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Luiz de Camões José Régio
Sá de Miranda Cesário Verde
Bernardim Ribeiro
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Florbela Espanca Almeida Garret
Fernando Pessoa Contemporâneos
4. Luis de Camões Nasceu em 1524/5, em Lisboa ou em Coimbra,
Lisboa 1524-1580 filho de Simão Vaz de Camões e D. Ana de Sá
e Macedo, familia nobre.
A sua formação académica decorreu em
Coimbra, onde o seu tio D. Bento de Camões
era Chanceler da Universidade
É apontado como sujeito folgado e briguento e
ganha a alcunha de Trinca-Fortes
Em 1542 apaixona-se por Dona Caterina de
Ataíde, dama da corte, imortalizada na sua
lírica sob o anagrama de Natércia
As suas desavenças e amores dão origem ao
seu desterro, em 1545 para Constancia do
Ribatejo até embarcar em 1547 para Ceuta
onde perde o olho direito
Volta a Lisboa e após uma rixa no Rossio, é
preso e desterrado em 1553 para a India.
Esteve em Macau, onde numa gruta, refúgio,
passa horas a escrever Os Lusíadas. Naufraga
em 1560 na foz do rio Mecong
Em 1567 segue para Moçambique e em 1570
regressa a Lisboa, saindo em 1572 a 1ª edição
de Os Lusíadas.
Em 10.6.1580 morre em Lisboa
5. Redondilha menor
Bárbara Menina dos olhos verdes
Endechas a üa cativa com quem andava de
amores na Índia. Eles verdes são,
E têm por usança
Na cor, esperança,
Aquela cativa, que me tem cativo, porque
E nas obras não
nela vivo, já não quer que viva. Vossa condição
Eu nunca vi rosa, em suaves molhos, que Não é d' olhos verdes,
para meus olhos, fosse mais fermosa. Porque me não vedes.
Nem no campo flores, nem no céu estrelas, Havia de ser,
me parecem belas, como os meus amores. Por que possa vê-los,
Que uns olhos tão belos
Rosto singular, olhos sossegados,
Não se hão-de esconder;
pretos e cansados, mas não de matar. Mas fazeis-me crer
Que já não são verdes,
Üa graça viva, que neles lhe mora, Porque me não vedes
para ser senhora, de quem é cativa...
Pretos os cabelos,Onde o povo vão Verdes não o são
Perde opinião,Que os louros são belos. No que alcanço deles;
Verdes são aqueles
Que esperança dão.
..Esta é a cativa, que me tem cativo. Se na condição
E pois nela vivo, é força que viva. Está serem verdes
Porque me não vedes?
6. Vilancete de 7 sílabas Redondilha de 5 silabas:
Descalça vai para a fonte Verdes são os campos
Lianor pela verdura; De cor de limão:
Vai fermosa, e não segura Assim são os olhos
Do meu coração.
Leva na cabeça o pote Campo,que te estendes
O testo nas mãos de prata Com verdura bela
Cinta de fina escarlata, Ovelhas,que nela
Sainho de chamelote; Vosso pasto tendes
Traz a vasquinha de cote, De ervas vos mantendes
Mais branca que a neve pura. Que traz o Verão
E eu das lembranças
Vai fermosa e não segura.
Do meu coração.
Descobre a touca a garganta, Gados que pasceis
Cabelos de ouro entrançado Com contentamento
Fita de cor de encarnado, Vosso mantimento
Tão linda que o mundo espanta Não no entendereis
Chove nela graça tanta Isso que comeis
Não são ervas, não
Que dá graça à fermosura.
São graças dos olhos
Vai fermosa e não segura. Do meu coração
7. Soneto Soneto
Amor é fogo que arde sem se ver Erros meus, má fortuna,amor ardente
é ferida que dói e não se sente em minha perdição se conjuraram
é um contentamento descontente os erros e a fortuna sobejaram
é dor que desatina sem doer que pera mim bastava o amor somente
É um não querer mais que bem querer Tudo passei; mas tenho tão presente
é andar solitário entre a gente A grande dor das cousas que passaram
é nunca contentar-se de contente Que as magoadas iras me ensinaram
é cuidar que se ganha em se perder A não querer já nunca ser contente
É querer estar preso por vontade Errei todo o discurso de meus anos;
é servir a quem vence, o vencedor Dei causa [a] que a Fortuna castigasse,
é ter com quem nos mata lealdade As minhas mal fundadas esperanças.
Mas como causar pode seu favor De amor não vi senão breves enganos.
nos corações humanos amizade Oh! quem tanto pudesse, que fartasse
se tão contrário a si é o mesmo amor Este meu duro Génio de vinganças!
8. Soneto Soneto
Alma minha gentil que te partiste. O dia em que nasci moura e pereça
Tão cedo desta vida, descontente Não o queira jamais o tempo dar
Repousa lá no Céu eternamente Não torne mais ao Mundo, e, se tornar
E viva eu cá na terra sempre triste. Eclipse nesse passo o Sol padeça.
Se lá no assento etéreo,onde subiste A luz lhe falte, O Sol se [lhe] escureça,
Memória desta vida se consente Mostre o Mundo sinais de se acabar,
Não te esqueças daquele amor ardente Nasçam-lhe monstros, sangue chova o ar,
Que já nos olhos meus tão puro viste A mãe ao próprio filho não conheça.
E se vires que pode merecer-te As pessoas pasmadas, de ignorantes
Algu~a cousa a dor que me ficou As lágrimas no rosto, a cor perdida
Da mágoa, sem remédio, de perder-te Cuidem que o mundo já se destruiu
.
Roga a Deus, que teus anos encurtou, Ó gente temerosa, não te espantes,
Que tão cedo de cá me leve a ver-te, Que este dia deitou ao Mundo a vida
Quão cedo de meus olhos te levou Mais desgraçada que jamais se viu!
9. Soneto Soneto
Ah, minha Dinamene, assi deixaste Mudam-se os tempos,mudam-se as vontades
quem não deixara nunca de querer-te! Muda-se o ser, muda-se a confiança
Ah, Ninfa minha, já não posso ver-te Todo o mundo é composto de mudança
tão asinha esta vida desprezaste! Tomando sempre novas qualidades.
Como já para sempre te apartaste Continuamente vemos novidades
de quem tão longe estava de perder-te? Diferentes em tudo da esperança
Puderam estas ondas defender-te Do mal ficam as mágoas na lembrança
que não visses quem tanto magoaste? E do bem,se algum houve, as saudades
Nem falar-te somente a dura morte O tempo cobre o chão de verde manto
me deixou, que tão cedo o negro manto Que já coberto foi de neve fria
em teus olhos deitado consentiste! E em mim converte em choro o doce canto
.
Ó mar, ó Céu, ó minha escura sorte! E, afora este mudar-se cada dia,
Que pena sentirei, que valha tanto, Outra mudança faz de mor espanto:
que ainda tenho por pouco o viver triste Que não se muda já como soía.
10. Soneto Soneto
Transforma-se o amador na cousa amada Busque Amor novas artes, novo engenho
por virtude do muito imaginar Pera matar-me, e novas esquivanças,
Não tenho logo mais que desejar Que não pode tirar-me as esperanças,
Pois em mim tenho a parte desejada Que mal me tirará o que eu não tenho.
Se nela está minha alma transformada Olhai de que esperanças me mantenho!
Que mais deseja o corpo de alcançar? Vede que perigosas seguranças!
Em si sómente pode descansar Que não temo contrastes nem mudanças,
Pois consigo tal alma está liada. Andando em bravo mar, perdido o lenho.
Mas esta linda e pura semideia, Mas, enquanto não pode haver desgosto
Que, como o acidente em seu sujeito, Onde esperança falta, lá me esconde
Assim co'a alma minha se conforma, Amor um mal, que mata e não se vê,
Está no pensamento como ideia; Que dias há que na alma me tem posto
[E] o vivo e puro amor de que sou feito, Um não sei quê, que nasce não sei onde,
Como matéria simples busca a forma. Vem não sei como e dói não sei porquê.
11. Soneto Soneto
Aquela triste e leda madrugada Sete anos de pastor Jacó servia /Labão,
Cheia toda de mágoa e de piedade pai de Raquel, semana bela
Enquanto houver no mundo saudade Mas não servia ao pai, servia a ela,
Quero que seja sempre celebrada Que a ela só por prêmio pretendia.
Ela só, quando amena e marchetada E os dias na esperança de um sò dia
Saía, dando ao mundo claridade Passava, contentando-se com vê-la;
Viu apartar-se dúa outra vontade Porém o pai, usando de cautela
Que nunca poderá ver-se apartada. Em lugar de Raquel lhe dava Lia.
Ela só viu as lágrimas em fio Vendo o triste pastor que com enganos,
Que de uns e de outros olhos derivadas Lhe fora assim negada a sua pastora,
Se acrescentaram em grande e largo rio. Como se a não tivera merecida;
Ela ouviu as palavras magoadas Começa de servir outros sete anos,
Que puderam tornar o fogo frio Dizendo:- mais servira, se não fora
E dar descanso às almas condenadas. Para do longo amor tão curta a vida.
12. Os Lusíadas Canto 1
Canto 1 Proposição
Proposição Cessem do sábio Grego e do Troiano
As armas e os Barões assinalados As navegações grandes que fizeram;
Que da Ocidental praia Lusitana Cale-se de Alexandro e de Trajano
Por mares nunca de antes navegados A fama das vitórias que tiveram;
Passaram ainda além da Taprobana, Que eu canto o peito ilustre Lusitano,
Em perigos e guerras esforçados A quem Neptuno e Marte obedeceram.
Mais do que prometia a força humana Cesse tudo o que a Musa antiga canta
E entre gente remota edificaram Que outro valor mais alto se alevanta
Novo Reino, que tanto sublimara
Invocação
-E também as memórias gloriosas E vós, Tágides minhas, pois criado
Daqueles Reis que foram dilatando Tendes em mim um novo engenho ardente,
A Fé, o Império, e as terras viciosas Se sempre em verso humilde celebrado
De África e de Ásia andaram devastando Foi de mim vosso rio alegremente,
E aqueles que por obras valerosas Dai-me agora um som alto e sublimado,
Se vão da lei da Morte libertando, Um estilo grandíloquo e corrente,
Cantando espalharei por toda parte, Porque de vossas águas, Febo ordene
Se a tanto me ajudar o engenho e arte Que não tenham inveja às de Hipoerene.
13. Os Lusíadas
Canto 1 Canto 1
Invocação Dedicatória
Vós, tenro e novo ramo florescente
Dai-me uma fúria grande e sonorosa,
De uma árvore de Cristo mais amada
E não de agreste avena ou frauta ruda,
Que nenhuma nascida no Ocidente,
Mas de tuba canora e belicosa,
Cesárea ou Cristianíssima chamada;
Que o peito acende e a cor ao gesto muda
(Vede-o no vosso escudo, que presente
Dai-me igual canto aos feitos da famosa
Vos amostra a vitória já passada,
Gente vossa, que a Marte tanto ajuda;
Na qual vos deu por armas, e deixou
Que se espalhe e se cante no universo,
As que Ele para si na Cruz tomou)
Se tão sublime preço cabe em verso
Dedicatória
Vós, poderoso Rei, cujo alto Império
E vós, ó bem nascida segurança
O Sol, logo em nascendo, vê primeiro;
Da Lusitana antígua liberdade,
Vê-o também no meio do Hemisfério,
E não menos certíssima esperança
E quando desce o deixa derradeiro;
De aumento da pequena Cristandade;
Vós, que esperamos jugo e vitupério
Vós, ó novo temor da Maura lança,
Do torpe Ismaelita cavaleiro,
Maravilha fatal da nossa idade,
Do Turco oriental, e do Gentio,
Dada ao mundo por Deus,que todo o mande
Que inda bebe o licor do santo rio;
Para do mundo a Deus dar parte grande;
14. .
Canto 1 Canto 1
Grandes Feitos dos Portugueses Grandes Feitos dos Portugueses
Ouvi, que não vereis com vãs façanhas, Pois se a troco de Carlos, Rei de França,
Fantásticas, fingidas, mentirosas, Ou de César, quereis igual memória,
Louvar os vossos, como nas estranhas Vede o primeiro Afonso, cuja lança
Musas, de engrandecer-se desejosas: Escura faz qualquer estranha glória;
As verdadeiras vossas são tamanhas E aquele que a seu Reino a segurança
Que excedem as sonhadas, fabulosas, Deixou com a grande e próspera vitória;
Que excedem Rodamonte e o vão Rugeiro Outro Joane, invicto cavaleiro,
E Orlando, inda que fora verdadeiro. O quarto e quinto Afonsos, e o terceiro..
Por estes vos darei um Nuno fero, Nem deixarão meus versos esquecidos
Que fez ao Rei o ao Reino tal serviço, Aqueles que nos Reinos lá da Aurora
Um Egas, e um D. Fuas, que de Homero Fizeram, só por armas tão subidos,
A cítara para eles só cobiço. Vossa bandeira sempre vencedora:
Pois pelos doze Pares dar-vos quero Um Pacheco fortíssimo, e os temidos
Os doze de Inglaterra, e o seu Magriço; Almeidas, por quem sempre o Tejo chora;
Dou-vos também aquele ilustre Gama, Albuquerque terríbil, Castro forte,
Que para si de Eneias toma a fama. E outros em quem poder não teve a morte .
..
15. Soneto Redondilha maior
Perdigão perdeu a pena
Eu cantarei de amor tão docemente, Não há mal que lhe não venha.
Por uns termos em si tão concertados,
Que dois mil acidentes namorados Perdigão que o pensamento
Faça sentir ao peito que não sente. Subiu a um alto lugar,
Perde a pena do voar,
Farei que amor a todos avivente, Ganha a pena do tormento.
Pintando mil segredos delicados, Não tem no ar nem no vento
Brandas iras, suspiros magoados, Asas com que se sustenha:
Temerosa ousadia e pena ausente. Não há mal que lhe não venha.
Também, Senhora, do desprezo honesto Quis voar a u~a alta torre,
De vossa vista branda e rigorosa, Mas achou-se desasado;
Contentar-me-ei dizendo a menor parte. E, vendo-se depenado,
De puro penado morre.
Porém, pera cantar de vosso gesto Se a queixumes se socorre,
A composição alta e milagrosa Lança no fogo mais lenha:
Aqui falta saber, engenho e arte. Não há mal que lhe não venha.
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16. Sá de Miranda (1481-
1558) Sá de Miranda
Com o grau de doutor em Direito na
Universidade de Lisboa.
Em Itália (1521-26) contactou
os poetas do Renascimento italiano
Introduz em Portugal o soneto e os
versos decassilabos
--------------------------------------------
Bernardim Ribeiro
Prosador (Menina e Moça)
-------------------------------------- e poeta renascentista,
Bernardim Ribeiro Foi precursor do bucolismo e
(1482-1552) introduz a sextina na nossa Lingua
..
17. Quando eu, senhora, em vós os olhos ponho, O sol é grande, caem co'a calma as aves,
e vejo o que não vi nunca, nem cri do tempo em tal sazão, que soe ser fria;
que houvesse cá, recolhe-se a alma a si esta água que d'alto cai acordar-me-ia
e vou tresvaliando, como em sonho. do sono não, mas de cuidados graves.
Isto passado, quando me desponho, Ó cousas, todas vãs, todas mudaves,
e me quero afirmar se foi assi, qual é tal coração qu'em vós confia?
pasmado e duvidoso do que vi, Passam os tempos, vai dia trás dia,
m'espanto às vezes, outras m'avergonho. incertos muito mais que ao vento as naves.
Que, tornando ante vós, senhora, tal, Eu vira já aqui sombras, vira flores,
Quando m'era mister tant' outr' ajuda, vi tantas águas, vi tanta verdura,
de que me valerei, se alma não val? as aves todas cantavam d'amores.
Esperando por ela que me acuda, Tudo é seco e mudo; e, de mestura,
e não me acode, e está cuidando em al, também mudando-m'eu fiz doutras cores:
afronta o coração, a língua é muda. e tudo o mais renova, isto é sem cura!
Sá de Miranda. Sá de Miranda
18. Comigo me desavim, Menina fermosa,
Vejo-me em grande perigo; que nos meus olhos andais,
Não posso viver comigo,
dizei porque mos quebrais.
Não posso fugir de mim.
Em vos vendo, vo-los dei:
Antes que este mal tivesse,
logo vos passastes i;
Da outra gente fugia.
nunca mais olhos abri,
Agora já fugiria
nunca mais olhos çarrei.
De mim se de mim pudesse.
Vós lhe sois regra, vós lei:
não fazem menos nem mais
Que cabo espero ou que fim,
daquilo que lhes mandais.
Deste cuidado que sigo,
Pois trago a mim comigo,
Em pago desta verdade,
Tamanho imigo de mim.
que estranhais porque não se usa,
------------------------------------------------
quebrais-mos… A alma confusa
não sabe quebrar vontade.
Antre tremor e desejo,
Menina, contra a idade,
Vã espernça e vã dor,
contra todos os sinais,
Antre amor e desamor,
cruel sois cada vez mais.
Meu triste coração vejo.
.
Tomais vingança da fé
Nestes extremos cativo
que sempre convosco tive,
Ando sem fazer mudança,
ou de quê? da alma que vive
E já vivi d'esperança
por vós, onde quer que esté?
E agora vivo de choro vivo.
Dizei, menina, porqu'é?
Contra mi mesmo pelejo,
Tam vossos olhos quebrais?
Vem d'ua dor outra dor
Não vo-los referto mais!
E d'um desejo maior
Nasce outro mor desejo.
Sá de Miranda
Sá de Miranda
19. .
Aquela fé tão clara e verdadeira, Dezarrezoado amor, dentro em meu peito
A vontade tão limpa e tão sem mágoa, tem guerra com a razão. Amor, que jaz
Tantas vezes provada em viva frágua i já de muitos dias, manda e faz
De fogo, i apurada, e sempre inteira; tudo o que quer, a torto e a direito.
.
Aquela confiança, de maneira Não espera razões, tudo é despeito,
Que encheu de fogo o peito, os olhos de água, tudo soberba e força, faz, desfaz,
Por que eu ledo passei por tanta mágoa, sem respeito nenhum, e quando em paz
Culpa primeira minha e derradeira, cuidais que sois, então tudo é desfeito.
.
De que me aproveitou? Não de al por certo Doutra parte a razão tempos espia,
Que dum só nome tão leve e tão vão, espia ocasiões de tarde em tarde,
Custoso ao rosto, tão custoso à vida. que ajunta o tempo: em fim vem o seu dia.
.
Dei de mim que falar ao longe e ao perto; Então não tem lugar certo onde aguarde
E já assi se consola a alma perdida, amor; trata treições, que não confia
Se não achar piedade, ache perdão. nem dos seus. Que farei quando tudo arde?
Sá de Miranda Sá de Miranda
20. Sextina
Ontem pôs-se o sol, e a noute
cobriu de sombra esta terra. (da Écloga de Jano e Franco)
Agora é já outro dia,
tudo torna, torna o sol; Dentro de meu pensamento
só foi a minha vontade,
para não tornar c’o tempo! há tanta contrariedade.
que sento contra o que sento
Tôdalas cousas, per tempo,
passam, como dia e noute; vontade e contra vontade.
ũa só, minha vontade, Estou em tanto desvairo.
não, que a dor comigo a aterra; que não me entendo comigo.
nela cuido em quanto há sol,
nela enquanto não há dia. Donde esperarei repairo?
que vejo grande o perigo
Mal quero per um só dia
a todo outro dia e tempo, e muito mor o contrairo.
que a mim pôs-se-me o sol Quem me trouxe a esta terra
onde eu só temia a noute; alheia, onde guardada
tenho a mim sôbre a terra,
debaxo minha vontade. me estava tamanha guerra.
e a esperança levada?
Dentro na minha vontade
não há momento do dia Comigo me estou espantando
que não seja tudo terra; como em tão pouco me dei;
ora ponho a culpa ao tempo, mas cuidando nisto estando.
ora a torno a pôr à noute:
no milhor pon-se-me o sol! os olhos com que outrem olhei
de mim se estavam vingando.”
Haver de ser tudo terra
quanto há debaixo do sol
me descansa, porque o tempo
me vingará da vontade; Bernardim Ribeiro
se não que antes dêste dia
há-de passar tanta noute! .
Bernardim Ribeiro
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21. POESIA TROVADORESCA .
Séc. XII-XIII Poesia trovadoresca,
ou galaico-portuguesa,
Subdividia-se em 3 categorias:
Cantigas de amigo, exclusivamente ibéricas
(uma mulher canta acerca do seu amigo, amor),
Cantigas de amor (um homem canta o seu amor)
Cantigas de escárnio e maldizer (o trovador diz
mal de alguém numa alusão irónica velada, mais
tarde há um insulto directo)
Os Jograis épicos com suas Canções de Gesta:
Em Portugal o ciclo épico sobre D.Afonso
Henriques traduzido em Crónicas dos séc XIV e
XV
--- em Castela houvera o Cantar de Mio Cid
c.1200
---em França, a Chanson de Roland no séc XI
22. Cantiga de Amigo Cantiga de amigo
Ondas do mar de Vigo,
"Ai flores, ai flores do verde pino, se vistes meu amigo!
se sabedes novas do meu amigo! E ai Deus, se verrá cedo!
ai Deus, e u é?
Ai flores, ai flores do verde ramo, Ondas do mar levado,
se sabedes novas do meu amado! se vistes meu amado!
ai Deus, e u é? E ai Deus, se verrá cedo!
Se sabedes novas do meu amigo, Se vistes meu amigo,
aquel que mentiu do que pôs comigo! o por que eu sospiro!
ai Deus, e u é? E ai Deus, se verrá cedo!
Se sabedes novas do meu amado,
aquel que mentiu do que mi há jurado! Se vistes meu amado,
ai Deus, e u é?“ por que hei gran cuidado!
E ai Deus, se verrá cedo!
autoria do rei D.Diniz
Martin Codax
Nota:
e u é? (e onde está?)
23. Cantiga de Amigo
Cantiga de amor
Madre velida, meu amigo vi,
non lhi falei e con el me perdí:
e moir'[o] agora, querendo-lhi ben; A dona que eu am'e tenho por Senhor
non lhi falei, ca o tiv'en desdén; amostrade-me-a Deus, se vos en prazer for,
moiro eu, madre, querendo-lhi ben. se non dade-me-a morte.
Se lh'eu fiz torto, lazerar-mi-o-ei A que tenh'eu por lume d'estes olhos meus
con gran dereito, ca lhi non falei: e porque choran sempr’ amostrade-me-a Deus
e moir'[o] agora, querendo-lhi ben; se non dade-me-a morte.
non lhi falei, ca o tiv'en desdén;
moiro eu, madre, querendo-lhi ben. Essa que Vós fezestes melhor parecer
de quantas sei, a Deus, fazede-me-a veer,
Madre velida, ide-lhi dizer se non dade-me-a morte.
que faça ben e me venha veer:
e moir'[o] agora, querendo-lhi ben; A Deus, que me-a fizestes mais amar,
non lhi falei, ca o tiv'en desdén; mostrade-me-a algo possa con ela falar,
moiro eu, madre, querendo-lhi ben. se non dade-me-a morte.
Airas Carpancho (jogral galego- séc. XIII) (de Bernal de Bonaval )
Nota:
velida (formosa) ; ca (porque); lazerar (lastimar)
24. Cantiga de amor
Cantiga de escárnio
Quer'eu em maneira de provençal
fazer agora un cantar d'amor, "Ai dona fea! Foste-vos queixar
e querrei muit'i loar mia senhor Que vos nunca louv'en meu trobar
a que prez nen fremusura non fal, Mais ora quero fazer un cantar
nen bondade; e mais vos direi en: En que vos loarei toda via;
tanto a fez Deus comprida de ben E vedes como vos quero loar:
que mais que todas las do mundo val. Dona fea, velha e sandia!
Ca mia senhor quiso Deus fazer tal, Ai dona fea! Se Deus mi pardon!
quando a faz, que a fez sabedor E pois havedes tan gran coraçon
de todo ben e de mui gran valor, Que vos eu loe en esta razon,
e con todo est'é mui comunal Vos quero já loar toda via;
ali u deve; er deu-lhi bon sen, E vedes qual será a loaçon:
e des i non lhi fez pouco de ben, Dona fea, velha e sandia!
quando non quis que lh'outra foss'igual.
Dona fea, nunca vos eu loei
Ca en mia senhor nunca Deus pôs mal, En meu trobar, pero muito trobei;
mais pôs i prez e beldad'e loor Mais ora já en bom cantar farei
e falar mui ben, e riir melhor En que vos loarei toda via;
que outra molher; des i é leal E direi-vos como vos loarei:
muit', e por esto non sei oj'eu quen Dona fea, velha e sandia!"
possa compridamente no seu ben
falar, ca non á, tra-lo seu ben, al. Pero Garcia Burgalês,
El-Rei D. Dinis,
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25. Florbela Espanca Florbela Espanca
1894-1930 Poetisa portuguesa.de nome
Flor Bela de Alma da Conceição Espanca,
nasceu em Vila Viçosa em 1894
Foi uma das primeiras mulheres em Portugal a
frequentar o curso secundário, onde lia obras
de Balzac, Dumas, Camilo Castelo Branco,
Guerra Junqueiro, Garrett.
Em 1919 saiu a sua primeira obra,
Livro de Mágoas, um livro de sonetos.
Em Janeiro de 1923 é publicada a sua segunda
coletânea de sonetos, Livro de Sóror Saudade
Em fins de1930 dá-se a publicação da sua
obra-prima Charneca em Flor.
Morre a 8 de Dezembro de 1930 em Matozinhos
por sobredose de barbitúricos
.
26. Ser Poeta Perdi os Meus Fantásticos Castelos
Ser poeta é ser mais alto, é ser maior Perdi meus fantásticos castelos
Do que os homens!Morder como quem beija! Como névoa distante que se esfuma...
É ser mendigo e dar como quem seja Quis vencer, quis lutar, quis defendê-los:
Rei do Reino de Áquem e de Além Dor! Quebrei as minhas lanças uma a uma!
É ter de mil desejos o esplendor Perdi minhas galeras entre os gelos
E não saber sequer que se deseja! Que se afundaram sobre um mar de bruma...
É ter cá dentro um astro que flameja, - Tantos escolhos! Quem podia vê-los? –
É ter garras e asas de condor! Deitei-me ao mar e não salvei nenhuma!
É ter fome, é ter sede de Infinito! Perdi a minha taça, o meu anel,
Por elmo, as manhãs de oiro e de cetim... A minha cota de aço, o meu corcel,
É condensar o mundo num só grito! Perdi meu elmo de ouro e pedrarias...
E é amar-te, assim, perdidamente... Sobem-me aos lábios súplicas estranhas...
É seres alma, e sangue, e vida em mim Sobre o meu coração pesam montanhas...
E dizê-lo cantando a toda a gente!. Olho assombrada as minhas mãos vazias...
.
27. Versos O Maior Bem
Versos! Versos! Sei lá o que são versos... Este querer-te bem sem me quereres,
Pedaços de sorriso, branca espuma, Este sofrer por ti constantemente,
Gargalhadas de luz, cantos dispersos, Andar atrás de ti sem tu me veres
Ou pétalas que caem uma a uma... Faria piedade a toda a gente.
Versos!... Sei lá! Um verso é o teu olhar, Mesmo a beijar-me a tua boca mente...
Um verso é o teu sorriso e os de Dante Quantos sangrentos beijos de mulheres
Eram o teu amor a soluçar Pousa na minha a tua boca ardente,
Aos pés da sua estremecida amante! E quanto engano nos seus vãos dizeres!...
Meus versos!... Sei eu lá também que são... Mas que me importa a mim que me não queiras
Sei lá! Sei lá!... Meu pobre coração
Partido em mil pedaços são talvez... Se esta pena, esta dor, estas canseiras,
Este mísero pungir, árduo e profundo,
Versos! Versos! Sei lá o que são versos...
Meus soluços de dor que andam dispersos Do teu frio desamor, dos teus desdéns,
Por este grande amor em que não crês... É, na vida, o mais alto dos meus bens?
É tudo quanto eu tenho neste mundo? -.”
28. Os versos que te fiz Se tu viesses ver-me...
Deixa dizer-te os lindos versos raros Se tu viesses ver-me hoje à tardinha,
Que a minha boca tem pra te dizer! A essa hora dos mágicos cansaços,
São talhados em mármore de Paros Quando a noite de manso se avizinha,
Cinzelados por mim pra te oferecer. E me prendesses toda nos teus braços...
Têm dolência de veludos caros, Quando me lembra: esse sabor que tinha
São como sedas pálidas a arder... A tua boca... o eco dos teus passos...
Deixa dizer-te os lindos versos raros O teu riso de fonte... os teus abraços...
Que foram feitos pra te endoidecer! Os teus beijos... a tua mão na minha...
Mas, meu Amor, eu não tos digo ainda... Se tu viesses quando, linda e louca,
Que a boca da mulher é sempre linda Traça as linhas dulcíssimas dum beijo
Se dentro guarda um verso que não diz! E é de seda vermelha e canta e ri
Amo-te tanto! E nunca te beijei... E é como um cravo ao sol a minha boca...
E nesse beijo, Amor, que eu te não dei Quando os olhos se me cerram de desejo...
Guardo os versos mais lindos que te fiz! E os meus braços se estendem para ti....
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29. Fernando Pessoa Fernando António Nogueira Pessoa
(Lisboa 1888-1935 Nasceu em 1888 em Lisboa. Aos 6 anos foi
para a África do Sul, em virtude do 2º casamento de
sua mãe com o cônsul em Durban.
Aí foi educado, aprendeu o inglês, língua em que
escreveu poesia e prosa desde a adolescência.
Regressou a Lisboa aos 17 anos.
Ao longo da vida trabalhou em firmas comerciais de
Lisboa como correspondente de língua inglesa e
francesa.
Foi também empresário, editor, crítico literário,
jornalista, tradutor, publicitário, ao mesmo tempo que
produzia a sua obra literária em verso e em prosa.
É considerado um dos maiores poetas da Língua
Portuguesa e da Literatura Universal, muitas vezes
comparado com Luís de Camões.
Como poeta, desdobrou-se em múltiplas
personalidades –os heterónimos, Álvaro de Campos,
Ricardo Reis, Alberto Caeiro e Bernardo Soares
No seu percurso intelectual há sobretudo o relato de
uma grande viagem de descoberta, crendo que todos
os caminhos são verdadeiros e que o que é preciso é
navegar (no mundo das ideias)
.
30. Poesias .Inéditas Todas as cartas de amor são
A NOVELA inacabada, Ridículas.
Que o meu sonho completou, Não seriam cartas de amor se não fossem
Não era de rei ou fada Ridículas.
Mas era de quem não sou.
Também escrevi em meu tempo cartas de amor,
Para além do que dizia Como as outras,
Dizia eu quem não era... Ridículas.
A primavera floria
Sem que houvesse primavera. As cartas de amor, se há amor,
Têm de ser
Lenda do sonho que vivo, Ridículas.
Perdida por a salvar...
Mas quem me arrancou o livro Mas, afinal,
Que eu quis ter sem acabar? Só as criaturas que nunca escreveram
-------------------------------------------- Cartas de amor
A Ciência É que são
A CIÊNCIA, a ciência, a ciência... Ridículas.
Ah, como tudo é nulo e vão!
A pobreza da inteligência Quem me dera no tempo em que escrevia
Ante a riqueza da emoção! Sem dar por isso
Cartas de amor
Aquela mulher que trabalha Ridículas.
Como uma santa em sacrifício,
Com tanto esforço dado a ralha! A verdade é que hoje
Contra o pensar, que é o meu vício! As minhas memórias
Dessas cartas de amor
A ciência! Como é pobre e nada! É que são
Rico é o que alma dá e tem. Ridículas.
Álvaro de Campos
31. Cancioneiro Não Sei Quantas Almas Tenho
Ao longe, ao luar,
No rio uma vela, Não sei quantas almas tenho.
Serena a passar, Cada momento mudei.
Que é que me revela ? Continuamente me estranho.
Nunca me vi nem acabei.
Não sei, mas meu ser De tanto ser, só tenho alma.
Tornou-se-me estranho, Quem tem alma não tem calma.
E eu sonho sem ver Quem vê é só o que vê,
Os sonhos que tenho. Quem sente não é quem é,
Que angústia me enlaça ? Atento ao que sou e vejo,
Que amor não se explica ? Torno-me eles e não eu.
É a vela que passa Cada meu sonho ou desejo
Na noite que fica. É do que nasce e não meu.
---------------------------------------- Sou minha própria paisagem;
AMEAÇOU CHUVA. E a negra Assisto à minha passagem,
Nuvem passou sem mais... Diverso, móbil e só,
Todo o meu ser se alegra Não sei sentir-me onde estou.
Em alegrias iguais.
Por isso, alheio, vou lendo
Nuvem que passa... Céu Como páginas, meu ser.
Que fica e nada diz... O que sogue não prevendo,
Vazio azul sem véu O que passou a esquecer.
Sobre a terra feliz... Noto à margem do que li
O que julguei que senti.
E a terra é verde, verde... Releio e digo: “Fui eu?”
Por que então minha vista Deus sabe, porque o escreveu
Por meus sonhos se perde?
De que é que a minha alma dista?
32. O poeta é um fingidor. Dizem que finjo ou minto
Finge tão completamente Tudo que escrevo. Não.
Eu simplesmente sinto
que chega a fingir que é dor
Com a imaginação.
A dor que deveras sente. Não uso o coração.
E os que lêem o que escreve, Tudo o que sonho ou passo,
Na dor lida sentem bem, O que me falha ou finda,
Não as duas que ele teve, É como que um terraço
Mas só a que eles não têm. Sobre outra coisa ainda.
Essa coisa é que é linda.
E assim nas calhas de roda
Por isso escrevo em meio
Gira, a entreter a razão, Do que não está ao pé,
Esse comboio de corda Livre do meu enleio,
Que se chama coração. Sério do que não é.
Sentir? Sinta quem lê!
¡Gato que brincas na rua Somos do tamanho de nossos sonhos
Como se fosse na cama,
Invejo a sorte que é tua Sim, sei bem
Porque nem sorte se chama. Que nunca serei alguém.
Bom servo das leis fatais Sei de sobra
Que regem pedras e gentes, Que nunca terei uma obra.
Sei, enfim,
Que tens instintos gerais Que nunca saberei de mim.
E sentes só o que sentes. Sim, mas agora,
És feliz porque és assim, Enquanto dura esta hora,
Todo o nada que és é teu. Este luar, estes ramos,
Eu vejo-me e estou sem mim, Esta paz em que estamos,
Conheço-me e não sou eu. Deixem-me crer
O que nunca poderei ser.
33. Cancioneiro Cancioneiro
Ó sino da minha aldeia
Dorme enquanto eu velo...
Ó sino da minha aldeia Deixa-me sonhar...
dolente na tarde calma, Nada em mim é risonho.
cada tua badalada Quero-te para sonho,
soa dentro da minha alma... Não para te amar.
E é tão lento o teu soar, A tua carne calma
tão como triste da vida, É fria em meu querer.
que já a primeira pancada Os meus desejos são cansaços.
tem o som de repetida. Nem quero ter nos braços
Por mais que me tanjas perto, Meu sonho do teu ser.
quando passo, sempre errante, Dorme, dorme. dorme,
és para mim como um sonho, Vaga em teu sorrir...
soas-me na alma distante. Sonho-te tão atento
A cada pancada tua, Que o sonho é encantamento
vibrante no céu aberto, E eu sonho sem sentir.
sinto o passado mais longe,
sinto a saudade mais perto...
34. Não: não digas nada!
Cancioneiro Supor o que dirá
A tua boca velada
É ouvi-lo já
Ao longe, ao luar, É ouvi-lo melhor
Do que o dirias.
No rio uma vela O que és não vem à flor
Serena a passar, Das frases e dos dias.
És melhor do que tu.
Que é que me revela? Não digas nada: sê!
Graça do corpo nu
Que invisível se vê.
Não sei, mas meu ser ----------------------------------------
Tornou-se-me estranho, O amor, quando se revela,
não se sabe revelar.
E eu sonho sem ver Sabe bem olhar p'ra ela,
Os sonhos que tenho mas não lhe sabe falar.
Quem quer dizer o que sente
. não sabe o que há de dizer.
Que angústia me enlaça? Fala: parece que mente.
Cala: parece esquecer.
Que amor não se explica?
É a vela que passa Ah, mas se ela adivinhasse,
se pudesse ouvir o olhar,
Na noite que fica. e se um olhar lhe bastasse
pra saber que a estão a amar!
Mas quem sente muito, cala;
quem quer dizer quanto sente
fica sem alma nem fala,
fica só, inteiramente!
35. Cancioneiro Cancioneiro
Tenho tanto sentimento
Entre o sono e sonho, Que é freqüente persuadir-me
Entre mim e o que em mim De que sou sentimental,
É o quem eu me suponho Mas reconheço, ao medir-me,
Corre um rio sem fim. Que tudo isso é pensamento,
Que não senti afinal.
Passou por outras margens,
Diversas mais além, Temos, todos que vivemos,
Naquelas várias viagens Uma vida que é vivida
Que todo o rio tem. E outra vida que é pensada,
E a única vida que temos
Chegou onde hoje habito É essa que é dividida
A casa que hoje sou. Entre a verdadeira e a errada.
Passa, se eu me medito;
Se desperto, passou. Qual porém é a verdadeira
E qual errada, ninguém
E quem me sinto e morre Nos saberá explicar;
No que me liga a mim E vivemos de maneira
Dorme onde o rio corre - Que a vida que a gente tem
Esse rio sem fim. É a que tem que pensar.
..
36. Cancioneiro Liberdade
Ai que prazer
não cumprir um dever.
Grandes mistérios habitam Ter um livro para ler
O limiar do meu ser, e não o fazer!
O limiar onde hesitam Ler é maçada,
Grandes pássaros que fitam estudar é nada.
Meu transpor tardo de os ver. O sol doira sem literatura.
São aves cheias de abismo, O rio corre bem ou mal,
sem edição original.
Como nos sonhos as há.
E a brisa, essa, de tão naturalmente matinal
Hesito se sondo e cismo, como tem tempo, não tem pressa...
E à minha alma é cataclismo Livros são papéis pintados com tinta.
O limiar onde está. Estudar é uma coisa em que está indistinta
Então desperto do sonho A distinção entre nada e coisa nenhuma.
E sou alegre da luz, Quanto melhor é quando há bruma.
Inda que em dia tristonho; Esperar por D. Sebastião,
Quer venha ou não!
Porque o limiar é medonho
Grande é a poesia, a bondade e as danças...
E todo passo é uma cruz. Mas o melhor do mundo são as crianças,
Flores, música, o luar, e o sol que peca
Só quando, em vez de criar, seca.
E mais do que isto
É Jesus Cristo,
Que não sabia nada de finanças,
Nem consta que tivesse biblioteca...
37. Não sei quantas almas tenho. Eu amo tudo o que foi
Cada momento mudei. Tudo o que já não é
Continuamente me estranho. A dor que já não me dói
Nunca me vi nem achei.
A antiga e errônea fé
De tanto ser, só tenho alma.
Quem tem alma não tem calma. O ontem que a dor deixou
Quem vê é só o que vê, O que deixou alegria
Quem sente não é quem é Só porque foi, e voou
E hoje é já outro dia.
Atento ao que eu sou e vejo,
Torno-me eles e não eu. --- * ---
Cada meu sonho ou desejo
É do que nasce e não meu. Hoje de manhã saí muito cedo,
Sou minha própria paisagem, Por ter acordado ainda mais cedo
Assisto à minha passagem, E não ter nada que quisesse fazer...
Diverso, móbil e só, Não sabia que caminho tomar
Não sei sentir-me onde estou. Mas o vento soprava forte,
varria para um lado,
Por isso, alheio, vou lendo E segui o caminho
Como páginas, meu ser. para onde o vento me soprava nas costas.
O que segue prevendo, Assim tem sido sempre a minha vida, e
O que passou a esquecer. Assim quero que possa ser sempre –
Noto à margem do que li Vou onde o vento me leva
O que julguei que senti. e não me Sinto pensar.
Releio e digo: "Fui eu"? Alberto Caeiro
Deus sabe, porque o escreveu.
38. Mensagem Mensagem.
. 2ª Parte
1ª PARTE – BRASÃO (19 poemas) I-O Infante
Pessoa, percorre as peças e figuras de um
brasão real do séc XV, associando a cada, Deus quer, o homem sonha, a obra nasce.
uma personalidade da nossa história. Deus quis que a terra fosse toda uma,
Que o mar unisse, já não separasse.
Sagrou-te, e foste desvendando a espuma,
2ª PARTE – MAR PORTUGUÊS
Aborda a Idade das Descobertas E a orla branca foi de ilha em continente,
Clareou, correndo, até ao fim do mundo,
E viu-se a terra inteira, de repente,
3ª PARTE – O ENCOBERTO Surgir, redonda, do azul profundo.
Trata do advento do Quinto Império
do Mundo, que será liderado por um Quem te sagrou criou-te português.
português - O Encoberto, o Rei ou Do mar e nós em ti nos deu sinal.
D.Sebastião, como é indistintamente Cumpriu-se o Mar, e o Império se desfez.
chamado. Senhor, falta cumprir-se Portugal!
39. Mensagem. Mensagem.
2ª Parte: 3ª Parte
X-Mar Português O Quinto Império
Ó mar salgado, quanto do teu sal Triste de quem vive em casa,
São lágrimas de Portugal! Contente com o seu lar,
Por te cruzarmos, quantas mães choraram Sem que um sonho, no erguer de asa,
Quantos filhos em vão rezaram! Faça até mais rubra a brasa,
Quantas noivas ficaram por casar Da lareira a abandonar!
Para que fosses nosso, ó mar!
Triste de quem é feliz!
Valeu a pena? Tudo vale a pena Vive porque a vida dura.
Se a alma não é pequena. Nada na alma lhe diz
Quem quer passar além do Bojador Mais que a lição da raíz
Tem que passar além da dor. Ter por vida sepultura
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu. Grécia, Roma, Cristandade,
Europa- os quatro se vão
Para onde vae toda edade.
Quem vem viver a verdade
Que morreu Dom Sebastião?
.
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40. José Régio José Maria dos Reis Pereira
Vila do Conde (1901-
1969) Poeta, com o pseudónimo José Régio.
Nascido em Vila do Conde, formou-se em
Coimbra em Filologia Românica.
Viveu grande parte da sua vida na cidade
de Portalegre, onde lecionou no Liceu
local, Português e Francês de 1928 a 1967.
Em 1927, com Branquinho da Fonseca e
João Gaspar Simões, fundou a revista
Presença, publicada durante 13 anos
É considerado um dos grandes criadores
da moderna literatura portuguesa.
Refletiu na sua obra problemas relativos
ao conflito entre Deus e o Homem,
o indivíduo e a sociedade
Hoje, as suas casas em Vila do Conde e em
Portalegre são casas-museu.
41. CÂNTICO NEGRO CÂNTICO NEGRO (continuação)
"Vem por aqui" - dizem-me alguns com os olhos doces Como, pois sereis vós
Estendendo-me os braços, e seguros Que me dareis impulsos, ferramentas e coragem
De que seria bom que eu os ouvisse Para eu derrubar os meus obstáculos?...
Quando me dizem: "vem por aqui!" Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
Eu olho-os com olhos lassos, E vós amais o que é fácil!
(Há, nos olhos meus, ironias e cansaços) Eu amo o Longe e a Miragem,
E cruzo os braços, Amo os abismos, as torrentes, os desertos…
E nunca vou por ali...
Ide! Tendes estradas,
A minha glória é esta: Tendes jardins, tendes canteiros,
Criar desumanidade! Tendes pátria, tendes tectos,
Não acompanhar ninguém. E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios...
- Que eu vivo com o mesmo sem-vontade Eu tenho a minha Loucura !
Com que rasguei o ventre à minha mãe Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios
Não, não vou por aí! Só vou por onde
Me levam meus próprios passos... Deus e o Diabo é que guiam, mais ninguém.
Se ao que busco saber nenhum de vós responde Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Por que me repetis: "vem por aqui!"? Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.
Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos, Ah, que ninguém me dê piedosas intenções!
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos, Ninguém me peça definições!
A ir por aí... Ninguém me diga: "vem por aqui"!
A minha vida é um vendaval que se soltou.
Se vim ao mundo, foi É uma onda que se alevantou.
Só para desflorar florestas virgens, É um átomo a mais que se animou...
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada! Não sei por onde vou,
O mais que faço não vale nada. Não sei para onde vou
-Sei que não vou por aí!
.!
42. FADO PORTUGUÊS FADO PORTUGUÊS (continuação)
O fado nasceu num dia Por mar além, chão que treme,
Em que o vento mal bulia O dim-dom da corda freme
E o céu o mar prolongava, De espanto, angústia, incerteza;
Na amurada dum veleiro, Mas reluz no olhar do triste
No peito de um marinheiro Não sei que alto apelo em riste
Que estando triste, cantava. Contra essa humana fraqueza...
(- Saudades da terra firme, (- Que terra é esta..., este mar
Da terra onde o mar acabe, Que só acaba nos céus,
Da casinha, e das mulheres, Ou nem lá tem sua fim?...
Guitarra, vem assistir-me, Ou hei-de-o eu acabar;
Que a gente é bruto e não sabe, Ou hei-de, querendo Deus!,
Expressa-as tu, se souberes...) Ou ele acabar a mim!) .
Casada à trémula corda,
Por esse mar além fora, Sobe a voz trémula..., acorda
A guitarra, dim... dom, chora, Tristezas do peito inteiro,
Tem pausas, ais e soluços. E as sereias que enlevadas
E tão bem faz isso à gente, Se agarram às amuradas
Que o triste bruto valente Do frágil barco veleiro.
Chora sobre ela de bruços!
(- Ai que lindeza tamanha,
(- Mãe, adeus! Adeus, Maria! Meu chão, meu monte, meu vale,
Guarda bem no teu sentido De folhas, flores, frutos de ouro!
Que aqui te faço uma jura Vê se vês terras de Espanha,
Que ou te levo à sacristia, Areias de Portugal,
Ou foi Deus que foi servido Olhar ceguinho de choro...)
Dar-me no mar sepultura!).
.
43. FADO PORTUGUÊS (contª)
FADO PORTUGUÊS (contª)
Deitando o olhar às lonjuras,
Na boca do marinheiro
Só vê funduras, alturas
Do frágil barco veleiro,
Das águas, dos céus, da bruma
Morrendo, a canção magoada
E as rijas pomas redondas,
Diz o pungir dos desejos
De bico a boiar nas ondas,
Do lábio a queimar de beijos
Das sereias cor de espuma.
Que beija o ar, e mais nada.
(- Sei eu, sequer, porque venho,
(- Mãe, adeus! Adeus, Maria!
Deixando a jeira de chão
Guarda bem no teu sentido
Que ao menos me não fugia,
Que aqui te faço uma jura
Atrás de não sei que tenho
Que ou te levo à sacristia,
Tão dentro do coração
Ou foi Deus que foi servido
Que inté julguei que existia...?)
Dar-me no mar sepultura!)
E à voz que sobe a tremer,
Sob o alvor da lua cheia,
Morre lá longe..., e ao morrer,
Naquela noite, a sereia
Sobe outra vez, mais se aferra,
Cujo seio mais se enrista
Que etéreo coro responde
Da aurora até ao sereno
De vozes que chegam de onde
Beijou o corpo moreno
Não seja nem mar nem terra!
Do moço nauta fadista...
(- Quem canta com voz tão benta
(- Que terra é esta..., este mar
Que ou são-nos anjos nos céus
Que só acaba nos céus
Ou é demónio a atentar?
Ou nem lá tem sua fim?...
Se é demónio, não me atenta,
Ou hei-de-o eu acabar;
Que a minh´alma é só de Deus,
Ou hei-de, querendo Deus!,
O corpo, dou-o eu ao mar...)
Ou ele acabar a mim!)
44. FADO PORTUGUÊS (contª) SABEDORIA
Nas vias lácteas faiscantes
Desde que tudo me cansa,
Que esmigalhado em diamantes
O luar no mar espraia, Comecei eu a viver.
Um dim-dom..., dim-dom tremente, Comecei a viver sem esperança...
Mais doces queixas de gente, E venha a morte quando
Vão ter a uma certa praia. Deus quiser.
(- Ai que lindeza tamanha,
Dantes, ou muito ou pouco,
Meu chão, meu monte, meu vale,
De folhas, flores, frutos de ouro! Sempre esperara:
Vê se vês terras de Espanha, Às vezes, tanto, que o meu sonho louco
Areias de Portugal, Voava das estrelas à mais rara;
Olhar ceguinho de choro...) Outras, tão pouco,
Que ninguém mais com tal se conformara.
E as mães de filhos ausentes
Acordam batendo os dentes,
Hoje, é que nada espero.
Torcendo as mãos, e carpindo,
Sabendo todas que é a morte Para quê, esperar?
Que chega daquela sorte, Sei que já nada é meu senão se o não tiver;
No luar funéreo e lindo... Se quero, é só enquanto apenas quero;
Só de longe, e secreto, é que inda posso amar...
Ora eis que embora, outro dia, E venha a morte quando Deus quiser.
Quando o vento nem bulia
E o céu o mar prolongava,
Mas, com isto, que têm as estrelas?
À proa doutro veleiro,
Velava outro marinheiro Continuam brilhando, altas e belas.
Que estava triste e cantava.
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45. Cesário Verde Cesário Verde
1855-86
Natural de Caneças, Loures, oriundo de uma família
burguesa abastada. O pai era lavrador e comerciante
(com uma loja de ferragens na baixa lisboeta).
Por essas duas actividades práticas, se repartia a
vida do poeta. e paralelamente, ia alimentando o
seu gosto pela leitura e pela criação literária,
embora longe dos meios literários oficiais .
A partir de 1875 produziu alguns dos seus
melhores poemas: «Num Bairro Moderno» (1877),
«Em Petiz» (1878) e «O Sentimento dum
Ocidental» (1880). Este último foi escrito por
ocasião do 3º centenário da morte de Camões e é,
ainda hoje, um dos textos mais conhecidos do poeta
Em 1884, no poema «Nós», a cidade e o campo
surgem como tema principal neste longo poema
narrativo autobiográfico
Formado dentro dos moldes do realismo literário,
Cesário afirmou-se pela sua oposição ao lirismo
tradicional. Deteve-se em deambulações pela
cidade ou pelo campo, através de processos
impressionistas, de grande sugestividade .
46. Num Bairro Moderno Do patamar responde-lhe um criado:
Dez horas da manhã; os transparentes "Se te convém, despacha; não converses.
Matizam uma casa apalaçada; Eu não dou mais." È muito descansado,
Pelos jardins estancam-se as nascentes, Atira um cobre lívido, oxidado,
E fere a vista, com brancuras quentes, Que vem bater nas faces duns alperces.
A larga rua macadamizada.
Subitamente - que visão de artista! -
Rez-de-chaussée repousam sossegados, Se eu transformasse os simples vegetais,
Abriram-se, nalguns, as persianas, À luz do Sol, o intenso colorista,
E dum ou doutro, em quartos estucados, Num ser humano que se mova e exista
Ou entre a rama do papéis pintados, Cheio de belas proporções carnais?!
Reluzem, num almoço, as porcelanas.
Bóiam aromas, fumos de cozinha;
Como é saudável ter o seu conchego, Com o cabaz às costas, e vergando,
E a sua vida fácil! Eu descia, Sobem padeiros, claros de farinha;
Sem muita pressa, para o meu emprego, E às portas, uma ou outra campainha
Aonde agora quase sempre chego Toca, frenética, de vez em quando.
Com as tonturas duma apoplexia.
E eu recompunha, por anatomia,
E rota, pequenina, azafamada, Um novo corpo orgânico, ao bocados.
Notei de costas uma rapariga, Achava os tons e as formas. Descobria
Que no xadrez marmóreo duma escada, Uma cabeça numa melancia,
Como um retalho da horta aglomerada E nuns repolhos seios injetados.
Pousara, ajoelhando, a sua giga.
As azeitonas, que nos dão o azeite,
E eu, apesar do sol, examinei-a. Negras e unidas, entre verdes folhos,
Pôs-se de pé, ressoam-lhe os tamancos; São tranças dum cabelo que se ajeite;
E abre-se-lhe o algodão azul da meia, E os nabos - ossos nus, da cor do leite,
Se ela se curva, esguelhada, feia, E os cachos de uvas - os rosários de olhos.
E pendurando os seus bracinhos brancos.
47. Eu e Ela
Heroísmos
Eu temo muito o mar, o mar enorme, Cobertos de folhagem, na verdura,
Solene, enraivecido, turbulento, O teu braço ao redor do meu pescoço,
Erguido em vagalhões, rugindo ao vento; O teu fato sem ter um só destroço,
O mar sublime, o mar que nunca dorme. O meu braço apertando-te a cintura;
Eu temo o largo mar, rebelde, informe, Num mimoso jardim, ó pomba mansa,
De vítimas famélico, sedento, Sobre um banco de mármore assentados.
E creio ouvir em cada seu lamento Na sombra dos arbustos, que abraçados,
Os ruídos dum túmulo disforme. Beijarão meigamente a tua trança.
Contudo, num barquinho transparente, Nós havemos de estar ambos unidos,
No seu dorso feroz vou blasonar, Sem gozos sensuais, sem más idéias,
Tufada a vela e n'água quase assente, Esquecendo para sempre as nossas ceias,
E a loucura dos vinhos atrevidos.
E ouvindo muito ao perto o seu bramar,
Eu rindo, sem cuidados, simplesmente, Nós teremos então sobre os joelhos
Escarro, com desdém, no grande mar! Um livro que nos diga muitas cousas
. Dos mistérios que estão para além das lousas,
Onde havemos de entrar antes de velhos.
Outras vezes buscando distração,
Leremos bons romances galhofeiros,
Gozaremos assim dias inteiro,
Formando unicamente um coração.
.
48. Em Petiz – Irmãozinhos
Em Petiz - De Tarde
Pois eu, que no deserto dos caminhos,
Mais morta do que viva, a minha companheira Por ti me expunha imenso, contra as vacas;
Nem força teve em si para soltar um grito; Eu, que apartava as mansas das velhacas,
E eu, nesse tempo, um destro e bravo rapazito, Fugia com terror dos pobrezinhos!
Como um homenzarrão servi-lhe de barreira! Vejo-os no pátio, ainda! Ainda os ouço!
Os velhos, que nos rezam padre-nossos;
Em meio de arvoredo, azenhas e ruínas, Os mandriões que rosnam, altos, grossos;
Pulavam para a fonte as bezerrinhas brancas; E os cegos que se apóiam sobre o moço.
E, tetas a abanar, as mães, de largas ancas,
Ah! Os ceguinhos com a cor dos barros,
Desciam mais atrás, malhadas e turinas.
Os que a poeira no suor mascarra,
Chegam das feiras a tocar guitarra,
Do seio do lugar - casitas com postigos - Rolam os olhos como dois escarros!
Vem-nos o leite. Mas batizam-no primeiro. E os pobres metem medo! Os de marmita,
Leva-o, de madrugada, em bilhas, o leiteiro, Para forrar, por ano, alguns patacos,
Cujo pregão vos tira ao vosso sono, amigos! Entrapam-se nas mantas com buracos,
Choramingando, a voz rachada, aflita.
Nós dávamos, os dois, um giro pelo vale:
Várzeas, povoações, pegos, silêncios vastos! Outros pedincham pelas cinco chagas;
E os fartos animais, ao recolher dos pastos, E no poial, tirando as ligaduras,
Roçavam pelo teu "costume de percale". Mostram as pernas pútridas, maduras,
Com que se arrastam pelas azinhagas!
Querem viver! E picam-se nos cardos;
Já não receias tu essa vaquita preta, Correm as vilas; sobem os outeiros;
Que eu seguirei, prendi por um chavelho? Juro E às horas de calor, nos esterqueiros,
Que estavas a tremer, cosida com o muro, De roda deles zumbem os moscardos.
Ombros em pé, medrosa, e fina, de luneta!
. Aos sábados, os monstros, que eu lamento,
Batiam ao portão com seus cajados;
E um aleijado com os pés quadrados,
Pedia-nos de cima de um jumento.
49. O SENTIMENTO DE UM OCIDENTAL O SENTIMENTO DE UM OCIDENTAL
AVÉ-MARIAS AVÉE-MARIAS (continuação)
Nas nossas ruas, ao anoitecer, E o fim da tarde inspira-me; e incomoda!
Há tal soturnidade, há tal melancolia, De um couraçado inglês vogam os escaleres;
Que as sombras, o bulício, o Tejo, a maresia E em terra num tinido de louças e talheres
Despertam-me um desejo absurdo de sofrer. Flamejam, ao jantar, alguns hotéis da moda.
O céu parece baixo e de neblina, Num trem de praça arengam dois dentistas;
O gás extravasado enjoa-me, perturba-me; Um trôpego arlequim braceja numas andas;
E os edifícios, com as chaminés, e a turba Os querubins do lar flutuam nas varandas;
Toldam-se duma cor monótona e londrina. Às portas, em cabelo, enfadam-se os lojistas!
Batem os carros de aluguer, ao fundo, Vazam-se os arsenais e as oficinas;
Levando à via-férrea os que se vão. Felizes! Reluz, viscoso, o rio, apressam-se as obreiras;
Ocorrem-me em revista, exposições, países: E num cardume negro, hercúleas, galhofeiras,
Madrid, Paris, Berlim, Sampetersburgo, o mundo! Correndo com firmeza, assomam as varinas.
Semelham-se a gaiolas, com viveiros, Vêm sacudindo as ancas opulentas!
As edificações somente emadeiradas: Seus troncos varonis recordam-me pilastras;
Como morcegos, ao cair das badaladas, E algumas, à cabeça, embalam nas canastras
Saltam de viga em viga, os mestres carpinteiros. Os filhos que depois naufragam nas tormentas.
Voltam os calafates, aos magotes, Descalças! Nas descargas de carvão,
De jaquetão ao ombro, enfarruscados, secos, Desde manhã à noite, a bordo das fragatas;
Embrenho-me a cismar, por boqueirões, por becos, E apinham-se num bairro aonde miam gatas,
Ou erro pelos cais a que se atracam botes. E o peixe podre gera os focos de infecção!
E evoco, então, as crónicas navais:
Mouros, baixéis, heróis, tudo ressuscitado
Luta Camões no Sul, salvando um livro a nado!
Singram soberbas naus que eu não verei jamais!
50. VAIDOSA
DE TARDE
Naquele pique-nique de burguesas, Dizem que tu és pura como um lírio
Houve uma coisa simplesmente bela, E mais fria e insensível que o granito,
E que, sem ter história nem grandezas, E que eu que passo aí por favorito
Vivo louco de dor e de martírio.
Em todo o caso dava uma aguarela.
Contam que tens um modo altivo e sério,
Foi quando tu, descendo do burrico, Que és muito desdenhosa e presumida,
Foste colher, sem imposturas tolas, E que o maior prazer da tua vida,
A um granzoal azul de grão-de-bico Seria acompanhar-me ao cemitério.
Um ramalhete rubro de papoulas.
Chamam-te a bela imperatriz das fátuas,
A déspota, a fatal, o figurino,
Pouco depois, em cima duns penhascos, E afirmam que és um molde alabastrino,
Nós acampámos, inda o Sol se via; E não tens coração como as estátuas.
E houve talhadas de melão, damascos,
E pão-de-ló molhado em malvasia. E narram o cruel martirológio
Dos que são teus, ó corpo sem defeito,
E julgam que é monótono o teu peito
Mas, todo púrpuro a sair da renda
Como o bater cadente dum relógio.
Dos teus dois seios como duas rolas,
Era o supremo encanto da merenda Porém eu sei que tu, que como um ópio
O ramalhete rubro das papoulas! Me matas, me desvairas e adormeces,
És tão loira e doirada como as messes,
E possuis muito amor... muito amor próprio..
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51. ue cedo Entre os braços de Nise, entre estas flores, Furtivas glórias, tácitos favores, Hei-de enfim possuir: porém segredo! Nas asas frouxos ais, brandos queixumes
Bocage Bocage
(Manuel Maria Barbosa Poeta, possivelmente, o maior representante do
du) arcadismo lusitano (aderiu à Nova Arcádia em
Setúbal, 1765 – Lisboa, 1805 1790 com o pseudónimo de Elmano Sadino).
.
Estudou os clássicos e as mitologias grega e
latina, estudou francês e latim .
Fez estudos na Escola da Marinha Real, sendo
nomeado guarda-marinha por D. Maria I..
Em 1786, foi como oficial de marinha para a
Índia, tendo desertado em 1789
A década seguinte é a da sua maior produção
literária e também o período de maior boémia e
vida de aventuras.
Foi preso 1 ano por ordem do Intendente Pina
Manique por ser “desordenado nos costumes”
Bocage cultivou diversos géneros poéticos,
como o soneto, a sátira, a ode, a canção, o
epigrama e a alegoria, seu talento evidenciou-
se de forma bem diferenciada em cada um
deles
52. Já Bocage não sou!... À cova escura Proposição das rimas do poeta
Já Bocage não sou!... À cova escura Incultas produções da mocidade
Meu estro vai parar desfeito em vento... Exponho a vossos olhos, ó leitores:
Eu aos céus ultrajei! O meu tormento Vede-as com mágoa, vede-as com piedade,
Leve me torne sempre a terra dura. Que elas buscam piedade, e não louvores:
Conheço agora já quão vã figura Ponderai da Fortuna a variedade
Em prosa e verso fez meu louco intento. Nos meus suspiros, lágrimas e amores;
Musa!... Tivera algum merecimento, Notai dos males seus a imensidade,
Se um raio da razão seguisse, pura! A curta duração de seus favores:
Eu me arrependo; a língua quase fria E se entre versos mil de sentimento
Brade em alto pregão à mocidade, Encontrardes alguns cuja aparência
Que atrás do som fantástico corria: Indique festival contentamento,
Outro Aretino fui... A santidade Crede, ó mortais, que foram com violência
Manchei!... Oh! Se me creste, gente ímpia, Escritos pela mão do Fingimento,
Rasga meus versos, crê na eternidade!. Cantados pela voz da Dependência.!
53. A Camões, comparando com os dele
O autor aos seus versos os seus próprios infortúnios
Chorosos versos meus desentoados, Camões, grande Camões, quão semelhante
Sem arte, sem beleza e sem brandura, Acho teu fado ao meu quando os cotejo!
Urdidos pela mão da Desventura, Igual causa nos fez perdendo o Tejo
Pela baça Tristeza envenenados: Arrostar co’o sacrílego gigante:
Vede a luz, não busqueis, desesperados, Como tu, junto ao Ganges sussurrante
No mudo esquecimento a sepultura; Da penúria cruel no horror me vejo;
Se os ditosos vos lerem sem ternura, Como tu, gostos vãos, que em vão desejo,
Ler-vos-ão com ternura os desgraçados: Também carpindo estou, saudoso amante:
Não vos inspire, ó versos, cobardia Ludíbrio, como tu, da sorte dura,
Da sátira mordaz o furor louco, Meu fim demando ao Céu, pela certeza
Da maldizente voz e tirania: De que só terei paz na sepultura:
Desculpa tendes, se valeis tão pouco, Modelo meu tu és... Mas, ó tristeza!...
Que não pode cantar com melodia Se te imito nos transes da ventura,
Um peito de gemer cansado e rouco. Não te imito nos dons da natureza.
54. Retrato próprio Quantas vezes, Amor, me tens ferido?
Magro, de olhos azuis, carão moreno, Quantas vezes, Amor, me tens ferido?
Bem servido de pés, meão na altura, Quantas vezes, Razão, me tens curado?
Triste da facha, o mesmo de figura, Quão fácil de um estado a outro estado
Nariz alto no meio, e não pequeno. O mortal sem querer é conduzido!
Incapaz de assistir num só terreno, Tal, que em grau venerando, alto e luzido,
Mais propenso ao furor do que à ternura; Como que até regia a mão do fado,
Bebendo em níveas mãos por taça escura Onde o Sol, bem de todos, lhe é vedado,
De zelos infernais letal veneno: Depois com ferros vis se vê cingido:
Devoto incensador de mil deidades Para que o nosso orgulho as asas corte,
(Digo, de moças mil) num só momento, Que variedade inclui esta medida,
E somente no altar amando os frades: Este intervalo da existência à morte!
Eis Bocage, em quem luz algum talento; Travam-se gosto, e dor; sossego e lida;
Saíram dele mesmo estas verdades É lei da natureza, é lei da sorte,
Num dia em que se achou mais pachorrento. Que seja o mal e o bem matiz da vida.
55. A lamentável catástrofe de D. Inês de Castro Esperança Amorosa
Da triste, bela Inês, inda os clamores Grato silêncio, trémulo arvoredo,
Andas, Eco chorosa, repetindo; Sombra propícia aos crimes e aos amores,
Inda aos piedosos Céus andas pedindo Hoje serei feliz! --- Longe, temores,
Justiça contra os ímpios matadores; Longe, fantasmas, ilusões do medo.
Ouvem-se inda na Fonte dos Amores Sabei, amigos Zéfiros, que cedo
De quando em quando as náiades carpindo; Entre os braços de Nise, entre estas flores,
E o Mondego, no caso reflectindo, Furtivas glórias, tácitos favores,
Rompe irado a barreira, alaga as flores: Hei-de enfim possuir: porém segredo!
Inda altos hinos o universo entoa Nas asas frouxos ais, brandos queixumes
A Pedro, que da morte formosura Não leveis, não façais isto patente,
Convosco, Amores, ao sepulcro voa: Quem nem quero que o saiba o pai dos numes:
Milagre da beleza e da ternura! Cale-se o caso a Jove omnipotente,
Abre, desce, olha, geme, abraça e c'roa Porque, se ele o souber, terá ciúmes,
A malfadada Inês na sepultura.! Vibrará contra mim seu raio ardente..
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56. Almeida Garrett
João Baptista da Silva Leitão de Almeida
1799 Porto - 1854 Lisboa Garrett mais tarde 1.º Visconde de Almeida
Garrett,
foi um escritor e dramaturgo, uma das figuras
maiores do romantismo português .
Participou na revolução liberal em 1820, esteve
exilado em Inglaterra em 1823, onde tomou
contacto com o movimento romântico inglês.
Tomou parte no Desembarque dos Liberais no
Mindelo e Cerco do Porto em 1832-33,
exercendo depois cargos políticos
Em 1838 publica Um Auto de Gil Vicente, em
1841 O Alfageme de Santarém, em 1843 o
drama Frei Luis de Sousa, em 1845 os romances
Arco de Santana e Viagens na minha Terra
Nos últimos 10 anos, criou as suas melhores
obras poéticas, “Flores sem fruto” (1845) e
“Folhas Caídas” (1853).
Faleceu de cancro em 1854. em Lisboa.
57. Barca bela
Este inferno de amar
Pescador da barca bela,
Este inferno de amar - como eu amo! Onde vais pescar com ela.
Quem mo pôs aqui n'alma... quem foi? Que é tão bela,
Esta chama que alenta e consome, Oh pescador?
Que é a vida - e que a vida destrói -
Como é que se veio a atear, Não vês que a última estrela
Quando - ai quando se há-de ela apagar? No céu nublado se vela?
Colhe a vela,
Eu não sei, não me lembra: o passado, Oh pescador!
A outra vida que d'antes vivi
Era um sonho talvez... - foi um sonho - Deita o lanço com cautela,
Em que paz tam serena a dormi! Que a sereia canta bela...
Oh! que doce era aquele sonhar... Mas cautela,
Quem me veio, ai de mim! despertar? Oh pescador!
Só me lembra que um dia formoso Não se enrede a rede nela,
Eu passei... dava o sol tanta luz! Que perdido é remo e vela
E os meus olhos, que vagos giravam, Só de vê-la,
Em seus olhos ardentes os pus. Oh pescador.
Que fez ela? eu que fiz? - Não no sei;
Mas nessa hora a viver comecei Pescador da barca bela,
Inda é tempo, foge dela
Almeida Garret Foge dela
Oh pescador!
. .
58. Não és tu Não és tu (continuação)
Era assim, tinha esse olhar, Nos olhos tinha esse lume,
A mesma graça, o mesmo ar, No seio o mesmo perfume,
Corava da mesma cor, Um cheiro a rosas celestes,
Aquela visão que eu vi Rosas brancas, puras, finas,
Quando eu sonhava de amor, Viçosas como boninas,
Quando em sonhos me perdi. Singelas sem ser agrestes.
Toda assim; o porte altivo, Mas não és tu...ai! não és:
O semblante pensativo, Toda a ilusão se desfez.
E uma suave tristeza Não és aquela que eu vi,
Que por toda ela descia Não és a mesma visão,
Como um véu que lhe envolvia, Que essa tinha coração,
Que lhe adoçava a beleza. Tinha, que eu bem lho senti.
Era assim; o seu falar, Almeida Garret
Ingénuo e quase vulgar,
Tinha o poder da razão
Que penetra, não seduz;
Não era fogo, era luz
Que mandava ao coração
Almeida Garret
.
.
59. Nau Catrineta Nau Catrineta (continuação)
“
Lá vem a Nau Catrineta Que tem muito que contar! Todas três são minhas filhas, Oh!quem mas dera abraçar!
Ouvide agora, senhores, Uma história de pasmar. A mais formosa de todas Contigo a hei-de casar."
Passava mais de ano e dia Que iam na volta do mar, - "A vossa filha não quero, Que vos custou a criar.”
Já não tinham que comer, Já não tinham que manjar. - "Dar-te-ei tanto dinheiro Que o não possas contar."
Deitaram sola de molho Para o outro dia jantar; - "Não quero o vosso dinheiro Pois vos custou a ganhar.”
Mas a sola era tão rija, Que a não puderam tragar. - Dou-te o meu cavalo branco, Que nunca houve outro
igual .”
Deitaram sortes à ventura Qual se havia de matar; - "Guardai o vosso cavalo, Que vos custou a ensinar.”
Logo foi cair a sorte No capitão general. - "Dar-te-ei a Catrineta, Para nela navegar."
- "Sobe, sobe, marujinho, Àquele mastro real, - "Não quero a Nau Catrineta, Que a não sei governar.”
Vê se vês terras de Espanha, As praias de Portugal!" - Que queres tu, meu gageiro, Que alvíssaras te hei-de dar?"
- "Não vejo terras de Espanha, Nem praias de Portugal; - "Capitão, quero a tua alma, Para comigo a levar!"
Vejo sete espadas nuas Que estão para te matar."
- "Renego de ti, demónio, Que me estavas a tentar!
- "Acima, acima, gageiro, Acima ao tope real! A minha alma é só de Deus; O corpo dou eu ao mar."
Olha se enxergas Espanha, Areias de Portugal!"
Tomou-o um anjo nos braços, Não no deixou afogar.
- "Alvíssaras, capitão, Meu capitão general! Deu um estouro o demónio, Acalmaram vento e mar;
Já vejo terras de Espanha, Areias de Portugal!"
Mais enxergo três meninas, Debaixo de um laranjal: E à noite a Nau Catrineta Estava em terra a varar.
Uma sentada a coser, Outra na roca a fiar,
A mais formosa de todas Está no meio a chorar.“ Almeida Garret
Almeida Garret
-
60. Contemporâneos Contemporâneos
Vitorino Nemésio (1901-78) Sophia de Mello Breyner (1919-2004)
Poeta de origem açoreana e romancista (Mau Tempo no
Foi a 1ª mulher portuguesa a receber o Prémio Camões
Canal), professor da Faculdade de Letras em Lisboa
em 1999 (o mais importante da Língua Portuguesa),
e em 2003 teve em Espanha o Prémio Rainha Sofia.
Escreveu poesia de forma ininterrupta desde 1918 (Canto
Além da poesia, distinguiu-se no conto e em
Matinal) a 1976 (Era do Átomo Crise do Homem)
livros infantis
Teve na RTP o conhecido programa Se Bem me Lembro
António Gedeão (1906-97) Eugénio de Andrade (1923-2005)
José Fontinha, com pseudónimo de Eugénio d?Andrade,
Rómulo Vasco da Gama de Carvalho, sob o pseudónimo inicia sua obra poética,com Adolescente(1942) e As
de António Gedeão, professor de Físico-Química, poeta. Mãos e os Frutos (1948) até 2003 com Os Sulcos da
Pedra Filosofal e Lágrima de Preta Sede. A sua poesia essencialmente lírica, dá importância
são dois dos seus mais célebres poemas à palavra, em poemas curtos às vezes, mas densos
Recebeu o Prémio Camões em 2001 e muitos outros,.
Ary dos Santos (1937-84)
Manuel Alegre (1936, Águeda)
José Carlos Ary dos Santos, em 1969
Fez os estudos secundários no Porto e em 1956 entrou
inicia a sua atividade política e participa nas sessões
na Fac. de Direito(Coimbra) onde inicia o percurso
intituladas de poesia do "canto livre”
político de oposição à Ditadura.
Foi autor de mais de 600 poemas para canções Em 1964 passou à clandestinidade em Paris e Argel e
Seus poemas Desfolhada e Tourada obtiveram os 1ºs saem os seus livros Praça da Canção e O Canto e as
prémios no Festival da Canção (RTP) Armas. Poemas seus são cantados
. por Amália, Zeca Afonso e muitos outros .
61. Já não Escreverei Romances Tenho uma Saudade tão Braba
Já não escreverei romances Tenho uma saudade tão braba
Nem contos da fada e o rei. Da ilha onde já não moro,
Vão-se-me todas as chances Que em velho só bebo a baba
De grande escritor. Parei. Do pouco pranto que choro.
Mas na chispa do verso,
Com Marga a aquecer-me, Os meus parentes, com dó,
Já não serei disperso Bem que me querem levar,
Nem poderei perder-me. Mas talvez que nem meu pó
Tudo nela é verbo e vida; Mereça a Deus lá ficar.
Xale, cílio, tosse, joelho,
Tudo respinga e acalma. Enfim, só Nosso Senhor
Passo, óculos, nada é velho: Há-de decidir se posso
Quase corpo, menos que alma. Morrer lá com esta dor,
Já não lavrarei novelas, A meio d’ um Padre Nosso.
Ultrapassado de ficto:
A vida dá-me janelas Quando se diz «Seja feita»
A toda a extensão do dicto. Eu sentirei na garganta
Mas sem elas, mas sem elas A mão da Morte, direita
(As suas mãos) fico aflito. A este peito, qu’ ainda canta.
Vitorino Nemésio
Vitorino Nemésio .
62. Lágrima de preta
Pedra filosofal Encontrei uma preta
Eles não sabem que o sonho é uma constante da vida
que estava a chorar,
tão concreta e definida como outra coisa qualquer,
pedi-lhe uma lágrima
como esta pedra cinzenta em que me sento e descanso,
para a analisar.
como este ribeiro manso,em serenos sobressaltos,
como estes pinheiros altos, que em oiro se agitam,
Recolhi a lágrima
como estas aves que gritam em bebedeiras de azul.
com todo o cuidado
Eles não sabem que o sonho é vinho,é espuma,é fermento, num tubo de ensaio
bichinho alacre e sedento, de focinho pontiagudo, bem esterilizado.
que foça através de tudo num perpétuo movimento.
Olhei-a de um lado,
do outro e de frente:
Eles não sabem que o sonho é tela, é cor, é pincel, tinha um ar de gota
base, fuste, capitel, arco em ogiva, vitral, muito transparente.
pináculo de catedral, contraponto, sinfonia,
máscara grega, magia, que é retorta de alquimista, Mandei vir os ácidos,
mapa do mundo distante, rosa dos ventos, Infante, as bases e os sais,
caravela quinhentista, que é cabo da Boa Esperança, as drogas usadas
ouro, canela, marfim, florete de espadachim, em casos que tais.
bastidor, passo de dança, Colombina e Arlequim,
passarola voadora, pára-raios, locomotiva, Ensaiei a frio,
barco de proa festiva, alto-forno, geradora, experimentei ao lume,
cisão de átomo, radar, ultra-som, televisão, de todas as vezes
desembarque em foguetão na superfície lunar. deu-me o que é costume:
Eles não sabem,nem sonham,que o sonho comanda a vida.
Que sempre que o homem sonha o mundo pula e avança Nem sinais de negro,
como bola colorida entre as mãos de uma criança. nem vestígios de ódio.
Água (quase tudo)
Gedeão e cloreto de sódio..
Gedeão