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DESENVOLVIMENTO NA AMÉRICA LATINA
DA CRISE DO ENDIVIDAMENTO EXTERNO
AO CRESCIMENTO COM DISTRIBUIÇÃO DE RENDA
PARTE II
ANOS 1980:
CRISE E INFLEXÃO
CAPÍTULO 1
ESGOTAMENTO DO PADRÃO DE ACUMULAÇÃO
INTRODUÇÃO
A despeito de suas diferenças históricas, depois da década de 1930, os países da América
Latina apresentaram padrão similar de mudanças demográficas, econômicas, sociais e
políticas. Tais mudanças foram impulsionadas por expressivos índices de crescimento da
produção, que estiveram entre os maiores de todo o mundo ao longo do século XX. Esse
crescimento esteve associado ao processo de industrialização, voltado ao mercado interno e
dirigido pelo Estado, especialmente no caso do México, da Argentina e do Brasil.
A população tornou-se mais numerosa, as condições de vida melhoraram, bem como as
expectativas de sobrevida deram um salto. Isto não apenas por causa do crescimento
econômico, mas pelo aumento da urbanização e pelas políticas públicas, que envolveram os
Estados nacionais com o cotidiano de suas populações, sobretudo no meio urbano. Desde a
década de 1930, em certos momentos e em alguns países, a força de trabalho urbana alcançou
maior participação no desenho das políticas sociais, especialmente de saúde e de seguridade
social, abrindo a região para uma relativa democratização.1
1 Exemplos dessa relativa democratização das políticas sociais podem ser examinados em alguns textos
constitucionais do período, como a Constituição Mexicana de 1917 e a Constituição Brasileira de 1934.
A dinâmica econômica ao longo desse período teve em seu núcleo o processo de
industrialização, dirigido pelo Estado e, como toda industrialização tardia, baseado na
substituição de importações. Esse processo representou uma novidade na América Latina, cuja
economia esteve historicamente orientada para fora, para os mercados de exportação de bens
primários. A crise de 1929, ao desorganizar a exportação, colocou em xeque tal foco exógeno,
obrigando os países da região a reorientar sua economia para dentro, para os mercados
internos de consumo de bens secundários.2
Esse novo foco endógeno, na produção de manufaturados para o consumo das famílias latino-
americanas, assegurou índices de crescimento muito expressivos, durante cerca de 40 anos.
Mas a crise dos 1970, e o seu aprofundamento com a crise da dívida externa dos 1980, fez com
que os índices de crescimento econômico minguassem e as condições sociais se degradassem,
favorecendo inclusive uma reviravolta nos regimes políticos autoritários, em países como
Argentina e Brasil, por exemplo.3
Uma das marcas desse longo período de crescimento econômico foi o “transbordamento”
limitado do desenvolvimento social da população latino-americana, sobretudo, porque o
produto se distribuiu de forma altamente concentrada. A América Latina, à exceção de poucos
países, como Argentina e Uruguai, foi a região do globo que mostrou o perfil mais desigual de
distribuição de renda.4
Registraram-se iniquidades entre áreas urbanas e rurais, grupos de trabalhadores e de
empresários, grupos fenotípicos e de gênero, apenas para citar algumas clivagens que
caracterizaram a região. E, se a maior parte dos analistas questionou se o crescimento poderia
resultar em desenvolvimento, rejeitando a hipótese de Kuznets,5
depois da crise da década de
1980, houve até mesmo quem colocasse em dúvida a ideia de crescimento econômico na
América Latina.
O objetivo desta introdução à primeira parte do presente livro é verificar as razões da crise dos
1980, sob a luz do esgotamento do modelo substitutivo de importações, bem como as suas
decorrências, de uma perspectiva sociopolítica. Conforme a apresentação anterior, o
entrelaçamento dessas abordagens e a interdisciplinaridade constituem a base para
compreender os eventos ocorridos daí em diante, em conformidade com a metodologia
adotada para este estudo, tratada na introdução deste livro.
Ambas instituíram um extenso rol de direitos e garantias sociais, cuja implantação – em princípio – deveria
ser acompanhada por diversos atores da sociedade, como os atores trabalhistas/sindicais. Ver Almeida, 2005.
2 Bielschowsky, 2000; Cacciamali, 1988; Cano, 2000; Furtado, 2007; Lewis, 1993; Neffa, 1998; Prebisch, 1963;
Tavares, 2000.
3 Fausto e Devoto, 2006; O’Donnell, Schmitter e Whitehead, 1986; Bandeira, 2010.
4 Furtado, 2007; Prebisch, 1963.
5 Kuznets, 1955.
1. A CRISE
O modelo de industrialização dirigida pelo Estado, elemento dinamizador da economia da
região desde o início do século XX, alcançou os seus limites ao final dos anos 1970. A crise do
modelo decorreu de fatores internos aos países e, também, de elementos ligados aos países
do capitalismo central.
Derivou não só da perda de dinamismo da produção industrial, mas também da acelerada
circulação financeira. A busca pela revalorização do dólar norte-americano, almejada por parte
deste governo, culminou em uma elevação abrupta das taxas de juros internacionais, assim
como elevou a dívida externa dos países latino-americanos.6
Em paralelo, a queda de produtividade e rentabilidade dos empreendimentos nos países
centrais, e a mudança na matriz energética, implicaram retração da atividade empresarial
naqueles países, com repercussões nos países periféricos. E o aumento do déficit público,
sobretudo na Europa, mais o elevado endividamento externo dos países periféricos,
impuseram restrições severas aos Estados para intervirem no sistema produtivo e/ou
manterem a mesma abrangência, e o mesmo nível, de políticas sociais universais.7
A crise dos 1980 sustou um padrão de acumulação na região latino-americana, nutrido pelo
Estado. Aos problemas históricos dos limites do crescimento e do baixo desenvolvimento
social se somaram outros, derivados da própria ausência de crescimento. Como sinalizadores
dessa situação, a desigualdade e a pobreza aumentaram na década de 1980, seja devido à
crise do mercado laboral e a elevação das taxas de desemprego, seja em razão da crise
financeira do Estado, que estreitou as políticas públicas de educação, saúde, assistência,
previdência, habitação e transporte em toda a região.8
O início do processo de reformas econômicas e institucionais, voltadas a um sistema
econômico de maior competitividade e com maior protagonismo do setor privado, acarretou
um retrocesso social ainda maior. Enfim, a crise afetou negativamente todas as dimensões
sociais, e ceifou ao longo da década os programas e as ações que poderiam vir a dirimir o
efeito negativo dessas mudanças.
Nos anos 1980, o mercado laboral da região caracterizou-se por fenômenos sem paralelo
desde os anos 1930, como a queda continuada da produtividade do trabalho, os níveis
elevados de desocupação, a informalidade ocupacional crescente, sob a forma de
assalariamento à margem da legislação trabalhista e previdenciária, o aumento do numero de
atividades por conta própria de baixa produtividade, o rendimento do trabalho em declive
acentuado, até por conta da elevada e acelerada taxa de inflação, que começou a fugir do
controle no período.9
6 Arrighi, 1997; Cano, 2000.
7 Cacciamali, 1988.
8 Bronstein, 1998; González e Salazar, 2000.
9 Caccciamali, 1988; Cardoso e Helwege, 1993; Thorp e Whitehead, 1986.
Por outro lado, as políticas públicas, que poderiam amenizar os efeitos mais deletérios da crise
laboral, assegurando bens, serviços e renda às populações latino-americanas, se mostraram
impossibilitadas de atender à demanda ampliada, principalmente por causa do esgotamento
financeiro dos Estados da região, visível em termos tributários, fiscais, monetários e cambiais.
Enfim, a década de 1980 marcou o encerramento de um ciclo de crescimento de longa
duração, inaugurado cerca de 50 anos antes, em países como o México, a Argentina e o Brasil,
entre outros da região. Esse encerramento deixou claras as contradições intrínsecas aos
marcos econômicos, sociais e políticos então vigentes, bem como as dificuldades que seriam a
partir de então colocadas à população de tais países – que se somaram às dificuldades
historicamente já enfrentadas.
2. AS RAZÕES DA CRISE
O marco teórico-metodológico adotado nos leva a remeter a análise dos anos 1980 na América
Latina às razões da crise econômica enfrentada em âmbito mundial desde o final dos anos
1960. A partir desse eixo, consideramos que houve um deslocamento de uma expansão do
capital de natureza material, própria das décadas de 1950 e 1960, em direção a uma expansão
financeira, que se inicia no final dos anos 1970, quando o capital passa a assumir mais
intensamente sua dimensão de valorização financeira, aliada a formas especulativas de
crédito.10
Por trás da expansão financeira desse período, esteve o fenômeno da concorrência
intercapitalista. Durante o período de expansão material, os diferentes grupos de capitais
disputaram o acesso a insumos, incluindo a força de trabalho, bem como o acesso a mercados
de bens finais, com o intuito de se valorizarem. E, com a intensificação dessa disputa, os
grupos presenciaram retornos decrescentes para seus capitais, o que, por sua vez, os levou a
diversificar suas atividades de produção e distribuição, invadindo os espaços de outros grupos
implicando retornos ainda mais decrescentes para todo o conjunto. Em linguagem marxista,
tratou-se de uma crise de superprodução.
Em meio a esse ambiente de queda da lucratividade, que passou a afligir o conjunto da
economia mundial depois de 1970, os grupos capitalistas tenderam a isolar, ou a esterilizar,
montantes crescentes de capitais dos circuitos da produção e da distribuição, optando por
inseri-los em circuitos financeiros de aplicação ou especulação, onde a lucratividade esperada
era superior.
No momento em que o fenômeno da concorrência intercapitalista já se mostrava
extremamente acirrado, diversos governos da região latino-americana, como Brasil e México,
por exemplo, ingressaram no mercado internacional de crédito, com o objetivo de investir em
bens intermediários e em infraestrutura, para aprofundar o modelo de crescimento, naquele
10 Arrighi, 1996 e 1997; Wallerstein, 2000.
momento não apenas substitutivo de importações, mas também destinado à exportação de
manufaturas.
Essa opção dos países latino-americanos tendeu a rebaixar ainda mais a lucratividade dos
capitais, frustrando a tentativa de inserir as economias da região em mercados mais dinâmicos
do mercado mundial. A disputa por insumos, inclusive petróleo, e a estratégia dos países
asiáticos, liderada pelo Japão, e favorecida pela política comercial estadunidense11
, acentuou a
recessão econômica da região do início dos 1980.
Acrescente-se que, no conjunto da economia mundial, a desregulamentação dos mercados
financeiros do período, capitaneada pelo governo dos Estados Unidos, alterou as regras
monetárias e cambiais, o que aumentou a incerteza, e reforçou a tendência dos capitais se
dirigirem para a acumulação de natureza financeira, no qual contavam não apenas com uma
forma mais líquida de valorização, como também com o aumento das alternativas, devido à
diversificação crescente dos produtos financeiros.
A hegemonia internacional dos Estados Unidos, construída ao longo das primeiras cinco
décadas do século XX nas dimensões militar, política, econômica e social, foi questionada nos
anos 1970. A ascendência da Alemanha e do Japão e a derrota dos Estados Unidos na guerra
do Vietnã, por um lado, a crise do dólar e a rebeldia da contracultura, por outro, suscitaram os
indícios para esse questionamento. E ensejou iniciativas por parte do governo estadunidense
para a recuperação dessa hegemonia – entre elas, destacaram-se a política de revalorização do
dólar ao final da década de 1970.12
O dólar, referência monetária da economia mundial entre Bretton Woods (1944) e a
administração Nixon (1973), depreciara-se desde o abandono de sua vinculação ao ouro, por
conta de desequilíbrios externos e internos, sobretudo depois dos dois choques do petróleo.13
Mas, em 1979, diante das consequências dessa depreciação para a própria hegemonia norte-
americana, as autoridades monetárias decidiram revertê-la, mediante uma elevação abrupta e
acentuada das taxas de juros – o que, por sua vez, refletiu-se nas taxas de juros do mercado
internacional.
Essa elevação dos juros atingiu imediata e diretamente a economia da maioria dos países
periféricos, em especial da América Latina, cujos empréstimos foram contratados a taxas de
juros flutuantes14
. Os governos dos países mais industrializados da região, como México e
11 Oliveira, 1993.
12 Wallerstein, 2000.
13 Kilsztajn, 1989.
14 A consequência direta do aumento dos preços em 1973, provocado pela Organização dos Países
Exportadores de Petróleo (OPEP), foi o aumento da liquidez internacional, o que provocou taxas de juros
negativas e incentivou o endividamento dos países em desenvolvimento, em particular daqueles da América
Latina e Ásia. O crédito necessário aos governos, a partir desses anos, revestiu-se de uma prática pouco
frequente até então. Ao invés de serem intermediados “governo a governo”, eram tomados diretamente dos
bancos privados. Modalidade que obstaculizou a negociação do endividamento externo quando, nos 1980, os
juros elevaram-se no mercado internacional, em decorrência da política de revalorização do dólar
estadunidense.
Brasil, tinham contraído créditos para investimentos; enquanto que outros como a Argentina e
a Venezuela, tinham obtido créditos para o aumento do consumo, via importações.15
Trecho retirado do livro Desenvolvimento na América Latina: da crise
do endividamento externo ao crescimento com distribuição de renda.
Página 14-18. Disponível em: <
http://www.saraiva.com.br/desenvolvimento-na-america-latina-
8382042.html>. Preço de compra: R$ 6,99.
15 Apenas a título de comparação, nesse período, alguns países do sudeste asiático, como Japão, Coréia do
Sul, Cingapura e Taiwan, experimentaram situações bastante diferentes das vividas pelos países latino-
americanos. Isso porque, no sudeste asiático, nesse momento, procurou-se acelerar e aprofundar o modelo
secundário-exportador, utilizando-se largamente de créditos norte-americanos, contratados em condições
mais favoráveis que as encontradas na América Latina, e de ingresso preferencial de importações no mercado
estadunidense. Sobre isso, verificar Arrighi, 1997 e Cacciamali, 2009.

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Desenvolvimento na américa latina da crise do endividamento externo ao crescimento com distribuição de renda

  • 1.
  • 2. DESENVOLVIMENTO NA AMÉRICA LATINA DA CRISE DO ENDIVIDAMENTO EXTERNO AO CRESCIMENTO COM DISTRIBUIÇÃO DE RENDA PARTE II ANOS 1980: CRISE E INFLEXÃO CAPÍTULO 1 ESGOTAMENTO DO PADRÃO DE ACUMULAÇÃO INTRODUÇÃO A despeito de suas diferenças históricas, depois da década de 1930, os países da América Latina apresentaram padrão similar de mudanças demográficas, econômicas, sociais e políticas. Tais mudanças foram impulsionadas por expressivos índices de crescimento da produção, que estiveram entre os maiores de todo o mundo ao longo do século XX. Esse crescimento esteve associado ao processo de industrialização, voltado ao mercado interno e dirigido pelo Estado, especialmente no caso do México, da Argentina e do Brasil. A população tornou-se mais numerosa, as condições de vida melhoraram, bem como as expectativas de sobrevida deram um salto. Isto não apenas por causa do crescimento econômico, mas pelo aumento da urbanização e pelas políticas públicas, que envolveram os Estados nacionais com o cotidiano de suas populações, sobretudo no meio urbano. Desde a década de 1930, em certos momentos e em alguns países, a força de trabalho urbana alcançou maior participação no desenho das políticas sociais, especialmente de saúde e de seguridade social, abrindo a região para uma relativa democratização.1 1 Exemplos dessa relativa democratização das políticas sociais podem ser examinados em alguns textos constitucionais do período, como a Constituição Mexicana de 1917 e a Constituição Brasileira de 1934.
  • 3. A dinâmica econômica ao longo desse período teve em seu núcleo o processo de industrialização, dirigido pelo Estado e, como toda industrialização tardia, baseado na substituição de importações. Esse processo representou uma novidade na América Latina, cuja economia esteve historicamente orientada para fora, para os mercados de exportação de bens primários. A crise de 1929, ao desorganizar a exportação, colocou em xeque tal foco exógeno, obrigando os países da região a reorientar sua economia para dentro, para os mercados internos de consumo de bens secundários.2 Esse novo foco endógeno, na produção de manufaturados para o consumo das famílias latino- americanas, assegurou índices de crescimento muito expressivos, durante cerca de 40 anos. Mas a crise dos 1970, e o seu aprofundamento com a crise da dívida externa dos 1980, fez com que os índices de crescimento econômico minguassem e as condições sociais se degradassem, favorecendo inclusive uma reviravolta nos regimes políticos autoritários, em países como Argentina e Brasil, por exemplo.3 Uma das marcas desse longo período de crescimento econômico foi o “transbordamento” limitado do desenvolvimento social da população latino-americana, sobretudo, porque o produto se distribuiu de forma altamente concentrada. A América Latina, à exceção de poucos países, como Argentina e Uruguai, foi a região do globo que mostrou o perfil mais desigual de distribuição de renda.4 Registraram-se iniquidades entre áreas urbanas e rurais, grupos de trabalhadores e de empresários, grupos fenotípicos e de gênero, apenas para citar algumas clivagens que caracterizaram a região. E, se a maior parte dos analistas questionou se o crescimento poderia resultar em desenvolvimento, rejeitando a hipótese de Kuznets,5 depois da crise da década de 1980, houve até mesmo quem colocasse em dúvida a ideia de crescimento econômico na América Latina. O objetivo desta introdução à primeira parte do presente livro é verificar as razões da crise dos 1980, sob a luz do esgotamento do modelo substitutivo de importações, bem como as suas decorrências, de uma perspectiva sociopolítica. Conforme a apresentação anterior, o entrelaçamento dessas abordagens e a interdisciplinaridade constituem a base para compreender os eventos ocorridos daí em diante, em conformidade com a metodologia adotada para este estudo, tratada na introdução deste livro. Ambas instituíram um extenso rol de direitos e garantias sociais, cuja implantação – em princípio – deveria ser acompanhada por diversos atores da sociedade, como os atores trabalhistas/sindicais. Ver Almeida, 2005. 2 Bielschowsky, 2000; Cacciamali, 1988; Cano, 2000; Furtado, 2007; Lewis, 1993; Neffa, 1998; Prebisch, 1963; Tavares, 2000. 3 Fausto e Devoto, 2006; O’Donnell, Schmitter e Whitehead, 1986; Bandeira, 2010. 4 Furtado, 2007; Prebisch, 1963. 5 Kuznets, 1955.
  • 4. 1. A CRISE O modelo de industrialização dirigida pelo Estado, elemento dinamizador da economia da região desde o início do século XX, alcançou os seus limites ao final dos anos 1970. A crise do modelo decorreu de fatores internos aos países e, também, de elementos ligados aos países do capitalismo central. Derivou não só da perda de dinamismo da produção industrial, mas também da acelerada circulação financeira. A busca pela revalorização do dólar norte-americano, almejada por parte deste governo, culminou em uma elevação abrupta das taxas de juros internacionais, assim como elevou a dívida externa dos países latino-americanos.6 Em paralelo, a queda de produtividade e rentabilidade dos empreendimentos nos países centrais, e a mudança na matriz energética, implicaram retração da atividade empresarial naqueles países, com repercussões nos países periféricos. E o aumento do déficit público, sobretudo na Europa, mais o elevado endividamento externo dos países periféricos, impuseram restrições severas aos Estados para intervirem no sistema produtivo e/ou manterem a mesma abrangência, e o mesmo nível, de políticas sociais universais.7 A crise dos 1980 sustou um padrão de acumulação na região latino-americana, nutrido pelo Estado. Aos problemas históricos dos limites do crescimento e do baixo desenvolvimento social se somaram outros, derivados da própria ausência de crescimento. Como sinalizadores dessa situação, a desigualdade e a pobreza aumentaram na década de 1980, seja devido à crise do mercado laboral e a elevação das taxas de desemprego, seja em razão da crise financeira do Estado, que estreitou as políticas públicas de educação, saúde, assistência, previdência, habitação e transporte em toda a região.8 O início do processo de reformas econômicas e institucionais, voltadas a um sistema econômico de maior competitividade e com maior protagonismo do setor privado, acarretou um retrocesso social ainda maior. Enfim, a crise afetou negativamente todas as dimensões sociais, e ceifou ao longo da década os programas e as ações que poderiam vir a dirimir o efeito negativo dessas mudanças. Nos anos 1980, o mercado laboral da região caracterizou-se por fenômenos sem paralelo desde os anos 1930, como a queda continuada da produtividade do trabalho, os níveis elevados de desocupação, a informalidade ocupacional crescente, sob a forma de assalariamento à margem da legislação trabalhista e previdenciária, o aumento do numero de atividades por conta própria de baixa produtividade, o rendimento do trabalho em declive acentuado, até por conta da elevada e acelerada taxa de inflação, que começou a fugir do controle no período.9 6 Arrighi, 1997; Cano, 2000. 7 Cacciamali, 1988. 8 Bronstein, 1998; González e Salazar, 2000. 9 Caccciamali, 1988; Cardoso e Helwege, 1993; Thorp e Whitehead, 1986.
  • 5. Por outro lado, as políticas públicas, que poderiam amenizar os efeitos mais deletérios da crise laboral, assegurando bens, serviços e renda às populações latino-americanas, se mostraram impossibilitadas de atender à demanda ampliada, principalmente por causa do esgotamento financeiro dos Estados da região, visível em termos tributários, fiscais, monetários e cambiais. Enfim, a década de 1980 marcou o encerramento de um ciclo de crescimento de longa duração, inaugurado cerca de 50 anos antes, em países como o México, a Argentina e o Brasil, entre outros da região. Esse encerramento deixou claras as contradições intrínsecas aos marcos econômicos, sociais e políticos então vigentes, bem como as dificuldades que seriam a partir de então colocadas à população de tais países – que se somaram às dificuldades historicamente já enfrentadas. 2. AS RAZÕES DA CRISE O marco teórico-metodológico adotado nos leva a remeter a análise dos anos 1980 na América Latina às razões da crise econômica enfrentada em âmbito mundial desde o final dos anos 1960. A partir desse eixo, consideramos que houve um deslocamento de uma expansão do capital de natureza material, própria das décadas de 1950 e 1960, em direção a uma expansão financeira, que se inicia no final dos anos 1970, quando o capital passa a assumir mais intensamente sua dimensão de valorização financeira, aliada a formas especulativas de crédito.10 Por trás da expansão financeira desse período, esteve o fenômeno da concorrência intercapitalista. Durante o período de expansão material, os diferentes grupos de capitais disputaram o acesso a insumos, incluindo a força de trabalho, bem como o acesso a mercados de bens finais, com o intuito de se valorizarem. E, com a intensificação dessa disputa, os grupos presenciaram retornos decrescentes para seus capitais, o que, por sua vez, os levou a diversificar suas atividades de produção e distribuição, invadindo os espaços de outros grupos implicando retornos ainda mais decrescentes para todo o conjunto. Em linguagem marxista, tratou-se de uma crise de superprodução. Em meio a esse ambiente de queda da lucratividade, que passou a afligir o conjunto da economia mundial depois de 1970, os grupos capitalistas tenderam a isolar, ou a esterilizar, montantes crescentes de capitais dos circuitos da produção e da distribuição, optando por inseri-los em circuitos financeiros de aplicação ou especulação, onde a lucratividade esperada era superior. No momento em que o fenômeno da concorrência intercapitalista já se mostrava extremamente acirrado, diversos governos da região latino-americana, como Brasil e México, por exemplo, ingressaram no mercado internacional de crédito, com o objetivo de investir em bens intermediários e em infraestrutura, para aprofundar o modelo de crescimento, naquele 10 Arrighi, 1996 e 1997; Wallerstein, 2000.
  • 6. momento não apenas substitutivo de importações, mas também destinado à exportação de manufaturas. Essa opção dos países latino-americanos tendeu a rebaixar ainda mais a lucratividade dos capitais, frustrando a tentativa de inserir as economias da região em mercados mais dinâmicos do mercado mundial. A disputa por insumos, inclusive petróleo, e a estratégia dos países asiáticos, liderada pelo Japão, e favorecida pela política comercial estadunidense11 , acentuou a recessão econômica da região do início dos 1980. Acrescente-se que, no conjunto da economia mundial, a desregulamentação dos mercados financeiros do período, capitaneada pelo governo dos Estados Unidos, alterou as regras monetárias e cambiais, o que aumentou a incerteza, e reforçou a tendência dos capitais se dirigirem para a acumulação de natureza financeira, no qual contavam não apenas com uma forma mais líquida de valorização, como também com o aumento das alternativas, devido à diversificação crescente dos produtos financeiros. A hegemonia internacional dos Estados Unidos, construída ao longo das primeiras cinco décadas do século XX nas dimensões militar, política, econômica e social, foi questionada nos anos 1970. A ascendência da Alemanha e do Japão e a derrota dos Estados Unidos na guerra do Vietnã, por um lado, a crise do dólar e a rebeldia da contracultura, por outro, suscitaram os indícios para esse questionamento. E ensejou iniciativas por parte do governo estadunidense para a recuperação dessa hegemonia – entre elas, destacaram-se a política de revalorização do dólar ao final da década de 1970.12 O dólar, referência monetária da economia mundial entre Bretton Woods (1944) e a administração Nixon (1973), depreciara-se desde o abandono de sua vinculação ao ouro, por conta de desequilíbrios externos e internos, sobretudo depois dos dois choques do petróleo.13 Mas, em 1979, diante das consequências dessa depreciação para a própria hegemonia norte- americana, as autoridades monetárias decidiram revertê-la, mediante uma elevação abrupta e acentuada das taxas de juros – o que, por sua vez, refletiu-se nas taxas de juros do mercado internacional. Essa elevação dos juros atingiu imediata e diretamente a economia da maioria dos países periféricos, em especial da América Latina, cujos empréstimos foram contratados a taxas de juros flutuantes14 . Os governos dos países mais industrializados da região, como México e 11 Oliveira, 1993. 12 Wallerstein, 2000. 13 Kilsztajn, 1989. 14 A consequência direta do aumento dos preços em 1973, provocado pela Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP), foi o aumento da liquidez internacional, o que provocou taxas de juros negativas e incentivou o endividamento dos países em desenvolvimento, em particular daqueles da América Latina e Ásia. O crédito necessário aos governos, a partir desses anos, revestiu-se de uma prática pouco frequente até então. Ao invés de serem intermediados “governo a governo”, eram tomados diretamente dos bancos privados. Modalidade que obstaculizou a negociação do endividamento externo quando, nos 1980, os juros elevaram-se no mercado internacional, em decorrência da política de revalorização do dólar estadunidense.
  • 7. Brasil, tinham contraído créditos para investimentos; enquanto que outros como a Argentina e a Venezuela, tinham obtido créditos para o aumento do consumo, via importações.15 Trecho retirado do livro Desenvolvimento na América Latina: da crise do endividamento externo ao crescimento com distribuição de renda. Página 14-18. Disponível em: < http://www.saraiva.com.br/desenvolvimento-na-america-latina- 8382042.html>. Preço de compra: R$ 6,99. 15 Apenas a título de comparação, nesse período, alguns países do sudeste asiático, como Japão, Coréia do Sul, Cingapura e Taiwan, experimentaram situações bastante diferentes das vividas pelos países latino- americanos. Isso porque, no sudeste asiático, nesse momento, procurou-se acelerar e aprofundar o modelo secundário-exportador, utilizando-se largamente de créditos norte-americanos, contratados em condições mais favoráveis que as encontradas na América Latina, e de ingresso preferencial de importações no mercado estadunidense. Sobre isso, verificar Arrighi, 1997 e Cacciamali, 2009.