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Ouro Preto no espaço narrativo: Boca
    de chafariz, de Rui Mourão

             Maria do Carmo Lanna Figueiredo
               Daniel Gouvêa (colaborador)
  Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Brasil




“Prepared for delivery at the 2000 meeting of the Latin American
Studies Association, Hyatt Regency Miami, March 16-18, 2000”
Ouro Preto no espaço narrativo: Boca de chafariz, de Rui Mourão

                                                                        Maria do Carmo Lanna Figueiredo
                                                                             Daniel Gouvêa (colaborador)
                                                 Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Brasil


      O trabalho pretende analisar o romance Boca de chafariz, de Rui Mourão, publicado em 1991
pela Villa Rica Editora, focalizando a tensão entre passado e atualidade, assinalada na utilização de
imagens que compõem o livro e se referem ora ao povoado que irá se transformar na Vila Rica
colonial, ora à cidade atual de Ouro Preto, reconhecida como Patrimônio Cultural da Humanidade.
Tais imagens, intercaladas e superpostas pelo jogo ficcional, ampliam e questionam o espaço que a
memória coletiva construiu para a cidade. Com efeito, Ouro Preto vem se mantendo enquanto
sustentáculo de diversas representações sígnicas que tendem a imobilizá-la no espaço mítico da
construção da identidade, tanto a regional dos mineiros, quanto a do país. Por este motivo, a força do
passado e da tradição identitária de certa forma acaba por dificultar o convívio da cidade com o
mundo contemporâneo, trazendo problemas à sua população e a seus governantes.
      O romance, construindo-se na confluência entre o ficcional e o histórico, intervém nessas
representações sígnicas já canonizadas pela tradição, ao incentivar o diálogo sem hierarquias entre o
passado e o presente. Graças a esse subterfúgio narrativo, explicita a tensão vivenciada pela cidade e
seus habitantes, em busca do difícil equilíbrio entre as forças do passado - a necessidade de preservar
a identidade da cultura colonial, Vila Rica e seus monumentos, enquanto ela ainda existe -, e as
demandas do presente - a necessidade de situar-se no mundo atual, participando do desenvolvimento
econômico e industrial, Ouro Preto. Esse intercâmbio permite ainda que se visualize um amplo
painel desta cidade, situada na zona metalúrgica do Estado de Minas Gerais, Brasil, como se pode
ver nos mapas em anexo. 1
      A tensão entre o passado e o presente, um dos eixos geradores da obra, é apresentada desde o
início do livro. No primeiro capítulo, assim se descrevem as chuvas torrenciais que se abateram
sobre Ouro Preto em 1979, causando enormes prejuízos à cidade e à vida de seus habitantes:

                       “Os poderes cósmicos, ostentando reservas de forças inimagináveis, fizeram um
                complô contra a região central do País, naquele ano da graça de 1979. Desabavam
                chuvas continuadas, com relâmpagos de deixar entrever as crateras celestes, trovões de
                deslocar as calotas superpostas do planeta até as suas entranhas mais profundas. (...) Mas
                o alvo mesmo, o ponto de concentração verdadeiro dos elementos em fúria, era Minas
                Gerais. (...) Ouro Preto, a antiga capital mineira – a quase tricentenária Vila Rica,
                visitada por turistas do mundo inteiro – começava a ceder sobre as suas bases, ameaçada
                de um cataclismo de proporções assustadoras. (...) Confirmava-se a previsão de antigos
                professores da Escola de Minas e Metalurgia que advertiram sobre a instabilidade,
                verdadeira doença subterrânea daquele solo. Como nunca se tomavam providências
                sérias para prevenir o colapso, o destino da cidade era terminar sepultada sob as suas
                montanhas. Com a paisagem urbana, estariam condenados a desaparecer uma população
                inteira, monumentos históricos da mais alta valia, - o próprio palco das lutas pela
                independência, símbolo maior da nacionalidade.” (p. 13 e 17)

1
    Um resumo da história da cidade foi incluído ao final do trabalho, a fim de facilitar o entendimento de aspectos
    nela analisados para os que acompanham a sessão e não conhecem Ouro Preto.


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Baseando-se em fato real, fartamente noticiado pela mídia, o escritor dele se aproveita para
construir a sua versão da história ouropretana, a partir de uma perspectiva múltipla que faz aflorar
tanto a necessidade de preservação da cidade-monumento, quanto a sintonia com a vida do cidadão
comum que a habita. As fotos em anexo referem-se à devastação provocada pelas chuvas de 1979.
       O livro utiliza-se das notícias de jornais para alicerçar sua narrativa, em que a catástrofe
pluvial que se constituiu em ameaça de morte para Ouro Preto estende sua ameaça a vários outros
aspectos, relativos à ordem cultural e social da cidade. Os estragos causados pelas chuvas e
noticiados pelos jornais da época, ao participarem do relato romanesco como base de sua construção,
tornam-se bastante próximos aos monumentos e marcas históricas que fizeram de Ouro Preto
Patrimônio Cultural da Humanidade, na medida em que destacam a possibilidade de sua ruína. No
caso, um patrimônio em risco e que necessita de defensores, necessidade que os narradores em
primeira e terceira pessoa que se pronunciam em Boca de chafariz tentam suprir.
       Esses narradores, ao superarem as fronteiras que separam fictício, imaginário e realidade,
permitem que se caracterize o referencial a que se remetem, sem se deixarem determinar por ele. A
esta particularidade vai-se referir Wolfgang Iser, em O fictício e o imaginário. Perspectivas de uma
antropologia literária (1996), ao reafirmar a proximidade entre o texto ficcional e o não ficcional,
por estarem ambos sujeitos à intencionalidade de seus autores, quando selecionam os elementos que
devem aparecer na narrativa. Avaliando este processo seletivo, o autor considera que os elementos
retirados do campo da referência são reforçados pelos que se ausentam e vice-versa. Se
desvinculados de seu campo de referência e projetados em outra contextualização, tais elementos
adquirem outro peso, promovendo uma transgressão de limite que lhes possibilita ultrapassar as
fronteiras entre ficção e realidade (cf. ISER, 1996: 39).
       A estrutura do romance parece bem de acordo com a aventada transgressão, quando se divide
em capítulos enunciados alternadamente por narradores em primeira pessoa e pelo narrador em
terceira pessoa que canaliza a voz de seu autor implícito. Falam no romance, em primeira pessoa
narrando a sua versão da história pátria construída a partir de Ouro Preto, personagens da história
mineira como Aleijadinho, considerado o maior artista colonial brasileiro com suas esculturas e
trabalhos arquitetônicos mundialmente reconhecidos; Tiradentes, partícipe da Inconfidência Mineira,
elevado a herói nacional e figura emblemática do processo de independência do Brasil face a
Portugal; Antônio Dias, bandeirante paulista que inicia a ocupação/construção da cidade; Luís da
Cunha Menezes, capitão-general e governador da Capitania de Minas Gerais, conhecido por seus
desmandos administrativos e figura central de uma obra satírica, Cartas Chilenas, da autoria de
Tomás Antônio Gonzaga, poeta e participante da Inconfidência Mineira e outros.
       A essas vozes junta-se a de um narrador em terceira pessoa que ora se refere aos governantes
da década de 1970 – o Ministro da Educação e Cultura; o presidente da Embratur; os dirigentes do
Patrimônio Histórico Nacional e do Departamento Nacional de Estradas e Rodagens; ora à
população atual da cidade - Bené da Flauta, artesão, poeta e músico; Jair Afonso Inácio, restaurador;
um estudante da Escola de Minas e de Metalurgia, Napoleão Gustavo de Souto, o Cupica; ora a
figuras que atuaram em diversos níveis na cidade, como Claude-Henri Gorceix, francês que em
finais do século XIX foi convidado a instalar a Escola de Minas e de Metalurgia; Tarquínio J. B. de
Oliveira, historiador paulista que vem se dedicando à história de Ouro Preto.
       Por meio dessa estratégia textual, Boca de chafariz conduz o leitor a reconsiderar, na estreita
encruzilhada em que se encontram história e ficção, a inserção do mito na realidade vivenciada por
habitantes de espaços que se destinam a preservar a memória do país. Ressalte-se que, no livro, as
vozes do passado, já preservadas pela versão oficial dos livros de História e pelos documentos
referentes à sociedade colonial ouropretana, enunciam-se em primeira pessoa, indiciando outras



                                                                                                3
possibilidades de leitura para os acontecimentos de que foram protagonistas. As vozes desses
narradores perfazem o contorno da cidade com seus símbolos, personagens, histórias e mitos. Dessa
forma, consegue-se um efeito discursivo bastante eficaz, na medida em que se deixam perceber as
várias perspectivas que intervêm na construção do passado e do presente.
      O elemento água, desde o título, perpassa o motivo principal do enredo e desenlace da
narrativa. Contamina ainda a fluidez da escrita que manifesta, a um tempo, o desejo de preservação e
de atualização deste Patrimônio Cultural da Humanidade ameaçado. Refletindo sobre a relação entre
a memória e o elemento água, César Guimarães percebe, em alguns textos e filmes, que “O
verdadeiro traço da memória é escrito sobre água, ou melhor, superposto à imagem da água, tal
como a letra”, desfazendo a expectativa consensual de que a memória se acha ligada à espessura,
imutabilidade, permanência e continuidade (GUIMARÃES, 1997:29). Na tentativa de exprimir toda
a tensão do corpo-cidade, cindido nas partes que refletem a sua conformação e história, Boca de
chafariz acolhe tanto o tom profético, invocativo e, pode-se afirmar, barroco, que delineia
predominantemente o romance, quanto o informativo, rápido e constatativo discurso mediático.
Palavra performática, do aedo, do profeta, dialogar constante entre as diversas vozes de diferentes
épocas, pelas águas do chafariz jorram as várias configurações que revestem os mitos, os
monumentos e o povo ouropretano, postos em contato por um movimento que refaz/reconta
continuamente a sua história. A significação tríade das águas - nascimento/destruição/recriação –
pode, assim, ser considerada tanto como símbolo da circularidade do eterno, das condições
multiplicativas do elemento criador, quanto da Praça Tiradentes, centro da cidade e de sua
representação histórica e política, donde fluem seus pólos de distinção: os bairros Padre Faria e
Antônio Dias. Lembre-se que Vila Rica teve início no atual bairro e antigo Arraial Antônio Dias,
assim nomeados em homenagem a seu fundador. Do outro lado da cidade, junto ao córrego Bom
Sucesso, estava o atual bairro Padre Faria, referência ao bandeirante descobridor e povoador da
localidade antes nomeada Arraial de Ouro Preto. A praça Tiradentes posteriormente englobará os
dois arraiais na atual cidade.
      A estrutura do livro imita a estrutura da cidade em seu movimento de construção. A
composição de seus capítulos remete o leitor às injunções políticas que contribuíram para as
modificações sofridas pelo berço de ouro que despertou a cobiça da metrópole e também possibilitou
ao Brasil adquirir forças para constituir-se em nação. A relação assinalada fica mais explícita a partir
das fotos que, em anexo, mostram os pontos referidos: Praça Tiradentes, Bairro Antônio Dias, Escola
de Minas, Museu da Inconfidência.
      Dentre as inúmeras personagens do livro, foram escolhidas as figuras de Antônio Francisco
Lisboa, o Aleijadinho; Benedito Pereira da Silva, o Bené da Flauta; e, em menor escala, Tomás
Antônio Gonzaga e Napoleão Gustavo de Souto Maior Ferreira, o Cupica, para exemplificar o rico e
multifacetado intercâmbio que se opera no romance. Por meio delas, percebe-se que a superposição
das imagens, selecionadas para construir a cidade-palco da narrativa de Boca de chafariz, também
desvelam facetas inexploradas de seu referente.
      Aleijadinho, artista maior do estilo barroco que a Colônia instala nos trópicos, aparece no
romance a partir de sua primeira obra, o chafariz que dá origem ao título do livro e que será objeto
da pesquisa feita pelo historiador e também personagem Tarquínio J. B. de Oliveira. Pela análise
arqueológica da peça, o historiador entrevê a possibilidade de haver envolvimento entre a
Inconfidência Mineira e o movimento maçônico, o que traria nova interpretação ao episódio e seria
a mais importante descoberta da área. Apesar de não ter sido comprovada, tal potencialidade
permanece enquanto índice da nova interpretação da história de que o romance pretende participar,
na releitura que faz dos eventos acontecidos na cidade. Por meio dela, distâncias espaciais, temporais



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e ideológicas serão minimizadas, apesar de ameaçadas de extinção e talvez mesmo por causa dessa
ameaça.
      Nesse sentido, a personagem Aleijadinho pode ser tomada também como representativa da
tensão do corpo-cidade ameaçado de desfiguração e desaparecimento, tensão que o romance focaliza
e que faz levantar as várias vozes que nele se pronunciam em sua defesa. Aleijadinho, quando já
acometido pela doença (lepra) que o maltratava, reconhece a enorme dificuldade de sobreviver
como mestiço numa sociedade escravocrata e colonial. O aspecto pode ser inferido pelas figuras de
feição grosseira e atormentada das imagens por ele esculpidas para igrejas, capelas e adros de
cidades mineiras, como nas fotos em anexo. Mas será delineado explicitamente em trechos
narrativos que longamente discorrem sobre os sofrimentos do artista, como os que aparecem na
citação que se segue, retirada de um dos três capítulos que o romance lhe destina:

                  “Eu pude sofrer no meu canto, como talvez ninguém sofreu no mundo, o drama de
           não ter sido apenas um homem – de ter sido acima de tudo uma contradição auto-
           destrutiva. (...) É possível a um mulato sair do seu canto sem problemas, num ambiente
           dominado pela escravidão? Preciso reconhecer em definitivo esse fato e não continuar
           insistindo na tentativa até ridícula de querer convencer a mim mesmo de que houve um
           tempo em que não tive consciência da minha origem de senzala. O êxito profissional e a
           proteção dispensada por meu pai acabaram sendo escudos contra tudo, mas não posso me
           esquecer daquilo que, na época, se passava em meu coração. A cor da pele pesando-me
           como chumbo. (...) E da mesma maneira que evitava na rua contatos com pessoas que
           não conhecia e que me tratavam de cima para baixo, no fundo não desejava – essa é que
           era a verdade – uma identificação de fato com minha mãe. A descoberta pelos outros
           daquela filiação de certa forma me humilhava. A lembrança disso, que não me
           abandonava, é que passou a atormentar-me com tanto remorso. (...) Renunciei à antiga
           entusiasmada disposição para a conquista dos espaços à minha frente, compreendi afinal
           que a realidade tinha múltiplos compartimentos e a nossa limitação para percorrê-los já
           vinha estabelecida a partir do berço. (...) Via com desgosto que, na minha juventude, fora
           do círculo de meu pai, só tive bom acolhimento no meio artístico por parte de mulatos,
           como os músicos. Na irmandade dos pardos é que de fato existia ambiente para mim.”(p.
           195-196-197-198)

       Pelas esculturas e pelo trecho citado, percebe-se a contraditória posição que o elemento nativo
ocupava na colônia. De um lado, propenso a demonstrar fidelidade ao modelo europeu, que lhe
poderia assegurar espaço na sociedade e nos cânones da arte universal. De outro lado, o
reconhecimento de que só os elementos característicos da terra lhe confeririam identidade, o
privilégio de fundar uma expressão própria. Tal peculiaridade da tradição brasileira, presente
também nas colônias de fala espanhola, remete ao fato de que, em ambas, o desejo de compartilhar
valores ocidentais surge mesclado à busca de legitimação das particularidades locais. Essa situação
tensional pode ser percebida na narrativa através da figura de Aleijadinho e dos signos de
nacionalidade, agrupados na arquitetura, monumentos e artefatos de Ouro Preto. Se a qualidade
dessa expressão permitiu à cidade ser aceita como Patrimônio Cultural da Humandidade, o descaso
das autoridades quanto a suas características de solo permite que o reconhecido patrimônio seja
ameaçado de extinção pelas chuvas. Esse aspecto delineia, no livro, outro tipo de ameaça que, por
subrreptícia e menos visível, se torna bem mais difícil de ser anulada. Percebe-se tal nuance na
constituição da personagem Bené da Flauta.



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A Aleijadinho, artista genial e, de certa forma, partícipe do Patrimônio Cultural da
Humanidade com os monumentos que ajudou a construir, o romance alia a figura de Bené da Flauta.
Artesão contemporâneo, Bené vende seus trabalhos a turistas na Praça Tiradentes, ao mesmo tempo
em que executa músicas de sua autoria para atrair fregueses. O narrador a ele se refere como:

                  “Poeta permanente, músico e compositor nos momentos de folga, principalmente
           escultor popular e mais principalmente ainda bêbado vinte e quatro horas por dia,
           Benedito Pereira da Silva, Bené da Flauta, ou apenas Bené, viu o mundo no município de
           Barra Longa. Mas a sua história era toda ouro-pretana.”
            (p. 101)

      Necessário é ressaltar que os capítulos sobre Bené sucedem-se aos de Aleijadinho. Figura com
que se fecha o romance, Bené arma, também em pedra sabão, como seu genial antecessor, a seguinte
frase: OURO PRETO PATROMÔNIO CULTURAL DA HUMANIDADE. Por sua simplicidade, a
peça contrapõe-se à famosa obra de Aleijadinho (cf. fotos da frase de Bené e da igreja de S.
Francisco em anexo). Como se pode notar, tal estratégia narrativa põe em jogo a questão do
julgamento de valor, tanto no campo artístico, quanto no social e humano. Ao focalizar
preferencialmente o lado humano, carente e problemático de Antônio Francisco Lisboa, que no livro
suplanta a figura do célebre Aleijadinho, e dedicar-lhe a mesma simpatia com que se refere a Bené, o
romance permite abonar o encaminhamento da reflexão que venho desenvolvendo. Aproximando as
duas figuras, o livro suscita indagações variadas: o valor do artesanato em confronto com a arte
maior; a sobrevivência/convivência do cotidiano de uma cidadezinha do interior mineiro face a sua
eleição como Patrimônio Cultural da Humanidade; o lugar social do elemento mestiço diante da
hegemonia do europeu, entre outras.
      Confira-se: se o barroco foi considerado “arte menor” em relação à do Renascimento, assim
como o barroco brasileiro foi analisado enquanto “cópia” do europeu e só o tempo consagrou
Aleijadinho e Ouro Preto, o artesanato, a música e poesia de Bené, cópia-simulacro da arte hoje
canônica terá celebridade futura? Eduardo Subirats, ao falar sobre a obra de arte enquanto parte da
cultura, defende que o simulacro não perderá sua “dimensão ontológica” ou a capacidade de se
constituir “como uma realidade autônoma mais consistente e intensamente real do que a própria
realidade.” (SUBIRATS, 1989: 89) O romance parece concordar com Subirats, pois até mesmo os
apelidos dos dois artistas, Bené/Aleijadinho, deixam entrever a mediação insinuada. O enfoque que
Boca de chafariz confere à personagem coloca-a também como elemento participante da
conservação/modificação da história da cidade, como se nota no trecho que se segue:

                   “À frente do Restaurante Pilão, Bené espalhava as peças que trouxera no saco.
             Esculturas de pedra sabão: a estátua de Tiradentes, os prédios da praça, casas e mais
             casas. Foram dispostas cada qual na sua posição correta, reconstituindo praticamente o
             centro da cidade. Agachado, ele corrigia o alinhamento das ruas. Grupo enorme de
             pessoas à roda. Começava-se a apontar:
                 - Olha a Casa da Baronesa e a Câmara.
                 - Olha o restaurante Casa do Ouvidor.
                 - Olha a casa do Doutor Teódulo e a Igreja de São Francisco.
                 - Olha a Casa dos Contos.” ( p. 305-306).

    As “peças” artesanais, como se pode perceber, referem-se a Ouro Preto e a Vila Rica, ao
monumento e ao morador comum da cidade.


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Outras duas figuras podem ser cotejadas para exemplificação do aspecto que vem sendo
privilegiado nessa análise: a do estudante paulista da Escola de Minas e Metalurgia, Napoleão
Gustavo de Souto Maior Ferreira, o Cupica e Tomás Antônio Gonzaga, nascido no Porto, Portugal,
de ascendência paterna brasileira. Ocupante do alto cargo de Ouvidor de Vila Rica, inconfidente
degredado para Moçambique, autor de Marília de Dirceu, liras que receberam cerca de quarenta
edições, Gonzaga coloca-se ao lado de Camões como o poeta mais lido da língua portuguesa. Este
mesmo Gonzaga, quando ficcionalizado em Boca de chafariz, será alvo da admiração de Cupica, que
deseja imitar-lhe a verve poética. O estudante, mesmo só conseguindo escrever “em prosa
desarrumada e pouco eficiente” uma carta a sua namorada, não abandona a idéia de que ele e
Gonzaga podem ser irmanados no amor pelas mulheres e pelas letras. Deixa-se ao leitor o
julgamento da última possibilidade, mas, através da personagem Cupica, explicita-se outro aspecto
da tensão entre passado e presente que o livro focaliza.

                  “Organizava-se movimento de protesto para acontecer na Praça Tiradentes, com
           mostra de fotografias e presença da televisão. O prefeito municipal, político
           incompreensívo, descaracterizava a cidade com obras de substituição de calçamento e era
           acompanhado por proprietários que derrubavam casas para levantar outras no lugar, de
           tijolos e cimento armado, comprometidas por deformações modernosas, basculantes,
           garagens para carro. Negligente na fiscalização, o Instituto do Patrimônio Histórico e
           Artístico Nacional sofreria a crítica mais rigorosa. Ouro Preto só possuía significação
           como sobrevivência e testemunho do passado; retirar dela essa condição, significava
           destruí-la. Ao indagar: ‘Só é possível a construção de antigüidades?’, [Cupica] provocou
           riso geral e ficou de rosto pegando fogo, sem adivinhar o que acontecia.” ( p. 61)

      Nessa evocação, à memória é atribuído o papel de imagem-tempo que deixa entrever como
efeito o entretempo, não apreendido pelo presente/passado/futuro. Se a memória é escrita sobre as
águas - as do chafariz que permitem construir novos sentidos para o passado e as das chuvas que
podem destruir monumentos dessa história - ; e se “Ouro Preto com suas belezas mil é a eternidade
que já começou. Só teve começo e não terá fim”, como afirma o narrador à p. 241, admite-se que
essa é a resposta que o romance dá à pergunta feita por Cupica.
      Pode-se afirmar, portanto, que em Boca de chafariz interagem e atualizam-se a arquitetura da
cidade e o elemento humano, recriador e herdeiro daquela e que lhe confere diferentes significados
em cada um de seus momentos. Os múltiplos sentidos da cidade, colocados em superposição no
romance, incentivam o diálogo paradoxal entre as duas épocas. A Vila Rica que se oferece em
espetáculo aos turistas,       como a experiência para ser guardada pela memória enquanto
índice/conjunto de uma civilização, tem de ser movimentada pelos homens que habitam Ouro Preto
na atualidade. Estes, por sinal, são levados a viver muito em função daquela, uma vez que ocupam as
ruínas, os espaços vazios e o além-centro: espaços em palimpsesto que buscam sua afirmação.

Bibliografia

ÁVILA, Affonso. Resíduos seiscentistas em Minas. Belo Horizonte: Centro de Estudos Mineiros,
   1967. 2v.
BAZIN, Germain. Aleijadinho et la sculpture baroque au Brésil. Paris: Plon, 1956.
DORNAS FILHO, João. O ouro das gerais e a civilização da capitania. São Paulo: Companhia
   Editora Nacional, 1957.



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GUIMARÃES, César. Imagens da memória – entre o legível e o invisível. Belo Horizonte:
   Editora da UFMG, 1997.
ISER, Wolfgang. O fictício e o imaginário. Perspectivas de uma antropologia literária. Trad.
   Johannes Kretschmer. Rio de Janeiro: EDUERJ, 1996. (ed. alemã 1991).
OLIVEIRA, J. B. Tarquínio. Ouro preto e Mariana. Rio de Janeiro: Berlendif e Vertecchia, 1980.
MACHADO, Lourival Gomes. Barroco mineiro. 2. ed. São Paulo: Perspectiva, 1973
MOURÃO, Rui. Boca de chafariz. 2. ed. Belo Horizonte: Villa Rica Editoras Reunidas,1992.
SUBIRATS, Eduardo. A cultura como espetáculo. São Paulo: Nobel, 1989.


Recursos Mediáticos
CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO em Tratamento da Informação Espacial da PUC Minas. Mapa do
   Brasil - estados. Mapa de Minas Gerais - municípios. Belo Horizonte: PUC Minas, 2000.
MARCOS Cine Foto. Slides e fotos - Ouro Preto, Aleijadinho, Bené. Belo Horizonte, 2000.
SCALA, Alberto e PEREIRA, José. Fotografias das chuvas de fevereiro de 1979,
   Ouro Preto, MG. Belo Horizonte: Jornal ESTADO DE MINAS, de 3 a 21 de fevereiro, 1979.




Anexos
1. mapa do Brasil, nele situando Minas Gerais e Ouro Preto;
2. mapa dos municípios de Minas Gerais, nele destacando Ouro Preto;
3. seis fotos da devastação causada à cidade pelas chuvas de 1979;
   (As fotos foram retiradas da hemeroteca do Arquivo Público Mineiro).
4. quatro fotos referentes aos seguintes pontos da cidade: Praça Tiradentes, Bairro Antônio
    Dias, Escola de Minas, Museu da Inconfidência;
5. três fotos de esculturas de Aleijadinho que remetem a expressões de sofrimento e a
   características de mestiçagem do povo brasileiro;
6. foto da frase de Bené OURO PRETO PATROMÔNIO CULTURAL DA HUMANIDADE
7. foto de uma obra muito famosa de Aleijadinho, a igreja de S. Francisco.




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Ouro Preto’s history

         Ouro Preto was born from the discovery of gold. Even before 1700, the adventurous
spirit and the impetus of finding easy riches brought hundreds of adventurers, most of them
Portuguese and paulistas (people from São Paulo), called Bandeirantes. According to legend, a
thirsty man bent down to pick up water in the Tripoli Brook, and found some black stones in
the bottom which he decided to save. After returning to Taubaté, in São Paulo, from were his
band had started, he passed the stones to another person who passed them on until they
stopped in the hands of the Rio de Janeiro governor, Artur de Sá e Menezes. In an
unpretentious moment he placed one of the stones between his teeth and cracked it, identifying
it as that most sought of all metals.
         The news soon spread and with it the registered information that the gold find had
taken place in an area near a large rock formation the Indians called ‘Pico do Itacolomi’.
Innumerous expeditions left in the search for the now famous location, but without success,
returning to their starting place. Until in 1698, the paulista Antônio Dias de Oliveira reached
the region of ‘Itacolomi’ and, discovering a very rich vein, resolved to establish himself here,
sending for his friend and relatives in Taubaté.
         From then on, the number of explorers that head for the region grows. The metal is
abundant, encountered on the bottom and banks of rivers and in the foothills of the mountains.
As a signal of christian devotion and thanksgiving, the bandeirantes raise rustic chapels using
straw and adobe. In one of these buildings, possibly the current Chapel of São João Batista, the
priest João de Faria Fialho celebrates the first mass in the region.
         Mining naturally becomes the most important activity, and the lack of agriculture
provoke hunger enough to cause many adventures to abandon their strikes and return home to
their land of origin, slowing down the effective occupation of the territory.
         Despite food problems, new adventures reach the ‘eldorado’. Between 1708 and 1709,
paulistas - the first to discover the region - revolt against the outsiders, most of whom are
Portuguese, baianos and pernambucanos. The rivalry between the two groups and the
administrative preponderance of the paulistas, who distributed the gold veins, culminated in the
War of ‘Emboabas’. Led by the Portuguese Manuel Nunes Viana, the outsiders were
victorious, making the gold adventure more democratic.
         After the conflict, the development of incipient mining settlements bring more live for
the locality: Padre Faria, Antônio Dias, Paulistas, Bom Sucesso, Taquaral, Sant’Ana, São
João, Ouro Podre, Piedade, Ouro Preto and Caquende. Every day, the small streets gain more
buildings and commerce surges ahead with a certain intensity, giving an urban configuration to
the primitive mining region. The visible growth of these settlements causes the governor of the
capitania, Antônio de Albuquerque Coelho de Carvalho, to create, in 1711, Vila Rica.
         The Ouro Podre settlements is the one that propers most. The Portuguese merchant
Pascoal da Silva Guimarães becomes wealthy from the gold encountered on the reaches of
mount Ouro Podre, becoming its greatest miner. Indignant with the beginning of Portuguese
control and the collection of taxes that demanded for the Crown a fifth part of all gold
extracted, he incited a rebellion known as the Vila Rica Sedition. To put an end to the
movement, governor Dom Pedro de Almeida, Conde de Assumar, takes drastic measures:
ordering that, Felipe dos Santos, a faithful supporter of Pascoal da Silva, be caught and
hanged, and the settlement burned, giving the name Burned Mountain to the area until today.
         With the passing of time, the mining settlements grew and the distance separating them
diminished. The settlements of Antônio Dias and Ouro Preto united on mount Santa Quitéria
where Praça Tiradentes stands today. The main street takes a longitudinal direction , tying
together the three hills that will form the future city of Ouro Preto: Cabeças, Praça Tiradentes
and Santa Efigênia and, lower down, Padre Faria. The settlement of Ouro Preto forms, along
with that of Antônio Dias, the nucleus of Vila Rica imposing its name, which has roots in the
first discoveries of the precious metal.
         From 1730 to 1760, the gold production reaches its peak. It is known that between
1735 and 1751, the fifth of gold collected as taxes reached 34,275 kilograms, which calculates
to a yearly total of 2,142 kilograms of gold going to the Crown. This is the glorious phase of
Ouro Preto, signaled by its sophisticated buildings and baroque festivals. The most famous of
these being the Triumphal Eucarist - the procession that carried the ‘Santíssimo Sacramento’
from Our Lady of Rosário Church to the Matriz (mother) Church of Our Lady of Pilar, on the
occasion of its dedication. The richness and pomp of the retinue were described in minute
detail by the chronicler Simão Ferreira Machado, revealing the heights reached by the social
life of the times.
         At the end of Gomes Freire’s government, in 1763, the diminishing gold supply and the
imminent economic collapse was already evident. The difficulty of extracting more gold caused
the Portuguese government to impose more taxes, without trying to improve the colonial
economy. Some years later, the new governor of Vila Rica, Visconde de Barbacena, took upon
himself the mission of launching the ‘derrama’, a compulsory levy on the overdue profits of the
fifth of gold tax, which, in 1788, passed 8,000 kilograms or 8 metric tons (17,600 lbs of gold).
         The lack of conformance to the economic situation, the information about revolt in
France and North America and the enlightenment ideology infiltrating the mineiro society gave
birth to a revolutionary conscience throughout Vila Rica. The better off levels - merchants,
intellectuals, and military officers - conspired to bring about a revolution, seeking a separation
of the colony from Portugal and a proclamation of independence. But the movement, that
become known as ‘Inconfidência Mineira’ (Mineiro Conspiracy), is frustrated by the
denunciation of Coronel Joaquim Silvério dos Reis to the Viscount of Barbacena, in 1789.
Taking part in the movement were Tomás Antônio Gonzaga, Claudio Manuel da Costa, Inácio
José de Alvarenga Peixoto, Cônego Luis Vieira da Silva, Francisco de Paula Freire Andrada,
José Alvares Maciel and padres José de Oliveira Rolim and Carlos Correia de Toledo, along
with officer Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes. As a show of repressive force by the
Crown, the leaders of movement was punished with exile, and Tiradentes was condemned to
death. Hanged and quartered in Rio de Janeiro, his head was exhibited in Vila Rica, in what is
now Praça Tiradentes. The priests completed sentences in Lisbon convents and the rest of the
participants were banished to Africa.
         In the beginning of 19th century, agriculture was the nation’s principal activity,
especially dependent on coffee, which had been introduced to São Paulo and the southern
states. Vila Rica is no longer the economic reference point of the country, but continues to be
politically active. In 1823, it is elevated to the Provincial Capital of Minas Gerais, being called
the Imperial City of Ouro preto. Its cultural vocation is reinforced with the creation of two
schools at the secondary level: The College of Pharmacy, in 1839, first in Latin America, and
the College of Mines of Ouro preto, created by an act of Dom Pedro II, in 1876, and installed
by the Frenchman, Claude-Henri Gorceix. With the proclamation of the republic, in 1889,
Ouro Preto remained the capital of Minas Gerais until 1897, when Belo Horizonte was
established, planned and built for this purpose. From that time on, Ouro Preto became an
empty shell. Besides the public sectors of administration and economics, entire families move
to the new capital city, leaving behind memories of a glorious past.
         The loss of its role as State headquarters for administrative purposes would be an
important factor in the preservation of old Vila Rica urban features which, without the
necessity for accelerate urban growth imposed on the other main Brazilian cities in the 20th
century, was able to maintain almost intact and unaltered its heritage of architectural, artistic


                                                                                                 2
and natural wonders. In 1924, the city was visited by modernists Oswald de Andrade, Tarsila
do Amaral, Mario de Andrade, accompanied by the French poet Blaise Cendrers. These artists
agitated the nation with their new esthetic, launched the ‘Semana de 22’ (week of 22), in São
Paulo, which would change the patterns of art in Brazil. The visit serve to re-evaluate baroque
as a national style, awakening interest in the figure of Aleijadinho (Little cripple) both in the
nation and around the world. Since then, and above all since the creation of the Federal
University of Ouro Preto, in 1969, the city maintains its artistic and cultural vocation thanks to
its centuries-old schools, the art festivals and celebration of traditional festivals.
         All through the years, a preoccupation with the preservation of Ouro Preto has been
secured through successive official proclamations. In 1931, Mayor João Batista Ferreira
Velloso prohibited new construction that might alter the city’s colonial ‘facies’. Two years
later, the entire city was decreed to be a National Monument, being registered in 1938 in the
‘livro de tombo’ (registration prohibiting demolition) by the National Historical and Artistic
Patrimony Institute - IPHAN. In 1944, year of the bicentennial of poet and revolutionary
conspirator Tomás Antônio Gonzaga, the creation of the Inconfidência Museum reinforced the
historical and artistic relevance of Ouro Preto on the national scene. In 1980, after important
studies were made by a team of specialists from Unesco, the city was recognized as Cultural
Patrimony of Humanity.




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Ouro Preto no espaço narrativo

  • 1. Ouro Preto no espaço narrativo: Boca de chafariz, de Rui Mourão Maria do Carmo Lanna Figueiredo Daniel Gouvêa (colaborador) Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Brasil “Prepared for delivery at the 2000 meeting of the Latin American Studies Association, Hyatt Regency Miami, March 16-18, 2000”
  • 2. Ouro Preto no espaço narrativo: Boca de chafariz, de Rui Mourão Maria do Carmo Lanna Figueiredo Daniel Gouvêa (colaborador) Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Brasil O trabalho pretende analisar o romance Boca de chafariz, de Rui Mourão, publicado em 1991 pela Villa Rica Editora, focalizando a tensão entre passado e atualidade, assinalada na utilização de imagens que compõem o livro e se referem ora ao povoado que irá se transformar na Vila Rica colonial, ora à cidade atual de Ouro Preto, reconhecida como Patrimônio Cultural da Humanidade. Tais imagens, intercaladas e superpostas pelo jogo ficcional, ampliam e questionam o espaço que a memória coletiva construiu para a cidade. Com efeito, Ouro Preto vem se mantendo enquanto sustentáculo de diversas representações sígnicas que tendem a imobilizá-la no espaço mítico da construção da identidade, tanto a regional dos mineiros, quanto a do país. Por este motivo, a força do passado e da tradição identitária de certa forma acaba por dificultar o convívio da cidade com o mundo contemporâneo, trazendo problemas à sua população e a seus governantes. O romance, construindo-se na confluência entre o ficcional e o histórico, intervém nessas representações sígnicas já canonizadas pela tradição, ao incentivar o diálogo sem hierarquias entre o passado e o presente. Graças a esse subterfúgio narrativo, explicita a tensão vivenciada pela cidade e seus habitantes, em busca do difícil equilíbrio entre as forças do passado - a necessidade de preservar a identidade da cultura colonial, Vila Rica e seus monumentos, enquanto ela ainda existe -, e as demandas do presente - a necessidade de situar-se no mundo atual, participando do desenvolvimento econômico e industrial, Ouro Preto. Esse intercâmbio permite ainda que se visualize um amplo painel desta cidade, situada na zona metalúrgica do Estado de Minas Gerais, Brasil, como se pode ver nos mapas em anexo. 1 A tensão entre o passado e o presente, um dos eixos geradores da obra, é apresentada desde o início do livro. No primeiro capítulo, assim se descrevem as chuvas torrenciais que se abateram sobre Ouro Preto em 1979, causando enormes prejuízos à cidade e à vida de seus habitantes: “Os poderes cósmicos, ostentando reservas de forças inimagináveis, fizeram um complô contra a região central do País, naquele ano da graça de 1979. Desabavam chuvas continuadas, com relâmpagos de deixar entrever as crateras celestes, trovões de deslocar as calotas superpostas do planeta até as suas entranhas mais profundas. (...) Mas o alvo mesmo, o ponto de concentração verdadeiro dos elementos em fúria, era Minas Gerais. (...) Ouro Preto, a antiga capital mineira – a quase tricentenária Vila Rica, visitada por turistas do mundo inteiro – começava a ceder sobre as suas bases, ameaçada de um cataclismo de proporções assustadoras. (...) Confirmava-se a previsão de antigos professores da Escola de Minas e Metalurgia que advertiram sobre a instabilidade, verdadeira doença subterrânea daquele solo. Como nunca se tomavam providências sérias para prevenir o colapso, o destino da cidade era terminar sepultada sob as suas montanhas. Com a paisagem urbana, estariam condenados a desaparecer uma população inteira, monumentos históricos da mais alta valia, - o próprio palco das lutas pela independência, símbolo maior da nacionalidade.” (p. 13 e 17) 1 Um resumo da história da cidade foi incluído ao final do trabalho, a fim de facilitar o entendimento de aspectos nela analisados para os que acompanham a sessão e não conhecem Ouro Preto. 2
  • 3. Baseando-se em fato real, fartamente noticiado pela mídia, o escritor dele se aproveita para construir a sua versão da história ouropretana, a partir de uma perspectiva múltipla que faz aflorar tanto a necessidade de preservação da cidade-monumento, quanto a sintonia com a vida do cidadão comum que a habita. As fotos em anexo referem-se à devastação provocada pelas chuvas de 1979. O livro utiliza-se das notícias de jornais para alicerçar sua narrativa, em que a catástrofe pluvial que se constituiu em ameaça de morte para Ouro Preto estende sua ameaça a vários outros aspectos, relativos à ordem cultural e social da cidade. Os estragos causados pelas chuvas e noticiados pelos jornais da época, ao participarem do relato romanesco como base de sua construção, tornam-se bastante próximos aos monumentos e marcas históricas que fizeram de Ouro Preto Patrimônio Cultural da Humanidade, na medida em que destacam a possibilidade de sua ruína. No caso, um patrimônio em risco e que necessita de defensores, necessidade que os narradores em primeira e terceira pessoa que se pronunciam em Boca de chafariz tentam suprir. Esses narradores, ao superarem as fronteiras que separam fictício, imaginário e realidade, permitem que se caracterize o referencial a que se remetem, sem se deixarem determinar por ele. A esta particularidade vai-se referir Wolfgang Iser, em O fictício e o imaginário. Perspectivas de uma antropologia literária (1996), ao reafirmar a proximidade entre o texto ficcional e o não ficcional, por estarem ambos sujeitos à intencionalidade de seus autores, quando selecionam os elementos que devem aparecer na narrativa. Avaliando este processo seletivo, o autor considera que os elementos retirados do campo da referência são reforçados pelos que se ausentam e vice-versa. Se desvinculados de seu campo de referência e projetados em outra contextualização, tais elementos adquirem outro peso, promovendo uma transgressão de limite que lhes possibilita ultrapassar as fronteiras entre ficção e realidade (cf. ISER, 1996: 39). A estrutura do romance parece bem de acordo com a aventada transgressão, quando se divide em capítulos enunciados alternadamente por narradores em primeira pessoa e pelo narrador em terceira pessoa que canaliza a voz de seu autor implícito. Falam no romance, em primeira pessoa narrando a sua versão da história pátria construída a partir de Ouro Preto, personagens da história mineira como Aleijadinho, considerado o maior artista colonial brasileiro com suas esculturas e trabalhos arquitetônicos mundialmente reconhecidos; Tiradentes, partícipe da Inconfidência Mineira, elevado a herói nacional e figura emblemática do processo de independência do Brasil face a Portugal; Antônio Dias, bandeirante paulista que inicia a ocupação/construção da cidade; Luís da Cunha Menezes, capitão-general e governador da Capitania de Minas Gerais, conhecido por seus desmandos administrativos e figura central de uma obra satírica, Cartas Chilenas, da autoria de Tomás Antônio Gonzaga, poeta e participante da Inconfidência Mineira e outros. A essas vozes junta-se a de um narrador em terceira pessoa que ora se refere aos governantes da década de 1970 – o Ministro da Educação e Cultura; o presidente da Embratur; os dirigentes do Patrimônio Histórico Nacional e do Departamento Nacional de Estradas e Rodagens; ora à população atual da cidade - Bené da Flauta, artesão, poeta e músico; Jair Afonso Inácio, restaurador; um estudante da Escola de Minas e de Metalurgia, Napoleão Gustavo de Souto, o Cupica; ora a figuras que atuaram em diversos níveis na cidade, como Claude-Henri Gorceix, francês que em finais do século XIX foi convidado a instalar a Escola de Minas e de Metalurgia; Tarquínio J. B. de Oliveira, historiador paulista que vem se dedicando à história de Ouro Preto. Por meio dessa estratégia textual, Boca de chafariz conduz o leitor a reconsiderar, na estreita encruzilhada em que se encontram história e ficção, a inserção do mito na realidade vivenciada por habitantes de espaços que se destinam a preservar a memória do país. Ressalte-se que, no livro, as vozes do passado, já preservadas pela versão oficial dos livros de História e pelos documentos referentes à sociedade colonial ouropretana, enunciam-se em primeira pessoa, indiciando outras 3
  • 4. possibilidades de leitura para os acontecimentos de que foram protagonistas. As vozes desses narradores perfazem o contorno da cidade com seus símbolos, personagens, histórias e mitos. Dessa forma, consegue-se um efeito discursivo bastante eficaz, na medida em que se deixam perceber as várias perspectivas que intervêm na construção do passado e do presente. O elemento água, desde o título, perpassa o motivo principal do enredo e desenlace da narrativa. Contamina ainda a fluidez da escrita que manifesta, a um tempo, o desejo de preservação e de atualização deste Patrimônio Cultural da Humanidade ameaçado. Refletindo sobre a relação entre a memória e o elemento água, César Guimarães percebe, em alguns textos e filmes, que “O verdadeiro traço da memória é escrito sobre água, ou melhor, superposto à imagem da água, tal como a letra”, desfazendo a expectativa consensual de que a memória se acha ligada à espessura, imutabilidade, permanência e continuidade (GUIMARÃES, 1997:29). Na tentativa de exprimir toda a tensão do corpo-cidade, cindido nas partes que refletem a sua conformação e história, Boca de chafariz acolhe tanto o tom profético, invocativo e, pode-se afirmar, barroco, que delineia predominantemente o romance, quanto o informativo, rápido e constatativo discurso mediático. Palavra performática, do aedo, do profeta, dialogar constante entre as diversas vozes de diferentes épocas, pelas águas do chafariz jorram as várias configurações que revestem os mitos, os monumentos e o povo ouropretano, postos em contato por um movimento que refaz/reconta continuamente a sua história. A significação tríade das águas - nascimento/destruição/recriação – pode, assim, ser considerada tanto como símbolo da circularidade do eterno, das condições multiplicativas do elemento criador, quanto da Praça Tiradentes, centro da cidade e de sua representação histórica e política, donde fluem seus pólos de distinção: os bairros Padre Faria e Antônio Dias. Lembre-se que Vila Rica teve início no atual bairro e antigo Arraial Antônio Dias, assim nomeados em homenagem a seu fundador. Do outro lado da cidade, junto ao córrego Bom Sucesso, estava o atual bairro Padre Faria, referência ao bandeirante descobridor e povoador da localidade antes nomeada Arraial de Ouro Preto. A praça Tiradentes posteriormente englobará os dois arraiais na atual cidade. A estrutura do livro imita a estrutura da cidade em seu movimento de construção. A composição de seus capítulos remete o leitor às injunções políticas que contribuíram para as modificações sofridas pelo berço de ouro que despertou a cobiça da metrópole e também possibilitou ao Brasil adquirir forças para constituir-se em nação. A relação assinalada fica mais explícita a partir das fotos que, em anexo, mostram os pontos referidos: Praça Tiradentes, Bairro Antônio Dias, Escola de Minas, Museu da Inconfidência. Dentre as inúmeras personagens do livro, foram escolhidas as figuras de Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho; Benedito Pereira da Silva, o Bené da Flauta; e, em menor escala, Tomás Antônio Gonzaga e Napoleão Gustavo de Souto Maior Ferreira, o Cupica, para exemplificar o rico e multifacetado intercâmbio que se opera no romance. Por meio delas, percebe-se que a superposição das imagens, selecionadas para construir a cidade-palco da narrativa de Boca de chafariz, também desvelam facetas inexploradas de seu referente. Aleijadinho, artista maior do estilo barroco que a Colônia instala nos trópicos, aparece no romance a partir de sua primeira obra, o chafariz que dá origem ao título do livro e que será objeto da pesquisa feita pelo historiador e também personagem Tarquínio J. B. de Oliveira. Pela análise arqueológica da peça, o historiador entrevê a possibilidade de haver envolvimento entre a Inconfidência Mineira e o movimento maçônico, o que traria nova interpretação ao episódio e seria a mais importante descoberta da área. Apesar de não ter sido comprovada, tal potencialidade permanece enquanto índice da nova interpretação da história de que o romance pretende participar, na releitura que faz dos eventos acontecidos na cidade. Por meio dela, distâncias espaciais, temporais 4
  • 5. e ideológicas serão minimizadas, apesar de ameaçadas de extinção e talvez mesmo por causa dessa ameaça. Nesse sentido, a personagem Aleijadinho pode ser tomada também como representativa da tensão do corpo-cidade ameaçado de desfiguração e desaparecimento, tensão que o romance focaliza e que faz levantar as várias vozes que nele se pronunciam em sua defesa. Aleijadinho, quando já acometido pela doença (lepra) que o maltratava, reconhece a enorme dificuldade de sobreviver como mestiço numa sociedade escravocrata e colonial. O aspecto pode ser inferido pelas figuras de feição grosseira e atormentada das imagens por ele esculpidas para igrejas, capelas e adros de cidades mineiras, como nas fotos em anexo. Mas será delineado explicitamente em trechos narrativos que longamente discorrem sobre os sofrimentos do artista, como os que aparecem na citação que se segue, retirada de um dos três capítulos que o romance lhe destina: “Eu pude sofrer no meu canto, como talvez ninguém sofreu no mundo, o drama de não ter sido apenas um homem – de ter sido acima de tudo uma contradição auto- destrutiva. (...) É possível a um mulato sair do seu canto sem problemas, num ambiente dominado pela escravidão? Preciso reconhecer em definitivo esse fato e não continuar insistindo na tentativa até ridícula de querer convencer a mim mesmo de que houve um tempo em que não tive consciência da minha origem de senzala. O êxito profissional e a proteção dispensada por meu pai acabaram sendo escudos contra tudo, mas não posso me esquecer daquilo que, na época, se passava em meu coração. A cor da pele pesando-me como chumbo. (...) E da mesma maneira que evitava na rua contatos com pessoas que não conhecia e que me tratavam de cima para baixo, no fundo não desejava – essa é que era a verdade – uma identificação de fato com minha mãe. A descoberta pelos outros daquela filiação de certa forma me humilhava. A lembrança disso, que não me abandonava, é que passou a atormentar-me com tanto remorso. (...) Renunciei à antiga entusiasmada disposição para a conquista dos espaços à minha frente, compreendi afinal que a realidade tinha múltiplos compartimentos e a nossa limitação para percorrê-los já vinha estabelecida a partir do berço. (...) Via com desgosto que, na minha juventude, fora do círculo de meu pai, só tive bom acolhimento no meio artístico por parte de mulatos, como os músicos. Na irmandade dos pardos é que de fato existia ambiente para mim.”(p. 195-196-197-198) Pelas esculturas e pelo trecho citado, percebe-se a contraditória posição que o elemento nativo ocupava na colônia. De um lado, propenso a demonstrar fidelidade ao modelo europeu, que lhe poderia assegurar espaço na sociedade e nos cânones da arte universal. De outro lado, o reconhecimento de que só os elementos característicos da terra lhe confeririam identidade, o privilégio de fundar uma expressão própria. Tal peculiaridade da tradição brasileira, presente também nas colônias de fala espanhola, remete ao fato de que, em ambas, o desejo de compartilhar valores ocidentais surge mesclado à busca de legitimação das particularidades locais. Essa situação tensional pode ser percebida na narrativa através da figura de Aleijadinho e dos signos de nacionalidade, agrupados na arquitetura, monumentos e artefatos de Ouro Preto. Se a qualidade dessa expressão permitiu à cidade ser aceita como Patrimônio Cultural da Humandidade, o descaso das autoridades quanto a suas características de solo permite que o reconhecido patrimônio seja ameaçado de extinção pelas chuvas. Esse aspecto delineia, no livro, outro tipo de ameaça que, por subrreptícia e menos visível, se torna bem mais difícil de ser anulada. Percebe-se tal nuance na constituição da personagem Bené da Flauta. 5
  • 6. A Aleijadinho, artista genial e, de certa forma, partícipe do Patrimônio Cultural da Humanidade com os monumentos que ajudou a construir, o romance alia a figura de Bené da Flauta. Artesão contemporâneo, Bené vende seus trabalhos a turistas na Praça Tiradentes, ao mesmo tempo em que executa músicas de sua autoria para atrair fregueses. O narrador a ele se refere como: “Poeta permanente, músico e compositor nos momentos de folga, principalmente escultor popular e mais principalmente ainda bêbado vinte e quatro horas por dia, Benedito Pereira da Silva, Bené da Flauta, ou apenas Bené, viu o mundo no município de Barra Longa. Mas a sua história era toda ouro-pretana.” (p. 101) Necessário é ressaltar que os capítulos sobre Bené sucedem-se aos de Aleijadinho. Figura com que se fecha o romance, Bené arma, também em pedra sabão, como seu genial antecessor, a seguinte frase: OURO PRETO PATROMÔNIO CULTURAL DA HUMANIDADE. Por sua simplicidade, a peça contrapõe-se à famosa obra de Aleijadinho (cf. fotos da frase de Bené e da igreja de S. Francisco em anexo). Como se pode notar, tal estratégia narrativa põe em jogo a questão do julgamento de valor, tanto no campo artístico, quanto no social e humano. Ao focalizar preferencialmente o lado humano, carente e problemático de Antônio Francisco Lisboa, que no livro suplanta a figura do célebre Aleijadinho, e dedicar-lhe a mesma simpatia com que se refere a Bené, o romance permite abonar o encaminhamento da reflexão que venho desenvolvendo. Aproximando as duas figuras, o livro suscita indagações variadas: o valor do artesanato em confronto com a arte maior; a sobrevivência/convivência do cotidiano de uma cidadezinha do interior mineiro face a sua eleição como Patrimônio Cultural da Humanidade; o lugar social do elemento mestiço diante da hegemonia do europeu, entre outras. Confira-se: se o barroco foi considerado “arte menor” em relação à do Renascimento, assim como o barroco brasileiro foi analisado enquanto “cópia” do europeu e só o tempo consagrou Aleijadinho e Ouro Preto, o artesanato, a música e poesia de Bené, cópia-simulacro da arte hoje canônica terá celebridade futura? Eduardo Subirats, ao falar sobre a obra de arte enquanto parte da cultura, defende que o simulacro não perderá sua “dimensão ontológica” ou a capacidade de se constituir “como uma realidade autônoma mais consistente e intensamente real do que a própria realidade.” (SUBIRATS, 1989: 89) O romance parece concordar com Subirats, pois até mesmo os apelidos dos dois artistas, Bené/Aleijadinho, deixam entrever a mediação insinuada. O enfoque que Boca de chafariz confere à personagem coloca-a também como elemento participante da conservação/modificação da história da cidade, como se nota no trecho que se segue: “À frente do Restaurante Pilão, Bené espalhava as peças que trouxera no saco. Esculturas de pedra sabão: a estátua de Tiradentes, os prédios da praça, casas e mais casas. Foram dispostas cada qual na sua posição correta, reconstituindo praticamente o centro da cidade. Agachado, ele corrigia o alinhamento das ruas. Grupo enorme de pessoas à roda. Começava-se a apontar: - Olha a Casa da Baronesa e a Câmara. - Olha o restaurante Casa do Ouvidor. - Olha a casa do Doutor Teódulo e a Igreja de São Francisco. - Olha a Casa dos Contos.” ( p. 305-306). As “peças” artesanais, como se pode perceber, referem-se a Ouro Preto e a Vila Rica, ao monumento e ao morador comum da cidade. 6
  • 7. Outras duas figuras podem ser cotejadas para exemplificação do aspecto que vem sendo privilegiado nessa análise: a do estudante paulista da Escola de Minas e Metalurgia, Napoleão Gustavo de Souto Maior Ferreira, o Cupica e Tomás Antônio Gonzaga, nascido no Porto, Portugal, de ascendência paterna brasileira. Ocupante do alto cargo de Ouvidor de Vila Rica, inconfidente degredado para Moçambique, autor de Marília de Dirceu, liras que receberam cerca de quarenta edições, Gonzaga coloca-se ao lado de Camões como o poeta mais lido da língua portuguesa. Este mesmo Gonzaga, quando ficcionalizado em Boca de chafariz, será alvo da admiração de Cupica, que deseja imitar-lhe a verve poética. O estudante, mesmo só conseguindo escrever “em prosa desarrumada e pouco eficiente” uma carta a sua namorada, não abandona a idéia de que ele e Gonzaga podem ser irmanados no amor pelas mulheres e pelas letras. Deixa-se ao leitor o julgamento da última possibilidade, mas, através da personagem Cupica, explicita-se outro aspecto da tensão entre passado e presente que o livro focaliza. “Organizava-se movimento de protesto para acontecer na Praça Tiradentes, com mostra de fotografias e presença da televisão. O prefeito municipal, político incompreensívo, descaracterizava a cidade com obras de substituição de calçamento e era acompanhado por proprietários que derrubavam casas para levantar outras no lugar, de tijolos e cimento armado, comprometidas por deformações modernosas, basculantes, garagens para carro. Negligente na fiscalização, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional sofreria a crítica mais rigorosa. Ouro Preto só possuía significação como sobrevivência e testemunho do passado; retirar dela essa condição, significava destruí-la. Ao indagar: ‘Só é possível a construção de antigüidades?’, [Cupica] provocou riso geral e ficou de rosto pegando fogo, sem adivinhar o que acontecia.” ( p. 61) Nessa evocação, à memória é atribuído o papel de imagem-tempo que deixa entrever como efeito o entretempo, não apreendido pelo presente/passado/futuro. Se a memória é escrita sobre as águas - as do chafariz que permitem construir novos sentidos para o passado e as das chuvas que podem destruir monumentos dessa história - ; e se “Ouro Preto com suas belezas mil é a eternidade que já começou. Só teve começo e não terá fim”, como afirma o narrador à p. 241, admite-se que essa é a resposta que o romance dá à pergunta feita por Cupica. Pode-se afirmar, portanto, que em Boca de chafariz interagem e atualizam-se a arquitetura da cidade e o elemento humano, recriador e herdeiro daquela e que lhe confere diferentes significados em cada um de seus momentos. Os múltiplos sentidos da cidade, colocados em superposição no romance, incentivam o diálogo paradoxal entre as duas épocas. A Vila Rica que se oferece em espetáculo aos turistas, como a experiência para ser guardada pela memória enquanto índice/conjunto de uma civilização, tem de ser movimentada pelos homens que habitam Ouro Preto na atualidade. Estes, por sinal, são levados a viver muito em função daquela, uma vez que ocupam as ruínas, os espaços vazios e o além-centro: espaços em palimpsesto que buscam sua afirmação. Bibliografia ÁVILA, Affonso. Resíduos seiscentistas em Minas. Belo Horizonte: Centro de Estudos Mineiros, 1967. 2v. BAZIN, Germain. Aleijadinho et la sculpture baroque au Brésil. Paris: Plon, 1956. DORNAS FILHO, João. O ouro das gerais e a civilização da capitania. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1957. 7
  • 8. GUIMARÃES, César. Imagens da memória – entre o legível e o invisível. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 1997. ISER, Wolfgang. O fictício e o imaginário. Perspectivas de uma antropologia literária. Trad. Johannes Kretschmer. Rio de Janeiro: EDUERJ, 1996. (ed. alemã 1991). OLIVEIRA, J. B. Tarquínio. Ouro preto e Mariana. Rio de Janeiro: Berlendif e Vertecchia, 1980. MACHADO, Lourival Gomes. Barroco mineiro. 2. ed. São Paulo: Perspectiva, 1973 MOURÃO, Rui. Boca de chafariz. 2. ed. Belo Horizonte: Villa Rica Editoras Reunidas,1992. SUBIRATS, Eduardo. A cultura como espetáculo. São Paulo: Nobel, 1989. Recursos Mediáticos CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO em Tratamento da Informação Espacial da PUC Minas. Mapa do Brasil - estados. Mapa de Minas Gerais - municípios. Belo Horizonte: PUC Minas, 2000. MARCOS Cine Foto. Slides e fotos - Ouro Preto, Aleijadinho, Bené. Belo Horizonte, 2000. SCALA, Alberto e PEREIRA, José. Fotografias das chuvas de fevereiro de 1979, Ouro Preto, MG. Belo Horizonte: Jornal ESTADO DE MINAS, de 3 a 21 de fevereiro, 1979. Anexos 1. mapa do Brasil, nele situando Minas Gerais e Ouro Preto; 2. mapa dos municípios de Minas Gerais, nele destacando Ouro Preto; 3. seis fotos da devastação causada à cidade pelas chuvas de 1979; (As fotos foram retiradas da hemeroteca do Arquivo Público Mineiro). 4. quatro fotos referentes aos seguintes pontos da cidade: Praça Tiradentes, Bairro Antônio Dias, Escola de Minas, Museu da Inconfidência; 5. três fotos de esculturas de Aleijadinho que remetem a expressões de sofrimento e a características de mestiçagem do povo brasileiro; 6. foto da frase de Bené OURO PRETO PATROMÔNIO CULTURAL DA HUMANIDADE 7. foto de uma obra muito famosa de Aleijadinho, a igreja de S. Francisco. 8
  • 9. Ouro Preto’s history Ouro Preto was born from the discovery of gold. Even before 1700, the adventurous spirit and the impetus of finding easy riches brought hundreds of adventurers, most of them Portuguese and paulistas (people from São Paulo), called Bandeirantes. According to legend, a thirsty man bent down to pick up water in the Tripoli Brook, and found some black stones in the bottom which he decided to save. After returning to Taubaté, in São Paulo, from were his band had started, he passed the stones to another person who passed them on until they stopped in the hands of the Rio de Janeiro governor, Artur de Sá e Menezes. In an unpretentious moment he placed one of the stones between his teeth and cracked it, identifying it as that most sought of all metals. The news soon spread and with it the registered information that the gold find had taken place in an area near a large rock formation the Indians called ‘Pico do Itacolomi’. Innumerous expeditions left in the search for the now famous location, but without success, returning to their starting place. Until in 1698, the paulista Antônio Dias de Oliveira reached the region of ‘Itacolomi’ and, discovering a very rich vein, resolved to establish himself here, sending for his friend and relatives in Taubaté. From then on, the number of explorers that head for the region grows. The metal is abundant, encountered on the bottom and banks of rivers and in the foothills of the mountains. As a signal of christian devotion and thanksgiving, the bandeirantes raise rustic chapels using straw and adobe. In one of these buildings, possibly the current Chapel of São João Batista, the priest João de Faria Fialho celebrates the first mass in the region. Mining naturally becomes the most important activity, and the lack of agriculture provoke hunger enough to cause many adventures to abandon their strikes and return home to their land of origin, slowing down the effective occupation of the territory. Despite food problems, new adventures reach the ‘eldorado’. Between 1708 and 1709, paulistas - the first to discover the region - revolt against the outsiders, most of whom are Portuguese, baianos and pernambucanos. The rivalry between the two groups and the administrative preponderance of the paulistas, who distributed the gold veins, culminated in the War of ‘Emboabas’. Led by the Portuguese Manuel Nunes Viana, the outsiders were victorious, making the gold adventure more democratic. After the conflict, the development of incipient mining settlements bring more live for the locality: Padre Faria, Antônio Dias, Paulistas, Bom Sucesso, Taquaral, Sant’Ana, São João, Ouro Podre, Piedade, Ouro Preto and Caquende. Every day, the small streets gain more buildings and commerce surges ahead with a certain intensity, giving an urban configuration to the primitive mining region. The visible growth of these settlements causes the governor of the capitania, Antônio de Albuquerque Coelho de Carvalho, to create, in 1711, Vila Rica. The Ouro Podre settlements is the one that propers most. The Portuguese merchant Pascoal da Silva Guimarães becomes wealthy from the gold encountered on the reaches of mount Ouro Podre, becoming its greatest miner. Indignant with the beginning of Portuguese control and the collection of taxes that demanded for the Crown a fifth part of all gold extracted, he incited a rebellion known as the Vila Rica Sedition. To put an end to the movement, governor Dom Pedro de Almeida, Conde de Assumar, takes drastic measures: ordering that, Felipe dos Santos, a faithful supporter of Pascoal da Silva, be caught and hanged, and the settlement burned, giving the name Burned Mountain to the area until today. With the passing of time, the mining settlements grew and the distance separating them diminished. The settlements of Antônio Dias and Ouro Preto united on mount Santa Quitéria where Praça Tiradentes stands today. The main street takes a longitudinal direction , tying together the three hills that will form the future city of Ouro Preto: Cabeças, Praça Tiradentes
  • 10. and Santa Efigênia and, lower down, Padre Faria. The settlement of Ouro Preto forms, along with that of Antônio Dias, the nucleus of Vila Rica imposing its name, which has roots in the first discoveries of the precious metal. From 1730 to 1760, the gold production reaches its peak. It is known that between 1735 and 1751, the fifth of gold collected as taxes reached 34,275 kilograms, which calculates to a yearly total of 2,142 kilograms of gold going to the Crown. This is the glorious phase of Ouro Preto, signaled by its sophisticated buildings and baroque festivals. The most famous of these being the Triumphal Eucarist - the procession that carried the ‘Santíssimo Sacramento’ from Our Lady of Rosário Church to the Matriz (mother) Church of Our Lady of Pilar, on the occasion of its dedication. The richness and pomp of the retinue were described in minute detail by the chronicler Simão Ferreira Machado, revealing the heights reached by the social life of the times. At the end of Gomes Freire’s government, in 1763, the diminishing gold supply and the imminent economic collapse was already evident. The difficulty of extracting more gold caused the Portuguese government to impose more taxes, without trying to improve the colonial economy. Some years later, the new governor of Vila Rica, Visconde de Barbacena, took upon himself the mission of launching the ‘derrama’, a compulsory levy on the overdue profits of the fifth of gold tax, which, in 1788, passed 8,000 kilograms or 8 metric tons (17,600 lbs of gold). The lack of conformance to the economic situation, the information about revolt in France and North America and the enlightenment ideology infiltrating the mineiro society gave birth to a revolutionary conscience throughout Vila Rica. The better off levels - merchants, intellectuals, and military officers - conspired to bring about a revolution, seeking a separation of the colony from Portugal and a proclamation of independence. But the movement, that become known as ‘Inconfidência Mineira’ (Mineiro Conspiracy), is frustrated by the denunciation of Coronel Joaquim Silvério dos Reis to the Viscount of Barbacena, in 1789. Taking part in the movement were Tomás Antônio Gonzaga, Claudio Manuel da Costa, Inácio José de Alvarenga Peixoto, Cônego Luis Vieira da Silva, Francisco de Paula Freire Andrada, José Alvares Maciel and padres José de Oliveira Rolim and Carlos Correia de Toledo, along with officer Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes. As a show of repressive force by the Crown, the leaders of movement was punished with exile, and Tiradentes was condemned to death. Hanged and quartered in Rio de Janeiro, his head was exhibited in Vila Rica, in what is now Praça Tiradentes. The priests completed sentences in Lisbon convents and the rest of the participants were banished to Africa. In the beginning of 19th century, agriculture was the nation’s principal activity, especially dependent on coffee, which had been introduced to São Paulo and the southern states. Vila Rica is no longer the economic reference point of the country, but continues to be politically active. In 1823, it is elevated to the Provincial Capital of Minas Gerais, being called the Imperial City of Ouro preto. Its cultural vocation is reinforced with the creation of two schools at the secondary level: The College of Pharmacy, in 1839, first in Latin America, and the College of Mines of Ouro preto, created by an act of Dom Pedro II, in 1876, and installed by the Frenchman, Claude-Henri Gorceix. With the proclamation of the republic, in 1889, Ouro Preto remained the capital of Minas Gerais until 1897, when Belo Horizonte was established, planned and built for this purpose. From that time on, Ouro Preto became an empty shell. Besides the public sectors of administration and economics, entire families move to the new capital city, leaving behind memories of a glorious past. The loss of its role as State headquarters for administrative purposes would be an important factor in the preservation of old Vila Rica urban features which, without the necessity for accelerate urban growth imposed on the other main Brazilian cities in the 20th century, was able to maintain almost intact and unaltered its heritage of architectural, artistic 2
  • 11. and natural wonders. In 1924, the city was visited by modernists Oswald de Andrade, Tarsila do Amaral, Mario de Andrade, accompanied by the French poet Blaise Cendrers. These artists agitated the nation with their new esthetic, launched the ‘Semana de 22’ (week of 22), in São Paulo, which would change the patterns of art in Brazil. The visit serve to re-evaluate baroque as a national style, awakening interest in the figure of Aleijadinho (Little cripple) both in the nation and around the world. Since then, and above all since the creation of the Federal University of Ouro Preto, in 1969, the city maintains its artistic and cultural vocation thanks to its centuries-old schools, the art festivals and celebration of traditional festivals. All through the years, a preoccupation with the preservation of Ouro Preto has been secured through successive official proclamations. In 1931, Mayor João Batista Ferreira Velloso prohibited new construction that might alter the city’s colonial ‘facies’. Two years later, the entire city was decreed to be a National Monument, being registered in 1938 in the ‘livro de tombo’ (registration prohibiting demolition) by the National Historical and Artistic Patrimony Institute - IPHAN. In 1944, year of the bicentennial of poet and revolutionary conspirator Tomás Antônio Gonzaga, the creation of the Inconfidência Museum reinforced the historical and artistic relevance of Ouro Preto on the national scene. In 1980, after important studies were made by a team of specialists from Unesco, the city was recognized as Cultural Patrimony of Humanity. 3