terra e Deus morre com os
redimidos, voltará a dizer: "Feito está!" (21:6).
Então se cumprirá a oração do Pai nosso: "Venha o teu reino; faça-se a tua vontade,
assim na terra como no céu" (Mat. 6:10). Como "o Alfa e o Ômega", Deus é o iniciador
e aperfeiçoador da criação. Apenas Ele dá à história humana seu começo e seu objetivo.
O objetivo se realizará tão certamente como seu começo. Outras duas promessas de
Deus também nos afetam hoje em dia:
"Ao que tiver sede, eu lhe darei gratuitamente [doreán] da fonte da água da vida. Quem
vencer herdará todas as coisas, e eu serei seu Deus, e ele será meu filho" (Apoc. 21:6,
7).
8. A linguagem figurada de "estar sedento" era familiar para os santos hebreus (ver Isa.
55:1). Para eles significava gozar de comunhão com Deus. Colocaram um valor mais
elevado neste companheirismo com Deus que no da própria vida física. Davi
descarregou seu coração neste cântico poético:
"Ó Deus, tu és meu Deus, eu te procuro. Minha alma tem sede de ti, minha carne te
deseja com ardor, como terra seca, esgotada, sem água... Valendo teu amor mais que a
vida, meus lábios te glorificarão" (Sal. 63:1, 3, BJ).
"Como suspira a corça pelas correntes das águas, assim, por ti, ó Deus, suspira a minha
alma. A minha alma tem sede de Deus, do Deus vivo; quando irei e me verei perante a
face de Deus?" (Sal. 42:1, 2).
Esta experiência da alma foi realizada só de maneira intermitente e parcial. Pela fé em
Cristo está à nossa disposição uma nova comunhão com Deus para todos os que a
busquem: "Se alguém tem sede, venha a mim e beba. Quem crer em mim, como diz a
Escritura, do seu interior fluirão rios de água viva. Isto ele disse com respeito ao
Espírito que haviam de receber os que nele cressem" (João 7:37-39).
Quando Deus promete no Apocalipse de João que nos dará "gratuitamente da fonte da
água" (Apoc. 21:6), oferece-nos o Espírito de Cristo, quem pagou o preço definitivo por
nós. Esta comunhão também oferece aos vencedores "gratuitamente" [doreán:
"livremente" ], um termo muito importante em Paulo (ver Rom. 3:24).
O paraíso, como a presença de Deus, é oferecido a todos os vencedores pela graça de
Deus. Este caráter-de-graça volta-se a recalcar na segurança de que o vencedor "herdará
todas as coisas" (Apoc. 21:7). Uma herança nunca se pode ganhar, só pode receber-se
pela vontade do testador. Paulo explicou esta condição de herdeiro ao conectar a
herança futura de uma forma indissolúvel com Cristo como o dom maior de Deus. "Ora,
se somos filhos, somos também herdeiros, herdeiros de Deus e co-herdeiros com
Cristo... Aquele que não poupou o seu próprio Filho, antes, por todos nós o entregou,
porventura, não nos dará graciosamente com ele todas as coisas?" (Rom. 8:17, 32). A.
Pohl observou o seguinte: "O Apocalipse não é menos cristocêntrico que Paulo".19 Isto
é evidente pelas sete vezes que o Cordeiro é mencionado em Apocalipse 21 e 22. A
entrada na Nova Jerusalém é dada só a "os que estão inscritos no livro da vida do
Cordeiro" (21:27).
Este é o propósito pastoral que João também indicou em seu contraste entre as duas
mulheres simbólicas: a meretriz (Apoc. 17:1-19:5) e a esposa de Cristo (19:6-10; 21:1-
22:17). O interesse pastoral de João para a era atual é alertar a cada crente a permanecer
fiel no Senhor. Elmer M. Rusten o explica assim: .
"A razão pela qual dedica tanta ênfase à meretriz e à noiva é que nas sete cartas escritas
às sete igrejas (Apoc. 1:4, 11) a alternativa básica a que tinham que fazer frente [os
membros] era se iriam formar parte da verdadeira igreja, a noiva, ou da falsa igreja, a
meretriz ".20
É nosso privilégio escutar o testemunho final de Cristo às igrejas:
"Eis que venho sem demora. Bem-aventurado aquele que guarda as palavras da profecia
deste livro" (Apoc. 22:7).
"Bem-aventurados aqueles que lavam as suas vestiduras no sangue do Cordeiro, para
que lhes assista o direito à árvore da vida, e entrem na cidade pelas portas" (Apoc.
22:14).
O Interesse Pastoral de João para com a Igreja da Atualidade
9. João usa um estilo interessante para descrever a novidade da era futura. Define a nova
criação em termos negativos. Badenas nota-o como 7 vezes: (1) não haverá mais mar
(21:1); (2) não haverá mais morte, lágrimas, pranto, clamor ou dor (v. 4); (3) não haverá
mais templo (v. 22); (4) não haverá mais necessidade do Sol ou da Lua (21:23; 22:5);
(5) não haverá noite, nem as portas nunca serão fechadas (21:25; 22:5); (6) não haverá
mais pecado (21:27); e (7) não haverá mais maldição (22:3).21 Este estribilho de coisas
que na última visão de João "não serão mais", indica quanto relaciona suas visões às
necessidades presentes de seus membros de igreja. Escreve com um profundo interesse
pastoral para seus leitores que estavam sofrendo perseguição e estavam ameaçados
pelos poderes anticristãos do mar,
João não escreve simplesmente para nos informar a respeito dos acontecimento futuros
ou para satisfazer nossa curiosidade a respeito de realidades futuras. Seu propósito
prático é respirar os crentes que deviam passar por provas a perseverar na Palavra de
Deus e no testemunho de Jesus apesar da cruel oposição. Insiste com cada crente para
que faça sua decisão final entre a fidelidade ou a deslealdade a Cristo Jesus. Este
requerimento se apresentou primeiro nas sete cartas de Cristo às igrejas (Apoc. 2, 3). A
promessa da recompensa descreveu-a na visão dos selos (6:9-11; 7) e na das trombetas
(cap. 11). João assume constantemente que a causa de Cristo triunfará porque o
Cordeiro de Deus é "o Rei dos reis e Senhor dos senhores" (17:14; 19:16). A hora da
restauração do reino de Deus virá no próprio tempo de Deus durante a última trombeta:
"E o sétimo anjo tocou a trombeta, e houve grandes vozes no céu, que diziam: Os reino
do mundo veio a ser de nosso Senhor e de seu Cristo; e ele reinará pelos séculos dos
séculos" (Apoc. 11:15).
O propósito de João é animar a cada cristão a fazer um compromisso total com Cristo.
João trata de obter este objetivo colocando em contraste o Cordeiro e a besta, a esposa e
a prostituta, e a Nova Jerusalém e Babilônia. Este dilema de pertencer a uma
comunidade ou à outra, insiste conosco a fazer agora uma eleição existencial porque
nela estão envoltos destinos eternos. Badenas fez uma lista dos surpreendentes
contrastes entre Babilônia e a Nova Jerusalém no marco das visões onde aparecem, sua
descrição e seu destino.22 Conclui dizendo:
"Estes paralelos mostram que a relação humana para com Deus e o Cordeiro pode ser só
de fidelidade (a noiva) ou de infidelidade (a meretriz). Como Deus é ao mesmo tempo
justo e misericordioso, a salvação ou a condenação são os dois resultados possíveis da
decisão humana, ou a cidade celestial ou a cidade terrestre, a Nova Jerusalém ou
Babilônia".23
João não proporciona informação abstrata para as predições especulativas. Apresenta
claramente sua preocupação pastoral quando destaca que há só duas classes de pessoas:
os salvos ou os perdidos, os vencedores e os perdedores (ver Apoc. 21:7, 8; 22:11, 14,
15), os que "têm sede" da água de vida e os que não a têm (21:6; 22:17). Esta última
distinção aponta à necessidade espiritual das pessoas antes que à sua conduta moral. Os
que procuram a Deus em primeiro lugar para satisfazer sua sede espiritual comparam-se
com os vencedores:
"Ao que tiver sede, eu lhe darei gratuitamente da fonte da água da vida. Quem vencer
herdará todas as coisas, e eu serei seu Deus, e ele será meu filho" (Apoc. 21:6, 7).
É iluminador descobrir que as características dos que são excluídos da Nova Jerusalém
são as mesmas com as que se define a Babilônia e a seus habitantes: imundos (Apoc.
21:27; 18:2); abomináveis, que faz abominação, abominações (21:8, 27; 17:4, 5);
homicidas (17:6; 18:24; 21:8); fornicários (17:1, 2, 5, 15, 16; 18:3, 9; 21:8); feiticeiros,
feitiçarias (18:23; 21:8); idólatras (19:20; 21:8); e mentirosos (19:20; 21:8).
10. Badenas vê estas listas de vícios (Apoc. 21:8 e 22:15) como uma admoestação pastoral
"contra os que preferem outras relações à relação com Deus. Isto é o que os exclui da
santa cidade (cf. 21:27)".24 Em outras palavras, João não se está referindo a feitos
isolados de pecado a não ser à atitude de maldade e idolatria que separa o pecador de
Deus.
Não deveria escapar à nossa atenção o fato de que João começa a lista com "os
covardes" (Apoc. 21:8). Os "covardes" são os que fogem de confessar a Cristo na hora
de prova e por isso falham em perseverar na fé (ver Heb. 10:36-39). Quando Paulo se
referiu à ameaça de "covardia" [deilías], admoestou imediatamente a Timóteo dizendo:
"Não te envergonhes, portanto, do testemunho de nosso Senhor..." (2 Tim. 1:7, 8), e lhe
assinalou o dom do "espírito... de poder".
Em Apocalipse 21:8, João menciona pelo menos sete classes de pessoas que serão
excluídas da santa cidade. Como uma oitava classe menciona a "todos os mentirosos",
Pohl considera que se refere a uma recapitulação das sete anteriores. A lista dos
perdedores que João menciona, cumpre a função da contraparte dramática das sete
classes de vencedores mencionados nas cartas às igrejas nos capítulos 2 e 3. A
designação dos "mentirosos" é significativa, porque assinala a mentira religiosa que
perverte a verdade a respeito de Deus e do Cordeiro. Giblin denomina a esta mentira "a
mentira definitiva", porque "a mentira é a negação da verdade, preeminentemente como
a falsificação de Deus e do que deve a ele".25 Os mentirosos estão em notório contraste
com os 144.000 israelitas que seguem ao Cordeiro, de tal maneira que "em suas bocas
não foi achada mentira" (Apoc. 14:5).
Desde a primeira característica (a covardia) até a última (a mentira), o interesse de João
aponta à elevada vocação do crente de atestar de Cristo, de seguir ao Cordeiro e de
confessar seu senhorio. A lista mais pequena dos vícios em Apocalipse 22 conclui outra
vez com "todo aquele que ama e pratica a mentira" (v. 15), o que indica que tais pessoas
vivem a "mentira" como uma filosofia de vida, de caráter e de adoração. A mentira
como a contraparte da verdade foi também a recapitulação que faz Paulo da apostasia
final em 2 Tessalonicenses 2:9-12.
O Significado do Esplendor da Nova Jerusalém
Apocalipse 21:9 a 22:5 contêm uma descrição da Jerusalém celestial. O anjo a compara
com sua interpretação da condenação de Babilônia em Apocalipse 17:1 a 19:10.
Reconhece-se que as duas seções são contrapartes intencionais. Felizmente, a visão que
João teve da Nova Jerusalém é a mais longa e elaborada do Apocalipse. Amplia as
profecias gráficas de uma Nova Jerusalém que apresenta Isaías 54 a 60 e Ezequiel 40 a
48.
Assim como Ezequiel, João vê sua visão em "um monte muito alto" (Ezeq. 40:2; Apoc.
21:10). A glória de Deus na Nova Jerusalém (Apoc. 21:11) corresponde à glória do
Jeová que vem do oriente no novo templo da visão do Ezequiel (Ezeq. 43:1, 2). A
diferença é que agora Deus mesmo é a glória constante da santa cidade (Apoc. 21:11).
Ezequiel se concentra sobre o novo templo, mas João descreve uma cidade
imensamente maior sem um templo particular (Apoc. 21:22).
João dedica uma atenção especial a suas amplas muralhas e a suas doze portas. Usa o
número "doze" doze vezes em Apocalipse 21, cifra que está carregada de significado. O
anjo tem uma vara de medir, de ouro, "para medir a cidade, suas portas e seu muro"
11. (Apoc. 21:15). A cidade é descrita como um cubo perfeito medindo cada lado doze mil
estádios, que literalmente seriam 2.400 quilômetros em cada direção, até para cima,
muito além da estratosfera! Não é maravilha que os intérpretes responsáveis tenham
advertido contra um dogmático literalismo com respeito às visões de Apocalipse 21 e
Ezequiel 40 a 48.
Nestas profecias tão gráficas, "o grau de identificação segue sendo um problema que
deverá ainda ser interpretado".26 Giblin declara que João "tenta evocar a imagem de um
gigantesco 'lugar muito santo' que era um cubo perfeito, recoberto de ouro (1 Reis
6:20)".27 As dimensões de cubo da cidade sugerem claramente que toda a "santa
cidade" é o lugar santíssimo sobre a terra, o trono de Deus. Isto transcende a
necessidade de ter qualquer templo local. O apóstolo o explica assim:
"E nela não vi templo, porque o seu templo é o Senhor, Deus Todo-poderoso, e o
Cordeiro...
"E tinha a glória de Deus. A sua luz era semelhante a uma pedra preciosíssima, como a
pedra de jaspe, como o cristal resplandecente" (Apoc. 21:22, 11).
Não pode haver dúvida de que o propósito de João em Apocalipse 17 e 18 é colocar esta
cidade de Jerusalém em contraste direto com a cidade de Babilônia. A beleza
sobressalente da Nova Jerusalém consiste na presença de Deus e a dos redimidos. As
incríveis dimensões dos doze mil estádios têm um claro significado simbólico: a cidade
contém o Israel de Deus de toda a história da salvação. Badenas o explica assim:
"Eclipsando Babilônia e Roma, a Nova Jerusalém é a cidade verdadeira, e a única
cidade universal".28
Os muros da cidade têm uma altura de 144 côvados (Apoc. 21:17), literalmente 66
metros, destacando outra vez o número 12 (12 x 12 = 144). Por definição, uma muralha
não só significa segurança, mas também separação do "exterior" (Apoc. 22:15), o que se
refere basicamente ao lugar do "lago de fogo" (21:8). Este símbolo pode entender-se
melhor como uma referência ao juízo pós-milenial de Apocalipse 20:7-15. A muralha é
feita de jaspe cristalino (21:18) e brilha como um diamante. Está assentada sobre doze
fundamentos de pedras preciosas, cada uma das quais é uma gema enorme (vs. 19, 20),
cada uma com um nome escrito com um nome de "os doze apóstolos do Cordeiro" (v.
14). Entretanto, sobre as doze portas estão os nomes das "doze tribos dos filhos do
Israel" (v. 12). Tudo em seu conjunto significa que o Israel profético de Deus inclui a
todos os seguidores do Cristo, o que constitui a mensagem fundamental da visão de
João a respeito da vida na Nova Jerusalém.
As características das doze pedras preciosas e das doze portas de pérola complementam
a mensagem básica de que Deus unirá a todos os seus filhos em um rebanho enquanto
reconhece que também permanecem diversificados em seus caracteres individuais. Cada
tipo de caráter refletirá a natureza divina, assim como cada pedra preciosa refletirá a
glória de Deus em sua própria forma. Entretanto, a investigação mostra que "as pedras
do Apocalipse não podem correlacionar-se com tribos específicas, apóstolos, signos do
zodíaco ou direções geográficas".29
As doze pedras preciosas da Nova Jerusalém simbolizam basicamente "a presença de
Deus, a origem divina da cidade, e o novo povo de Deus".30 As doze pedras preciosas
também cumprem a função de ser contrapartes das pedras preciosas que adornam a
Babilônia a prostituta (Apoc. 17:4; 18:12, 16). Desde esta perspectiva, as pedras
preciosas da santa cidade são "um emblema para sustentar a fé na vitória final de
Deus".31
O esplendor da Nova Jerusalém, com o trono de Deus e a árvore da vida, transmite esta
mensagem: O paraíso será restaurado com uma glória maior que a do jardim do Éden
porque o Criador estabelecerá sua presença e seu trono ali para sempre. Cada crente
12. pode cobrar ânimo e saber que as promessas do pacto que Deus fez com o Israel se
cumprirão em uma manifestação gloriosa inimaginável no futuro.
A profecia categórica que diz que "as nações caminharão à sua luz, e até ela os reis da
terra levarão seu esplendor... E levarão até ela o esplendor e a honra das nações" (Apoc.
21:24, 26, CI), é provocadora, já que esta predição usa a descrição de Isaías 60 mas a
adapta ao estado eterno. Agora os reis da terra já não desfilarão como conquistadores
(Isa. 60:10, 11) ou como trazendo tributo (vs. 5-7). Virão antes como gentios redimidos
para contribuir com sua glória em sua adoração a Deus e ao Cordeiro durante o festival
de louvor e ação de graças na Nova Jerusalém. Ellul explica que "tudo o que foi a obra
cultural, científica, técnica, estética e intelectual; toda a música e a escultura; toda a
poesia e a matemática; toda a filosofia e o conhecimento em todos as ordens, todos
entrarão nesta Jerusalém, e serão empregados por Deus para estabelecer esta obra
perfeita final".32
Que conceito emocionante! Quem não desejará ser parte desta educação superior na
vida futura do povo de Deus? Cristo e a Nova Jerusalém convidam a cada pessoa que
procura Deus a formar parte do estado eterno onde reinará a felicidade:
"E o Espírito e a esposa dizem: Vem! E quem ouve diga: Vem! E quem tem sede venha;
e quem quiser tome de graça da água da vida" (Apoc. 22:17).
Para uma exposição de passagens problemáticas como Apocalipse 21:1 ("...e o mar já
não existia mais" ), Apocalipse 21:9 ("...a desposada, a noiva do Cordeiro") e
Apocalipse 22:2 ("...e as folhas da árvore eram para a sanidade das nações" ), ver o
APÊNDICE B.