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1. ESTADO DE SANTA CATARINA
PODER JUDICIÁRIO
Vistos etc.
1. O Ministério Público de Santa Catarina e a
Secretaria Municipal de Defesa do Consumidor de Florianópolis – PROCON –
ajuizaram a presente ação civil pública em relação às empresas Claro S/A, OI
Móvel S/A, TIM Celular S/A e Telefônica Brasil S/A (VIVO).
Alegam que as rés estão, relativamente a seus
clientes, interrompendo o serviço de internet móvel, o que vale pela modificação
unilateral dos contratos firmados com seus consumidores.
Defendem que a prática é abusiva uma vez que
anunciavam e vendiam seus planos informando expressamente que o serviço de
conexão de dados seria ilimitado, apenas alertando quanto à diminuição da
velocidade após o término da franquia previamente contratada.
Após longo discurso acadêmico, requereram que as
rés cumpram os contratos celebrados anteriormente ao ajuizamento da ação,
restabelecendo a prática de manutenção da conexão de dados, com velocidade
reduzida, após o término da franquia.
2. Os fatos são, em essência, incontroversos.
Aliás, houve o denodo de os autores permitirem
previamente o posicionamento das rés a respeito do procedimento adotado quanto
ao serviço de internet móvel.
A propósito, a inicial faz uma descrição adequada
dos argumentos lá trazidos:
Em sua defesa no processo administrativo instaurado junto ao
Procon Municipal (fls. 50-56), a requerida OI limitou-se a alegar que a anterior possibilidade de
utilização da rede móvel, além dos dados efetivamente contratados, tratava-se de mera
liberalidade da empresa, bem como que seus clientes foram previamente comunicados do
cancelamento da "promoção", no prazo mínimo de 30 (trinta) dias exigido pelo art. 52 da
Resolução ANATEL n. 632/2014 (Regulamento Geral de Direitos do Consumidor de Serviços de
Telecomunicações).
A empresa de telefonia VIVO (Telefônica Brasil S/A), da
mesma forma, também anunciava e vendia para seus consumidores pacote de internet ilimitada.
2. ESTADO DE SANTA CATARINA
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Assim, conforme prometido, quando fosse atingida certa franquia, acordada com seus clientes, a
velocidade da internet era reduzida, mas não interrompida. Todavia, como as demais operadoras
ora demandadas, a partir de novembro de 2014, passou a mudar a forma de cobrança de internet
após o término da franquia.
Em sua defesa, no processo administrativo n.0115-002.170-0
(fls. 117-172), a empresa sustenta que os planos questionados pelo PROCON referiam-se todos a
"promoções", o que possibilita a alteração de forma unilateral, com o objetivo final de melhorar
a qualidade do serviço prestado.
Já a operadora CLARO, passou a praticar a alteração na
forma de cobrança de internet de seus clientes dos planos pré-pago e controle, no dia 28 de
dezembro de 2014. A empresa de telefonia também passou a adotar a suspensão do serviço de
internet quando seus clientes atingiam o limite de dados.
Na mesma linha da VIVO, a CLARO alegou, em sua defesa
no processo administrativo n. 0115-002.122-8 (fls. 14-45), que efetuou a alteração porque o
plano era "promocional". No entanto, após verificar que a empresa de telefonia também adotou
nova modalidade de suspensão do acesso à internet, após a utilização da franquia, o PROCON
Municipal de Florianópolis também entendeu que houve violação aos dispositivos
infraconstitucionais do Diploma de Defesa do Consumidor (art. 51, incs. X e XIII).
Por fim, a operadora TIM CELULAR S/A, também nos autos
do processo administrativo instaurado junto ao Procon (fls. 64-116), ao admitir que a nova
sistemática de prestação/cobrança dos serviços de internet foi aplicada no Estado de Santa
Catarina a partir do dia 20 de fevereiro do ano em curso, defendeu que a necessidade de
interromper a "cortesia" de acesso à internet em velocidade reduzida, após o consumo da
franquia contratada, foi motivada pelo novo padrão de consumo dos usuários da empresa, ainda
aduzindo que a Agência Nacional de Telecomunicações – ANATEL, instada a se manifestar
sobre a legalidade da nova prática adotada pelas operadoras, em procedimento específico em
trâmite perante o Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul, já teria concluído pela
total legalidade da medida. (fls. 04-05)
A partir daí, a tese dos autores têm realmente
plausibilidade.
De um lado, é muito difícil defender que,
cristalizada uma situação fática – mais ainda, estimulada uma contratação que era
mantida sob determinadas condições de cumprimento – se diga adiante que se
estava diante de uma hipótese temporária, de algo que pudesse ser definido como
uma promoção. Quem contrata qualquer serviço busca a obtenção de uma
utilidade. Ela é medida pelos benefícios que são prometidos. Se essas vantagens
são, ainda mais, cristalizadas pela passagem do tempo, é inusitado que, adiante, se
diga que as coisas não eram bem assim. Deu-se com uma mão para, na sequência,
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tirar-se com outra. Cuida-se de uma política que traz suspeitas de malícia, pois
atraía a contratação, estimulava-se a conquista de novo cliente, permitia-se o
desfrute de um benefício para na sequência se reclamar uma revisão do pactuado,
justamente quando o consumidor, já acostumado a uma posição, se sentiria
premido pagar mais.
Fosse assim, aliás, seria justo que se aplicasse ao
consumidor o mesmo pensamento, agora em seu favor: quem prometera pagar R$
50,00, deveria se dar o direito de, depois, pagar R$ 30,00.
O direito do consumidor deve estar apegado à
realidade, não a ficções. Os relatos da inicial, que aqui não precisam ser repetidos –
mesmo porque se veem reproduzidos, até de maneira reiterada, na impressa –,
demonstram nitidamente uma compreensível surpresa dos consumidores.
Dessa forma, vejo identicamente como viu o
Ministério Público, que se realizou a "modificação unilateral do preço" e "a
modificação unilateral do conteúdo e qualidade do contrato" (art. 51, incs. X e
XIII), não fosse suficiente o maltrato que haveria à boa-fé e à segurança jurídica.
Vi que as operadoras trazem em seu favor Resolução
da ANATEL (632/2014), que permite a "modificação de planos", bastando que se
dê trinta dias para implementação.
É facílimo, entretanto, superar essa argumentação.
Não foi apontada a base legal (em sentido estrito)
que faculte uma revisão unilateral dos contratos, ainda mais se cuidando de uma
ofensa à própria Constituição, que garante (inc. XXXV do art. 5º) o ato jurídico
perfeito.
Antevejo que se alegue, para refutar a argumentação,
que o contrato tem natureza continuada, bastando então que se proteja o passado,
mas sem impedir alterações subsequentes. Só que se está diante do direito do
consumidor, que tem regras próprias e com proteção constitucional (arts. 5º, inc.
XXXII e 170, inc. V), até mesmo com previsão específica de edição de um Código
de Defesa (art. 48 do ADCT). Dessa forma, seria inusitado que se tratasse do CDC
como uma regra menor, a ser revertida por uma diretriz administrativa. Aqui, no
âmbito do direito do consumidor, os valores são distintos e não se alteram mesmo
que se cuide de um serviço público.
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Não vejo, entretanto, a necessidade de publicação de
editais nos jornais de maior circulação. É muito provável que o fato já seja
noticiado espontaneamente e mesmo porque é possível fazer a exigência do
cumprimento mesmo sem iniciativas individuais.
Por fim, quase, ociosamente, digo ainda que existe
urgência, visto que os consumidores sofrem prejuízo imediato quanto a um serviço
praticamente indispensável.
Assim, defiro a liminar para determinar que as
empresas rés não efetuem a suspensão do serviço de internet móvel após o
consumidor atingir o limite da franquia contratada quanto aos contratos celebrados
até o ajuizamento da presente ação, que previam inicialmente a redução da
velocidade da internet e não sua sustação.
Fixo multa individual de R$ 500.000,00 ao dia para
o caso de descumprimento.
A decisão valerá para todo o Estado de Santa
Catarina, nos termos da interpretação restritiva que vem sendo dada à tutela
coletiva pela jurisprudência superior.
Cumpra-se o art. 94 do CDC.
Citem-se e intimem-se.
Florianópolis, 14 de maio de 2015.
Hélio do Valle Pereira
Juiz de Direito
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