1) O livro Sociedade de Esquina, de William Foote Whyte, é um clássico dos estudos urbanos que descreve a estrutura social de uma área pobre da cidade de Boston nos anos 1930 utilizando o método de observação participante.
2) Publicado originalmente em 1943, o livro se tornou um modelo para a etnografia urbana e revela as intrincadas relações sociais de uma comunidade através dos olhares e interações do pesquisador com os moradores.
3) Além do interesse temático, o liv
Sociedade de Esquina - Jornal Do Brasil: Mandamentos do Pesquisador
1. SÁBADO, 29 DE ABRIL DE 2006
Antropologia
Clássico dos estudos urbanos, de William Foote Whyte, chega ao Brasil
Mandamentos do pesquisador
Licia Valladares
Socióloga
Enfim o leitor brasileiro tem acesso a aprendiz que conhecia por “ouvir dizer”. Ao
Sociedade de esquina, de William Foote mesmo tempo em se inseria na localidade e ia
Whyte, um clássico dos estudos urbanos e redefinindo os objetivos sua pesquisa,
livro que deveria ser obrigatório em todo tropeçava no convívio com os moradores,
curso de métodos qualitativos e pesquisa aprendendo a refletir sobre a natureza da
social. Gilberto Velho, autor da apresentação relação com os informantes. Aos poucos vai
e responsável pela coleção Antropologia sendo aceito, mas se dá conta de que é fun-
Social, da Jorge Zahar, tomou a iniciativa, de damental poder contar com um intermediário
traduzir a edição de 1993, comemorativa dos para realizar sua observação.
50 anos da primeira publicação do livro. A
primorosa tradução inclui os anexos que o Para além do interesse temático, o
autor foi acrescentando nas várias reedições livro constitui um verdadeiro guia da
do livro, referentes à pratica do trabalho de observação participante em sociedades
campo, ao depoimento de um dos complexas. Dez “mandamentos” podem ser
personagens e à sua lista de publicações. depreendidos da leitura do livro.
Originalmente publicado em 1943, o l) A observação participante implica,
texto é não só atual pela temática que aborda necessariamente, um processo longo. Muitas
- a juventude, a organização social das vezes o pesquisador passa inúmeros meses
gangues e dos bairros pobres - como também para “negociar” sua entrada na área. Uma
um must para aqueles que fazem trabalho de fase exploratória é essencial para o desenrolar
campo nas cidades. Trata-se de uma obra ulterior da pesquisa.
fundamental para os sociólogos urbanos que O tempo a um pré-requisito para
a cada dia aderem mais aos métodos estudos que envolvem o comportamento e a
qualitativos e aos estudos de caso, e se ação de grupos: para se compreender a
interessam pelo tema das redes sociais, da ju- evolução do comportamento das pessoas é
ventude, da política local e da necessário observá-las por um longo período.
territorialização da pobreza.
2) O pesquisador não sabe de
William Foote Whyte, filho de classe antemão onde está “aterrissando”, caindo
média alta americana, pesquisou nos anos 30 geralmente de “pára-quedas” no território
uma área pobre e degradada da cidade de pesquisado. Não é esperado pelo grupo,
Boston, onde morava. Conhecido como um desconhecendo muitas vezes as teias de
dos slums mais perigosos da cidade e sobre o relações que marcam a hierarquia de poder e
qual circulavam várias ideias estigmatizantes, a estrutura social local.
o bairro foi pouco a pouco “desbravado” pelo
2. 3) A observação participante supõe a porquê de um desacerto
interação pesquisador/pesquisado. As
informações que obtém dependerão do seu 10) O pesquisador é, em geral,
comportamento e das relações que “cobrado”, sendo esperada uma “devolução”
desenvolve, com o grupo estudando. Sua dos resultados do seu trabalho. “Para que
transformação em “nativo” não se verificará. serve esta pesquisa?”. “Que benefícios ela
trará para o grupo ou para mim?” Mas só uns
4) Por isso o pesquisador deve poucos consultam e se servem do resultado
mostrar-se diferente do grupo pesquisado. final da observação. O que fica são as
Seu papel de pessoa de fora terá de ser relações de amizade pessoal desenvolvidas ao
reafirmado. Não deve enganar aos outros, longo do trabalho de campo. Da leitura do
nem a si mesmo. livro fica claro que a observação participante
não é uma prática simples, mas repleta de
5) Uma observação, participante não dilemas teóricos e práticos que cabe ao
se faz sem um intermediário que “abre as pesquisador gerenciar. A experiência descrita e
portas” e dissipa as dúvidas junto às pessoas analisada pelo autor, numa linguagem que
da localidade. Com o tempo, de informante- dispensa o jargão especializado, mostra que a
chave passa a colaborador da pesquisa: é com observação participante exige, sim, uma cultura-
ele pesquisador esclarece algumas das incertezas metodológica e teórica; Foote Whyte não vinha de
que peimanecerão ao longo da investigação. uma formação em antropologia ou sociologia,
Pode mesmo chegar a. influir nas interpretações mas havia estudado na tradicional e bem
do pesquisador. cotada Universidade de Harvard.
6) O pesquisador quase sempre Outro aspecto importante diz respeito
desconhece a própria imagem junto ao grupo à atualidade do livro e sua; pertinência para
pesquisado... Seus passos no trabalho de entender áreas pobres e o mundo popular no
campo são conhecidos e muitas vezes Brasil de hoje. O diagnóstico oferecido pelo
controlados por membros da população local. autor se contrapõe à imagem produzida pelo
senso comum que vê as áreas pobres
7) A observação participante implica exclusivamente como problema: degradadas,
saber,ouvir,escutar, ver, fazer uso de todos os homogêneas, desorganizadas, caóticas e fora
sentidos. É preciso aprender quando da lei, tendo necessariamente de ser “ajuda-
perguntar e quando não perguntar, assim das”, uma vez que, “abandonadas à sua
como que perguntas fazer na.hora certa. As própria sorte nunca se desenvolverão.
entrevistas formais são muitas vezes Vistas de dentro, e a partir do olhar arguto
desnecessárias, devendo a coleta de do cientista social, têm-se outra visão: tais
informações não se restringir às mesmas. localidades corresponderiam a áreas onde
coexistem espaços e grupos locais
8) Desenvolver uma rotina de diferenciados porém estruturados a partir de
trabalho é fundamental. O pesquisador não redes de relações sociais. A desorganização
deve recuar frente a um cotidiano que muitas social não é, portanto a tônica geral - o que
vezes se mostra repetitivo e de dedicação não quer dizer negar a existência do conflito
intensa. Através das notas e da manutenção entre os grupos. Foote Whyte não cai assim
do diário de campo, o pesquisador se auto- nem numa visão miserabilista nem populista
disciplina a observar e anotar dos pobres. Insiste na importância da
sistematicamente. sociabilidade que ocorre no espaço público
do mundo popular - na “sociedade da
9) O pesquisador aprende com os esquina”, para usar seu próprio linguajar.
erros que comete durante o trabalho de Pois é na esquina, no espaço informal que as
campo e deve tirar proveito dos mesmos na decisões são tomadas, que os grupos se
medida em que os passos em falso fazem estruturam e que as relações sociais se
parte do aprendizado da pesquisa. Deve constroem e se destroem.
refletir sobre o porquê de uma recusa, e o
3. SOCIEDADE DE ESQUINA
(Street Corner Society)
A estrutura social de uma área urbana pobre e degradada
William Foote Whyte
392pp; 16x23cm; R$54
Tradução: Maria Lúcia de Oliveira
Revisão técnica: Karina Kuschnir
Coleção Antropologia Social
JORGE ZAHAR EDITOR
Em fevereiro de 1937, o então jovem economista William Foote Whyte, com uma bolsa de iniciação
de Harvard, decidiu estudar um bairro italiano pobre de Boston, a que deu o nome de Cornerville.
Um clássico da pesquisa sociológica, o trabalho de Whyte sobre Cornerville tem servido como
modelo para a etnografia urbana há quase 70 anos. Utilizando o método de observação
participante, o autor revela um mundo de intrincadas relações sociais, considerando pessoas e
situações reais. Com seu olhar profundo e detalhista, Whyte mudou a maneira de se compreender a
pobreza e a vida nas grandes cidades.
A versão ora lançada no Brasil é traduzida da edição comemorativa de 50 anos de Sociedade de
esquina. Nela o leitor encontra a obra original enriquecida com os anexos posteriormente
elaborados pelo autor; as respostas que formulou às críticas que recebeu; uma seção sobre
“Cornerville revisitado”, em que segue a carreira de alguns dos personagens principais do livro; um
corajoso comentário que fez do livro meio século depois. De suma importância também é o
depoimento de um dos “rapazes de esquina”, Angelo Orlandella, a respeito do impacto da obra de
Whyte sobre sua vida, incluído igualmente nesta edição.
“Um livro de impressionante atualidade e de alto interesse interdisciplinar. É um exemplo magistral de como
um trabalho de investigação científica pode ser um instrumento precioso para a crítica de estereótipos e
preconceitos.”
Gilberto Velho
Sobre o autor: William Foote Whyte formou-se em economia e fez doutorado em
sociologia/antropologia na Universidade de Chicago, onde passou a lecionar em 1944. Foi diretor de
pesquisa do programa de emprego da Cornell University, presidente da American Sociological
Association e da Society of Applied Anthropology. Escreveu diversos livros, sobretudo sobre
metodologia de pesquisa, como Learning from the Field e Participant Observer. Whyte morreu em
2000.
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