A narrativa cinematográfica - André Gaudreault e François Jost
9 de Aug de 2012•0 gostou•9,558 visualizações
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Slide desenvolvido para o grupo de pesquisa Narrativas Midiáticas Audiovisuais Reconfiguradas. Orientação da professora Fabiana Quatrin Piccinin. Universidade de Santa Cruz do Sul - Unisc.
2. Descrição do primeiro flash-back do filme Cidadão Kane, de
Orson Welles, 1941.
a) Como acontece a passagem da frase manuscrita a essas
imagens que parecem mostrar diretamente os acontecimentos?
b) Essa visualização/audiovisualização de uma parte das memórias
é uma narrativa da mesma forma que as frases que a constituem?
c) Se sim, quem narra? Quem narra de forma escrita ou alguma
instância abstrata, responsável pela ordenação das imagens?
d) As imagens e sons são apenas uma ilustração objetiva das
próprias memórias ou são representações subjetivas do que o
jornalista imagina ao ler as memórias? Quem vê essas imagens?
3. Narrativa oral e narrativa escrita
Narrativa oral – supõe apenas um narrador explícito e uma
única atividade de comunicação narrativa, efetuada face a
face. É imediata, na hora, sem intermediários.
Narrativa escrita – não é entregue no mesmo momento em
que é emitida. O leitor toma conhecimento da narrativa por
um intermediário – livro, jornal -, que resulta de um ato de
escrita anterior: uma mídia.
A narração oral se faz in praesentia enquanto a narração
escritural, in absentia.
4. Narratologia e cinema
Narratologia modal/da expressão – ocupa-se das
formas de expressão por meio das quais alguém conta
algo: formas de manifestação do narrador, materiais de
expressão postos em jogo por meio de uma mídia
narrativa (imagens, palavras, sons), níveis de narração,
temporalidade, pontos de vista.
Narratologia temática/de conteúdo – ocupa-se da
história contada, das ações, dos papéis e das relações
dos personagens.
5. Um precursor: Albert Laffay
Laffay define a narrativa por oposição ao mundo:
A narrativa cinematográfica é ordenada. O mundo
não tem começo nem fim.
A narrativa possui uma trama lógica.
É ordenada por um mostrador de imagens, um
grande imagista.
O cinema conta na medida em que representa. O
mundo apenas é.
6. Cinco critérios para reconhecer uma narrativa
Christian Metz
Uma narrativa tem um começo e um fim.
É uma sequência de duas temporalidades. O tempo da coisa
narrada e o tempo da narração, propriamente dita.
Toda narrativa é um discurso. Ela também seria um objeto
proferido por uma instância narrativa – o grande imagista,
conforme Laffay.
A consciência da narrativa desrealiza a coisa contada. Ao
lidarmos com uma narrativa, sabemos que ela não é realidade.
Uma narrativa é um conjunto de acontecimentos. Metz não
afirma que o plano seja um enunciado, mas que o plano é mais
semelhante a um enunciado do que a uma palavra.
7. O que é uma narrativa cinematográfica?
Para a imagem cinematográfica, é muito difícil
significar um único enunciado por vez. Todo plano
contém uma pluralidade de enunciados narrativos
que se superpõem e podem se recobrir quando o
contexto nos é favorável. Um homem que leva a
mão ao peito pode ter levado um tiro e morrido,
mas pode estar fingindo-se de morto. Se ele
acorda, pode ter ressuscitado ou parado de fingir.
A imagem mostra, mas não diz (Jost).
8. O nascimento da narrativa cinematográfica
No começo, o argumento narrativo era muito
simples. Os filmes eram unipontuais. A unidade
de tomadas em um único plano era suficiente
para servir à causa dos cineastas antes de
1902. Um só plano. Uma tripla unidade de
lugar/tempo/ação.
9. Mostração - mimèsis
Peça de teatro - seria um produto de mostração ou de
uma narração? Seria um estado intermediário entre
narração e mostração?
No teatro - a apresentação do ator é feita em
simultaneidade com a recepção do espectador.
No cinema - o filme apresenta ao telespectador uma ação
terminada.
A câmera (pelos ângulos e movimentos) pode interferir na
percepção que o espectador tem da performance dos
atores.
10. Cinema sonoro – dupla narrativa
A imagem e o som veiculam duas narrativas
fortemente imbricadas.
Imagens, ruídos, diálogos, menções escritas e
música tocam como as partes de uma
orquestra.
Ruídos podem ser portadores de uma
narrativa?
11. O que é uma narrativa de ficção?
A questão traz consigo duas outras: onde começa a
narrativa?, onde começa a ficção?
Todo filme participa, ao mesmo tempo, dos dois
regimes – documentário/ficção. É o trabalho de leitura
do espectador que permite a um regime tomar
precedência sobre o outro.
Filmes como O Almoço do Bebê favorecem a atitude
documentarizante. Vestígio do passado. Não há
organização do material.
Filmes como O regador regado favorecem a atitude
fictivizante. Há organização do material.
12. Realidade afílmica e diegese
Realidade afílmica – a que existe no mundo
habitual, independentemente da relação com a arte
fílmica.
Diegese – definido por Souriau como “tudo aquilo
que confere inteligibilidade à história* contada, ao
mundo proposto ou suposto pela ficção”.
* sequência cronológica dos acontecimentos narrados
13. Os filmes Lumière “em tempo real” não obedecem ao
critério mínimo da narrativa – a organização dos
acontecimentos. Podem ser considerados como o grau zero
da documentalidade.
O assunto do jornal televisivo é estruturado de modo que o
comentário no início da matéria faça uma exposição cuja
função é definir os postulados que darão forma ao real e à
sua interpretação.
14. Da enunciação à narração
Enunciação – no sentido mais amplo, designa as
relações que se estabelecem entre o enunciado e
os diferentes elementos que constituem o quadro
enunciativo (protagonistas e situação).
No sentido estrito – vestígios linguísticos da
presença do comentador no seio de seu enunciado.
15. Da enunciação à narração
Dêiticos – marcas do idioma que remetem ao
comentador, a quem profere o discurso (aqui,
agora, eu).
“Estou só aqui, agora, bem abrigado”.
Quem diz “eu”? No discurso oral, vê-se o
falante, o local, a situação. Na escrita, isso não
é dado ao leitor diretamente.
16. Enunciação cinematográfica
O momento no qual o espectador, escapando
ao efeito-ficção, teria a convicção de estar na
presença da linguagem cinematográfica como
tal: “eu sou do cinema”.
“A percepção da enunciação cinematográfica
varia segundo o espectador e sua “bagagem”.
17. Narrador explícito e o grande imagista
As diferenças entre o que um personagem deveria ter
visto e aquilo que vemos, bem como as diferenças entre
o que o personagem relata e o que vemos, também
podem ser encontradas em reportagens e
documentários.
O grande imagista fílmico é extradiegético e invisível.
Manipula o conjunto da trama audiovisual.
Na ficção, o grande imagista é um narrador implícito.
No documentário ou reportagem é o documentarista
ou jornalista.
18. Das instâncias narrativas ao filme
Subnarração – O grande imagista é considerado o único
“verdadeiro” narrador do filme. Todos os outros
narradores presentes em um filme se entregam à
subnarração.
Narradores segundos – no texto, o narrador narra o que
um outro narrador subnarrou (exemplo de Sherazade).
Na narrativa cinematográfica, como não há apenas uma
só matéria de expressão – a língua -, é relativamente
difícil ocultar o narrador primeiro - o grande imagista -,
com a interposição de um segundo narrador.
19. Narrativa oral, narrativa audiovisual
Concomitância entre a narrativa do grande
imagista e a do subnarrador verbal (subnarrativa
oral).
Cena - Leland narra oralmente o que se lembrava
da vida conjugal de Kane e esposa: subnarração.
Imagens do que Leland (narrador segundo) está
relatando: narrativa audiovisual cede lugar à
subnarrativa audiovisual.
20. Quem narra o filme?
Mostrador fílmico (filmagem)
Meganarrador
(grande imagista)
{ Narrador fílmico (montagem)
21. Narratologia fílmica em perspectiva
Para Odin, a realização e a leitura dos filmes são
práticas sociais programadas.
A história pressupõe a intervenção de um
narrador: “Uma história sempre é narrada, no
cinema e em toda parte”.
Para Metz, a enunciação fílmica aponta para o
próprio filme como objeto. O enunciador se torna o
filme, e não uma instância de fora dele.
22. Narratologia fílmica em perspectiva
Francesco Casetti identifica o enunciador
fílmico como o Eu, o Tu, e o Ele. Essas três
instâncias sempre estão presentes, mas
seus valores relativos e suas funções
podem variar.
23. Narração sem narrador
David Bordwell contesta a necessidade de a
teoria do cinema reconhecer a existência de
um narrador. Para ele, existem dois tipos de
textos: os que pressupõem um narrador e
aqueles aos quais é inútil tentar adequar esse
princípio.
24. Referências
GAUDREAULT, André; JOST, François. A narrativa
cinematográfica. Brasília: Editora Universidade de
Brasília, 2009.