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                                               CONTIENE MUSICA DE FONDO
para ler os poemas escolhe
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                                                         Sair




  Luiz de Camões                          José Régio

Sá de Miranda                            Cesário Verde
Bernardim Ribeiro

Poesia Trovadoresca                           Bocage


  Florbela Espanca                     Almeida Garret

  Fernando Pessoa                      Contemporâneos
Luis de Camões      Nasceu em 1524/5, em Lisboa ou em Coimbra,
 Lisboa 1524-1580   filho de Simão Vaz de Camões e D. Ana de Sá
                               e Macedo, familia nobre.
                        A sua formação académica decorreu em
                     Coimbra, onde o seu tio D. Bento de Camões
                             era Chanceler da Universidade
                    É apontado como sujeito folgado e briguento e
                            ganha a alcunha de Trinca-Fortes
                      Em 1542 apaixona-se por Dona Caterina de
                       Ataíde, dama da corte, imortalizada na sua
                           lírica sob o anagrama de Natércia
                      As suas desavenças e amores dão origem ao
                       seu desterro, em 1545 para Constancia do
                       Ribatejo até embarcar em 1547 para Ceuta
                                onde perde o olho direito
                      Volta a Lisboa e após uma rixa no Rossio, é
                       preso e desterrado em 1553 para a India.
                     Esteve em Macau, onde numa gruta, refúgio,
                     passa horas a escrever Os Lusíadas. Naufraga
                             em 1560 na foz do rio Mecong
                     Em 1567 segue para Moçambique e em 1570
                    regressa a Lisboa, saindo em 1572 a 1ª edição
                                    de Os Lusíadas.
                            Em 10.6.1580 morre em Lisboa
Redondilha menor
               Bárbara                      Menina dos olhos verdes
Endechas a üa cativa com quem andava de
            amores na Índia.                    Eles verdes são,
                                                E têm por usança
                                               Na cor, esperança,
Aquela cativa, que me tem cativo, porque
                                                 E nas obras não
    nela vivo, já não quer que viva.             Vossa condição
Eu nunca vi rosa, em suaves molhos, que       Não é d' olhos verdes,
 para meus olhos, fosse mais fermosa.         Porque me não vedes.

Nem no campo flores, nem no céu estrelas,         Havia de ser,
me parecem belas, como os meus amores.        Por que possa vê-los,
                                             Que uns olhos tão belos
   Rosto singular, olhos sossegados,
                                             Não se hão-de esconder;
  pretos e cansados, mas não de matar.         Mas fazeis-me crer
                                              Que já não são verdes,
  Üa graça viva, que neles lhe mora,          Porque me não vedes
  para ser senhora, de quem é cativa...
   Pretos os cabelos,Onde o povo vão            Verdes não o são
 Perde opinião,Que os louros são belos.       No que alcanço deles;
                                               Verdes são aqueles
                                               Que esperança dão.
   ..Esta é a cativa, que me tem cativo.         Se na condição
     E pois nela vivo, é força que viva.        Está serem verdes
                                              Porque me não vedes?
Vilancete de 7 sílabas       Redondilha de 5 silabas:

  Descalça vai para a fonte      Verdes são os campos
    Lianor pela verdura;            De cor de limão:
  Vai fermosa, e não segura        Assim são os olhos
                                   Do meu coração.
   Leva na cabeça o pote         Campo,que te estendes
  O testo nas mãos de prata        Com verdura bela
   Cinta de fina escarlata,        Ovelhas,que nela
    Sainho de chamelote;          Vosso pasto tendes
  Traz a vasquinha de cote,      De ervas vos mantendes
 Mais branca que a neve pura.       Que traz o Verão
                                  E eu das lembranças
  Vai fermosa e não segura.
                                    Do meu coração.

 Descobre a touca a garganta,      Gados que pasceis
 Cabelos de ouro entrançado        Com contentamento
   Fita de cor de encarnado,       Vosso mantimento
Tão linda que o mundo espanta      Não no entendereis
    Chove nela graça tanta          Isso que comeis
                                   Não são ervas, não
  Que dá graça à fermosura.
                                  São graças dos olhos
  Vai fermosa e não segura.         Do meu coração
Soneto                                   Soneto

 Amor é fogo que arde sem se ver       Erros meus, má fortuna,amor ardente
   é ferida que dói e não se sente        em minha perdição se conjuraram
  é um contentamento descontente            os erros e a fortuna sobejaram
    é dor que desatina sem doer         que pera mim bastava o amor somente

É um não querer mais que bem querer      Tudo passei; mas tenho tão presente
     é andar solitário entre a gente    A grande dor das cousas que passaram
   é nunca contentar-se de contente      Que as magoadas iras me ensinaram
  é cuidar que se ganha em se perder     A não querer já nunca ser contente

  É querer estar preso por vontade       Errei todo o discurso de meus anos;
 é servir a quem vence, o vencedor      Dei causa [a] que a Fortuna castigasse,
 é ter com quem nos mata lealdade        As minhas mal fundadas esperanças.

  Mas como causar pode seu favor       De amor não vi senão breves enganos.
   nos corações humanos amizade        Oh! quem tanto pudesse, que fartasse
se tão contrário a si é o mesmo amor    Este meu duro Génio de vinganças!
Soneto                                    Soneto
Alma minha gentil que te partiste.       O dia em que nasci moura e pereça
 Tão cedo desta vida, descontente          Não o queira jamais o tempo dar
  Repousa lá no Céu eternamente          Não torne mais ao Mundo, e, se tornar
 E viva eu cá na terra sempre triste.     Eclipse nesse passo o Sol padeça.

 Se lá no assento etéreo,onde subiste    A luz lhe falte, O Sol se [lhe] escureça,
   Memória desta vida se consente         Mostre o Mundo sinais de se acabar,
Não te esqueças daquele amor ardente    Nasçam-lhe monstros, sangue chova o ar,
Que já nos olhos meus tão puro viste      A mãe ao próprio filho não conheça.

  E se vires que pode merecer-te          As pessoas pasmadas, de ignorantes
 Algu~a cousa a dor que me ficou          As lágrimas no rosto, a cor perdida
Da mágoa, sem remédio, de perder-te       Cuidem que o mundo já se destruiu
                                                            .
Roga a Deus, que teus anos encurtou,      Ó gente temerosa, não te espantes,
Que tão cedo de cá me leve a ver-te,      Que este dia deitou ao Mundo a vida
 Quão cedo de meus olhos te levou         Mais desgraçada que jamais se viu!
Soneto                                      Soneto

 Ah, minha Dinamene, assi deixaste         Mudam-se os tempos,mudam-se as vontades
quem não deixara nunca de querer-te!         Muda-se o ser, muda-se a confiança
Ah, Ninfa minha, já não posso ver-te        Todo o mundo é composto de mudança
  tão asinha esta vida desprezaste!          Tomando sempre novas qualidades.

  Como já para sempre te apartaste             Continuamente vemos novidades
de quem tão longe estava de perder-te?         Diferentes em tudo da esperança
   Puderam estas ondas defender-te          Do mal ficam as mágoas na lembrança
que não visses quem tanto magoaste?         E do bem,se algum houve, as saudades

 Nem falar-te somente a dura morte           O tempo cobre o chão de verde manto
me deixou, que tão cedo o negro manto            Que já coberto foi de neve fria
  em teus olhos deitado consentiste!       E em mim converte em choro o doce canto
                                                                .
 Ó mar, ó Céu, ó minha escura sorte!            E, afora este mudar-se cada dia,
  Que pena sentirei, que valha tanto,         Outra mudança faz de mor espanto:
que ainda tenho por pouco o viver triste         Que não se muda já como soía.
Soneto                                     Soneto

Transforma-se o amador na cousa amada      Busque Amor novas artes, novo engenho
     por virtude do muito imaginar          Pera matar-me, e novas esquivanças,
    Não tenho logo mais que desejar         Que não pode tirar-me as esperanças,
  Pois em mim tenho a parte desejada        Que mal me tirará o que eu não tenho.

 Se nela está minha alma transformada       Olhai de que esperanças me mantenho!
 Que mais deseja o corpo de alcançar?          Vede que perigosas seguranças!
     Em si sómente pode descansar          Que não temo contrastes nem mudanças,
    Pois consigo tal alma está liada.      Andando em bravo mar, perdido o lenho.

   Mas esta linda e pura semideia,         Mas, enquanto não pode haver desgosto
 Que, como o acidente em seu sujeito,       Onde esperança falta, lá me esconde
 Assim co'a alma minha se conforma,         Amor um mal, que mata e não se vê,

    Está no pensamento como ideia;          Que dias há que na alma me tem posto
[E] o vivo e puro amor de que sou feito,   Um não sei quê, que nasce não sei onde,
 Como matéria simples busca a forma.       Vem não sei como e dói não sei porquê.
Soneto                                     Soneto

  Aquela triste e leda madrugada          Sete anos de pastor Jacó servia /Labão,
  Cheia toda de mágoa e de piedade              pai de Raquel, semana bela
 Enquanto houver no mundo saudade            Mas não servia ao pai, servia a ela,
  Quero que seja sempre celebrada             Que a ela só por prêmio pretendia.

  Ela só, quando amena e marchetada         E os dias na esperança de um sò dia
    Saía, dando ao mundo claridade          Passava, contentando-se com vê-la;
    Viu apartar-se dúa outra vontade          Porém o pai, usando de cautela
   Que nunca poderá ver-se apartada.         Em lugar de Raquel lhe dava Lia.

     Ela só viu as lágrimas em fio         Vendo o triste pastor que com enganos,
Que de uns e de outros olhos derivadas      Lhe fora assim negada a sua pastora,
Se acrescentaram em grande e largo rio.       Como se a não tivera merecida;

   Ela ouviu as palavras magoadas           Começa de servir outros sete anos,
    Que puderam tornar o fogo frio          Dizendo:- mais servira, se não fora
 E dar descanso às almas condenadas.        Para do longo amor tão curta a vida.
Os Lusíadas                                 Canto 1
             Canto 1                                   Proposição
            Proposição                     Cessem do sábio Grego e do Troiano
  As armas e os Barões assinalados          As navegações grandes que fizeram;
   Que da Ocidental praia Lusitana          Cale-se de Alexandro e de Trajano
 Por mares nunca de antes navegados           A fama das vitórias que tiveram;
 Passaram ainda além da Taprobana,         Que eu canto o peito ilustre Lusitano,
   Em perigos e guerras esforçados         A quem Neptuno e Marte obedeceram.
 Mais do que prometia a força humana       Cesse tudo o que a Musa antiga canta
   E entre gente remota edificaram         Que outro valor mais alto se alevanta
  Novo Reino, que tanto sublimara
                                                         Invocação
   -E também as memórias gloriosas           E vós, Tágides minhas, pois criado
  Daqueles Reis que foram dilatando       Tendes em mim um novo engenho ardente,
  A Fé, o Império, e as terras viciosas    Se sempre em verso humilde celebrado
De África e de Ásia andaram devastando       Foi de mim vosso rio alegremente,
   E aqueles que por obras valerosas       Dai-me agora um som alto e sublimado,
   Se vão da lei da Morte libertando,         Um estilo grandíloquo e corrente,
  Cantando espalharei por toda parte,       Porque de vossas águas, Febo ordene
 Se a tanto me ajudar o engenho e arte     Que não tenham inveja às de Hipoerene.
Os Lusíadas
                 Canto 1                                  Canto 1
                Invocação                                Dedicatória
                                             Vós, tenro e novo ramo florescente
   Dai-me uma fúria grande e sonorosa,
                                            De uma árvore de Cristo mais amada
  E não de agreste avena ou frauta ruda,
                                             Que nenhuma nascida no Ocidente,
      Mas de tuba canora e belicosa,
                                            Cesárea ou Cristianíssima chamada;
Que o peito acende e a cor ao gesto muda
                                           (Vede-o no vosso escudo, que presente
 Dai-me igual canto aos feitos da famosa
                                              Vos amostra a vitória já passada,
  Gente vossa, que a Marte tanto ajuda;
                                            Na qual vos deu por armas, e deixou
  Que se espalhe e se cante no universo,
                                             As que Ele para si na Cruz tomou)
   Se tão sublime preço cabe em verso
               Dedicatória
                                            Vós, poderoso Rei, cujo alto Império
      E vós, ó bem nascida segurança
                                           O Sol, logo em nascendo, vê primeiro;
     Da Lusitana antígua liberdade,
                                           Vê-o também no meio do Hemisfério,
    E não menos certíssima esperança
                                            E quando desce o deixa derradeiro;
  De aumento da pequena Cristandade;
                                            Vós, que esperamos jugo e vitupério
   Vós, ó novo temor da Maura lança,
                                               Do torpe Ismaelita cavaleiro,
      Maravilha fatal da nossa idade,
                                              Do Turco oriental, e do Gentio,
Dada ao mundo por Deus,que todo o mande
                                             Que inda bebe o licor do santo rio;
 Para do mundo a Deus dar parte grande;
.
                Canto 1                                   Canto 1
      Grandes Feitos dos Portugueses           Grandes Feitos dos Portugueses

 Ouvi, que não vereis com vãs façanhas,    Pois se a troco de Carlos, Rei de França,
    Fantásticas, fingidas, mentirosas,      Ou de César, quereis igual memória,
 Louvar os vossos, como nas estranhas        Vede o primeiro Afonso, cuja lança
  Musas, de engrandecer-se desejosas:        Escura faz qualquer estranha glória;
  As verdadeiras vossas são tamanhas        E aquele que a seu Reino a segurança
  Que excedem as sonhadas, fabulosas,      Deixou com a grande e próspera vitória;
Que excedem Rodamonte e o vão Rugeiro           Outro Joane, invicto cavaleiro,
  E Orlando, inda que fora verdadeiro.     O quarto e quinto Afonsos, e o terceiro..

   Por estes vos darei um Nuno fero,        Nem deixarão meus versos esquecidos
 Que fez ao Rei o ao Reino tal serviço,      Aqueles que nos Reinos lá da Aurora
Um Egas, e um D. Fuas, que de Homero          Fizeram, só por armas tão subidos,
      A cítara para eles só cobiço.           Vossa bandeira sempre vencedora:
  Pois pelos doze Pares dar-vos quero        Um Pacheco fortíssimo, e os temidos
Os doze de Inglaterra, e o seu Magriço;    Almeidas, por quem sempre o Tejo chora;
 Dou-vos também aquele ilustre Gama,          Albuquerque terríbil, Castro forte,
  Que para si de Eneias toma a fama.      E outros em quem poder não teve a morte .

                   ..
Soneto                        Redondilha maior

                                            Perdigão perdeu a pena
  Eu cantarei de amor tão docemente,     Não há mal que lhe não venha.
 Por uns termos em si tão concertados,
  Que dois mil acidentes namorados        Perdigão que o pensamento
  Faça sentir ao peito que não sente.       Subiu a um alto lugar,
                                             Perde a pena do voar,
  Farei que amor a todos avivente,        Ganha a pena do tormento.
  Pintando mil segredos delicados,        Não tem no ar nem no vento
  Brandas iras, suspiros magoados,        Asas com que se sustenha:
  Temerosa ousadia e pena ausente.       Não há mal que lhe não venha.
Também, Senhora, do desprezo honesto       Quis voar a u~a alta torre,
  De vossa vista branda e rigorosa,         Mas achou-se desasado;
Contentar-me-ei dizendo a menor parte.      E, vendo-se depenado,
                                            De puro penado morre.
  Porém, pera cantar de vosso gesto       Se a queixumes se socorre,
   A composição alta e milagrosa          Lança no fogo mais lenha:
   Aqui falta saber, engenho e arte.     Não há mal que lhe não venha.



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Sá de Miranda                     (1481-
1558)                                                        Sá de Miranda

                                                 Com o grau de doutor em Direito na
                                                      Universidade de Lisboa.
                                                   Em Itália (1521-26) contactou
                                                 os poetas do Renascimento italiano

                                                 Introduz em Portugal o soneto e os
                                                        versos decassilabos


                                                  --------------------------------------------

                                                 Bernardim Ribeiro

                                                     Prosador (Menina e Moça)
        --------------------------------------         e poeta renascentista,
        Bernardim Ribeiro                           Foi precursor do bucolismo e
                                 (1482-1552)     introduz a sextina na nossa Lingua


                                                                       ..
Quando eu, senhora, em vós os olhos ponho,   O sol é grande, caem co'a calma as aves,
    e vejo o que não vi nunca, nem cri       do tempo em tal sazão, que soe ser fria;
  que houvesse cá, recolhe-se a alma a si     esta água que d'alto cai acordar-me-ia
   e vou tresvaliando, como em sonho.         do sono não, mas de cuidados graves.

   Isto passado, quando me desponho,            Ó cousas, todas vãs, todas mudaves,
      e me quero afirmar se foi assi,           qual é tal coração qu'em vós confia?
      pasmado e duvidoso do que vi,              Passam os tempos, vai dia trás dia,
 m'espanto às vezes, outras m'avergonho.     incertos muito mais que ao vento as naves.

   Que, tornando ante vós, senhora, tal,        Eu vira já aqui sombras, vira flores,
   Quando m'era mister tant' outr' ajuda,        vi tantas águas, vi tanta verdura,
   de que me valerei, se alma não val?          as aves todas cantavam d'amores.

     Esperando por ela que me acuda,            Tudo é seco e mudo; e, de mestura,
  e não me acode, e está cuidando em al,     também mudando-m'eu fiz doutras cores:
    afronta o coração, a língua é muda.        e tudo o mais renova, isto é sem cura!


              Sá de Miranda.                               Sá de Miranda
Comigo me desavim,                             Menina fermosa,
       Vejo-me em grande perigo;                   que nos meus olhos andais,
        Não posso viver comigo,
                                                   dizei porque mos quebrais.
        Não posso fugir de mim.
                                                      Em vos vendo, vo-los dei:
      Antes que este mal tivesse,
                                                         logo vos passastes i;
         Da outra gente fugia.
                                                        nunca mais olhos abri,
           Agora já fugiria
                                                       nunca mais olhos çarrei.
      De mim se de mim pudesse.
                                                      Vós lhe sois regra, vós lei:
                                                     não fazem menos nem mais
       Que cabo espero ou que fim,
                                                      daquilo que lhes mandais.
          Deste cuidado que sigo,
        Pois trago a mim comigo,
                                                       Em pago desta verdade,
         Tamanho imigo de mim.
                                                   que estranhais porque não se usa,
------------------------------------------------
                                                   quebrais-mos… A alma confusa
                                                      não sabe quebrar vontade.
         Antre tremor e desejo,
                                                        Menina, contra a idade,
          Vã espernça e vã dor,
                                                        contra todos os sinais,
         Antre amor e desamor,
                                                       cruel sois cada vez mais.
         Meu triste coração vejo.
                     .
                                                        Tomais vingança da fé
         Nestes extremos cativo
                                                      que sempre convosco tive,
        Ando sem fazer mudança,
                                                     ou de quê? da alma que vive
          E já vivi d'esperança
                                                     por vós, onde quer que esté?
       E agora vivo de choro vivo.
                                                       Dizei, menina, porqu'é?
        Contra mi mesmo pelejo,
                                                     Tam vossos olhos quebrais?
         Vem d'ua dor outra dor
                                                       Não vo-los referto mais!
          E d'um desejo maior
        Nasce outro mor desejo.
                                                           Sá de Miranda
                              Sá de Miranda
.



      Aquela fé tão clara e verdadeira,         Dezarrezoado amor, dentro em meu peito
   A vontade tão limpa e tão sem mágoa,         tem guerra com a razão. Amor, que jaz
    Tantas vezes provada em viva frágua         i já de muitos dias, manda e faz
    De fogo, i apurada, e sempre inteira;       tudo o que quer, a torto e a direito.
                       .
        Aquela confiança, de maneira            Não espera razões, tudo é despeito,
Que encheu de fogo o peito, os olhos de água,   tudo soberba e força, faz, desfaz,
  Por que eu ledo passei por tanta mágoa,       sem respeito nenhum, e quando em paz
     Culpa primeira minha e derradeira,         cuidais que sois, então tudo é desfeito.
                       .
 De que me aproveitou? Não de al por certo      Doutra parte a razão tempos espia,
    Que dum só nome tão leve e tão vão,         espia ocasiões de tarde em tarde,
    Custoso ao rosto, tão custoso à vida.       que ajunta o tempo: em fim vem o seu dia.
                       .
 Dei de mim que falar ao longe e ao perto;      Então não tem lugar certo onde aguarde
     E já assi se consola a alma perdida,       amor; trata treições, que não confia
     Se não achar piedade, ache perdão.         nem dos seus. Que farei quando tudo arde?


                      Sá de Miranda                                        Sá de Miranda
Sextina
     Ontem pôs-se o sol, e a noute
      cobriu de sombra esta terra.                  (da Écloga de Jano e Franco)
         Agora é já outro dia,
        tudo torna, torna o sol;                      Dentro de meu pensamento
        só foi a minha vontade,
      para não tornar c’o tempo!                        há tanta contrariedade.
                                                     que sento contra o que sento
       Tôdalas cousas, per tempo,
       passam, como dia e noute;                      vontade e contra vontade.
          ũa só, minha vontade,                        Estou em tanto desvairo.
     não, que a dor comigo a aterra;                 que não me entendo comigo.
      nela cuido em quanto há sol,
        nela enquanto não há dia.                      Donde esperarei repairo?
                                                       que vejo grande o perigo
        Mal quero per um só dia
        a todo outro dia e tempo,                      e muito mor o contrairo.
       que a mim pôs-se-me o sol                     Quem me trouxe a esta terra
        onde eu só temia a noute;                       alheia, onde guardada
       tenho a mim sôbre a terra,
         debaxo minha vontade.                        me estava tamanha guerra.
                                                         e a esperança levada?
       Dentro na minha vontade
        não há momento do dia                       Comigo me estou espantando
        que não seja tudo terra;                     como em tão pouco me dei;
      ora ponho a culpa ao tempo,                    mas cuidando nisto estando.
       ora a torno a pôr à noute:
      no milhor pon-se-me o sol!                    os olhos com que outrem olhei
                                                    de mim se estavam vingando.”
       Haver de ser tudo terra
      quanto há debaixo do sol
     me descansa, porque o tempo
       me vingará da vontade;                           Bernardim Ribeiro
      se não que antes dêste dia
      há-de passar tanta noute!                                 .
                                Bernardim Ribeiro



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POESIA TROVADORESCA    .
      Séc. XII-XIII              Poesia trovadoresca,
                                ou galaico-portuguesa,


                              Subdividia-se em 3 categorias:
                        Cantigas de amigo, exclusivamente ibéricas
                      (uma mulher canta acerca do seu amigo, amor),

                      Cantigas de amor (um homem canta o seu amor)


                      Cantigas de escárnio e maldizer (o trovador diz
                      mal de alguém numa alusão irónica velada, mais
                                tarde há um insulto directo)

                      Os Jograis épicos com suas Canções de Gesta:
                        Em Portugal o ciclo épico sobre D.Afonso
                      Henriques traduzido em Crónicas dos séc XIV e
                                           XV

                       --- em Castela houvera o Cantar de Mio Cid
                                         c.1200
                      ---em França, a Chanson de Roland no séc XI
Cantiga de Amigo                  Cantiga de amigo

                                          Ondas do mar de Vigo,
  "Ai flores, ai flores do verde pino,     se vistes meu amigo!
   se sabedes novas do meu amigo!        E ai Deus, se verrá cedo!
            ai Deus, e u é?
  Ai flores, ai flores do verde ramo,     Ondas do mar levado,
  se sabedes novas do meu amado!          se vistes meu amado!
            ai Deus, e u é?              E ai Deus, se verrá cedo!

  Se sabedes novas do meu amigo,           Se vistes meu amigo,
aquel que mentiu do que pôs comigo!        o por que eu sospiro!
           ai Deus, e u é?               E ai Deus, se verrá cedo!
  Se sabedes novas do meu amado,
aquel que mentiu do que mi há jurado!      Se vistes meu amado,
           ai Deus, e u é?“              por que hei gran cuidado!
                                         E ai Deus, se verrá cedo!

        autoria do rei D.Diniz
                                              Martin Codax

                 Nota:
         e u é? (e onde está?)
Cantiga de Amigo
                                                                  Cantiga de amor
      Madre velida, meu amigo vi,
     non lhi falei e con el me perdí:
    e moir'[o] agora, querendo-lhi ben;                 A dona que eu am'e tenho por Senhor
      non lhi falei, ca o tiv'en desdén;              amostrade-me-a Deus, se vos en prazer for,
    moiro eu, madre, querendo-lhi ben.                        se non dade-me-a morte.

    Se lh'eu fiz torto, lazerar-mi-o-ei                A que tenh'eu por lume d'estes olhos meus
    con gran dereito, ca lhi non falei:              e porque choran sempr’ amostrade-me-a Deus
    e moir'[o] agora, querendo-lhi ben;                        se non dade-me-a morte.
      non lhi falei, ca o tiv'en desdén;
    moiro eu, madre, querendo-lhi ben.                 Essa que Vós fezestes melhor parecer
                                                      de quantas sei, a Deus, fazede-me-a veer,
         Madre velida, ide-lhi dizer                          se non dade-me-a morte.
     que faça ben e me venha veer:
    e moir'[o] agora, querendo-lhi ben;                 A Deus, que me-a fizestes mais amar,
      non lhi falei, ca o tiv'en desdén;               mostrade-me-a algo possa con ela falar,
    moiro eu, madre, querendo-lhi ben.                        se non dade-me-a morte.

Airas Carpancho (jogral galego- séc. XIII)                     (de Bernal de Bonaval )

                    Nota:
velida (formosa) ; ca (porque); lazerar (lastimar)
Cantiga de amor
                                                 Cantiga de escárnio
   Quer'eu em maneira de provençal
     fazer agora un cantar d'amor,          "Ai dona fea! Foste-vos queixar
    e querrei muit'i loar mia senhor       Que vos nunca louv'en meu trobar
   a que prez nen fremusura non fal,         Mais ora quero fazer un cantar
   nen bondade; e mais vos direi en:          En que vos loarei toda via;
   tanto a fez Deus comprida de ben          E vedes como vos quero loar:
 que mais que todas las do mundo val.          Dona fea, velha e sandia!

  Ca mia senhor quiso Deus fazer tal,      Ai dona fea! Se Deus mi pardon!
   quando a faz, que a fez sabedor         E pois havedes tan gran coraçon
   de todo ben e de mui gran valor,         Que vos eu loe en esta razon,
     e con todo est'é mui comunal             Vos quero já loar toda via;
    ali u deve; er deu-lhi bon sen,           E vedes qual será a loaçon:
   e des i non lhi fez pouco de ben,           Dona fea, velha e sandia!
quando non quis que lh'outra foss'igual.
                                             Dona fea, nunca vos eu loei
Ca en mia senhor nunca Deus pôs mal,       En meu trobar, pero muito trobei;
    mais pôs i prez e beldad'e loor         Mais ora já en bom cantar farei
    e falar mui ben, e riir melhor            En que vos loarei toda via;
    que outra molher; des i é leal           E direi-vos como vos loarei:
 muit', e por esto non sei oj'eu quen         Dona fea, velha e sandia!"
  possa compridamente no seu ben
  falar, ca non á, tra-lo seu ben, al.          Pero Garcia Burgalês,

           El-Rei D. Dinis,

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Florbela Espanca              Florbela Espanca
   1894-1930                Poetisa portuguesa.de nome
                     Flor Bela de Alma da Conceição Espanca,
                          nasceu em Vila Viçosa em 1894

                   Foi uma das primeiras mulheres em Portugal a
                   frequentar o curso secundário, onde lia obras
                    de Balzac, Dumas, Camilo Castelo Branco,
                            Guerra Junqueiro, Garrett.

                         Em 1919 saiu a sua primeira obra,
                       Livro de Mágoas, um livro de sonetos.

                   Em Janeiro de 1923 é publicada a sua segunda
                   coletânea de sonetos, Livro de Sóror Saudade

                     Em fins de1930 dá-se a publicação da sua
                          obra-prima Charneca em Flor.

                   Morre a 8 de Dezembro de 1930 em Matozinhos
                            por sobredose de barbitúricos
                                         .
Ser Poeta                      Perdi os Meus Fantásticos Castelos

   Ser poeta é ser mais alto, é ser maior         Perdi meus fantásticos castelos
Do que os homens!Morder como quem beija!       Como névoa distante que se esfuma...
   É ser mendigo e dar como quem seja         Quis vencer, quis lutar, quis defendê-los:
 Rei do Reino de Áquem e de Além Dor!          Quebrei as minhas lanças uma a uma!

     É ter de mil desejos o esplendor            Perdi minhas galeras entre os gelos
    E não saber sequer que se deseja!        Que se afundaram sobre um mar de bruma...
   É ter cá dentro um astro que flameja,      - Tantos escolhos! Quem podia vê-los? –
       É ter garras e asas de condor!         Deitei-me ao mar e não salvei nenhuma!

     É ter fome, é ter sede de Infinito!           Perdi a minha taça, o meu anel,
 Por elmo, as manhãs de oiro e de cetim...       A minha cota de aço, o meu corcel,
   É condensar o mundo num só grito!            Perdi meu elmo de ouro e pedrarias...

   E é amar-te, assim, perdidamente...        Sobem-me aos lábios súplicas estranhas...
  É seres alma, e sangue, e vida em mim       Sobre o meu coração pesam montanhas...
    E dizê-lo cantando a toda a gente!.      Olho assombrada as minhas mãos vazias...



                                                                   .
Versos                                   O Maior Bem

Versos! Versos! Sei lá o que são versos...      Este querer-te bem sem me quereres,
  Pedaços de sorriso, branca espuma,             Este sofrer por ti constantemente,
 Gargalhadas de luz, cantos dispersos,           Andar atrás de ti sem tu me veres
   Ou pétalas que caem uma a uma...                 Faria piedade a toda a gente.

 Versos!... Sei lá! Um verso é o teu olhar,    Mesmo a beijar-me a tua boca mente...
  Um verso é o teu sorriso e os de Dante       Quantos sangrentos beijos de mulheres
       Eram o teu amor a soluçar                 Pousa na minha a tua boca ardente,
   Aos pés da sua estremecida amante!         E quanto engano nos seus vãos dizeres!...

Meus versos!... Sei eu lá também que são...   Mas que me importa a mim que me não queiras
  Sei lá! Sei lá!... Meu pobre coração
  Partido em mil pedaços são talvez...         Se esta pena, esta dor, estas canseiras,
                                               Este mísero pungir, árduo e profundo,
Versos! Versos! Sei lá o que são versos...
Meus soluços de dor que andam dispersos        Do teu frio desamor, dos teus desdéns,
 Por este grande amor em que não crês...       É, na vida, o mais alto dos meus bens?
                                              É tudo quanto eu tenho neste mundo? -.”
Os versos que te fiz                       Se tu viesses ver-me...

 Deixa dizer-te os lindos versos raros       Se tu viesses ver-me hoje à tardinha,
 Que a minha boca tem pra te dizer!           A essa hora dos mágicos cansaços,
 São talhados em mármore de Paros           Quando a noite de manso se avizinha,
 Cinzelados por mim pra te oferecer.        E me prendesses toda nos teus braços...

   Têm dolência de veludos caros,           Quando me lembra: esse sabor que tinha
  São como sedas pálidas a arder...          A tua boca... o eco dos teus passos...
 Deixa dizer-te os lindos versos raros      O teu riso de fonte... os teus abraços...
 Que foram feitos pra te endoidecer!         Os teus beijos... a tua mão na minha...

Mas, meu Amor, eu não tos digo ainda...       Se tu viesses quando, linda e louca,
 Que a boca da mulher é sempre linda         Traça as linhas dulcíssimas dum beijo
Se dentro guarda um verso que não diz!         E é de seda vermelha e canta e ri

  Amo-te tanto! E nunca te beijei...       E é como um cravo ao sol a minha boca...
E nesse beijo, Amor, que eu te não dei     Quando os olhos se me cerram de desejo...
Guardo os versos mais lindos que te fiz!    E os meus braços se estendem para ti....




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Fernando Pessoa            Fernando António Nogueira Pessoa
   (Lisboa 1888-1935       Nasceu em 1888 em Lisboa. Aos 6 anos foi
                       para a África do Sul, em virtude do 2º casamento de
                               sua mãe com o cônsul em Durban.
                        Aí foi educado, aprendeu o inglês, língua em que
                          escreveu poesia e prosa desde a adolescência.
                                Regressou a Lisboa aos 17 anos.

                       Ao longo da vida trabalhou em firmas comerciais de
                        Lisboa como correspondente de língua inglesa e
                                            francesa.

                          Foi também empresário, editor, crítico literário,
                       jornalista, tradutor, publicitário, ao mesmo tempo que
                         produzia a sua obra literária em verso e em prosa.

                         É considerado um dos maiores poetas da Língua
                        Portuguesa e da Literatura Universal, muitas vezes
                                comparado com Luís de Camões.
                             Como poeta, desdobrou-se em múltiplas
                       personalidades –os heterónimos, Álvaro de Campos,
                         Ricardo Reis, Alberto Caeiro e Bernardo Soares
                       No seu percurso intelectual há sobretudo o relato de
                       uma grande viagem de descoberta, crendo que todos
                       os caminhos são verdadeiros e que o que é preciso é
                                  navegar (no mundo das ideias)
                                                 .
Poesias .Inéditas                           Todas as cartas de amor são
    A NOVELA inacabada,                                          Ridículas.
   Que o meu sonho completou,                    Não seriam cartas de amor se não fossem
      Não era de rei ou fada                                    Ridículas.
    Mas era de quem não sou.
                                               Também escrevi em meu tempo cartas de amor,
     Para além do que dizia                                 Como as outras,
     Dizia eu quem não era...                                  Ridículas.
       A primavera floria
   Sem que houvesse primavera.                        As cartas de amor, se há amor,
                                                                Têm de ser
      Lenda do sonho que vivo,                                  Ridículas.
        Perdida por a salvar...
   Mas quem me arrancou o livro                                 Mas, afinal,
     Que eu quis ter sem acabar?                   Só as criaturas que nunca escreveram
--------------------------------------------                   Cartas de amor
               A Ciência                                          É que são
  A CIÊNCIA, a ciência, a ciência...                              Ridículas.
    Ah, como tudo é nulo e vão!
      A pobreza da inteligência                   Quem me dera no tempo em que escrevia
     Ante a riqueza da emoção!                              Sem dar por isso
                                                            Cartas de amor
   Aquela mulher que trabalha                                  Ridículas.
 Como uma santa em sacrifício,
 Com tanto esforço dado a ralha!                           A verdade é que hoje
Contra o pensar, que é o meu vício!                        As minhas memórias
                                                           Dessas cartas de amor
 A ciência! Como é pobre e nada!                                É que são
   Rico é o que alma dá e tem.                                  Ridículas.
                                                                     Álvaro de Campos
Cancioneiro                       Não Sei Quantas Almas Tenho
        Ao longe, ao luar,
          No rio uma vela,                    Não sei quantas almas tenho.
          Serena a passar,                      Cada momento mudei.
        Que é que me revela ?                 Continuamente me estranho.
                                               Nunca me vi nem acabei.
        Não sei, mas meu ser                  De tanto ser, só tenho alma.
       Tornou-se-me estranho,                Quem tem alma não tem calma.
        E eu sonho sem ver                      Quem vê é só o que vê,
        Os sonhos que tenho.                   Quem sente não é quem é,
      Que angústia me enlaça ?                 Atento ao que sou e vejo,
      Que amor não se explica ?                 Torno-me eles e não eu.
         É a vela que passa                    Cada meu sonho ou desejo
          Na noite que fica.                   É do que nasce e não meu.
----------------------------------------      Sou minha própria paisagem;
  AMEAÇOU CHUVA. E a negra                     Assisto à minha passagem,
    Nuvem passou sem mais...                      Diverso, móbil e só,
    Todo o meu ser se alegra                  Não sei sentir-me onde estou.
       Em alegrias iguais.
                                               Por isso, alheio, vou lendo
       Nuvem que passa... Céu                   Como páginas, meu ser.
        Que fica e nada diz...                 O que sogue não prevendo,
        Vazio azul sem véu                      O que passou a esquecer.
        Sobre a terra feliz...                  Noto à margem do que li
                                                O que julguei que senti.
     E a terra é verde, verde...                Releio e digo: “Fui eu?”
     Por que então minha vista                Deus sabe, porque o escreveu
    Por meus sonhos se perde?
  De que é que a minha alma dista?
O poeta é um fingidor.         Dizem que finjo ou minto
  Finge tão completamente           Tudo que escrevo. Não.
                                     Eu simplesmente sinto
que chega a fingir que é dor
                                      Com a imaginação.
  A dor que deveras sente.            Não uso o coração.
E os que lêem o que escreve,      Tudo o que sonho ou passo,
  Na dor lida sentem bem,          O que me falha ou finda,
 Não as duas que ele teve,          É como que um terraço
 Mas só a que eles não têm.         Sobre outra coisa ainda.
                                    Essa coisa é que é linda.
 E assim nas calhas de roda
                                   Por isso escrevo em meio
   Gira, a entreter a razão,        Do que não está ao pé,
   Esse comboio de corda             Livre do meu enleio,
   Que se chama coração.              Sério do que não é.
                                    Sentir? Sinta quem lê!
 ¡Gato que brincas na rua      Somos do tamanho de nossos sonhos
  Como se fosse na cama,
   Invejo a sorte que é tua               Sim, sei bem
 Porque nem sorte se chama.         Que nunca serei alguém.
  Bom servo das leis fatais               Sei de sobra
 Que regem pedras e gentes,        Que nunca terei uma obra.
                                           Sei, enfim,
  Que tens instintos gerais        Que nunca saberei de mim.
   E sentes só o que sentes.            Sim, mas agora,
  És feliz porque és assim,         Enquanto dura esta hora,
  Todo o nada que és é teu.          Este luar, estes ramos,
Eu vejo-me e estou sem mim,        Esta paz em que estamos,
  Conheço-me e não sou eu.              Deixem-me crer
                                    O que nunca poderei ser.
Cancioneiro                      Cancioneiro
   Ó sino da minha aldeia
                                  Dorme enquanto eu velo...
   Ó sino da minha aldeia             Deixa-me sonhar...
    dolente na tarde calma,         Nada em mim é risonho.
      cada tua badalada              Quero-te para sonho,
 soa dentro da minha alma...           Não para te amar.
   E é tão lento o teu soar,           A tua carne calma
   tão como triste da vida,          É fria em meu querer.
  que já a primeira pancada      Os meus desejos são cansaços.
    tem o som de repetida.         Nem quero ter nos braços
Por mais que me tanjas perto,       Meu sonho do teu ser.
quando passo, sempre errante,        Dorme, dorme. dorme,
és para mim como um sonho,            Vaga em teu sorrir...
  soas-me na alma distante.           Sonho-te tão atento
     A cada pancada tua,          Que o sonho é encantamento
   vibrante no céu aberto,          E eu sonho sem sentir.
 sinto o passado mais longe,
 sinto a saudade mais perto...
Não: não digas nada!
     Cancioneiro                     Supor o que dirá
                                    A tua boca velada
                                       É ouvi-lo já
  Ao longe, ao luar,                 É ouvi-lo melhor
                                     Do que o dirias.
   No rio uma vela               O que és não vem à flor
   Serena a passar,               Das frases e dos dias.
                                  És melhor do que tu.
 Que é que me revela?              Não digas nada: sê!
                                    Graça do corpo nu
                                   Que invisível se vê.
  Não sei, mas meu ser     ----------------------------------------
 Tornou-se-me estranho,       O amor, quando se revela,
                                   não se sabe revelar.
  E eu sonho sem ver             Sabe bem olhar p'ra ela,
  Os sonhos que tenho            mas não lhe sabe falar.
                              Quem quer dizer o que sente
            .                  não sabe o que há de dizer.
Que angústia me enlaça?          Fala: parece que mente.
                                  Cala: parece esquecer.
Que amor não se explica?
   É a vela que passa         Ah, mas se ela adivinhasse,
                               se pudesse ouvir o olhar,
   Na noite que fica.         e se um olhar lhe bastasse
                             pra saber que a estão a amar!
                             Mas quem sente muito, cala;
                             quem quer dizer quanto sente
                                fica sem alma nem fala,
                                  fica só, inteiramente!
Cancioneiro                    Cancioneiro
                               Tenho tanto sentimento
  Entre o sono e sonho,      Que é freqüente persuadir-me
Entre mim e o que em mim       De que sou sentimental,
 É o quem eu me suponho      Mas reconheço, ao medir-me,
  Corre um rio sem fim.      Que tudo isso é pensamento,
                                Que não senti afinal.
Passou por outras margens,
   Diversas mais além,        Temos, todos que vivemos,
 Naquelas várias viagens        Uma vida que é vivida
   Que todo o rio tem.        E outra vida que é pensada,
                               E a única vida que temos
 Chegou onde hoje habito         É essa que é dividida
  A casa que hoje sou.       Entre a verdadeira e a errada.
 Passa, se eu me medito;
   Se desperto, passou.       Qual porém é a verdadeira
                               E qual errada, ninguém
 E quem me sinto e morre         Nos saberá explicar;
  No que me liga a mim          E vivemos de maneira
 Dorme onde o rio corre -     Que a vida que a gente tem
    Esse rio sem fim.          É a que tem que pensar.
                                           ..
Cancioneiro                            Liberdade
                                                Ai que prazer
                                           não cumprir um dever.
 Grandes mistérios habitam                  Ter um livro para ler
    O limiar do meu ser,                        e não o fazer!
   O limiar onde hesitam                        Ler é maçada,
 Grandes pássaros que fitam                    estudar é nada.
Meu transpor tardo de os ver.            O sol doira sem literatura.
 São aves cheias de abismo,               O rio corre bem ou mal,
                                            sem edição original.
  Como nos sonhos as há.
                                E a brisa, essa, de tão naturalmente matinal
  Hesito se sondo e cismo,          como tem tempo, não tem pressa...
E à minha alma é cataclismo        Livros são papéis pintados com tinta.
     O limiar onde está.        Estudar é uma coisa em que está indistinta
  Então desperto do sonho        A distinção entre nada e coisa nenhuma.
     E sou alegre da luz,           Quanto melhor é quando há bruma.
 Inda que em dia tristonho;              Esperar por D. Sebastião,
                                            Quer venha ou não!
 Porque o limiar é medonho
                                Grande é a poesia, a bondade e as danças...
  E todo passo é uma cruz.       Mas o melhor do mundo são as crianças,
                                  Flores, música, o luar, e o sol que peca
                                     Só quando, em vez de criar, seca.
                                             E mais do que isto
                                               É Jesus Cristo,
                                      Que não sabia nada de finanças,
                                   Nem consta que tivesse biblioteca...
Não sei quantas almas tenho.          Eu amo tudo o que foi
   Cada momento mudei.                  Tudo o que já não é
 Continuamente me estranho.           A dor que já não me dói
   Nunca me vi nem achei.
                                       A antiga e errônea fé
 De tanto ser, só tenho alma.
Quem tem alma não tem calma.         O ontem que a dor deixou
   Quem vê é só o que vê,              O que deixou alegria
  Quem sente não é quem é              Só porque foi, e voou
                                       E hoje é já outro dia.
Atento ao que eu sou e vejo,
  Torno-me eles e não eu.                       --- * ---
 Cada meu sonho ou desejo
 É do que nasce e não meu.          Hoje de manhã saí muito cedo,
Sou minha própria paisagem,         Por ter acordado ainda mais cedo
 Assisto à minha passagem,         E não ter nada que quisesse fazer...
    Diverso, móbil e só,             Não sabia que caminho tomar
Não sei sentir-me onde estou.          Mas o vento soprava forte,
                                          varria para um lado,
 Por isso, alheio, vou lendo                E segui o caminho
  Como páginas, meu ser.        para onde o vento me soprava nas costas.
   O que segue prevendo,         Assim tem sido sempre a minha vida, e
  O que passou a esquecer.        Assim quero que possa ser sempre –
  Noto à margem do que li              Vou onde o vento me leva
  O que julguei que senti.               e não me Sinto pensar.
  Releio e digo: "Fui eu"?                                  Alberto Caeiro
Deus sabe, porque o escreveu.
Mensagem                                   Mensagem.
                     .                                       2ª Parte
  1ª PARTE – BRASÃO (19 poemas)                            I-O Infante
Pessoa, percorre as peças e figuras de um
brasão real do séc XV, associando a cada,   Deus quer, o homem sonha, a obra nasce.
  uma personalidade da nossa história.        Deus quis que a terra fosse toda uma,
                                               Que o mar unisse, já não separasse.
                                            Sagrou-te, e foste desvendando a espuma,
   2ª PARTE – MAR PORTUGUÊS
     Aborda a Idade das Descobertas         E a orla branca foi de ilha em continente,
                                            Clareou, correndo, até ao fim do mundo,
                                               E viu-se a terra inteira, de repente,
    3ª PARTE – O ENCOBERTO                     Surgir, redonda, do azul profundo.
  Trata do advento do Quinto Império
  do Mundo, que será liderado por um          Quem te sagrou criou-te português.
   português - O Encoberto, o Rei ou           Do mar e nós em ti nos deu sinal.
  D.Sebastião, como é indistintamente       Cumpriu-se o Mar, e o Império se desfez.
               chamado.                        Senhor, falta cumprir-se Portugal!
Mensagem.                                 Mensagem.
            2ª Parte:                                 3ª Parte
         X-Mar Português                          O Quinto Império

    Ó mar salgado, quanto do teu sal         Triste de quem vive em casa,
        São lágrimas de Portugal!               Contente com o seu lar,
Por te cruzarmos, quantas mães choraram   Sem que um sonho, no erguer de asa,
     Quantos filhos em vão rezaram!           Faça até mais rubra a brasa,
    Quantas noivas ficaram por casar            Da lareira a abandonar!
      Para que fosses nosso, ó mar!
                                                Triste de quem é feliz!
   Valeu a pena? Tudo vale a pena              Vive porque a vida dura.
      Se a alma não é pequena.                  Nada na alma lhe diz
  Quem quer passar além do Bojador             Mais que a lição da raíz
    Tem que passar além da dor.                 Ter por vida sepultura
 Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
    Mas nele é que espelhou o céu.            Grécia, Roma, Cristandade,
                                                Europa- os quatro se vão
                                               Para onde vae toda edade.
                                               Quem vem viver a verdade
                                              Que morreu Dom Sebastião?
                                                           .
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José Régio                  José Maria dos Reis Pereira
Vila do Conde    (1901-
       1969)                Poeta, com o pseudónimo José Régio.

                          Nascido em Vila do Conde, formou-se em
                             Coimbra em Filologia Românica.

                           Viveu grande parte da sua vida na cidade
                            de Portalegre, onde lecionou no Liceu
                          local, Português e Francês de 1928 a 1967.

                           Em 1927, com Branquinho da Fonseca e
                            João Gaspar Simões, fundou a revista
                             Presença, publicada durante 13 anos

                           É considerado um dos grandes criadores
                              da moderna literatura portuguesa.
                           Refletiu na sua obra problemas relativos
                             ao conflito entre Deus e o Homem,
                                  o indivíduo e a sociedade

                          Hoje, as suas casas em Vila do Conde e em
                                 Portalegre são casas-museu.
CÂNTICO NEGRO                                   CÂNTICO NEGRO (continuação)
"Vem por aqui" - dizem-me alguns com os olhos doces                   Como, pois sereis vós
        Estendendo-me os braços, e seguros               Que me dareis impulsos, ferramentas e coragem
        De que seria bom que eu os ouvisse                  Para eu derrubar os meus obstáculos?...
        Quando me dizem: "vem por aqui!"                 Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
           Eu olho-os com olhos lassos,                             E vós amais o que é fácil!
      (Há, nos olhos meus, ironias e cansaços)                    Eu amo o Longe e a Miragem,
                 E cruzo os braços,                       Amo os abismos, as torrentes, os desertos…
                E nunca vou por ali...
                                                                       Ide! Tendes estradas,
                A minha glória é esta:                           Tendes jardins, tendes canteiros,
                Criar desumanidade!                                Tendes pátria, tendes tectos,
             Não acompanhar ninguém.                     E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios...
      - Que eu vivo com o mesmo sem-vontade                        Eu tenho a minha Loucura !
        Com que rasguei o ventre à minha mãe            Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
                                                         E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios
        Não, não vou por aí! Só vou por onde
         Me levam meus próprios passos...                  Deus e o Diabo é que guiam, mais ninguém.
   Se ao que busco saber nenhum de vós responde              Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
       Por que me repetis: "vem por aqui!"?                 Mas eu, que nunca principio nem acabo,
                                                           Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.
      Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
              Redemoinhar aos ventos,                       Ah, que ninguém me dê piedosas intenções!
     Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,                   Ninguém me peça definições!
                    A ir por aí...                             Ninguém me diga: "vem por aqui"!
                                                            A minha vida é um vendaval que se soltou.
               Se vim ao mundo, foi                               É uma onda que se alevantou.
         Só para desflorar florestas virgens,                  É um átomo a mais que se animou...
   E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!                 Não sei por onde vou,
          O mais que faço não vale nada.                              Não sei para onde vou
                                                                     -Sei que não vou por aí!
                         .!
FADO PORTUGUÊS                 FADO PORTUGUÊS (continuação)

    O fado nasceu num dia          Por mar além, chão que treme,
  Em que o vento mal bulia          O dim-dom da corda freme
  E o céu o mar prolongava,        De espanto, angústia, incerteza;
   Na amurada dum veleiro,          Mas reluz no olhar do triste
  No peito de um marinheiro        Não sei que alto apelo em riste
  Que estando triste, cantava.     Contra essa humana fraqueza...

 (- Saudades da terra firme,        (- Que terra é esta..., este mar
 Da terra onde o mar acabe,             Que só acaba nos céus,
 Da casinha, e das mulheres,           Ou nem lá tem sua fim?...
  Guitarra, vem assistir-me,            Ou hei-de-o eu acabar;
Que a gente é bruto e não sabe,      Ou hei-de, querendo Deus!,
Expressa-as tu, se souberes...)        Ou ele acabar a mim!) .
                                      Casada à trémula corda,
    Por esse mar além fora,         Sobe a voz trémula..., acorda
 A guitarra, dim... dom, chora,      Tristezas do peito inteiro,
  Tem pausas, ais e soluços.         E as sereias que enlevadas
  E tão bem faz isso à gente,         Se agarram às amuradas
   Que o triste bruto valente         Do frágil barco veleiro.
  Chora sobre ela de bruços!
                                    (- Ai que lindeza tamanha,
 (- Mãe, adeus! Adeus, Maria!     Meu chão, meu monte, meu vale,
   Guarda bem no teu sentido      De folhas, flores, frutos de ouro!
   Que aqui te faço uma jura       Vê se vês terras de Espanha,
   Que ou te levo à sacristia,          Areias de Portugal,
  Ou foi Deus que foi servido       Olhar ceguinho de choro...)
  Dar-me no mar sepultura!).
                                                   .
FADO PORTUGUÊS (contª)
                                    FADO PORTUGUÊS (contª)
 Deitando o olhar às lonjuras,
                                      Na boca do marinheiro
    Só vê funduras, alturas
                                      Do frágil barco veleiro,
 Das águas, dos céus, da bruma
                                    Morrendo, a canção magoada
  E as rijas pomas redondas,
                                     Diz o pungir dos desejos
  De bico a boiar nas ondas,
                                    Do lábio a queimar de beijos
  Das sereias cor de espuma.
                                    Que beija o ar, e mais nada.
(- Sei eu, sequer, porque venho,
                                    (- Mãe, adeus! Adeus, Maria!
    Deixando a jeira de chão
                                      Guarda bem no teu sentido
  Que ao menos me não fugia,
                                      Que aqui te faço uma jura
   Atrás de não sei que tenho
                                      Que ou te levo à sacristia,
     Tão dentro do coração
                                     Ou foi Deus que foi servido
Que inté julguei que existia...?)
                                      Dar-me no mar sepultura!)
   E à voz que sobe a tremer,
                                      Sob o alvor da lua cheia,
 Morre lá longe..., e ao morrer,
                                       Naquela noite, a sereia
 Sobe outra vez, mais se aferra,
                                      Cujo seio mais se enrista
   Que etéreo coro responde
                                      Da aurora até ao sereno
 De vozes que chegam de onde
                                       Beijou o corpo moreno
  Não seja nem mar nem terra!
                                      Do moço nauta fadista...
(- Quem canta com voz tão benta
                                    (- Que terra é esta..., este mar
 Que ou são-nos anjos nos céus
                                        Que só acaba nos céus
    Ou é demónio a atentar?
                                       Ou nem lá tem sua fim?...
  Se é demónio, não me atenta,
                                        Ou hei-de-o eu acabar;
 Que a minh´alma é só de Deus,
                                     Ou hei-de, querendo Deus!,
   O corpo, dou-o eu ao mar...)
                                        Ou ele acabar a mim!)
FADO PORTUGUÊS (contª)                               SABEDORIA

     Nas vias lácteas faiscantes
                                                Desde que tudo me cansa,
   Que esmigalhado em diamantes
       O luar no mar espraia,                      Comecei eu a viver.
  Um dim-dom..., dim-dom tremente,            Comecei a viver sem esperança...
    Mais doces queixas de gente,                 E venha a morte quando
      Vão ter a uma certa praia.                       Deus quiser.
     (- Ai que lindeza tamanha,
                                                Dantes, ou muito ou pouco,
   Meu chão, meu monte, meu vale,
   De folhas, flores, frutos de ouro!                 Sempre esperara:
    Vê se vês terras de Espanha,           Às vezes, tanto, que o meu sonho louco
         Areias de Portugal,                   Voava das estrelas à mais rara;
     Olhar ceguinho de choro...)                      Outras, tão pouco,
                                          Que ninguém mais com tal se conformara.
     E as mães de filhos ausentes
     Acordam batendo os dentes,
                                                   Hoje, é que nada espero.
    Torcendo as mãos, e carpindo,
     Sabendo todas que é a morte                      Para quê, esperar?
      Que chega daquela sorte,            Sei que já nada é meu senão se o não tiver;
      No luar funéreo e lindo...            Se quero, é só enquanto apenas quero;
                                        Só de longe, e secreto, é que inda posso amar...
    Ora eis que embora, outro dia,          E venha a morte quando Deus quiser.
     Quando o vento nem bulia
     E o céu o mar prolongava,
                                             Mas, com isto, que têm as estrelas?
        À proa doutro veleiro,
      Velava outro marinheiro                Continuam brilhando, altas e belas.
     Que estava triste e cantava.




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Cesário Verde                  Cesário Verde
    1855-86
                Natural de Caneças, Loures, oriundo de uma família
                burguesa abastada. O pai era lavrador e comerciante
                  (com uma loja de ferragens na baixa lisboeta).
                  Por essas duas actividades práticas, se repartia a
                 vida do poeta. e paralelamente, ia alimentando o
                   seu gosto pela leitura e pela criação literária,
                    embora longe dos meios literários oficiais .

                     A partir de 1875 produziu alguns dos seus
                 melhores poemas: «Num Bairro Moderno» (1877),
                     «Em Petiz» (1878) e «O Sentimento dum
                   Ocidental» (1880). Este último foi escrito por
                 ocasião do 3º centenário da morte de Camões e é,
                ainda hoje, um dos textos mais conhecidos do poeta
                   Em 1884, no poema «Nós», a cidade e o campo
                  surgem como tema principal neste longo poema
                              narrativo autobiográfico

                 Formado dentro dos moldes do realismo literário,
                 Cesário afirmou-se pela sua oposição ao lirismo
                  tradicional. Deteve-se em deambulações pela
                   cidade ou pelo campo, através de processos
                    impressionistas, de grande sugestividade .
Num Bairro Moderno                    Do patamar responde-lhe um criado:
 Dez horas da manhã; os transparentes     "Se te convém, despacha; não converses.
    Matizam uma casa apalaçada;            Eu não dou mais." È muito descansado,
Pelos jardins estancam-se as nascentes,        Atira um cobre lívido, oxidado,
E fere a vista, com brancuras quentes,     Que vem bater nas faces duns alperces.
      A larga rua macadamizada.
                                            Subitamente - que visão de artista! -
Rez-de-chaussée repousam sossegados,      Se eu transformasse os simples vegetais,
   Abriram-se, nalguns, as persianas,         À luz do Sol, o intenso colorista,
E dum ou doutro, em quartos estucados,     Num ser humano que se mova e exista
  Ou entre a rama do papéis pintados,       Cheio de belas proporções carnais?!
 Reluzem, num almoço, as porcelanas.
                                             Bóiam aromas, fumos de cozinha;
 Como é saudável ter o seu conchego,        Com o cabaz às costas, e vergando,
    E a sua vida fácil! Eu descia,           Sobem padeiros, claros de farinha;
Sem muita pressa, para o meu emprego,       E às portas, uma ou outra campainha
  Aonde agora quase sempre chego             Toca, frenética, de vez em quando.
  Com as tonturas duma apoplexia.
                                             E eu recompunha, por anatomia,
    E rota, pequenina, azafamada,          Um novo corpo orgânico, ao bocados.
    Notei de costas uma rapariga,          Achava os tons e as formas. Descobria
Que no xadrez marmóreo duma escada,            Uma cabeça numa melancia,
Como um retalho da horta aglomerada          E nuns repolhos seios injetados.
   Pousara, ajoelhando, a sua giga.
                                              As azeitonas, que nos dão o azeite,
     E eu, apesar do sol, examinei-a.        Negras e unidas, entre verdes folhos,
 Pôs-se de pé, ressoam-lhe os tamancos;     São tranças dum cabelo que se ajeite;
  E abre-se-lhe o algodão azul da meia,     E os nabos - ossos nus, da cor do leite,
    Se ela se curva, esguelhada, feia,    E os cachos de uvas - os rosários de olhos.
E pendurando os seus bracinhos brancos.
Eu e Ela
             Heroísmos

  Eu temo muito o mar, o mar enorme,          Cobertos de folhagem, na verdura,
    Solene, enraivecido, turbulento,         O teu braço ao redor do meu pescoço,
Erguido em vagalhões, rugindo ao vento;       O teu fato sem ter um só destroço,
O mar sublime, o mar que nunca dorme.         O meu braço apertando-te a cintura;

 Eu temo o largo mar, rebelde, informe,      Num mimoso jardim, ó pomba mansa,
     De vítimas famélico, sedento,          Sobre um banco de mármore assentados.
   E creio ouvir em cada seu lamento        Na sombra dos arbustos, que abraçados,
    Os ruídos dum túmulo disforme.             Beijarão meigamente a tua trança.

 Contudo, num barquinho transparente,        Nós havemos de estar ambos unidos,
   No seu dorso feroz vou blasonar,          Sem gozos sensuais, sem más idéias,
 Tufada a vela e n'água quase assente,      Esquecendo para sempre as nossas ceias,
                                               E a loucura dos vinhos atrevidos.
E ouvindo muito ao perto o seu bramar,
Eu rindo, sem cuidados, simplesmente,         Nós teremos então sobre os joelhos
 Escarro, com desdém, no grande mar!          Um livro que nos diga muitas cousas
                  .                       Dos mistérios que estão para além das lousas,
                                           Onde havemos de entrar antes de velhos.

                                                Outras vezes buscando distração,
                                              Leremos bons romances galhofeiros,
                                                 Gozaremos assim dias inteiro,
                                               Formando unicamente um coração.

                                                                .
Em Petiz – Irmãozinhos
            Em Petiz - De Tarde
                                                   Pois eu, que no deserto dos caminhos,
Mais morta do que viva, a minha companheira      Por ti me expunha imenso, contra as vacas;
  Nem força teve em si para soltar um grito;      Eu, que apartava as mansas das velhacas,
E eu, nesse tempo, um destro e bravo rapazito,       Fugia com terror dos pobrezinhos!
Como um homenzarrão servi-lhe de barreira!        Vejo-os no pátio, ainda! Ainda os ouço!
                                                  Os velhos, que nos rezam padre-nossos;
  Em meio de arvoredo, azenhas e ruínas,          Os mandriões que rosnam, altos, grossos;
Pulavam para a fonte as bezerrinhas brancas;      E os cegos que se apóiam sobre o moço.
 E, tetas a abanar, as mães, de largas ancas,
                                                  Ah! Os ceguinhos com a cor dos barros,
  Desciam mais atrás, malhadas e turinas.
                                                     Os que a poeira no suor mascarra,
                                                    Chegam das feiras a tocar guitarra,
  Do seio do lugar - casitas com postigos -         Rolam os olhos como dois escarros!
 Vem-nos o leite. Mas batizam-no primeiro.       E os pobres metem medo! Os de marmita,
 Leva-o, de madrugada, em bilhas, o leiteiro,       Para forrar, por ano, alguns patacos,
 Cujo pregão vos tira ao vosso sono, amigos!       Entrapam-se nas mantas com buracos,
                                                   Choramingando, a voz rachada, aflita.
  Nós dávamos, os dois, um giro pelo vale:
 Várzeas, povoações, pegos, silêncios vastos!      Outros pedincham pelas cinco chagas;
 E os fartos animais, ao recolher dos pastos,        E no poial, tirando as ligaduras,
  Roçavam pelo teu "costume de percale".           Mostram as pernas pútridas, maduras,
                                                   Com que se arrastam pelas azinhagas!
                                                   Querem viver! E picam-se nos cardos;
     Já não receias tu essa vaquita preta,          Correm as vilas; sobem os outeiros;
Que eu seguirei, prendi por um chavelho? Juro      E às horas de calor, nos esterqueiros,
  Que estavas a tremer, cosida com o muro,         De roda deles zumbem os moscardos.
 Ombros em pé, medrosa, e fina, de luneta!
                       .                         Aos sábados, os monstros, que eu lamento,
                                                   Batiam ao portão com seus cajados;
                                                   E um aleijado com os pés quadrados,
                                                    Pedia-nos de cima de um jumento.
O SENTIMENTO DE UM OCIDENTAL                      O SENTIMENTO DE UM OCIDENTAL
            AVÉ-MARIAS                                   AVÉE-MARIAS (continuação)

          Nas nossas ruas, ao anoitecer,              E o fim da tarde inspira-me; e incomoda!
     Há tal soturnidade, há tal melancolia,          De um couraçado inglês vogam os escaleres;
   Que as sombras, o bulício, o Tejo, a maresia       E em terra num tinido de louças e talheres
   Despertam-me um desejo absurdo de sofrer.         Flamejam, ao jantar, alguns hotéis da moda.

       O céu parece baixo e de neblina,              Num trem de praça arengam dois dentistas;
   O gás extravasado enjoa-me, perturba-me;         Um trôpego arlequim braceja numas andas;
   E os edifícios, com as chaminés, e a turba        Os querubins do lar flutuam nas varandas;
   Toldam-se duma cor monótona e londrina.          Às portas, em cabelo, enfadam-se os lojistas!

     Batem os carros de aluguer, ao fundo,               Vazam-se os arsenais e as oficinas;
  Levando à via-férrea os que se vão. Felizes!      Reluz, viscoso, o rio, apressam-se as obreiras;
  Ocorrem-me em revista, exposições, países:        E num cardume negro, hercúleas, galhofeiras,
Madrid, Paris, Berlim, Sampetersburgo, o mundo!      Correndo com firmeza, assomam as varinas.

      Semelham-se a gaiolas, com viveiros,                Vêm sacudindo as ancas opulentas!
      As edificações somente emadeiradas:            Seus troncos varonis recordam-me pilastras;
     Como morcegos, ao cair das badaladas,           E algumas, à cabeça, embalam nas canastras
 Saltam de viga em viga, os mestres carpinteiros.   Os filhos que depois naufragam nas tormentas.

       Voltam os calafates, aos magotes,                 Descalças! Nas descargas de carvão,
  De jaquetão ao ombro, enfarruscados, secos,         Desde manhã à noite, a bordo das fragatas;
Embrenho-me a cismar, por boqueirões, por becos,     E apinham-se num bairro aonde miam gatas,
   Ou erro pelos cais a que se atracam botes.         E o peixe podre gera os focos de infecção!

       E evoco, então, as crónicas navais:
   Mouros, baixéis, heróis, tudo ressuscitado
 Luta Camões no Sul, salvando um livro a nado!
 Singram soberbas naus que eu não verei jamais!
VAIDOSA
            DE TARDE

 Naquele pique-nique de burguesas,           Dizem que tu és pura como um lírio
Houve uma coisa simplesmente bela,          E mais fria e insensível que o granito,
E que, sem ter história nem grandezas,        E que eu que passo aí por favorito
                                               Vivo louco de dor e de martírio.
 Em todo o caso dava uma aguarela.
                                           Contam que tens um modo altivo e sério,
 Foi quando tu, descendo do burrico,        Que és muito desdenhosa e presumida,
 Foste colher, sem imposturas tolas,          E que o maior prazer da tua vida,
 A um granzoal azul de grão-de-bico          Seria acompanhar-me ao cemitério.
  Um ramalhete rubro de papoulas.
                                           Chamam-te a bela imperatriz das fátuas,
                                                 A déspota, a fatal, o figurino,
Pouco depois, em cima duns penhascos,      E afirmam que és um molde alabastrino,
  Nós acampámos, inda o Sol se via;         E não tens coração como as estátuas.
 E houve talhadas de melão, damascos,
  E pão-de-ló molhado em malvasia.              E narram o cruel martirológio
                                            Dos que são teus, ó corpo sem defeito,
                                            E julgam que é monótono o teu peito
  Mas, todo púrpuro a sair da renda
                                             Como o bater cadente dum relógio.
 Dos teus dois seios como duas rolas,
 Era o supremo encanto da merenda           Porém eu sei que tu, que como um ópio
  O ramalhete rubro das papoulas!            Me matas, me desvairas e adormeces,
                                            És tão loira e doirada como as messes,
                                         E possuis muito amor... muito amor próprio..




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ue cedo Entre os braços de Nise, entre estas flores, Furtivas glórias, tácitos favores, Hei-de enfim possuir: porém segredo! Nas asas frouxos ais, brandos queixumes




                                        Bocage                                                                Bocage
                       (Manuel Maria Barbosa                                          Poeta, possivelmente, o maior representante do
                                du)                                                    arcadismo lusitano (aderiu à Nova Arcádia em
                              Setúbal, 1765 – Lisboa, 1805                              1790 com o pseudónimo de Elmano Sadino).
                                                                                                                .
                                                                                        Estudou os clássicos e as mitologias grega e
                                                                                                latina, estudou francês e latim .
                                                                                       Fez estudos na Escola da Marinha Real, sendo
                                                                                          nomeado guarda-marinha por D. Maria I..
                                                                                        Em 1786, foi como oficial de marinha para a
                                                                                               Índia, tendo desertado em 1789
                                                                                        A década seguinte é a da sua maior produção
                                                                                      literária e também o período de maior boémia e
                                                                                                        vida de aventuras.
                                                                                       Foi preso 1 ano por ordem do Intendente Pina
                                                                                       Manique por ser “desordenado nos costumes”

                                                                                        Bocage cultivou diversos géneros poéticos,
                                                                                         como o soneto, a sátira, a ode, a canção, o
                                                                                       epigrama e a alegoria, seu talento evidenciou-
                                                                                         se de forma bem diferenciada em cada um
                                                                                                           deles
Já Bocage não sou!... À cova escura            Proposição das rimas do poeta

  Já Bocage não sou!... À cova escura            Incultas produções da mocidade
 Meu estro vai parar desfeito em vento...       Exponho a vossos olhos, ó leitores:
  Eu aos céus ultrajei! O meu tormento       Vede-as com mágoa, vede-as com piedade,
   Leve me torne sempre a terra dura.        Que elas buscam piedade, e não louvores:
    Conheço agora já quão vã figura             Ponderai da Fortuna a variedade
 Em prosa e verso fez meu louco intento.      Nos meus suspiros, lágrimas e amores;
  Musa!... Tivera algum merecimento,           Notai dos males seus a imensidade,
  Se um raio da razão seguisse, pura!           A curta duração de seus favores:
  Eu me arrependo; a língua quase fria          E se entre versos mil de sentimento
   Brade em alto pregão à mocidade,             Encontrardes alguns cuja aparência
   Que atrás do som fantástico corria:            Indique festival contentamento,
    Outro Aretino fui... A santidade         Crede, ó mortais, que foram com violência
Manchei!... Oh! Se me creste, gente ímpia,       Escritos pela mão do Fingimento,
 Rasga meus versos, crê na eternidade!.         Cantados pela voz da Dependência.!
A Camões, comparando com os dele
     O autor aos seus versos                 os seus próprios infortúnios


 Chorosos versos meus desentoados,        Camões, grande Camões, quão semelhante
 Sem arte, sem beleza e sem brandura,      Acho teu fado ao meu quando os cotejo!
  Urdidos pela mão da Desventura,           Igual causa nos fez perdendo o Tejo
   Pela baça Tristeza envenenados:            Arrostar co’o sacrílego gigante:
Vede a luz, não busqueis, desesperados,    Como tu, junto ao Ganges sussurrante
 No mudo esquecimento a sepultura;          Da penúria cruel no horror me vejo;
 Se os ditosos vos lerem sem ternura,     Como tu, gostos vãos, que em vão desejo,
Ler-vos-ão com ternura os desgraçados:    Também carpindo estou, saudoso amante:
  Não vos inspire, ó versos, cobardia        Ludíbrio, como tu, da sorte dura,
   Da sátira mordaz o furor louco,         Meu fim demando ao Céu, pela certeza
    Da maldizente voz e tirania:             De que só terei paz na sepultura:
 Desculpa tendes, se valeis tão pouco,      Modelo meu tu és... Mas, ó tristeza!...
  Que não pode cantar com melodia            Se te imito nos transes da ventura,
 Um peito de gemer cansado e rouco.          Não te imito nos dons da natureza.
Retrato próprio                  Quantas vezes, Amor, me tens ferido?


  Magro, de olhos azuis, carão moreno,         Quantas vezes, Amor, me tens ferido?
  Bem servido de pés, meão na altura,         Quantas vezes, Razão, me tens curado?
   Triste da facha, o mesmo de figura,        Quão fácil de um estado a outro estado
   Nariz alto no meio, e não pequeno.           O mortal sem querer é conduzido!
   Incapaz de assistir num só terreno,       Tal, que em grau venerando, alto e luzido,
 Mais propenso ao furor do que à ternura;       Como que até regia a mão do fado,
 Bebendo em níveas mãos por taça escura       Onde o Sol, bem de todos, lhe é vedado,
     De zelos infernais letal veneno:          Depois com ferros vis se vê cingido:
   Devoto incensador de mil deidades          Para que o nosso orgulho as asas corte,
 (Digo, de moças mil) num só momento,           Que variedade inclui esta medida,
  E somente no altar amando os frades:         Este intervalo da existência à morte!
 Eis Bocage, em quem luz algum talento;       Travam-se gosto, e dor; sossego e lida;
   Saíram dele mesmo estas verdades              É lei da natureza, é lei da sorte,
Num dia em que se achou mais pachorrento.     Que seja o mal e o bem matiz da vida.
A lamentável catástrofe de D. Inês de Castro              Esperança Amorosa

   Da triste, bela Inês, inda os clamores            Grato silêncio, trémulo arvoredo,
      Andas, Eco chorosa, repetindo;              Sombra propícia aos crimes e aos amores,
  Inda aos piedosos Céus andas pedindo              Hoje serei feliz! --- Longe, temores,
    Justiça contra os ímpios matadores;             Longe, fantasmas, ilusões do medo.
  Ouvem-se inda na Fonte dos Amores                    Sabei, amigos Zéfiros, que cedo
De quando em quando as náiades carpindo;          Entre os braços de Nise, entre estas flores,
    E o Mondego, no caso reflectindo,                  Furtivas glórias, tácitos favores,
 Rompe irado a barreira, alaga as flores:          Hei-de enfim possuir: porém segredo!
    Inda altos hinos o universo entoa             Nas asas frouxos ais, brandos queixumes
    A Pedro, que da morte formosura                 Não leveis, não façais isto patente,
   Convosco, Amores, ao sepulcro voa:           Quem nem quero que o saiba o pai dos numes:

     Milagre da beleza e da ternura!                 Cale-se o caso a Jove omnipotente,
  Abre, desce, olha, geme, abraça e c'roa           Porque, se ele o souber, terá ciúmes,
     A malfadada Inês na sepultura.!                Vibrará contra mim seu raio ardente..




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Almeida Garrett
                              João Baptista da Silva Leitão de Almeida
1799 Porto - 1854 Lisboa    Garrett mais tarde 1.º Visconde de Almeida
                                               Garrett,
                            foi um escritor e dramaturgo, uma das figuras
                                 maiores do romantismo português .

                           Participou na revolução liberal em 1820, esteve
                             exilado em Inglaterra em 1823, onde tomou
                            contacto com o movimento romântico inglês.
                           Tomou parte no Desembarque dos Liberais no
                               Mindelo e Cerco do Porto em 1832-33,
                                  exercendo depois cargos políticos

                            Em 1838 publica Um Auto de Gil Vicente, em
                              1841 O Alfageme de Santarém, em 1843 o
                           drama Frei Luis de Sousa, em 1845 os romances
                             Arco de Santana e Viagens na minha Terra

                            Nos últimos 10 anos, criou as suas melhores
                            obras poéticas, “Flores sem fruto” (1845) e
                                     “Folhas Caídas” (1853).

                               Faleceu de cancro em 1854. em Lisboa.
Barca bela
        Este inferno de amar
                                            Pescador da barca bela,
 Este inferno de amar - como eu amo!       Onde vais pescar com ela.
 Quem mo pôs aqui n'alma... quem foi?            Que é tão bela,
  Esta chama que alenta e consome,               Oh pescador?
  Que é a vida - e que a vida destrói -
      Como é que se veio a atear,         Não vês que a última estrela
Quando - ai quando se há-de ela apagar?    No céu nublado se vela?
                                                  Colhe a vela,
Eu não sei, não me lembra: o passado,            Oh pescador!
     A outra vida que d'antes vivi
Era um sonho talvez... - foi um sonho -   Deita o lanço com cautela,
   Em que paz tam serena a dormi!         Que a sereia canta bela...
  Oh! que doce era aquele sonhar...               Mas cautela,
Quem me veio, ai de mim! despertar?              Oh pescador!
  Só me lembra que um dia formoso         Não se enrede a rede nela,
   Eu passei... dava o sol tanta luz!     Que perdido é remo e vela
 E os meus olhos, que vagos giravam,              Só de vê-la,
    Em seus olhos ardentes os pus.               Oh pescador.
 Que fez ela? eu que fiz? - Não no sei;
   Mas nessa hora a viver comecei           Pescador da barca bela,
                                            Inda é tempo, foge dela
           Almeida Garret                           Foge dela
                                                  Oh pescador!
                   .                                   .
Não és tu                Não és tu (continuação)
  Era assim, tinha esse olhar,   Nos olhos tinha esse lume,
 A mesma graça, o mesmo ar,      No seio o mesmo perfume,
    Corava da mesma cor,         Um cheiro a rosas celestes,
    Aquela visão que eu vi       Rosas brancas, puras, finas,
 Quando eu sonhava de amor,        Viçosas como boninas,
 Quando em sonhos me perdi.       Singelas sem ser agrestes.
  Toda assim; o porte altivo,     Mas não és tu...ai! não és:
   O semblante pensativo,          Toda a ilusão se desfez.
    E uma suave tristeza           Não és aquela que eu vi,
   Que por toda ela descia         Não és a mesma visão,
Como um véu que lhe envolvia,      Que essa tinha coração,
  Que lhe adoçava a beleza.      Tinha, que eu bem lho senti.
    Era assim; o seu falar,           Almeida Garret
   Ingénuo e quase vulgar,
    Tinha o poder da razão
   Que penetra, não seduz;
     Não era fogo, era luz
   Que mandava ao coração

       Almeida Garret
             .

               .
Nau Catrineta                                         Nau Catrineta (continuação)
                                                                                         “
     Lá vem a Nau Catrineta Que tem muito que contar!         Todas três são minhas filhas, Oh!quem mas dera abraçar!
      Ouvide agora, senhores, Uma história de pasmar.            A mais formosa de todas Contigo a hei-de casar."

     Passava mais de ano e dia Que iam na volta do mar,        - "A vossa filha não quero, Que vos custou a criar.”
     Já não tinham que comer, Já não tinham que manjar.        - "Dar-te-ei tanto dinheiro Que o não possas contar."

       Deitaram sola de molho Para o outro dia jantar;       - "Não quero o vosso dinheiro Pois vos custou a ganhar.”
      Mas a sola era tão rija, Que a não puderam tragar.        - Dou-te o meu cavalo branco, Que nunca houve outro
                                                                                       igual .”
      Deitaram sortes à ventura Qual se havia de matar;       - "Guardai o vosso cavalo, Que vos custou a ensinar.”
          Logo foi cair a sorte No capitão general.                - "Dar-te-ei a Catrineta, Para nela navegar."

       - "Sobe, sobe, marujinho, Àquele mastro real,           - "Não quero a Nau Catrineta, Que a não sei governar.”
     Vê se vês terras de Espanha, As praias de Portugal!"    - Que queres tu, meu gageiro, Que alvíssaras te hei-de dar?"

    - "Não vejo terras de Espanha, Nem praias de Portugal;      - "Capitão, quero a tua alma, Para comigo a levar!"
       Vejo sete espadas nuas Que estão para te matar."
                                                                - "Renego de ti, demónio, Que me estavas a tentar!
       - "Acima, acima, gageiro, Acima ao tope real!            A minha alma é só de Deus; O corpo dou eu ao mar."
       Olha se enxergas Espanha, Areias de Portugal!"
                                                                Tomou-o um anjo nos braços, Não no deixou afogar.
       - "Alvíssaras, capitão, Meu capitão general!             Deu um estouro o demónio, Acalmaram vento e mar;
      Já vejo terras de Espanha, Areias de Portugal!"
     Mais enxergo três meninas, Debaixo de um laranjal:           E à noite a Nau Catrineta Estava em terra a varar.
          Uma sentada a coser, Outra na roca a fiar,
      A mais formosa de todas Está no meio a chorar.“                          Almeida Garret
                      Almeida Garret


-
Contemporâneos                                              Contemporâneos
             Vitorino Nemésio (1901-78)                     Sophia de Mello Breyner (1919-2004)
Poeta de origem açoreana e romancista (Mau Tempo no
                                                            Foi a 1ª mulher portuguesa a receber o Prémio Camões
 Canal), professor da Faculdade de Letras em Lisboa
                                                             em 1999 (o mais importante da Língua Portuguesa),
                                                             e em 2003 teve em Espanha o Prémio Rainha Sofia.
Escreveu poesia de forma ininterrupta desde 1918 (Canto
                                                                 Além da poesia, distinguiu-se no conto e em
   Matinal) a 1976 (Era do Átomo Crise do Homem)
                                                                                 livros infantis
Teve na RTP o conhecido programa Se Bem me Lembro


         António Gedeão (1906-97)                                      Eugénio de Andrade (1923-2005)
                                                            José Fontinha, com pseudónimo de Eugénio d?Andrade,
Rómulo Vasco da Gama de Carvalho, sob o pseudónimo            inicia sua obra poética,com Adolescente(1942) e As
de António Gedeão, professor de Físico-Química, poeta.        Mãos e os Frutos (1948) até 2003 com Os Sulcos da
         Pedra Filosofal e Lágrima de Preta                 Sede. A sua poesia essencialmente lírica, dá importância
       são dois dos seus mais célebres poemas                  à palavra, em poemas curtos às vezes, mas densos
                                                             Recebeu o Prémio Camões em 2001 e muitos outros,.

          Ary dos Santos (1937-84)
                                                                Manuel Alegre (1936, Águeda)
          José Carlos Ary dos Santos, em 1969
                                                            Fez os estudos secundários no Porto e em 1956 entrou
  inicia a sua atividade política e participa nas sessões
                                                             na Fac. de Direito(Coimbra) onde inicia o percurso
           intituladas de poesia do "canto livre”
                                                                       político de oposição à Ditadura.
    Foi autor de mais de 600 poemas para canções            Em 1964 passou à clandestinidade em Paris e Argel e
  Seus poemas Desfolhada e Tourada obtiveram os 1ºs         saem os seus livros Praça da Canção e O Canto e as
        prémios no Festival da Canção (RTP)                          Armas. Poemas seus são cantados
                            .                                  por Amália, Zeca Afonso e muitos outros .
Já não Escreverei Romances       Tenho uma Saudade tão Braba

 Já não escreverei romances       Tenho uma saudade tão braba
 Nem contos da fada e o rei.        Da ilha onde já não moro,
 Vão-se-me todas as chances       Que em velho só bebo a baba
   De grande escritor. Parei.      Do pouco pranto que choro.
   Mas na chispa do verso,
  Com Marga a aquecer-me,         Os meus parentes, com dó,
     Já não serei disperso        Bem que me querem levar,
   Nem poderei perder-me.         Mas talvez que nem meu pó
  Tudo nela é verbo e vida;        Mereça a Deus lá ficar.
   Xale, cílio, tosse, joelho,
   Tudo respinga e acalma.         Enfim, só Nosso Senhor
 Passo, óculos, nada é velho:       Há-de decidir se posso
Quase corpo, menos que alma.       Morrer lá com esta dor,
    Já não lavrarei novelas,      A meio d’ um Padre Nosso.
     Ultrapassado de ficto:
     A vida dá-me janelas         Quando se diz «Seja feita»
 A toda a extensão do dicto.        Eu sentirei na garganta
 Mas sem elas, mas sem elas         A mão da Morte, direita
  (As suas mãos) fico aflito.     A este peito, qu’ ainda canta.
     Vitorino Nemésio
                                  Vitorino Nemésio             .
Lágrima de preta
                   Pedra filosofal                         Encontrei uma preta
  Eles não sabem que o sonho é uma constante da vida
                                                            que estava a chorar,
   tão concreta e definida como outra coisa qualquer,
                                                           pedi-lhe uma lágrima
 como esta pedra cinzenta em que me sento e descanso,
                                                              para a analisar.
    como este ribeiro manso,em serenos sobressaltos,
   como estes pinheiros altos, que em oiro se agitam,
                                                             Recolhi a lágrima
   como estas aves que gritam em bebedeiras de azul.
                                                            com todo o cuidado
Eles não sabem que o sonho é vinho,é espuma,é fermento,     num tubo de ensaio
    bichinho alacre e sedento, de focinho pontiagudo,        bem esterilizado.
   que foça através de tudo num perpétuo movimento.
                                                            Olhei-a de um lado,
                                                            do outro e de frente:
   Eles não sabem que o sonho é tela, é cor, é pincel,      tinha um ar de gota
        base, fuste, capitel, arco em ogiva, vitral,        muito transparente.
       pináculo de catedral, contraponto, sinfonia,
   máscara grega, magia, que é retorta de alquimista,      Mandei vir os ácidos,
   mapa do mundo distante, rosa dos ventos, Infante,        as bases e os sais,
  caravela quinhentista, que é cabo da Boa Esperança,        as drogas usadas
      ouro, canela, marfim, florete de espadachim,          em casos que tais.
   bastidor, passo de dança, Colombina e Arlequim,
       passarola voadora, pára-raios, locomotiva,              Ensaiei a frio,
       barco de proa festiva, alto-forno, geradora,        experimentei ao lume,
       cisão de átomo, radar, ultra-som, televisão,          de todas as vezes
     desembarque em foguetão na superfície lunar.         deu-me o que é costume:
Eles não sabem,nem sonham,que o sonho comanda a vida.
 Que sempre que o homem sonha o mundo pula e avança         Nem sinais de negro,
    como bola colorida entre as mãos de uma criança.       nem vestígios de ódio.
                                                             Água (quase tudo)
                      Gedeão                              e cloreto de sódio..
                                                                 Gedeão
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  • 1. Acende a luz, faz clic no botão
  • 2. Agora acende a lareira fazendo clic no botão CONTIENE MUSICA DE FONDO
  • 3. para ler os poemas escolhe a estante do autor e faz clic Sair Luiz de Camões José Régio Sá de Miranda Cesário Verde Bernardim Ribeiro Poesia Trovadoresca Bocage Florbela Espanca Almeida Garret Fernando Pessoa Contemporâneos
  • 4. Luis de Camões Nasceu em 1524/5, em Lisboa ou em Coimbra, Lisboa 1524-1580 filho de Simão Vaz de Camões e D. Ana de Sá e Macedo, familia nobre. A sua formação académica decorreu em Coimbra, onde o seu tio D. Bento de Camões era Chanceler da Universidade É apontado como sujeito folgado e briguento e ganha a alcunha de Trinca-Fortes Em 1542 apaixona-se por Dona Caterina de Ataíde, dama da corte, imortalizada na sua lírica sob o anagrama de Natércia As suas desavenças e amores dão origem ao seu desterro, em 1545 para Constancia do Ribatejo até embarcar em 1547 para Ceuta onde perde o olho direito Volta a Lisboa e após uma rixa no Rossio, é preso e desterrado em 1553 para a India. Esteve em Macau, onde numa gruta, refúgio, passa horas a escrever Os Lusíadas. Naufraga em 1560 na foz do rio Mecong Em 1567 segue para Moçambique e em 1570 regressa a Lisboa, saindo em 1572 a 1ª edição de Os Lusíadas. Em 10.6.1580 morre em Lisboa
  • 5. Redondilha menor Bárbara Menina dos olhos verdes Endechas a üa cativa com quem andava de amores na Índia. Eles verdes são, E têm por usança Na cor, esperança, Aquela cativa, que me tem cativo, porque E nas obras não nela vivo, já não quer que viva. Vossa condição Eu nunca vi rosa, em suaves molhos, que Não é d' olhos verdes, para meus olhos, fosse mais fermosa. Porque me não vedes. Nem no campo flores, nem no céu estrelas, Havia de ser, me parecem belas, como os meus amores. Por que possa vê-los, Que uns olhos tão belos Rosto singular, olhos sossegados, Não se hão-de esconder; pretos e cansados, mas não de matar. Mas fazeis-me crer Que já não são verdes, Üa graça viva, que neles lhe mora, Porque me não vedes para ser senhora, de quem é cativa... Pretos os cabelos,Onde o povo vão Verdes não o são Perde opinião,Que os louros são belos. No que alcanço deles; Verdes são aqueles Que esperança dão. ..Esta é a cativa, que me tem cativo. Se na condição E pois nela vivo, é força que viva. Está serem verdes Porque me não vedes?
  • 6. Vilancete de 7 sílabas Redondilha de 5 silabas: Descalça vai para a fonte Verdes são os campos Lianor pela verdura; De cor de limão: Vai fermosa, e não segura Assim são os olhos Do meu coração. Leva na cabeça o pote Campo,que te estendes O testo nas mãos de prata Com verdura bela Cinta de fina escarlata, Ovelhas,que nela Sainho de chamelote; Vosso pasto tendes Traz a vasquinha de cote, De ervas vos mantendes Mais branca que a neve pura. Que traz o Verão E eu das lembranças Vai fermosa e não segura. Do meu coração. Descobre a touca a garganta, Gados que pasceis Cabelos de ouro entrançado Com contentamento Fita de cor de encarnado, Vosso mantimento Tão linda que o mundo espanta Não no entendereis Chove nela graça tanta Isso que comeis Não são ervas, não Que dá graça à fermosura. São graças dos olhos Vai fermosa e não segura. Do meu coração
  • 7. Soneto Soneto Amor é fogo que arde sem se ver Erros meus, má fortuna,amor ardente é ferida que dói e não se sente em minha perdição se conjuraram é um contentamento descontente os erros e a fortuna sobejaram é dor que desatina sem doer que pera mim bastava o amor somente É um não querer mais que bem querer Tudo passei; mas tenho tão presente é andar solitário entre a gente A grande dor das cousas que passaram é nunca contentar-se de contente Que as magoadas iras me ensinaram é cuidar que se ganha em se perder A não querer já nunca ser contente É querer estar preso por vontade Errei todo o discurso de meus anos; é servir a quem vence, o vencedor Dei causa [a] que a Fortuna castigasse, é ter com quem nos mata lealdade As minhas mal fundadas esperanças. Mas como causar pode seu favor De amor não vi senão breves enganos. nos corações humanos amizade Oh! quem tanto pudesse, que fartasse se tão contrário a si é o mesmo amor Este meu duro Génio de vinganças!
  • 8. Soneto Soneto Alma minha gentil que te partiste. O dia em que nasci moura e pereça Tão cedo desta vida, descontente Não o queira jamais o tempo dar Repousa lá no Céu eternamente Não torne mais ao Mundo, e, se tornar E viva eu cá na terra sempre triste. Eclipse nesse passo o Sol padeça. Se lá no assento etéreo,onde subiste A luz lhe falte, O Sol se [lhe] escureça, Memória desta vida se consente Mostre o Mundo sinais de se acabar, Não te esqueças daquele amor ardente Nasçam-lhe monstros, sangue chova o ar, Que já nos olhos meus tão puro viste A mãe ao próprio filho não conheça. E se vires que pode merecer-te As pessoas pasmadas, de ignorantes Algu~a cousa a dor que me ficou As lágrimas no rosto, a cor perdida Da mágoa, sem remédio, de perder-te Cuidem que o mundo já se destruiu . Roga a Deus, que teus anos encurtou, Ó gente temerosa, não te espantes, Que tão cedo de cá me leve a ver-te, Que este dia deitou ao Mundo a vida Quão cedo de meus olhos te levou Mais desgraçada que jamais se viu!
  • 9. Soneto Soneto Ah, minha Dinamene, assi deixaste Mudam-se os tempos,mudam-se as vontades quem não deixara nunca de querer-te! Muda-se o ser, muda-se a confiança Ah, Ninfa minha, já não posso ver-te Todo o mundo é composto de mudança tão asinha esta vida desprezaste! Tomando sempre novas qualidades. Como já para sempre te apartaste Continuamente vemos novidades de quem tão longe estava de perder-te? Diferentes em tudo da esperança Puderam estas ondas defender-te Do mal ficam as mágoas na lembrança que não visses quem tanto magoaste? E do bem,se algum houve, as saudades Nem falar-te somente a dura morte O tempo cobre o chão de verde manto me deixou, que tão cedo o negro manto Que já coberto foi de neve fria em teus olhos deitado consentiste! E em mim converte em choro o doce canto . Ó mar, ó Céu, ó minha escura sorte! E, afora este mudar-se cada dia, Que pena sentirei, que valha tanto, Outra mudança faz de mor espanto: que ainda tenho por pouco o viver triste Que não se muda já como soía.
  • 10. Soneto Soneto Transforma-se o amador na cousa amada Busque Amor novas artes, novo engenho por virtude do muito imaginar Pera matar-me, e novas esquivanças, Não tenho logo mais que desejar Que não pode tirar-me as esperanças, Pois em mim tenho a parte desejada Que mal me tirará o que eu não tenho. Se nela está minha alma transformada Olhai de que esperanças me mantenho! Que mais deseja o corpo de alcançar? Vede que perigosas seguranças! Em si sómente pode descansar Que não temo contrastes nem mudanças, Pois consigo tal alma está liada. Andando em bravo mar, perdido o lenho. Mas esta linda e pura semideia, Mas, enquanto não pode haver desgosto Que, como o acidente em seu sujeito, Onde esperança falta, lá me esconde Assim co'a alma minha se conforma, Amor um mal, que mata e não se vê, Está no pensamento como ideia; Que dias há que na alma me tem posto [E] o vivo e puro amor de que sou feito, Um não sei quê, que nasce não sei onde, Como matéria simples busca a forma. Vem não sei como e dói não sei porquê.
  • 11. Soneto Soneto Aquela triste e leda madrugada Sete anos de pastor Jacó servia /Labão, Cheia toda de mágoa e de piedade pai de Raquel, semana bela Enquanto houver no mundo saudade Mas não servia ao pai, servia a ela, Quero que seja sempre celebrada Que a ela só por prêmio pretendia. Ela só, quando amena e marchetada E os dias na esperança de um sò dia Saía, dando ao mundo claridade Passava, contentando-se com vê-la; Viu apartar-se dúa outra vontade Porém o pai, usando de cautela Que nunca poderá ver-se apartada. Em lugar de Raquel lhe dava Lia. Ela só viu as lágrimas em fio Vendo o triste pastor que com enganos, Que de uns e de outros olhos derivadas Lhe fora assim negada a sua pastora, Se acrescentaram em grande e largo rio. Como se a não tivera merecida; Ela ouviu as palavras magoadas Começa de servir outros sete anos, Que puderam tornar o fogo frio Dizendo:- mais servira, se não fora E dar descanso às almas condenadas. Para do longo amor tão curta a vida.
  • 12. Os Lusíadas Canto 1 Canto 1 Proposição Proposição Cessem do sábio Grego e do Troiano As armas e os Barões assinalados As navegações grandes que fizeram; Que da Ocidental praia Lusitana Cale-se de Alexandro e de Trajano Por mares nunca de antes navegados A fama das vitórias que tiveram; Passaram ainda além da Taprobana, Que eu canto o peito ilustre Lusitano, Em perigos e guerras esforçados A quem Neptuno e Marte obedeceram. Mais do que prometia a força humana Cesse tudo o que a Musa antiga canta E entre gente remota edificaram Que outro valor mais alto se alevanta Novo Reino, que tanto sublimara Invocação -E também as memórias gloriosas E vós, Tágides minhas, pois criado Daqueles Reis que foram dilatando Tendes em mim um novo engenho ardente, A Fé, o Império, e as terras viciosas Se sempre em verso humilde celebrado De África e de Ásia andaram devastando Foi de mim vosso rio alegremente, E aqueles que por obras valerosas Dai-me agora um som alto e sublimado, Se vão da lei da Morte libertando, Um estilo grandíloquo e corrente, Cantando espalharei por toda parte, Porque de vossas águas, Febo ordene Se a tanto me ajudar o engenho e arte Que não tenham inveja às de Hipoerene.
  • 13. Os Lusíadas Canto 1 Canto 1 Invocação Dedicatória Vós, tenro e novo ramo florescente Dai-me uma fúria grande e sonorosa, De uma árvore de Cristo mais amada E não de agreste avena ou frauta ruda, Que nenhuma nascida no Ocidente, Mas de tuba canora e belicosa, Cesárea ou Cristianíssima chamada; Que o peito acende e a cor ao gesto muda (Vede-o no vosso escudo, que presente Dai-me igual canto aos feitos da famosa Vos amostra a vitória já passada, Gente vossa, que a Marte tanto ajuda; Na qual vos deu por armas, e deixou Que se espalhe e se cante no universo, As que Ele para si na Cruz tomou) Se tão sublime preço cabe em verso Dedicatória Vós, poderoso Rei, cujo alto Império E vós, ó bem nascida segurança O Sol, logo em nascendo, vê primeiro; Da Lusitana antígua liberdade, Vê-o também no meio do Hemisfério, E não menos certíssima esperança E quando desce o deixa derradeiro; De aumento da pequena Cristandade; Vós, que esperamos jugo e vitupério Vós, ó novo temor da Maura lança, Do torpe Ismaelita cavaleiro, Maravilha fatal da nossa idade, Do Turco oriental, e do Gentio, Dada ao mundo por Deus,que todo o mande Que inda bebe o licor do santo rio; Para do mundo a Deus dar parte grande;
  • 14. . Canto 1 Canto 1 Grandes Feitos dos Portugueses Grandes Feitos dos Portugueses Ouvi, que não vereis com vãs façanhas, Pois se a troco de Carlos, Rei de França, Fantásticas, fingidas, mentirosas, Ou de César, quereis igual memória, Louvar os vossos, como nas estranhas Vede o primeiro Afonso, cuja lança Musas, de engrandecer-se desejosas: Escura faz qualquer estranha glória; As verdadeiras vossas são tamanhas E aquele que a seu Reino a segurança Que excedem as sonhadas, fabulosas, Deixou com a grande e próspera vitória; Que excedem Rodamonte e o vão Rugeiro Outro Joane, invicto cavaleiro, E Orlando, inda que fora verdadeiro. O quarto e quinto Afonsos, e o terceiro.. Por estes vos darei um Nuno fero, Nem deixarão meus versos esquecidos Que fez ao Rei o ao Reino tal serviço, Aqueles que nos Reinos lá da Aurora Um Egas, e um D. Fuas, que de Homero Fizeram, só por armas tão subidos, A cítara para eles só cobiço. Vossa bandeira sempre vencedora: Pois pelos doze Pares dar-vos quero Um Pacheco fortíssimo, e os temidos Os doze de Inglaterra, e o seu Magriço; Almeidas, por quem sempre o Tejo chora; Dou-vos também aquele ilustre Gama, Albuquerque terríbil, Castro forte, Que para si de Eneias toma a fama. E outros em quem poder não teve a morte . ..
  • 15. Soneto Redondilha maior Perdigão perdeu a pena Eu cantarei de amor tão docemente, Não há mal que lhe não venha. Por uns termos em si tão concertados, Que dois mil acidentes namorados Perdigão que o pensamento Faça sentir ao peito que não sente. Subiu a um alto lugar, Perde a pena do voar, Farei que amor a todos avivente, Ganha a pena do tormento. Pintando mil segredos delicados, Não tem no ar nem no vento Brandas iras, suspiros magoados, Asas com que se sustenha: Temerosa ousadia e pena ausente. Não há mal que lhe não venha. Também, Senhora, do desprezo honesto Quis voar a u~a alta torre, De vossa vista branda e rigorosa, Mas achou-se desasado; Contentar-me-ei dizendo a menor parte. E, vendo-se depenado, De puro penado morre. Porém, pera cantar de vosso gesto Se a queixumes se socorre, A composição alta e milagrosa Lança no fogo mais lenha: Aqui falta saber, engenho e arte. Não há mal que lhe não venha.  Voltar à biblioteca
  • 16. Sá de Miranda (1481- 1558) Sá de Miranda Com o grau de doutor em Direito na Universidade de Lisboa. Em Itália (1521-26) contactou os poetas do Renascimento italiano Introduz em Portugal o soneto e os versos decassilabos -------------------------------------------- Bernardim Ribeiro Prosador (Menina e Moça) -------------------------------------- e poeta renascentista, Bernardim Ribeiro Foi precursor do bucolismo e (1482-1552) introduz a sextina na nossa Lingua ..
  • 17. Quando eu, senhora, em vós os olhos ponho, O sol é grande, caem co'a calma as aves, e vejo o que não vi nunca, nem cri do tempo em tal sazão, que soe ser fria; que houvesse cá, recolhe-se a alma a si esta água que d'alto cai acordar-me-ia e vou tresvaliando, como em sonho. do sono não, mas de cuidados graves. Isto passado, quando me desponho, Ó cousas, todas vãs, todas mudaves, e me quero afirmar se foi assi, qual é tal coração qu'em vós confia? pasmado e duvidoso do que vi, Passam os tempos, vai dia trás dia, m'espanto às vezes, outras m'avergonho. incertos muito mais que ao vento as naves. Que, tornando ante vós, senhora, tal, Eu vira já aqui sombras, vira flores, Quando m'era mister tant' outr' ajuda, vi tantas águas, vi tanta verdura, de que me valerei, se alma não val? as aves todas cantavam d'amores. Esperando por ela que me acuda, Tudo é seco e mudo; e, de mestura, e não me acode, e está cuidando em al, também mudando-m'eu fiz doutras cores: afronta o coração, a língua é muda. e tudo o mais renova, isto é sem cura! Sá de Miranda. Sá de Miranda
  • 18. Comigo me desavim, Menina fermosa, Vejo-me em grande perigo; que nos meus olhos andais, Não posso viver comigo, dizei porque mos quebrais. Não posso fugir de mim. Em vos vendo, vo-los dei: Antes que este mal tivesse, logo vos passastes i; Da outra gente fugia. nunca mais olhos abri, Agora já fugiria nunca mais olhos çarrei. De mim se de mim pudesse. Vós lhe sois regra, vós lei: não fazem menos nem mais Que cabo espero ou que fim, daquilo que lhes mandais. Deste cuidado que sigo, Pois trago a mim comigo, Em pago desta verdade, Tamanho imigo de mim. que estranhais porque não se usa, ------------------------------------------------ quebrais-mos… A alma confusa não sabe quebrar vontade. Antre tremor e desejo, Menina, contra a idade, Vã espernça e vã dor, contra todos os sinais, Antre amor e desamor, cruel sois cada vez mais. Meu triste coração vejo. . Tomais vingança da fé Nestes extremos cativo que sempre convosco tive, Ando sem fazer mudança, ou de quê? da alma que vive E já vivi d'esperança por vós, onde quer que esté? E agora vivo de choro vivo. Dizei, menina, porqu'é? Contra mi mesmo pelejo, Tam vossos olhos quebrais? Vem d'ua dor outra dor Não vo-los referto mais! E d'um desejo maior Nasce outro mor desejo. Sá de Miranda Sá de Miranda
  • 19. . Aquela fé tão clara e verdadeira, Dezarrezoado amor, dentro em meu peito A vontade tão limpa e tão sem mágoa, tem guerra com a razão. Amor, que jaz Tantas vezes provada em viva frágua i já de muitos dias, manda e faz De fogo, i apurada, e sempre inteira; tudo o que quer, a torto e a direito. . Aquela confiança, de maneira Não espera razões, tudo é despeito, Que encheu de fogo o peito, os olhos de água, tudo soberba e força, faz, desfaz, Por que eu ledo passei por tanta mágoa, sem respeito nenhum, e quando em paz Culpa primeira minha e derradeira, cuidais que sois, então tudo é desfeito. . De que me aproveitou? Não de al por certo Doutra parte a razão tempos espia, Que dum só nome tão leve e tão vão, espia ocasiões de tarde em tarde, Custoso ao rosto, tão custoso à vida. que ajunta o tempo: em fim vem o seu dia. . Dei de mim que falar ao longe e ao perto; Então não tem lugar certo onde aguarde E já assi se consola a alma perdida, amor; trata treições, que não confia Se não achar piedade, ache perdão. nem dos seus. Que farei quando tudo arde? Sá de Miranda Sá de Miranda
  • 20. Sextina Ontem pôs-se o sol, e a noute cobriu de sombra esta terra. (da Écloga de Jano e Franco) Agora é já outro dia, tudo torna, torna o sol; Dentro de meu pensamento só foi a minha vontade, para não tornar c’o tempo! há tanta contrariedade. que sento contra o que sento Tôdalas cousas, per tempo, passam, como dia e noute; vontade e contra vontade. ũa só, minha vontade, Estou em tanto desvairo. não, que a dor comigo a aterra; que não me entendo comigo. nela cuido em quanto há sol, nela enquanto não há dia. Donde esperarei repairo? que vejo grande o perigo Mal quero per um só dia a todo outro dia e tempo, e muito mor o contrairo. que a mim pôs-se-me o sol Quem me trouxe a esta terra onde eu só temia a noute; alheia, onde guardada tenho a mim sôbre a terra, debaxo minha vontade. me estava tamanha guerra. e a esperança levada? Dentro na minha vontade não há momento do dia Comigo me estou espantando que não seja tudo terra; como em tão pouco me dei; ora ponho a culpa ao tempo, mas cuidando nisto estando. ora a torno a pôr à noute: no milhor pon-se-me o sol! os olhos com que outrem olhei de mim se estavam vingando.” Haver de ser tudo terra quanto há debaixo do sol me descansa, porque o tempo me vingará da vontade; Bernardim Ribeiro se não que antes dêste dia há-de passar tanta noute! . Bernardim Ribeiro  Voltar à biblioteca
  • 21. POESIA TROVADORESCA . Séc. XII-XIII Poesia trovadoresca, ou galaico-portuguesa, Subdividia-se em 3 categorias: Cantigas de amigo, exclusivamente ibéricas (uma mulher canta acerca do seu amigo, amor), Cantigas de amor (um homem canta o seu amor) Cantigas de escárnio e maldizer (o trovador diz mal de alguém numa alusão irónica velada, mais tarde há um insulto directo) Os Jograis épicos com suas Canções de Gesta: Em Portugal o ciclo épico sobre D.Afonso Henriques traduzido em Crónicas dos séc XIV e XV --- em Castela houvera o Cantar de Mio Cid c.1200 ---em França, a Chanson de Roland no séc XI
  • 22. Cantiga de Amigo Cantiga de amigo Ondas do mar de Vigo, "Ai flores, ai flores do verde pino, se vistes meu amigo! se sabedes novas do meu amigo! E ai Deus, se verrá cedo! ai Deus, e u é? Ai flores, ai flores do verde ramo, Ondas do mar levado, se sabedes novas do meu amado! se vistes meu amado! ai Deus, e u é? E ai Deus, se verrá cedo! Se sabedes novas do meu amigo, Se vistes meu amigo, aquel que mentiu do que pôs comigo! o por que eu sospiro! ai Deus, e u é? E ai Deus, se verrá cedo! Se sabedes novas do meu amado, aquel que mentiu do que mi há jurado! Se vistes meu amado, ai Deus, e u é?“ por que hei gran cuidado! E ai Deus, se verrá cedo! autoria do rei D.Diniz Martin Codax Nota: e u é? (e onde está?)
  • 23. Cantiga de Amigo Cantiga de amor Madre velida, meu amigo vi, non lhi falei e con el me perdí: e moir'[o] agora, querendo-lhi ben; A dona que eu am'e tenho por Senhor non lhi falei, ca o tiv'en desdén; amostrade-me-a Deus, se vos en prazer for, moiro eu, madre, querendo-lhi ben. se non dade-me-a morte. Se lh'eu fiz torto, lazerar-mi-o-ei A que tenh'eu por lume d'estes olhos meus con gran dereito, ca lhi non falei: e porque choran sempr’ amostrade-me-a Deus e moir'[o] agora, querendo-lhi ben; se non dade-me-a morte. non lhi falei, ca o tiv'en desdén; moiro eu, madre, querendo-lhi ben. Essa que Vós fezestes melhor parecer de quantas sei, a Deus, fazede-me-a veer, Madre velida, ide-lhi dizer se non dade-me-a morte. que faça ben e me venha veer: e moir'[o] agora, querendo-lhi ben; A Deus, que me-a fizestes mais amar, non lhi falei, ca o tiv'en desdén; mostrade-me-a algo possa con ela falar, moiro eu, madre, querendo-lhi ben. se non dade-me-a morte. Airas Carpancho (jogral galego- séc. XIII) (de Bernal de Bonaval ) Nota: velida (formosa) ; ca (porque); lazerar (lastimar)
  • 24. Cantiga de amor Cantiga de escárnio Quer'eu em maneira de provençal fazer agora un cantar d'amor, "Ai dona fea! Foste-vos queixar e querrei muit'i loar mia senhor Que vos nunca louv'en meu trobar a que prez nen fremusura non fal, Mais ora quero fazer un cantar nen bondade; e mais vos direi en: En que vos loarei toda via; tanto a fez Deus comprida de ben E vedes como vos quero loar: que mais que todas las do mundo val. Dona fea, velha e sandia! Ca mia senhor quiso Deus fazer tal, Ai dona fea! Se Deus mi pardon! quando a faz, que a fez sabedor E pois havedes tan gran coraçon de todo ben e de mui gran valor, Que vos eu loe en esta razon, e con todo est'é mui comunal Vos quero já loar toda via; ali u deve; er deu-lhi bon sen, E vedes qual será a loaçon: e des i non lhi fez pouco de ben, Dona fea, velha e sandia! quando non quis que lh'outra foss'igual. Dona fea, nunca vos eu loei Ca en mia senhor nunca Deus pôs mal, En meu trobar, pero muito trobei; mais pôs i prez e beldad'e loor Mais ora já en bom cantar farei e falar mui ben, e riir melhor En que vos loarei toda via; que outra molher; des i é leal E direi-vos como vos loarei: muit', e por esto non sei oj'eu quen Dona fea, velha e sandia!" possa compridamente no seu ben falar, ca non á, tra-lo seu ben, al. Pero Garcia Burgalês, El-Rei D. Dinis,  Voltar à biblioteca
  • 25. Florbela Espanca Florbela Espanca 1894-1930 Poetisa portuguesa.de nome Flor Bela de Alma da Conceição Espanca, nasceu em Vila Viçosa em 1894 Foi uma das primeiras mulheres em Portugal a frequentar o curso secundário, onde lia obras de Balzac, Dumas, Camilo Castelo Branco, Guerra Junqueiro, Garrett. Em 1919 saiu a sua primeira obra, Livro de Mágoas, um livro de sonetos. Em Janeiro de 1923 é publicada a sua segunda coletânea de sonetos, Livro de Sóror Saudade Em fins de1930 dá-se a publicação da sua obra-prima Charneca em Flor. Morre a 8 de Dezembro de 1930 em Matozinhos por sobredose de barbitúricos .
  • 26. Ser Poeta Perdi os Meus Fantásticos Castelos Ser poeta é ser mais alto, é ser maior Perdi meus fantásticos castelos Do que os homens!Morder como quem beija! Como névoa distante que se esfuma... É ser mendigo e dar como quem seja Quis vencer, quis lutar, quis defendê-los: Rei do Reino de Áquem e de Além Dor! Quebrei as minhas lanças uma a uma! É ter de mil desejos o esplendor Perdi minhas galeras entre os gelos E não saber sequer que se deseja! Que se afundaram sobre um mar de bruma... É ter cá dentro um astro que flameja, - Tantos escolhos! Quem podia vê-los? – É ter garras e asas de condor! Deitei-me ao mar e não salvei nenhuma! É ter fome, é ter sede de Infinito! Perdi a minha taça, o meu anel, Por elmo, as manhãs de oiro e de cetim... A minha cota de aço, o meu corcel, É condensar o mundo num só grito! Perdi meu elmo de ouro e pedrarias... E é amar-te, assim, perdidamente... Sobem-me aos lábios súplicas estranhas... É seres alma, e sangue, e vida em mim Sobre o meu coração pesam montanhas... E dizê-lo cantando a toda a gente!. Olho assombrada as minhas mãos vazias... .
  • 27. Versos O Maior Bem Versos! Versos! Sei lá o que são versos... Este querer-te bem sem me quereres, Pedaços de sorriso, branca espuma, Este sofrer por ti constantemente, Gargalhadas de luz, cantos dispersos, Andar atrás de ti sem tu me veres Ou pétalas que caem uma a uma... Faria piedade a toda a gente. Versos!... Sei lá! Um verso é o teu olhar, Mesmo a beijar-me a tua boca mente... Um verso é o teu sorriso e os de Dante Quantos sangrentos beijos de mulheres Eram o teu amor a soluçar Pousa na minha a tua boca ardente, Aos pés da sua estremecida amante! E quanto engano nos seus vãos dizeres!... Meus versos!... Sei eu lá também que são... Mas que me importa a mim que me não queiras Sei lá! Sei lá!... Meu pobre coração Partido em mil pedaços são talvez... Se esta pena, esta dor, estas canseiras, Este mísero pungir, árduo e profundo, Versos! Versos! Sei lá o que são versos... Meus soluços de dor que andam dispersos Do teu frio desamor, dos teus desdéns, Por este grande amor em que não crês... É, na vida, o mais alto dos meus bens? É tudo quanto eu tenho neste mundo? -.”
  • 28. Os versos que te fiz Se tu viesses ver-me... Deixa dizer-te os lindos versos raros Se tu viesses ver-me hoje à tardinha, Que a minha boca tem pra te dizer! A essa hora dos mágicos cansaços, São talhados em mármore de Paros Quando a noite de manso se avizinha, Cinzelados por mim pra te oferecer. E me prendesses toda nos teus braços... Têm dolência de veludos caros, Quando me lembra: esse sabor que tinha São como sedas pálidas a arder... A tua boca... o eco dos teus passos... Deixa dizer-te os lindos versos raros O teu riso de fonte... os teus abraços... Que foram feitos pra te endoidecer! Os teus beijos... a tua mão na minha... Mas, meu Amor, eu não tos digo ainda... Se tu viesses quando, linda e louca, Que a boca da mulher é sempre linda Traça as linhas dulcíssimas dum beijo Se dentro guarda um verso que não diz! E é de seda vermelha e canta e ri Amo-te tanto! E nunca te beijei... E é como um cravo ao sol a minha boca... E nesse beijo, Amor, que eu te não dei Quando os olhos se me cerram de desejo... Guardo os versos mais lindos que te fiz! E os meus braços se estendem para ti....  Voltar à biblioteca
  • 29. Fernando Pessoa Fernando António Nogueira Pessoa (Lisboa 1888-1935 Nasceu em 1888 em Lisboa. Aos 6 anos foi para a África do Sul, em virtude do 2º casamento de sua mãe com o cônsul em Durban. Aí foi educado, aprendeu o inglês, língua em que escreveu poesia e prosa desde a adolescência. Regressou a Lisboa aos 17 anos. Ao longo da vida trabalhou em firmas comerciais de Lisboa como correspondente de língua inglesa e francesa. Foi também empresário, editor, crítico literário, jornalista, tradutor, publicitário, ao mesmo tempo que produzia a sua obra literária em verso e em prosa. É considerado um dos maiores poetas da Língua Portuguesa e da Literatura Universal, muitas vezes comparado com Luís de Camões. Como poeta, desdobrou-se em múltiplas personalidades –os heterónimos, Álvaro de Campos, Ricardo Reis, Alberto Caeiro e Bernardo Soares No seu percurso intelectual há sobretudo o relato de uma grande viagem de descoberta, crendo que todos os caminhos são verdadeiros e que o que é preciso é navegar (no mundo das ideias) .
  • 30. Poesias .Inéditas Todas as cartas de amor são A NOVELA inacabada, Ridículas. Que o meu sonho completou, Não seriam cartas de amor se não fossem Não era de rei ou fada Ridículas. Mas era de quem não sou. Também escrevi em meu tempo cartas de amor, Para além do que dizia Como as outras, Dizia eu quem não era... Ridículas. A primavera floria Sem que houvesse primavera. As cartas de amor, se há amor, Têm de ser Lenda do sonho que vivo, Ridículas. Perdida por a salvar... Mas quem me arrancou o livro Mas, afinal, Que eu quis ter sem acabar? Só as criaturas que nunca escreveram -------------------------------------------- Cartas de amor A Ciência É que são A CIÊNCIA, a ciência, a ciência... Ridículas. Ah, como tudo é nulo e vão! A pobreza da inteligência Quem me dera no tempo em que escrevia Ante a riqueza da emoção! Sem dar por isso Cartas de amor Aquela mulher que trabalha Ridículas. Como uma santa em sacrifício, Com tanto esforço dado a ralha! A verdade é que hoje Contra o pensar, que é o meu vício! As minhas memórias Dessas cartas de amor A ciência! Como é pobre e nada! É que são Rico é o que alma dá e tem. Ridículas. Álvaro de Campos
  • 31. Cancioneiro Não Sei Quantas Almas Tenho Ao longe, ao luar, No rio uma vela, Não sei quantas almas tenho. Serena a passar, Cada momento mudei. Que é que me revela ? Continuamente me estranho. Nunca me vi nem acabei. Não sei, mas meu ser De tanto ser, só tenho alma. Tornou-se-me estranho, Quem tem alma não tem calma. E eu sonho sem ver Quem vê é só o que vê, Os sonhos que tenho. Quem sente não é quem é, Que angústia me enlaça ? Atento ao que sou e vejo, Que amor não se explica ? Torno-me eles e não eu. É a vela que passa Cada meu sonho ou desejo Na noite que fica. É do que nasce e não meu. ---------------------------------------- Sou minha própria paisagem; AMEAÇOU CHUVA. E a negra Assisto à minha passagem, Nuvem passou sem mais... Diverso, móbil e só, Todo o meu ser se alegra Não sei sentir-me onde estou. Em alegrias iguais. Por isso, alheio, vou lendo Nuvem que passa... Céu Como páginas, meu ser. Que fica e nada diz... O que sogue não prevendo, Vazio azul sem véu O que passou a esquecer. Sobre a terra feliz... Noto à margem do que li O que julguei que senti. E a terra é verde, verde... Releio e digo: “Fui eu?” Por que então minha vista Deus sabe, porque o escreveu Por meus sonhos se perde? De que é que a minha alma dista?
  • 32. O poeta é um fingidor. Dizem que finjo ou minto Finge tão completamente Tudo que escrevo. Não. Eu simplesmente sinto que chega a fingir que é dor Com a imaginação. A dor que deveras sente. Não uso o coração. E os que lêem o que escreve, Tudo o que sonho ou passo, Na dor lida sentem bem, O que me falha ou finda, Não as duas que ele teve, É como que um terraço Mas só a que eles não têm. Sobre outra coisa ainda. Essa coisa é que é linda. E assim nas calhas de roda Por isso escrevo em meio Gira, a entreter a razão, Do que não está ao pé, Esse comboio de corda Livre do meu enleio, Que se chama coração. Sério do que não é. Sentir? Sinta quem lê! ¡Gato que brincas na rua Somos do tamanho de nossos sonhos Como se fosse na cama, Invejo a sorte que é tua Sim, sei bem Porque nem sorte se chama. Que nunca serei alguém. Bom servo das leis fatais Sei de sobra Que regem pedras e gentes, Que nunca terei uma obra. Sei, enfim, Que tens instintos gerais Que nunca saberei de mim. E sentes só o que sentes. Sim, mas agora, És feliz porque és assim, Enquanto dura esta hora, Todo o nada que és é teu. Este luar, estes ramos, Eu vejo-me e estou sem mim, Esta paz em que estamos, Conheço-me e não sou eu. Deixem-me crer O que nunca poderei ser.
  • 33. Cancioneiro Cancioneiro Ó sino da minha aldeia Dorme enquanto eu velo... Ó sino da minha aldeia Deixa-me sonhar... dolente na tarde calma, Nada em mim é risonho. cada tua badalada Quero-te para sonho, soa dentro da minha alma... Não para te amar. E é tão lento o teu soar, A tua carne calma tão como triste da vida, É fria em meu querer. que já a primeira pancada Os meus desejos são cansaços. tem o som de repetida. Nem quero ter nos braços Por mais que me tanjas perto, Meu sonho do teu ser. quando passo, sempre errante, Dorme, dorme. dorme, és para mim como um sonho, Vaga em teu sorrir... soas-me na alma distante. Sonho-te tão atento A cada pancada tua, Que o sonho é encantamento vibrante no céu aberto, E eu sonho sem sentir. sinto o passado mais longe, sinto a saudade mais perto...
  • 34. Não: não digas nada! Cancioneiro Supor o que dirá A tua boca velada É ouvi-lo já Ao longe, ao luar, É ouvi-lo melhor Do que o dirias. No rio uma vela O que és não vem à flor Serena a passar, Das frases e dos dias. És melhor do que tu. Que é que me revela? Não digas nada: sê! Graça do corpo nu Que invisível se vê. Não sei, mas meu ser ---------------------------------------- Tornou-se-me estranho, O amor, quando se revela, não se sabe revelar. E eu sonho sem ver Sabe bem olhar p'ra ela, Os sonhos que tenho mas não lhe sabe falar. Quem quer dizer o que sente . não sabe o que há de dizer. Que angústia me enlaça? Fala: parece que mente. Cala: parece esquecer. Que amor não se explica? É a vela que passa Ah, mas se ela adivinhasse, se pudesse ouvir o olhar, Na noite que fica. e se um olhar lhe bastasse pra saber que a estão a amar! Mas quem sente muito, cala; quem quer dizer quanto sente fica sem alma nem fala, fica só, inteiramente!
  • 35. Cancioneiro Cancioneiro Tenho tanto sentimento Entre o sono e sonho, Que é freqüente persuadir-me Entre mim e o que em mim De que sou sentimental, É o quem eu me suponho Mas reconheço, ao medir-me, Corre um rio sem fim. Que tudo isso é pensamento, Que não senti afinal. Passou por outras margens, Diversas mais além, Temos, todos que vivemos, Naquelas várias viagens Uma vida que é vivida Que todo o rio tem. E outra vida que é pensada, E a única vida que temos Chegou onde hoje habito É essa que é dividida A casa que hoje sou. Entre a verdadeira e a errada. Passa, se eu me medito; Se desperto, passou. Qual porém é a verdadeira E qual errada, ninguém E quem me sinto e morre Nos saberá explicar; No que me liga a mim E vivemos de maneira Dorme onde o rio corre - Que a vida que a gente tem Esse rio sem fim. É a que tem que pensar. ..
  • 36. Cancioneiro Liberdade Ai que prazer não cumprir um dever. Grandes mistérios habitam Ter um livro para ler O limiar do meu ser, e não o fazer! O limiar onde hesitam Ler é maçada, Grandes pássaros que fitam estudar é nada. Meu transpor tardo de os ver. O sol doira sem literatura. São aves cheias de abismo, O rio corre bem ou mal, sem edição original. Como nos sonhos as há. E a brisa, essa, de tão naturalmente matinal Hesito se sondo e cismo, como tem tempo, não tem pressa... E à minha alma é cataclismo Livros são papéis pintados com tinta. O limiar onde está. Estudar é uma coisa em que está indistinta Então desperto do sonho A distinção entre nada e coisa nenhuma. E sou alegre da luz, Quanto melhor é quando há bruma. Inda que em dia tristonho; Esperar por D. Sebastião, Quer venha ou não! Porque o limiar é medonho Grande é a poesia, a bondade e as danças... E todo passo é uma cruz. Mas o melhor do mundo são as crianças, Flores, música, o luar, e o sol que peca Só quando, em vez de criar, seca. E mais do que isto É Jesus Cristo, Que não sabia nada de finanças, Nem consta que tivesse biblioteca...
  • 37. Não sei quantas almas tenho. Eu amo tudo o que foi Cada momento mudei. Tudo o que já não é Continuamente me estranho. A dor que já não me dói Nunca me vi nem achei. A antiga e errônea fé De tanto ser, só tenho alma. Quem tem alma não tem calma. O ontem que a dor deixou Quem vê é só o que vê, O que deixou alegria Quem sente não é quem é Só porque foi, e voou E hoje é já outro dia. Atento ao que eu sou e vejo, Torno-me eles e não eu. --- * --- Cada meu sonho ou desejo É do que nasce e não meu. Hoje de manhã saí muito cedo, Sou minha própria paisagem, Por ter acordado ainda mais cedo Assisto à minha passagem, E não ter nada que quisesse fazer... Diverso, móbil e só, Não sabia que caminho tomar Não sei sentir-me onde estou. Mas o vento soprava forte, varria para um lado, Por isso, alheio, vou lendo E segui o caminho Como páginas, meu ser. para onde o vento me soprava nas costas. O que segue prevendo, Assim tem sido sempre a minha vida, e O que passou a esquecer. Assim quero que possa ser sempre – Noto à margem do que li Vou onde o vento me leva O que julguei que senti. e não me Sinto pensar. Releio e digo: "Fui eu"? Alberto Caeiro Deus sabe, porque o escreveu.
  • 38. Mensagem Mensagem. . 2ª Parte 1ª PARTE – BRASÃO (19 poemas) I-O Infante Pessoa, percorre as peças e figuras de um brasão real do séc XV, associando a cada, Deus quer, o homem sonha, a obra nasce. uma personalidade da nossa história. Deus quis que a terra fosse toda uma, Que o mar unisse, já não separasse. Sagrou-te, e foste desvendando a espuma, 2ª PARTE – MAR PORTUGUÊS Aborda a Idade das Descobertas E a orla branca foi de ilha em continente, Clareou, correndo, até ao fim do mundo, E viu-se a terra inteira, de repente, 3ª PARTE – O ENCOBERTO Surgir, redonda, do azul profundo. Trata do advento do Quinto Império do Mundo, que será liderado por um Quem te sagrou criou-te português. português - O Encoberto, o Rei ou Do mar e nós em ti nos deu sinal. D.Sebastião, como é indistintamente Cumpriu-se o Mar, e o Império se desfez. chamado. Senhor, falta cumprir-se Portugal!
  • 39. Mensagem. Mensagem. 2ª Parte: 3ª Parte X-Mar Português O Quinto Império Ó mar salgado, quanto do teu sal Triste de quem vive em casa, São lágrimas de Portugal! Contente com o seu lar, Por te cruzarmos, quantas mães choraram Sem que um sonho, no erguer de asa, Quantos filhos em vão rezaram! Faça até mais rubra a brasa, Quantas noivas ficaram por casar Da lareira a abandonar! Para que fosses nosso, ó mar! Triste de quem é feliz! Valeu a pena? Tudo vale a pena Vive porque a vida dura. Se a alma não é pequena. Nada na alma lhe diz Quem quer passar além do Bojador Mais que a lição da raíz Tem que passar além da dor. Ter por vida sepultura Deus ao mar o perigo e o abismo deu, Mas nele é que espelhou o céu. Grécia, Roma, Cristandade, Europa- os quatro se vão Para onde vae toda edade. Quem vem viver a verdade Que morreu Dom Sebastião? .  Voltar à biblioteca .
  • 40. José Régio José Maria dos Reis Pereira Vila do Conde (1901- 1969) Poeta, com o pseudónimo José Régio. Nascido em Vila do Conde, formou-se em Coimbra em Filologia Românica. Viveu grande parte da sua vida na cidade de Portalegre, onde lecionou no Liceu local, Português e Francês de 1928 a 1967. Em 1927, com Branquinho da Fonseca e João Gaspar Simões, fundou a revista Presença, publicada durante 13 anos É considerado um dos grandes criadores da moderna literatura portuguesa. Refletiu na sua obra problemas relativos ao conflito entre Deus e o Homem, o indivíduo e a sociedade Hoje, as suas casas em Vila do Conde e em Portalegre são casas-museu.
  • 41. CÂNTICO NEGRO CÂNTICO NEGRO (continuação) "Vem por aqui" - dizem-me alguns com os olhos doces Como, pois sereis vós Estendendo-me os braços, e seguros Que me dareis impulsos, ferramentas e coragem De que seria bom que eu os ouvisse Para eu derrubar os meus obstáculos?... Quando me dizem: "vem por aqui!" Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós, Eu olho-os com olhos lassos, E vós amais o que é fácil! (Há, nos olhos meus, ironias e cansaços) Eu amo o Longe e a Miragem, E cruzo os braços, Amo os abismos, as torrentes, os desertos… E nunca vou por ali... Ide! Tendes estradas, A minha glória é esta: Tendes jardins, tendes canteiros, Criar desumanidade! Tendes pátria, tendes tectos, Não acompanhar ninguém. E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios... - Que eu vivo com o mesmo sem-vontade Eu tenho a minha Loucura ! Com que rasguei o ventre à minha mãe Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura, E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios Não, não vou por aí! Só vou por onde Me levam meus próprios passos... Deus e o Diabo é que guiam, mais ninguém. Se ao que busco saber nenhum de vós responde Todos tiveram pai, todos tiveram mãe; Por que me repetis: "vem por aqui!"? Mas eu, que nunca principio nem acabo, Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo. Prefiro escorregar nos becos lamacentos, Redemoinhar aos ventos, Ah, que ninguém me dê piedosas intenções! Como farrapos, arrastar os pés sangrentos, Ninguém me peça definições! A ir por aí... Ninguém me diga: "vem por aqui"! A minha vida é um vendaval que se soltou. Se vim ao mundo, foi É uma onda que se alevantou. Só para desflorar florestas virgens, É um átomo a mais que se animou... E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada! Não sei por onde vou, O mais que faço não vale nada. Não sei para onde vou -Sei que não vou por aí! .!
  • 42. FADO PORTUGUÊS FADO PORTUGUÊS (continuação) O fado nasceu num dia Por mar além, chão que treme, Em que o vento mal bulia O dim-dom da corda freme E o céu o mar prolongava, De espanto, angústia, incerteza; Na amurada dum veleiro, Mas reluz no olhar do triste No peito de um marinheiro Não sei que alto apelo em riste Que estando triste, cantava. Contra essa humana fraqueza... (- Saudades da terra firme, (- Que terra é esta..., este mar Da terra onde o mar acabe, Que só acaba nos céus, Da casinha, e das mulheres, Ou nem lá tem sua fim?... Guitarra, vem assistir-me, Ou hei-de-o eu acabar; Que a gente é bruto e não sabe, Ou hei-de, querendo Deus!, Expressa-as tu, se souberes...) Ou ele acabar a mim!) . Casada à trémula corda, Por esse mar além fora, Sobe a voz trémula..., acorda A guitarra, dim... dom, chora, Tristezas do peito inteiro, Tem pausas, ais e soluços. E as sereias que enlevadas E tão bem faz isso à gente, Se agarram às amuradas Que o triste bruto valente Do frágil barco veleiro. Chora sobre ela de bruços! (- Ai que lindeza tamanha, (- Mãe, adeus! Adeus, Maria! Meu chão, meu monte, meu vale, Guarda bem no teu sentido De folhas, flores, frutos de ouro! Que aqui te faço uma jura Vê se vês terras de Espanha, Que ou te levo à sacristia, Areias de Portugal, Ou foi Deus que foi servido Olhar ceguinho de choro...) Dar-me no mar sepultura!). .
  • 43. FADO PORTUGUÊS (contª) FADO PORTUGUÊS (contª) Deitando o olhar às lonjuras, Na boca do marinheiro Só vê funduras, alturas Do frágil barco veleiro, Das águas, dos céus, da bruma Morrendo, a canção magoada E as rijas pomas redondas, Diz o pungir dos desejos De bico a boiar nas ondas, Do lábio a queimar de beijos Das sereias cor de espuma. Que beija o ar, e mais nada. (- Sei eu, sequer, porque venho, (- Mãe, adeus! Adeus, Maria! Deixando a jeira de chão Guarda bem no teu sentido Que ao menos me não fugia, Que aqui te faço uma jura Atrás de não sei que tenho Que ou te levo à sacristia, Tão dentro do coração Ou foi Deus que foi servido Que inté julguei que existia...?) Dar-me no mar sepultura!) E à voz que sobe a tremer, Sob o alvor da lua cheia, Morre lá longe..., e ao morrer, Naquela noite, a sereia Sobe outra vez, mais se aferra, Cujo seio mais se enrista Que etéreo coro responde Da aurora até ao sereno De vozes que chegam de onde Beijou o corpo moreno Não seja nem mar nem terra! Do moço nauta fadista... (- Quem canta com voz tão benta (- Que terra é esta..., este mar Que ou são-nos anjos nos céus Que só acaba nos céus Ou é demónio a atentar? Ou nem lá tem sua fim?... Se é demónio, não me atenta, Ou hei-de-o eu acabar; Que a minh´alma é só de Deus, Ou hei-de, querendo Deus!, O corpo, dou-o eu ao mar...) Ou ele acabar a mim!)
  • 44. FADO PORTUGUÊS (contª) SABEDORIA Nas vias lácteas faiscantes Desde que tudo me cansa, Que esmigalhado em diamantes O luar no mar espraia, Comecei eu a viver. Um dim-dom..., dim-dom tremente, Comecei a viver sem esperança... Mais doces queixas de gente, E venha a morte quando Vão ter a uma certa praia. Deus quiser. (- Ai que lindeza tamanha, Dantes, ou muito ou pouco, Meu chão, meu monte, meu vale, De folhas, flores, frutos de ouro! Sempre esperara: Vê se vês terras de Espanha, Às vezes, tanto, que o meu sonho louco Areias de Portugal, Voava das estrelas à mais rara; Olhar ceguinho de choro...) Outras, tão pouco, Que ninguém mais com tal se conformara. E as mães de filhos ausentes Acordam batendo os dentes, Hoje, é que nada espero. Torcendo as mãos, e carpindo, Sabendo todas que é a morte Para quê, esperar? Que chega daquela sorte, Sei que já nada é meu senão se o não tiver; No luar funéreo e lindo... Se quero, é só enquanto apenas quero; Só de longe, e secreto, é que inda posso amar... Ora eis que embora, outro dia, E venha a morte quando Deus quiser. Quando o vento nem bulia E o céu o mar prolongava, Mas, com isto, que têm as estrelas? À proa doutro veleiro, Velava outro marinheiro Continuam brilhando, altas e belas. Que estava triste e cantava.  Voltar à biblioteca
  • 45. Cesário Verde Cesário Verde 1855-86 Natural de Caneças, Loures, oriundo de uma família burguesa abastada. O pai era lavrador e comerciante (com uma loja de ferragens na baixa lisboeta). Por essas duas actividades práticas, se repartia a vida do poeta. e paralelamente, ia alimentando o seu gosto pela leitura e pela criação literária, embora longe dos meios literários oficiais . A partir de 1875 produziu alguns dos seus melhores poemas: «Num Bairro Moderno» (1877), «Em Petiz» (1878) e «O Sentimento dum Ocidental» (1880). Este último foi escrito por ocasião do 3º centenário da morte de Camões e é, ainda hoje, um dos textos mais conhecidos do poeta Em 1884, no poema «Nós», a cidade e o campo surgem como tema principal neste longo poema narrativo autobiográfico Formado dentro dos moldes do realismo literário, Cesário afirmou-se pela sua oposição ao lirismo tradicional. Deteve-se em deambulações pela cidade ou pelo campo, através de processos impressionistas, de grande sugestividade .
  • 46. Num Bairro Moderno Do patamar responde-lhe um criado: Dez horas da manhã; os transparentes "Se te convém, despacha; não converses. Matizam uma casa apalaçada; Eu não dou mais." È muito descansado, Pelos jardins estancam-se as nascentes, Atira um cobre lívido, oxidado, E fere a vista, com brancuras quentes, Que vem bater nas faces duns alperces. A larga rua macadamizada. Subitamente - que visão de artista! - Rez-de-chaussée repousam sossegados, Se eu transformasse os simples vegetais, Abriram-se, nalguns, as persianas, À luz do Sol, o intenso colorista, E dum ou doutro, em quartos estucados, Num ser humano que se mova e exista Ou entre a rama do papéis pintados, Cheio de belas proporções carnais?! Reluzem, num almoço, as porcelanas. Bóiam aromas, fumos de cozinha; Como é saudável ter o seu conchego, Com o cabaz às costas, e vergando, E a sua vida fácil! Eu descia, Sobem padeiros, claros de farinha; Sem muita pressa, para o meu emprego, E às portas, uma ou outra campainha Aonde agora quase sempre chego Toca, frenética, de vez em quando. Com as tonturas duma apoplexia. E eu recompunha, por anatomia, E rota, pequenina, azafamada, Um novo corpo orgânico, ao bocados. Notei de costas uma rapariga, Achava os tons e as formas. Descobria Que no xadrez marmóreo duma escada, Uma cabeça numa melancia, Como um retalho da horta aglomerada E nuns repolhos seios injetados. Pousara, ajoelhando, a sua giga. As azeitonas, que nos dão o azeite, E eu, apesar do sol, examinei-a. Negras e unidas, entre verdes folhos, Pôs-se de pé, ressoam-lhe os tamancos; São tranças dum cabelo que se ajeite; E abre-se-lhe o algodão azul da meia, E os nabos - ossos nus, da cor do leite, Se ela se curva, esguelhada, feia, E os cachos de uvas - os rosários de olhos. E pendurando os seus bracinhos brancos.
  • 47. Eu e Ela Heroísmos Eu temo muito o mar, o mar enorme, Cobertos de folhagem, na verdura, Solene, enraivecido, turbulento, O teu braço ao redor do meu pescoço, Erguido em vagalhões, rugindo ao vento; O teu fato sem ter um só destroço, O mar sublime, o mar que nunca dorme. O meu braço apertando-te a cintura; Eu temo o largo mar, rebelde, informe, Num mimoso jardim, ó pomba mansa, De vítimas famélico, sedento, Sobre um banco de mármore assentados. E creio ouvir em cada seu lamento Na sombra dos arbustos, que abraçados, Os ruídos dum túmulo disforme. Beijarão meigamente a tua trança. Contudo, num barquinho transparente, Nós havemos de estar ambos unidos, No seu dorso feroz vou blasonar, Sem gozos sensuais, sem más idéias, Tufada a vela e n'água quase assente, Esquecendo para sempre as nossas ceias, E a loucura dos vinhos atrevidos. E ouvindo muito ao perto o seu bramar, Eu rindo, sem cuidados, simplesmente, Nós teremos então sobre os joelhos Escarro, com desdém, no grande mar! Um livro que nos diga muitas cousas . Dos mistérios que estão para além das lousas, Onde havemos de entrar antes de velhos. Outras vezes buscando distração, Leremos bons romances galhofeiros, Gozaremos assim dias inteiro, Formando unicamente um coração. .
  • 48. Em Petiz – Irmãozinhos Em Petiz - De Tarde Pois eu, que no deserto dos caminhos, Mais morta do que viva, a minha companheira Por ti me expunha imenso, contra as vacas; Nem força teve em si para soltar um grito; Eu, que apartava as mansas das velhacas, E eu, nesse tempo, um destro e bravo rapazito, Fugia com terror dos pobrezinhos! Como um homenzarrão servi-lhe de barreira! Vejo-os no pátio, ainda! Ainda os ouço! Os velhos, que nos rezam padre-nossos; Em meio de arvoredo, azenhas e ruínas, Os mandriões que rosnam, altos, grossos; Pulavam para a fonte as bezerrinhas brancas; E os cegos que se apóiam sobre o moço. E, tetas a abanar, as mães, de largas ancas, Ah! Os ceguinhos com a cor dos barros, Desciam mais atrás, malhadas e turinas. Os que a poeira no suor mascarra, Chegam das feiras a tocar guitarra, Do seio do lugar - casitas com postigos - Rolam os olhos como dois escarros! Vem-nos o leite. Mas batizam-no primeiro. E os pobres metem medo! Os de marmita, Leva-o, de madrugada, em bilhas, o leiteiro, Para forrar, por ano, alguns patacos, Cujo pregão vos tira ao vosso sono, amigos! Entrapam-se nas mantas com buracos, Choramingando, a voz rachada, aflita. Nós dávamos, os dois, um giro pelo vale: Várzeas, povoações, pegos, silêncios vastos! Outros pedincham pelas cinco chagas; E os fartos animais, ao recolher dos pastos, E no poial, tirando as ligaduras, Roçavam pelo teu "costume de percale". Mostram as pernas pútridas, maduras, Com que se arrastam pelas azinhagas! Querem viver! E picam-se nos cardos; Já não receias tu essa vaquita preta, Correm as vilas; sobem os outeiros; Que eu seguirei, prendi por um chavelho? Juro E às horas de calor, nos esterqueiros, Que estavas a tremer, cosida com o muro, De roda deles zumbem os moscardos. Ombros em pé, medrosa, e fina, de luneta! . Aos sábados, os monstros, que eu lamento, Batiam ao portão com seus cajados; E um aleijado com os pés quadrados, Pedia-nos de cima de um jumento.
  • 49. O SENTIMENTO DE UM OCIDENTAL O SENTIMENTO DE UM OCIDENTAL AVÉ-MARIAS AVÉE-MARIAS (continuação) Nas nossas ruas, ao anoitecer, E o fim da tarde inspira-me; e incomoda! Há tal soturnidade, há tal melancolia, De um couraçado inglês vogam os escaleres; Que as sombras, o bulício, o Tejo, a maresia E em terra num tinido de louças e talheres Despertam-me um desejo absurdo de sofrer. Flamejam, ao jantar, alguns hotéis da moda. O céu parece baixo e de neblina, Num trem de praça arengam dois dentistas; O gás extravasado enjoa-me, perturba-me; Um trôpego arlequim braceja numas andas; E os edifícios, com as chaminés, e a turba Os querubins do lar flutuam nas varandas; Toldam-se duma cor monótona e londrina. Às portas, em cabelo, enfadam-se os lojistas! Batem os carros de aluguer, ao fundo, Vazam-se os arsenais e as oficinas; Levando à via-férrea os que se vão. Felizes! Reluz, viscoso, o rio, apressam-se as obreiras; Ocorrem-me em revista, exposições, países: E num cardume negro, hercúleas, galhofeiras, Madrid, Paris, Berlim, Sampetersburgo, o mundo! Correndo com firmeza, assomam as varinas. Semelham-se a gaiolas, com viveiros, Vêm sacudindo as ancas opulentas! As edificações somente emadeiradas: Seus troncos varonis recordam-me pilastras; Como morcegos, ao cair das badaladas, E algumas, à cabeça, embalam nas canastras Saltam de viga em viga, os mestres carpinteiros. Os filhos que depois naufragam nas tormentas. Voltam os calafates, aos magotes, Descalças! Nas descargas de carvão, De jaquetão ao ombro, enfarruscados, secos, Desde manhã à noite, a bordo das fragatas; Embrenho-me a cismar, por boqueirões, por becos, E apinham-se num bairro aonde miam gatas, Ou erro pelos cais a que se atracam botes. E o peixe podre gera os focos de infecção! E evoco, então, as crónicas navais: Mouros, baixéis, heróis, tudo ressuscitado Luta Camões no Sul, salvando um livro a nado! Singram soberbas naus que eu não verei jamais!
  • 50. VAIDOSA DE TARDE Naquele pique-nique de burguesas, Dizem que tu és pura como um lírio Houve uma coisa simplesmente bela, E mais fria e insensível que o granito, E que, sem ter história nem grandezas, E que eu que passo aí por favorito Vivo louco de dor e de martírio. Em todo o caso dava uma aguarela. Contam que tens um modo altivo e sério, Foi quando tu, descendo do burrico, Que és muito desdenhosa e presumida, Foste colher, sem imposturas tolas, E que o maior prazer da tua vida, A um granzoal azul de grão-de-bico Seria acompanhar-me ao cemitério. Um ramalhete rubro de papoulas. Chamam-te a bela imperatriz das fátuas, A déspota, a fatal, o figurino, Pouco depois, em cima duns penhascos, E afirmam que és um molde alabastrino, Nós acampámos, inda o Sol se via; E não tens coração como as estátuas. E houve talhadas de melão, damascos, E pão-de-ló molhado em malvasia. E narram o cruel martirológio Dos que são teus, ó corpo sem defeito, E julgam que é monótono o teu peito Mas, todo púrpuro a sair da renda Como o bater cadente dum relógio. Dos teus dois seios como duas rolas, Era o supremo encanto da merenda Porém eu sei que tu, que como um ópio O ramalhete rubro das papoulas! Me matas, me desvairas e adormeces, És tão loira e doirada como as messes, E possuis muito amor... muito amor próprio..  Voltar à biblioteca
  • 51. ue cedo Entre os braços de Nise, entre estas flores, Furtivas glórias, tácitos favores, Hei-de enfim possuir: porém segredo! Nas asas frouxos ais, brandos queixumes Bocage Bocage (Manuel Maria Barbosa Poeta, possivelmente, o maior representante do du) arcadismo lusitano (aderiu à Nova Arcádia em Setúbal, 1765 – Lisboa, 1805 1790 com o pseudónimo de Elmano Sadino). . Estudou os clássicos e as mitologias grega e latina, estudou francês e latim . Fez estudos na Escola da Marinha Real, sendo nomeado guarda-marinha por D. Maria I.. Em 1786, foi como oficial de marinha para a Índia, tendo desertado em 1789 A década seguinte é a da sua maior produção literária e também o período de maior boémia e vida de aventuras. Foi preso 1 ano por ordem do Intendente Pina Manique por ser “desordenado nos costumes” Bocage cultivou diversos géneros poéticos, como o soneto, a sátira, a ode, a canção, o epigrama e a alegoria, seu talento evidenciou- se de forma bem diferenciada em cada um deles
  • 52. Já Bocage não sou!... À cova escura Proposição das rimas do poeta Já Bocage não sou!... À cova escura Incultas produções da mocidade Meu estro vai parar desfeito em vento... Exponho a vossos olhos, ó leitores: Eu aos céus ultrajei! O meu tormento Vede-as com mágoa, vede-as com piedade, Leve me torne sempre a terra dura. Que elas buscam piedade, e não louvores: Conheço agora já quão vã figura Ponderai da Fortuna a variedade Em prosa e verso fez meu louco intento. Nos meus suspiros, lágrimas e amores; Musa!... Tivera algum merecimento, Notai dos males seus a imensidade, Se um raio da razão seguisse, pura! A curta duração de seus favores: Eu me arrependo; a língua quase fria E se entre versos mil de sentimento Brade em alto pregão à mocidade, Encontrardes alguns cuja aparência Que atrás do som fantástico corria: Indique festival contentamento, Outro Aretino fui... A santidade Crede, ó mortais, que foram com violência Manchei!... Oh! Se me creste, gente ímpia, Escritos pela mão do Fingimento, Rasga meus versos, crê na eternidade!. Cantados pela voz da Dependência.!
  • 53. A Camões, comparando com os dele O autor aos seus versos os seus próprios infortúnios Chorosos versos meus desentoados, Camões, grande Camões, quão semelhante Sem arte, sem beleza e sem brandura, Acho teu fado ao meu quando os cotejo! Urdidos pela mão da Desventura, Igual causa nos fez perdendo o Tejo Pela baça Tristeza envenenados: Arrostar co’o sacrílego gigante: Vede a luz, não busqueis, desesperados, Como tu, junto ao Ganges sussurrante No mudo esquecimento a sepultura; Da penúria cruel no horror me vejo; Se os ditosos vos lerem sem ternura, Como tu, gostos vãos, que em vão desejo, Ler-vos-ão com ternura os desgraçados: Também carpindo estou, saudoso amante: Não vos inspire, ó versos, cobardia Ludíbrio, como tu, da sorte dura, Da sátira mordaz o furor louco, Meu fim demando ao Céu, pela certeza Da maldizente voz e tirania: De que só terei paz na sepultura: Desculpa tendes, se valeis tão pouco, Modelo meu tu és... Mas, ó tristeza!... Que não pode cantar com melodia Se te imito nos transes da ventura, Um peito de gemer cansado e rouco. Não te imito nos dons da natureza.
  • 54. Retrato próprio Quantas vezes, Amor, me tens ferido? Magro, de olhos azuis, carão moreno, Quantas vezes, Amor, me tens ferido? Bem servido de pés, meão na altura, Quantas vezes, Razão, me tens curado? Triste da facha, o mesmo de figura, Quão fácil de um estado a outro estado Nariz alto no meio, e não pequeno. O mortal sem querer é conduzido! Incapaz de assistir num só terreno, Tal, que em grau venerando, alto e luzido, Mais propenso ao furor do que à ternura; Como que até regia a mão do fado, Bebendo em níveas mãos por taça escura Onde o Sol, bem de todos, lhe é vedado, De zelos infernais letal veneno: Depois com ferros vis se vê cingido: Devoto incensador de mil deidades Para que o nosso orgulho as asas corte, (Digo, de moças mil) num só momento, Que variedade inclui esta medida, E somente no altar amando os frades: Este intervalo da existência à morte! Eis Bocage, em quem luz algum talento; Travam-se gosto, e dor; sossego e lida; Saíram dele mesmo estas verdades É lei da natureza, é lei da sorte, Num dia em que se achou mais pachorrento. Que seja o mal e o bem matiz da vida.
  • 55. A lamentável catástrofe de D. Inês de Castro Esperança Amorosa Da triste, bela Inês, inda os clamores Grato silêncio, trémulo arvoredo, Andas, Eco chorosa, repetindo; Sombra propícia aos crimes e aos amores, Inda aos piedosos Céus andas pedindo Hoje serei feliz! --- Longe, temores, Justiça contra os ímpios matadores; Longe, fantasmas, ilusões do medo. Ouvem-se inda na Fonte dos Amores Sabei, amigos Zéfiros, que cedo De quando em quando as náiades carpindo; Entre os braços de Nise, entre estas flores, E o Mondego, no caso reflectindo, Furtivas glórias, tácitos favores, Rompe irado a barreira, alaga as flores: Hei-de enfim possuir: porém segredo! Inda altos hinos o universo entoa Nas asas frouxos ais, brandos queixumes A Pedro, que da morte formosura Não leveis, não façais isto patente, Convosco, Amores, ao sepulcro voa: Quem nem quero que o saiba o pai dos numes: Milagre da beleza e da ternura! Cale-se o caso a Jove omnipotente, Abre, desce, olha, geme, abraça e c'roa Porque, se ele o souber, terá ciúmes, A malfadada Inês na sepultura.! Vibrará contra mim seu raio ardente..  Voltar à biblioteca
  • 56. Almeida Garrett João Baptista da Silva Leitão de Almeida 1799 Porto - 1854 Lisboa Garrett mais tarde 1.º Visconde de Almeida Garrett, foi um escritor e dramaturgo, uma das figuras maiores do romantismo português . Participou na revolução liberal em 1820, esteve exilado em Inglaterra em 1823, onde tomou contacto com o movimento romântico inglês. Tomou parte no Desembarque dos Liberais no Mindelo e Cerco do Porto em 1832-33, exercendo depois cargos políticos Em 1838 publica Um Auto de Gil Vicente, em 1841 O Alfageme de Santarém, em 1843 o drama Frei Luis de Sousa, em 1845 os romances Arco de Santana e Viagens na minha Terra Nos últimos 10 anos, criou as suas melhores obras poéticas, “Flores sem fruto” (1845) e “Folhas Caídas” (1853). Faleceu de cancro em 1854. em Lisboa.
  • 57. Barca bela Este inferno de amar Pescador da barca bela, Este inferno de amar - como eu amo! Onde vais pescar com ela. Quem mo pôs aqui n'alma... quem foi? Que é tão bela, Esta chama que alenta e consome, Oh pescador? Que é a vida - e que a vida destrói - Como é que se veio a atear, Não vês que a última estrela Quando - ai quando se há-de ela apagar? No céu nublado se vela? Colhe a vela, Eu não sei, não me lembra: o passado, Oh pescador! A outra vida que d'antes vivi Era um sonho talvez... - foi um sonho - Deita o lanço com cautela, Em que paz tam serena a dormi! Que a sereia canta bela... Oh! que doce era aquele sonhar... Mas cautela, Quem me veio, ai de mim! despertar? Oh pescador! Só me lembra que um dia formoso Não se enrede a rede nela, Eu passei... dava o sol tanta luz! Que perdido é remo e vela E os meus olhos, que vagos giravam, Só de vê-la, Em seus olhos ardentes os pus. Oh pescador. Que fez ela? eu que fiz? - Não no sei; Mas nessa hora a viver comecei Pescador da barca bela, Inda é tempo, foge dela Almeida Garret Foge dela Oh pescador! . .
  • 58. Não és tu Não és tu (continuação) Era assim, tinha esse olhar, Nos olhos tinha esse lume, A mesma graça, o mesmo ar, No seio o mesmo perfume, Corava da mesma cor, Um cheiro a rosas celestes, Aquela visão que eu vi Rosas brancas, puras, finas, Quando eu sonhava de amor, Viçosas como boninas, Quando em sonhos me perdi. Singelas sem ser agrestes. Toda assim; o porte altivo, Mas não és tu...ai! não és: O semblante pensativo, Toda a ilusão se desfez. E uma suave tristeza Não és aquela que eu vi, Que por toda ela descia Não és a mesma visão, Como um véu que lhe envolvia, Que essa tinha coração, Que lhe adoçava a beleza. Tinha, que eu bem lho senti. Era assim; o seu falar, Almeida Garret Ingénuo e quase vulgar, Tinha o poder da razão Que penetra, não seduz; Não era fogo, era luz Que mandava ao coração Almeida Garret . .
  • 59. Nau Catrineta Nau Catrineta (continuação) “ Lá vem a Nau Catrineta Que tem muito que contar! Todas três são minhas filhas, Oh!quem mas dera abraçar! Ouvide agora, senhores, Uma história de pasmar. A mais formosa de todas Contigo a hei-de casar." Passava mais de ano e dia Que iam na volta do mar, - "A vossa filha não quero, Que vos custou a criar.” Já não tinham que comer, Já não tinham que manjar. - "Dar-te-ei tanto dinheiro Que o não possas contar." Deitaram sola de molho Para o outro dia jantar; - "Não quero o vosso dinheiro Pois vos custou a ganhar.” Mas a sola era tão rija, Que a não puderam tragar. - Dou-te o meu cavalo branco, Que nunca houve outro igual .” Deitaram sortes à ventura Qual se havia de matar; - "Guardai o vosso cavalo, Que vos custou a ensinar.” Logo foi cair a sorte No capitão general. - "Dar-te-ei a Catrineta, Para nela navegar." - "Sobe, sobe, marujinho, Àquele mastro real, - "Não quero a Nau Catrineta, Que a não sei governar.” Vê se vês terras de Espanha, As praias de Portugal!" - Que queres tu, meu gageiro, Que alvíssaras te hei-de dar?" - "Não vejo terras de Espanha, Nem praias de Portugal; - "Capitão, quero a tua alma, Para comigo a levar!" Vejo sete espadas nuas Que estão para te matar." - "Renego de ti, demónio, Que me estavas a tentar! - "Acima, acima, gageiro, Acima ao tope real! A minha alma é só de Deus; O corpo dou eu ao mar." Olha se enxergas Espanha, Areias de Portugal!" Tomou-o um anjo nos braços, Não no deixou afogar. - "Alvíssaras, capitão, Meu capitão general! Deu um estouro o demónio, Acalmaram vento e mar; Já vejo terras de Espanha, Areias de Portugal!" Mais enxergo três meninas, Debaixo de um laranjal: E à noite a Nau Catrineta Estava em terra a varar. Uma sentada a coser, Outra na roca a fiar, A mais formosa de todas Está no meio a chorar.“ Almeida Garret Almeida Garret -
  • 60. Contemporâneos Contemporâneos Vitorino Nemésio (1901-78) Sophia de Mello Breyner (1919-2004) Poeta de origem açoreana e romancista (Mau Tempo no Foi a 1ª mulher portuguesa a receber o Prémio Camões Canal), professor da Faculdade de Letras em Lisboa em 1999 (o mais importante da Língua Portuguesa), e em 2003 teve em Espanha o Prémio Rainha Sofia. Escreveu poesia de forma ininterrupta desde 1918 (Canto Além da poesia, distinguiu-se no conto e em Matinal) a 1976 (Era do Átomo Crise do Homem) livros infantis Teve na RTP o conhecido programa Se Bem me Lembro António Gedeão (1906-97) Eugénio de Andrade (1923-2005) José Fontinha, com pseudónimo de Eugénio d?Andrade, Rómulo Vasco da Gama de Carvalho, sob o pseudónimo inicia sua obra poética,com Adolescente(1942) e As de António Gedeão, professor de Físico-Química, poeta. Mãos e os Frutos (1948) até 2003 com Os Sulcos da Pedra Filosofal e Lágrima de Preta Sede. A sua poesia essencialmente lírica, dá importância são dois dos seus mais célebres poemas à palavra, em poemas curtos às vezes, mas densos Recebeu o Prémio Camões em 2001 e muitos outros,. Ary dos Santos (1937-84) Manuel Alegre (1936, Águeda) José Carlos Ary dos Santos, em 1969 Fez os estudos secundários no Porto e em 1956 entrou inicia a sua atividade política e participa nas sessões na Fac. de Direito(Coimbra) onde inicia o percurso intituladas de poesia do "canto livre” político de oposição à Ditadura. Foi autor de mais de 600 poemas para canções Em 1964 passou à clandestinidade em Paris e Argel e Seus poemas Desfolhada e Tourada obtiveram os 1ºs saem os seus livros Praça da Canção e O Canto e as prémios no Festival da Canção (RTP) Armas. Poemas seus são cantados . por Amália, Zeca Afonso e muitos outros .
  • 61. Já não Escreverei Romances Tenho uma Saudade tão Braba Já não escreverei romances Tenho uma saudade tão braba Nem contos da fada e o rei. Da ilha onde já não moro, Vão-se-me todas as chances Que em velho só bebo a baba De grande escritor. Parei. Do pouco pranto que choro. Mas na chispa do verso, Com Marga a aquecer-me, Os meus parentes, com dó, Já não serei disperso Bem que me querem levar, Nem poderei perder-me. Mas talvez que nem meu pó Tudo nela é verbo e vida; Mereça a Deus lá ficar. Xale, cílio, tosse, joelho, Tudo respinga e acalma. Enfim, só Nosso Senhor Passo, óculos, nada é velho: Há-de decidir se posso Quase corpo, menos que alma. Morrer lá com esta dor, Já não lavrarei novelas, A meio d’ um Padre Nosso. Ultrapassado de ficto: A vida dá-me janelas Quando se diz «Seja feita» A toda a extensão do dicto. Eu sentirei na garganta Mas sem elas, mas sem elas A mão da Morte, direita (As suas mãos) fico aflito. A este peito, qu’ ainda canta. Vitorino Nemésio Vitorino Nemésio .
  • 62. Lágrima de preta Pedra filosofal Encontrei uma preta Eles não sabem que o sonho é uma constante da vida que estava a chorar, tão concreta e definida como outra coisa qualquer, pedi-lhe uma lágrima como esta pedra cinzenta em que me sento e descanso, para a analisar. como este ribeiro manso,em serenos sobressaltos, como estes pinheiros altos, que em oiro se agitam, Recolhi a lágrima como estas aves que gritam em bebedeiras de azul. com todo o cuidado Eles não sabem que o sonho é vinho,é espuma,é fermento, num tubo de ensaio bichinho alacre e sedento, de focinho pontiagudo, bem esterilizado. que foça através de tudo num perpétuo movimento. Olhei-a de um lado, do outro e de frente: Eles não sabem que o sonho é tela, é cor, é pincel, tinha um ar de gota base, fuste, capitel, arco em ogiva, vitral, muito transparente. pináculo de catedral, contraponto, sinfonia, máscara grega, magia, que é retorta de alquimista, Mandei vir os ácidos, mapa do mundo distante, rosa dos ventos, Infante, as bases e os sais, caravela quinhentista, que é cabo da Boa Esperança, as drogas usadas ouro, canela, marfim, florete de espadachim, em casos que tais. bastidor, passo de dança, Colombina e Arlequim, passarola voadora, pára-raios, locomotiva, Ensaiei a frio, barco de proa festiva, alto-forno, geradora, experimentei ao lume, cisão de átomo, radar, ultra-som, televisão, de todas as vezes desembarque em foguetão na superfície lunar. deu-me o que é costume: Eles não sabem,nem sonham,que o sonho comanda a vida. Que sempre que o homem sonha o mundo pula e avança Nem sinais de negro, como bola colorida entre as mãos de uma criança. nem vestígios de ódio. Água (quase tudo) Gedeão e cloreto de sódio.. Gedeão