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FACULDADE CÁSPER LÍBERO




                     Bruno Bueno Martins




A poética cinematográfica como instrumento de provocação social




                           São Paulo

                             2010
BRUNO BUENO MARTINS




A poética cinematográfica como instrumento de provocação social




                             Trabalho de conclusão de curso de Pós-
                             Graduação lato sensu apresentado à
                             Faculdade Cásper Líbero como
                             requisito parcial para a conclusão do
                             curso     de     Especialização    em
                             Comunicação.

                             Orientadora: Profa. Dra.       Ângela
                             Cristina Salgueiro Marques




                           São Paulo

                             2010


                                                                  2
BRUNO BUENO MARTINS




A poética cinematográfica como instrumento de provocação social




                                Trabalho apresentado ao Programa de
                                Pós-Graduação em Comunicação da
                                Faculdade Cásper Líbero, como
                                requisito para conclusão do curso em
                                Comunicação.




                       Data da aprovação



                      Banca examinadora:



                            Prof. Dr.

                    Faculdade Cásper Líbero



          Profa. Dra. Ângela Cristina Salgueiro Marques

                    Faculdade Cásper Líbero



                           São Paulo

                              2010


                                                                   3
AGRADECIMENTOS


A Izabel B. e José Antonio M., pais cuidadosos e grandes incentivadores.

Aos amigos Ana Rodrigues, Bianca Rosa, Maria Gabriela, Nicolas Presciutti, Renata
Nascimento e Bruno Stierli, por compartilharem sua paixão pelas artes e pelo cinema
em especial comigo.

As tias Alice Ângela M., e Márcia E.H. , pelo apoio que me deram para o
desenvolvimento deste trabalho de diferentes maneiras.

A ilustre professora Marlene Fortuna, que não só me proporcionou amplos
conhecimentos sobre o movimento modernista, como deliciosas catarses em sala de aula
através de seu inusitado método de ensino.

Ao professor Sergio Amadeu, pelos seus ensinamentos e pela sua inspiradora presença
em sala de aula.

Aos professores da pós-graduação da Cásper Libero: Laan Mendes de Barros, Dulcília
Buitoni, Heloísa Matos e Ivan Santo Barbosa, pela bagagem teórica que me
transmitiram.

Ao professor Dimas A. Künsch, coordenador dos cursos de pós-graduação da Cásper
Libero, pela sabia indicação da professora Angela para orientar este trabalho.

A secretaria da pós-graduação da Cásper Libero.

As pessoas que responderam ao questionário.

Em especial, a professora Ângela Cristina Salgueiro Marques, minha mestra e minha
orientadora, por seus ensinamentos, conselhos, incentivo e dedicação.




                                                                                      4
MARTINS, Bruno B. A poética cinematográfica como instrumento de provocação
    social. (Dissertação de Monografia). São Paulo: Faculdade Cásper Líbero, 2010.




                                        Resumo
O presente trabalho tem como principal objetivo estudar a relevância dos conceitos de
“obra aberta” (Umberto Eco) e “modos de endereçamento” (Elizabeth Ellsworth) para o
entendimento da poética cinematográfica como instrumento de provocação social. Em
um primeiro momento, é enfocada a contribuição da corrente teórica dos estudos
culturais ao evidenciar que toda ação social é também cultural e que todas as práticas
sociais comunicam um significado. A partir de uma contraposição entre a Teoria Crítica
e os Estudos Culturais, o cinema é enfocado como uma prática de significação e como
um processo comunicativo que, ao conectar as instâncias da produção e da recepção,
abrange os espectadores como sujeitos sociais capazes de produzir interpretações e
significados próprios a partir dos objetos fílmicos apreciados, conduzindo-os à reflexões
introspectivas ou até à formulação de críticas sociais. Partimos da premissa de que a
poética cinematográfica abrange, de um lado, as estratégias enunciativas dos produtores
e, de outro, as capacidades e habilidades críticas dos receptores de (re) criar significados
a partir da decodificação do texto fílmico, de modo a explorar os sentidos não previstos,
as virtualidades e as possibilidades de tal texto. Com o intuito de compreender de forma
mais clara tais concepções, realizamos uma investigação empírica com oito sujeitos
adultos que possuem o hábito de ir ao cinema. As entrevistas feitas com tais sujeitos nos
auxiliaram a compreender o funcionamento da poética cinematográfica, ou seja, das
técnicas de composição utilizadas pelos criadores de um filme para provocar o
espectador. Além disso, vimos que os sentidos que os espectadores dão para os filmes
tendem a ser diferentes de espectador pra espectador, gerando reflexões diversas que,
dependendo dos temas ou das posições que cada sujeito assume perante um filme,
podem, posteriormente à apreciação, gerar discussões criticas que pautam temas sociais
comuns.


Palavras-chave: poética cinematográfica, obra aberta, modos de endereçamento, crítica
social, estudos culturais, indústria cultural.




                                                                                          5
Abstract

The aim of this work is to study the relevance of the concepts of "open work" (Umberto
Eco) and "addressing modes" (Elizabeth Ellsworth) to the understanding of poetic
cinematic as an instrument of social provocation. At first, we focus on the contribution
of current theoretical cultural studies to show that all social action is also cultural and
social practices that all communicate a meaning. From a contrast between Critical
Theory and Cultural Studies, the film is focused as a practice of meaning and as a
communicative process that by connecting the instances of production and reception,
covering the spectators as social agents capable of producing interpretations and
meanings from the objects themselves filmic appreciated, leading them to introspective
reflections or until the formulation of social criticism. Our premise is that the poetic
cinematic covers on the one hand, the declared strategies of producers and the other, the
capabilities and skills critical receptor (re) create meanings from the decoding of the
film text in order to explore the ways not foreseen, the virtues and possibilities of such a
text. In order to clearly understand these concepts, we conducted an empirical
investigation with eight adult individuals who have the habit of going to the movies.
The interviews with these individuals have helped us to understand the workings of
poetic cinema, which means, the compositional techniques used by the creators of a film
to provoke the spectator. Besides that, we've found out that the directions noticed by the
viewers tend to be different from spectator to spectator, generating several ideas that,
depending on the topics or headings that each individual has towards a film may, after
the assessment, generate discussions critical social issues that govern common.


Keywords: poetic cinematic, open work, addressing modes, social criticism, cultural
studies, cultural industry.




                                                                                          6
SUMÁRIO


Introdução........................................................................................................................8



1. O CINEMA DENTRO DAS TEORIAS CULTURAIS: DA INDÚSTRIA
CULTURAL AOS ESTUDOS CULTURAIS ........................................................... 11

1.1 O Cinema e a Indústria Cultural.......................................................................... 11

1.2 A Ascensão dos Estudos Culturais....................................................................... 17

1.3 O receptor como produtor de sentidos ................................................................ 20



2. A POÉTICA DO CINEMA E AS ESTRATÉGIAS ENUNCIATIVAS QUE
PROVOCAM O ESPECTADOR ............................................................................... 23

2.1 A Poética: O surgimento do conceito.................................................................... 25

2.2 O cinema como Obra Aberta................................................................................. 27

2.3 A Poética Cinematográfica ................................................................................... 30



3. MODOS DE ENDEREÇAMENTO NO CINEMA............................................... 34

3.1 A instância da produção ....................................................................................... 34

3.2 Possibilidades de negociação entre os modos de endereçamento e a experiência
do espectador................................................................................................................. 35
3.3 Investigação Empírica............................................................................................ 38



CONSIDERAÇÕES FINAIS....................................................................................... 45



Referências Bibliográficas............................................................................................54




                                                                                                                                 7
Introdução


       Os filmes geralmente fazem parte das experiências culturais de cada individuo.
Desde crianças, entramos em contato com narrativas fílmicas cinematográficas ou
televisivas que tendem a mexer com nossos sentidos e imaginários. Muitas vezes, tais
narrativas são capazes de proporcionar, além do entretenimento primordialmente
buscado, referências a uma infinidade de assuntos e culturas que desconhecemos, ou
desejamos conhecer e, conseqüentemente, podem suscitar em nós diversas reflexões
sobre nós mesmos e sobre a sociedade na qual nos inserimos.
       Visando abordar tais assuntos, o presente trabalho busca responder as seguintes
questões: como um filme pode ser capaz de – por meio dos temas abordados e da forma
como é composto -, além de entreter e/ou emocionar, estimular os espectadores a
produzir possíveis reflexões introspectivas e/ou de críticas à sociedade?; Será que é
possível que os criadores de um filme possam antecipar, na elaboração da estrutura
narrativa desses, o modo como serão apreciados?; e, será que filmes que não exploram
temas controversos, voltando-se apenas ao entretenimento, também podem gerar
reflexões? Dessa forma, apresentando fundamentos teóricos, uma investigação
empírica, assim como perspectivas metodológicas referentes ao processo de composição
dos filmes, buscamos salientar neste trabalho a relevância da poética cinematográfica
enquanto instrumento de provocação social.
       Fruto da revolução tecnológica ocorrida em meados do século XIX, o cinema,
que evoluiu rapidamente de uma invenção com finalidades meramente científicas, a
uma conceituada forma de arte, e mais adiante, devido à grande visibilidade adquirida,
assim como o interesse das classes dominantes e estruturas organizacionais – dado o seu
potencial como veículo de comunicação voltado para o lucro - passou também a ser um
produto de entretenimento consumido por multidões. Assim, o cinema não mais se
restria à experimentação científica, mas assumiu um papel de entretenimento,
documentação e provocação social. Por isso, ao longo do tempo, os estudos sobre o
cinema foram ganhando considerável espaço dentro das teorias culturais.
       Ao considerarmos os estudos sobre o fator poético do cinema, os quais revelam
o poder artístico proveniente de suas técnicas estéticas, seu poder enquanto produto, e
conseqüentemente, sua característica comunicacional, percebemos alguns aspectos de



                                                                                     8
sua relevância social, e julgamos válida a construção de uma abordagem que
contraponha duas teorias que pensam o cinema, inserindo-o no contexto social de
formas opostas. Para isso, no Capítulo 1, inicialmente abordaremos como o cinema foi
retratado pelas teorias culturais. Destacamos a proposição crítica de dois reconhecidos
autores da Escola de Frankfurt, Theodore Adorno e Max Horkheimer, em relação aos
filmes que passaram a ser produzidos pela Indústria Cultural para, na seqüência, nos
atermos à corrente teórica que apresenta uma influencia mais forte nas discussões acerca
da comunicação e da cultura na contemporaneidade: os Estudos Culturais.
Apresentando como um de seus principais focos os processos de comunicação entre os
meios massivos (entre eles o cinema) e o público, as análises dos Estudos Culturais
sublinham a participação e a reflexão dos indivíduos, sua prática cultural em oposição
ao seu consumo passivo. A oposição entre a Teoria Crítica e os Estudos Culturais visa
acentuar a mudança de enfoque na atividade do receptor, que deixa de ser manipulável e
acrítico e passa a ser visto como produtor de sentidos e interpretações, inserindo-se em
um processo comunicativo ampliado, circular e fundado na relação entre os âmbitos da
produção e da recepção.
       Assim sendo, apresentaremos no Capítulo 2 a poética do cinema e as estratégias
enunciativas que provocam o espectador, as concepções e fundamentos teóricos que
contribuem não só para compreendermos a amplitude e a ambigüidade de significados
que as artes contemporâneas (entre elas o cinema) adquiriram e, conseqüentemente,
evidenciam em suas criações, assim como a importância de se pensar os espectadores
não mais como publico homogêneo, mas como sujeitos sociais. A fim de explicitar esse
viés, apresentaremos conceitos como os de “obra aberta”, terminologia designada por
Umberto Eco, que evidencia como as expressões artísticas tendem a ser interpretadas de
diferentes maneiras dependendo das leituras que os indivíduos fazem a partir de suas
experiências próprias e singulares; e o que chamaremos de poética cinematográfica que,
por sua vez, aproxima-se do conceito de obra aberta e baseia-se no amplo conjunto de
materiais estéticos que o cinema possui. Tal noção subverte a poética clássica de
Aristóteles para delinear o formato de composição de cada filme, particularmente, na
busca em desencadear possíveis e premeditados efeitos em seus espectadores.
       Já no Capítulo 3, ao explorarmos os modos de endereçamento no cinema,
demonstraremos, por meio dos fundamentos teóricos desse conceito e de uma




                                                                                      9
investigação empírica, compreender o modo como um filme busca estabelecer uma
forma particular de relação com sua audiência.
       Nesse sentido, ao longo desse trabalho apresentaremos teorias que, englobando
características do universo comunicacional e cinematográfico, nos permitirá delinear
tanto as técnicas e metodologias relativas à criação de um filme, como o processo de
comunicação entre um filme com seus espectadores, a fim de nos ajudar a compreender
como o cinema adquiriu um papel relevante na formação da cultura de uma sociedade.
O trajeto desta busca nos ajuda a perceber o cinema não só como uma arte que entretém
espectadores, mas também como uma prática social que tende a provocar os
espectadores de cinema a refletir sobre si próprios, sobre a sociedade na qual se
inserem, e conseqüentemente, sobre as diferentes culturas globais.




                                                                                  10
1. O cinema dentro das Teorias Culturais: da Indústria Cultural aos
                                       Estudos Culturais


        Para iniciar as analises as quais trabalho se propõe realizar, ou seja, delinear a
relevância da poética cinematográfica enquanto instrumento de provocação social, faz-
se necessário primeiramente, apresentar as bases teóricas que serão utilizadas para
revelar como o cinema passa de uma mensagem capaz de minar a capacidade critica dos
espectadores, tal como afirmam Adorno e Horkheimer, a uma mensagem possível de ser
apreendida e transformada em formas de questionamento de aspectos da realidade.
Assim, neste primeiro capitulo, focalizaremos duas principais teorias que abordam o
cinema de duas formas bastante distintas.
        Da visão critica da Escola de Frankfurt1 até as amplas analises metodológicas
dos Estudos Culturais, o cinema sempre foi assunto em pauta dentro das teorias
culturais. Ao considerarmos os estudos sobre seu fator poético, que revelam o poder
artístico proveniente de suas técnicas estéticas, seu poder enquanto produto, e
consequentemente, sua característica comunicacional, percebemos alguns aspectos de
sua relevância social, e julgamos válida a construção de uma abordagem que
contraponha duas teorias que pensam o cinema, inserindo-o no contexto social de
formas opostas.


1.1- O Cinema e a Indústria Cultural


        Para discutir a implicação existente entre a massificação dos meios de
comunicação (como o radio, televisão, jornais e cinema) e a conversão da cultura de
textos culturais providos e transmitidos por esses, em mercadoria, os pensadores
alemães Theodor Adorno2 e Max Horkheimer3 criaram, em 1947, o termo “Indústria



1
  Associada a Teoria Critica da Sociedade, Escola de Frankfurt foi o nome atribuído há um grupo de
filósofos e cientistas políticos que, influenciados por concepções marxistas, queriam apontar os meios de
comunicação de massa como responsáveis pela destruição da capacidade critica dos indivíduos,
impedindo sua emancipação e esclarecimento.
2
   Associado a uma das filosofias mais complexas do século XX (baseada num estilo dialético), o
sociólogo, filósofo e musico alemão foi um dos expoentes pensadores da Escola de Frankfurt.
3
   Filosofo e sociólogo alemão que, junto a Theodore Adorno e Herbert Marcuse, compõe o núcleo
fundamental da Escola de Frankfurt.



                                                                                                      11
Cultural”, de modo a expressar uma descrença na possibilidade de emancipação dos
sujeitos diante do crescimento dos meios de comunicação de massa.


                A indústria cultural é a integração deliberada, a partir do alto, de seus
                consumidores. Ela força a união dos domínios, separados há milênios, da arte
                superior e da arte inferior. Com prejuízo de ambos. A arte superior se vê
                frustrada de sua seriedade pela especulação sobre o efeito; a inferior perde,
                através de sua domesticação civilizadora, o elemento de natureza resistente e
                rude, que lhe era inerente enquanto o controle social não era total.” (Adorno e
                Horkheimer, 1971:277)


       A visão dos autores sobre as conseqüências da conversão de cultura em
mercadoria sempre foi radical. O tom critico se destacava ao apontarem como a
indústria cultural, em sua busca por formar consumidores, poderia ser responsável por
rebaixar o nível estético das formas artísticas e o padrão de gosto dos consumidores.


                O cinema e o rádio não têm mais necessidade de serem empacotados como arte.
                A verdade de que nada são alem de negócios lhes serve de ideologia. Esta
                deverá legitimar o lixo que produzem de propósito (Adorno e Horkheimer,
                2002:8)

       Afastando aqui as razões pelas quais o radio também faz parte deste juízo, os
autores enfatizaram os aspectos negativos e alienantes com relação à banalização da
cultura através da banalização do cinema como mercadoria ao passar pelos moldes
industriais, e, por mais exagerados e generalizantes que os autores tenham sido,
reduzindo todas as obras cinematográficas da época a produtos a serem
comercializados, sua visão permanece ainda atual. Um aviso, a partir de uma
constatação evidente.
       Partindo do pressuposto de que o espectador, quando vai assistir a um filme no
cinema (no processo de interpretação de uma obra) comporta-se de maneira passiva
perante o objeto fílmico, é possível notar como a indústria cultural utilizou essa
característica a seu favor - passando a guiar (na composição de suas narrativas)
culturalmente o publico a fim de persuadi-lo a se entusiasmar com as vedetes e heróis
idealizados em suas películas (influenciando-os a querer ser e se comportar como eles),
reforçando assim, os padrões ideológicos e mercadológicos do sistema em que se
inserem (o capitalismo). E é na contemporaneidade, que podemos sentir radicalmente
seus efeitos.



                                                                                            12
Entretanto, a fusão da arte cinematográfica com o mercado não aconteceu
apenas pelo interesse da indústria, mas também por uma necessidade real dos cineastas
por patrocínio. Diferentemente das artes instituídas antes de seu surgimento, o amplo e
complexo sistema de produção cinematográfico necessita de constante suporte
financeiro. Seus altos custos, que derivam da serie de técnicas pragmáticas e do trabalho
conjunto de seres humanos, requerem inevitavelmente um grande investimento para
viabilizar a produção.
       Diante dessa relação intrínseca (entre a qualidade de criação de um filme e a
engenharia financeira da qual esse necessita para ser produzido), a indústria cultural
torna-se um conceito capaz de evidenciar as lógicas mercantis que operam por trás das
mensagens culturais. Entretanto, como afirmam Adorno e Horkheimer, o cinema acabou
ficando condicionado aos interesses mercadológicos da indústria. Pois, compreendendo
que todo investimento industrial certamente visa um rendimento, o cinema passou não
ser mais apenas arte, mas um negócio.
       Os autores evidenciam que, perante a necessidade exagerada de entreter a
audiência, os aspectos mercadológicos da indústria se impuseram ao cinema. Nesse
sentido, produtores muitas vezes acabam encobrindo, ou deixando de lado suas
intenções artísticas primordiais - como seriedade estética, qualidade narrativa e
responsabilidade social - que (se bem elaborados), além de entreter o publico, podem
estimular o espectador a pensar criticamente sobre os assuntos abordados.
       Adorno e Horkheimer argumentavam que os filmes da era da industrial fazem o
contrario dos filmes produzidos anteriormente a ela (como os filmes mudos de Charles
Chaplin, por exemplo). Além dos produtores da indústria de massa se preocuparem com
a estética apenas para que seus filmes fiquem mais atraentes superficialmente, não
dando a devida atenção a aspectos que destaquem a qualidade dos planos, dos
enquadramentos, ou provocar algum questionamento no espectador, preocupam-se mais
com o aparente e imediato exposto na tela, para seduzir e prometer a satisfação dos
receptores com um conteúdo de entretenimento leve e prófugo, a Indústria Cultural
atende às expectativas do publico (na maioria das vezes criada por ela mesma) sem
proporcionar nenhuma reflexão.


              O principio básico consiste em apresentar ao consumidor tanto as necessidades
              como tais, que podem ser satisfeitas pela indústria cultural, quanto por outro



                                                                                         13
lado organizar antecipadamente essas necessidades de como que o consumidor a
              elas se prenda, sempre e apenas como consumidor, como objeto da indústria
              cultural. (...)“A idéia de que o mundo quer ser enganado tornou-se mais
              verdadeira do que, sem duvida, jamais pretendeu ser. Não somente caem no
              logro, como se diz, desde que isso lhes dê satisfação, por mais fugaz que seja,
              como também desejam essa impostura que eles próprios entrevêm... (Adorno e
              Horkheimer, 2002:37-96)


       Por meio de técnicas de planejamento publicitário, que estão presentes desde a
escolha dos roteiros, do desenvolvimento estético, até o programa de divulgação para o
lançamento de um filme, a indústria cultural se reveste com a formulação de diversas
maneiras de entreter o publico com o intuito de satisfazer os espectadores com um filme
“empacotado” e isento de elementos questionadores que, não tem a pretensão de fazer
pensar ou de estimular a consciência dos espectadores, mas sim proporcionar um
contentamento fugaz a fim de concretizar seus objetivos mercadológicos.
       Mesmo diante da natureza assumidamente industrial que o cinema adquiriu para
que possa ser produzido, lançado e compartilhado, isso não impediu que muitos títulos
procedentes dos grandes estúdios também fossem legitimados pela critica como grandes
obras de arte. A fim de ilustrar essa possibilidade, Adorno utiliza como exemplo os
filmes do diretor Orson Welles: “Todas as violações dos hábitos do oficio cometidas por
Orson Welles são-lhe perdoadas, porque elas - incorreções calculadas - não fazem mais
que reforçar e confirmar a validade do sistema”. (Adorno e Horkheimer, 2002)
       Nesses casos, é possível constatar que o objetivo de produção primário dos
estúdios (o lucro) não ofuscou ou encobertou a qualidade narrativa e artística desses
filmes, mas, como são casos isolados dentro de uma infinidade de produções regidas por
uma ditadura de mercado capitalista que cada vez mais estimula os meios de
comunicação a converterem cultura em mercadoria, os pensamentos de Adorno e
Horkheimer sobre a indústria cultural acabam revelando, de forma ampla, as
características predominantes do sistema em que o cinema se faz existir.
       No entanto, são os filmes provenientes da indústria cinematográfica, sobretudo
os produzidos por Hollywood, que reinam na preferência do publico do cinema.
Factualidade que se faz imperar em decorrência de uma cultura ditada pela própria
indústria. Pois, desde que começou a se desenvolver e a transformar filmes em
produtos, voltou sua busca para a tarefa de acostumar e persuadir o publico por meio de
elaboradas técnicas que, alem de fazê-los passar por meros espectadores, e




                                                                                          14
consumidores, introduz e incorpora uma ideologia comportamental que contribui para
que busquem os filmes “empacotados” e de entretenimento. Isso tende a criar
resistências nas pessoas a formas de expressão audiovisual compostas por uma narrativa
que pretenda incitar algum questionamento ou reflexão dos valores sociais instituídos.


                 O espectador não deve trabalhar com a própria cabeça; o produto prescreve toda
                 e qualquer reação. (...) Com freqüência, chega a ser refutada a própria
                 continuação dos personagens e da narrativa prevista pelo esquema original de
                 um roteiro” (...) “Clichê, estereótipo, padronização, homogeneização: Os
                 consumidores são operários, e os empregados fazendeiros e pequeno-burgueses.
                 A totalidade das instruções existentes os aprisiona de corpo e alma a ponto de
                 sem resistência sucumbirem diante de tudo que lhes é oferecido. (Adorno e
                 Horkheimer, 2002:31-26)

        Em contrapartida, ao longo da historia, inúmeros movimentos cinematográficos
ao redor do globo se preocuparam em manter a seriedade estética e social no cinema.
Com, ou sem o apoio da indústria, muitos diretores têm delineado seus passos através
de textos e editais que esboçam e ditam não só suas inspirações e influencias, mas
linhas estéticas e comprometimentos sociais seguidos em seus trabalhos. Ao lado da
critica, construíram conceitos e formas de se dialogar as evoluções da sétima arte a fim
de preservar e contemplar a relevância de suas expressões. Exemplos claros são
movimentos como o “Cinema Novo4” no Brasil, e “Nouvelle Vague5” na França.
        Jean Luc Godard, por exemplo, renomado diretor francês e um dos principais
nomes da “Nouvelle Vague”, que tomou como tema da maioria de seus filmes (de
forma inusitada e provocadora) dilemas e perplexidades do século XX, ilustrou em “Le
Mepris” (O Desprezo, 1963), utilizando o conceito de metalinguagem, as nuances
vigentes pelas quais o meio cinematográfico passava e refletia na época. Esboçando,
num filme de estética singular, a fatídica necessidade de fusão entre o cinema e a
indústria cultural. No guião: um roteirista (referenciado como um dramaturgo francês),


4
  Movimento cinematográfico brasileiro que, influenciado pelo Neo-realismo italiano e pela Nouvelle
Vague, se firmou no iniciou nos anos 60 através de um cinema autoral (ancorados por nomes como
Glauber Rocha e Nelson Pereira ).
5
  O que a principio foi uma expressão utilizada pela jornalista e política Françoise Giroud para comentar a
nova safra de filmes (sem grandes apoios financeiros) que um grupo de jovens cineastas franceses com
objetivos em comum (valorizar a qualidade artística do cinema, e consequentemente, transgredir as regras
comerciais aceitas pela maioria dos cineastas) vinham fazendo no inicio dos anos 60, acabou sendo o
nome atribuído ao que se tornou o movimento artístico mais representativo do cinema francês até a
atualidade.




                                                                                                        15
um diretor (o alemão Fritz Lang, interpretado pelo próprio), e um investidor americano
(representando a indústria).
       Compreendendo que o cinema tem como uma de suas finalidades artísticas
primordiais, esboçar esteticamente as percepções, emoções e idéias dos seus autores,
estimulando as capacidades cognitivas, perceptivas e reflexivas dos espectadores, e que,
na maioria das vezes, essas expressões são influenciadas pelas referencias advindas do
contexto social e político e do contexto de produção que seus autores detêm - para então
expressar de forma documental ou fictícia nos seus filmes, desenhos dessa conjuntura.
Teoricamente, assistir a um filme possibilita estimular os espectadores a produzir
diferentes interpretações frente aos assuntos abordados pelas mensagens fílmicas
expostas. De acordo com as referências e a cultura que cada um possui, o indivíduo é
estimulado a complementar a obra de acordo com o que, e a que, os temas abordados
incitam-no a refletir.
       Nesse sentido, podemos perceber também como o cinema, devido a sua
abrangência enquanto meio de comunicação fazendo circular sentidos em diferentes
contextos sociais, adquire qualidades reflexivas. Quando um filme é transmitido para a
população (seja nas salas de cinema, em DVDs ou na TV), alem de poder assumir
funções    que   não     foram   exatamente     previstas   pelas   instancias   produtoras,
inevitavelmente expõe esboços de modos de vida que abrigam referencias contextuais
que podem ocupar um lugar relevante na construção de identidades, consequentemente
situando o cinema como mídia que ocupa um espaço na subjetivação dos sujeitos.
       A partir do momento que o cinema começou a se popularizar, quando grandes
marcas e investidores passaram a notar o potencial do meio de comunicação para o
lucro - passando a investir e patrociná-lo, firmando-o assim como segmento
representativo dentro da indústria cultural, o cinema (assim como a TV, revistas e o
radio) passou a exercer grande influencia no processo de formação de identidades
individuais e coletivas. A indústria cultural acabou muitas vezes, não só
desconsiderando valores estéticos da arte, como subestimando suas qualidades em
proporcionar reflexões e/ou criticas sociais.
       Nesse contexto, considero importante mencionar alguém que foi claramente
influenciado pela indústria cultural, assim como foi também perpetuador de seus
conceitos e ideologias: o artista plástico, pintor e cineasta americano “Andy Wahrol”




                                                                                         16
(responsável pelo nascimento do movimento artístico “Pop-arte”). Ele fez o seguinte
comentário em relação às cinematografias hollywoodianas:


                 São os filmes, desde que eles foram inventados, que têm realmente conduzidos
                 as coisas na América. Eles mostram o que devemos fazer, como fazê-lo,
                 quando, como se sentir sobre o que fizemos, e como aparentar aquilo que
                 sentimos. É o máximo quando eles mostram como beijar como James Dean,
                 como seduzir como Jane Fonda e como ganhar como Rocky. (Warhol, 2010,
                 Exposição Mr. América).6


        O comentário do artista acima explicita a força que o cinema dos grandes
estúdios (considerando seus grandes investimentos em marketing) pode exercer na
construção das referencias culturais de uma população, independente se essas
influencias possam ser benéficas socialmente, ou não.


1.2 - A Ascensão dos Estudos Culturais


        Entre os anos 60 e 70, quando já se aceitava o fato de que o cinema
inevitavelmente tinha de se apoiar na indústria para que não fosse dizimado enquanto
arte (devido à pluralidade de fatores financeiros de que depende para ser realizado e
lançado), as discussões teóricas sobre o meio começaram a mudar de foco. Sem
desconsiderar as analises etnográficas e estéticas que sempre o irão circundar, mas
conscientes do papel social que o meio adquiriu na sociedade, as teorias culturais
passaram a discutir outros aspectos da relação entre os espectadores e o cinema.
          Influenciados em parte por uma vasta genealogia internacional advinda de
diversos estudos sociológicos, antropológicos e semióticos de autores como Frantz
Fanon, C.RL. James, Michel Foucault, Roland Barthes, Levi Strauss; e por pensamentos
esquerdistas como os dos britânicos Raymond Williams (Culture and Society), E.P.
Thompson (A formação da classe operaria inglesa) e Richard Hoggart (As Utilizações
da Cultura), que, mesmo com impulsos distintos, revelaram pontos de vista que se
entrelaçam numa perspectiva que sublinha a participação e reflexão dos indivíduos, a
pratica cultural, em oposição ao seu consumo passivo, membros do Birmingham Centre


6
 Citação de Andy Warhol extraída de um mural presente na exposição Mr. America. Com curadoria do
canadense Philip Larratt-Smith, a mostra aconteceu entre 20 de março e 23 de maio de 2010 na Estação
Pinacoteca na cidade de São Paulo.



                                                                                                   17
of Contemporary Cultural Studies (CCCS) na Inglaterra, encabeçados por Stuart Hall,
inauguraram a perspectiva teórica dos Estudos Culturais. Tais estudos incentivaram a
ampliação das analises dos meios massivos e praticas culturais de forma a alavancar
novas perspectivas e entendimentos dos processos comunicativos. (Escosteguy, 2000)
        De forma geral, essa vertente teórica, que foi batizada de Estudos Culturais,
“delineia o modo como as produções culturais articulam ideologias, valores e
representações de sexo, raça e classe na sociedade, e o modo como esses fenômenos se
inter-relacionam” (Kellner, 2001:39).


                 As análises dos estudos culturais se fundamentam através da perspectiva de uma
                 cultura mundializada, ou seja, desterritorializada, subentende a capacidade do
                 cidadão se adaptar, se „territorializar‟ nesse ambiente onde tudo muda, tudo se
                 ressemantiza. Trata-se de um processo típico da hibridização cultural. Menos
                 que superação, é na verdade um campo de cruzamentos férteis, gerador de
                 fluxos que põem em interação as instâncias produtora e receptora. Tais
                 processos se exprimem especialmente no campo da comunicação, que tem
                 assumido uma postura de mediadora social, constituindo-se num novo espaço
                 público: o midiático. (Ortiz apud Dalmonte, 2002:68).



        Se na era moderna ainda era tido como importante possuir conhecimentos e
referências culturais especificas para poder compreender certas obras de arte (como
quando se faziam distinções enfáticas entre filmes classe A e B), na pós-modernidade7
esse conceito se desintegrou. Diante de fatores como a declaração dos princípios da
liberdade de expressão, sobrevinda principalmente do contexto político e social que se
instaurou no período pós-guerra na Europa (ocasionando a possibilidade dos artistas
desprenderem-se de movimentos artísticos específicos), e da influencia do mercado no
processo de criação das artes concebidas no mundo moderno, os Estudos Culturais
passaram a analisar outras nuances dos processos comunicativos, tais como: as diversas
culturas que compõe o campo social, as possiveis e diferentes leituras que cada
indivíduo tende a fazer de acordo com sua “bagagem” cultural particular, ou a



7
 Nos anos 80, o pós-modernismo chegou aos jornais e revistas, caiu na boca da massa. Um novo estilo de
vida com modismos e idéias, gostos e atitudes nunca antes badalados, em geral coloridos pela
extravagância e o humor brota por toda parte. Micro, videogame, vídeo-bar, FM, moda eclética,
maquilagem pesada, new wave, ecologia, pacifismo, esportismo, pornô, astrologia, terapias, apatia social
e sentimento de vazio – estes elementos povoam a galáxia cotidiana pós-moderna, que gira em torno de
um só eixo: o indivíduo em suas três apoteoses: consumista, hedonista, narcisista (Santos, 1896:86).



                                                                                                     18
importância de se ponderar a contribuição interpretativa do publico no processo de
criação das obras.
       Em certo momento, quando constatado que o clássico modelo de circuito
“emissor/mensagem/receptor” proposto pelos norte-americanos, usado para analisar o
processo comunicativo das mídias de massa, era de certa forma limitado por aspectos
como sua linearidade e concentração na troca de mensagens, emergiram uma infinidade
de teorias que buscavam um novo modelo para estudar o processo. Para isso, Stuart Hall
(2003), inspirado por pensamentos estruturais de Marx em “O Capital”, apontou a
importância de se pensar esse processo de outra forma: “produção, circulação,
distribuição – consumo, reprodução”, demonstrando a importância de se pensar o
processo em um viés mais amplo, analisando momentos distintos, mas interligados do
mesmo.
       Evidenciando a subjetividade que as mensagens transmitidas pela mídia podem
carregar, assim como diferentes níveis de compreensão no processo de comunicação, os
Estudos Culturais passaram a elaborar procedimentos para analisar, de maneira
integrada, a produção e a recepção, entendendo que não se apresentam como pólos
separados. Hall evidencia, por exemplo, como antecipar possíveis interpretações de seus
determinados públicos se tornou predicado primordial no processo de criação dos
programas televisivos, algo que, devido à qualidade de meio de comunicação que o
cinema possui, é valido igualmente para a maioria dos filmes produzidos na atualidade.
Hall explicita ainda que, na procura por moldar os programas como produtos a serem
consumidos, os produtores/criadores codificam (elaborando formatos e linguagens
discursivas especificas) seus conteúdos para que, alem de serem melhor interpretados
por seu publico alvo, despertem um interesse maior. Mas, por outro lado, também
demonstra que mesmo com esse procedimento, se considerarmos os diferentes
conhecimentos, culturas e interesses de cada espectador, é impossível garantir que todos
se interessem e interpretem os conteúdos expostos da mesma forma, ou seja, cada
individuo acaba decodificando e interpretando as mensagens apresentadas a seu modo,
utilizando recursos culturais, experiências e memórias reunidas ao longo do processo de
socialização.
       No caso especifico do cinema, Jacques Aumont (1994) aponta que há duas
maneiras de analisar seus espectadores, uma de forma geral, percebendo de forma




                                                                                     19
estática, não se atendo a interpretações particulares, mas considerando-o como publico,
e outra em relação à experiência pessoal de cada um ao assistir um filme (considerando
o sujeito) - de forma a investigar suas reações psicológicas e estéticas a partir do que é
recebido, ou seja, subjetivamente.
         A obra em movimento (no caso do cinema) é aquela que deixa ao interprete a
possibilidade de construir sentido a partir da escolhe entre as seqüências possíveis8. Ou
seja, através do amplo conjunto estético de um filme, como sons, narração, roteiro e
abordagens discursivas, o espectador interpreta e frui o filme a partir dos elementos que
mais o interpelam individualmente. Comunicar algo diverso do que se pretende é
possível em qualquer modalidade de comunicação, e o ruído é uma variável sempre
presente nesse processo.


1.3- O receptor como produtor de sentidos


         Não se pode desconsiderar o fato de que a participação e a contribuição do
publico são tidas como essenciais no processo de criação dos filmes, seja pela
necessidade de adequação a fatores mercadológicos ou pela pretensão em serem
reconhecidos ou compreendidos pelo publico estimado. Teóricos se empenharam em
criar técnicas para se estudar o processo que se dá a partir dessa inseparável relação
entre receptores e produtores. Talvez, a maneira mais eficiente pela qual esse processo
possa ser analisado, seja através de um método baseado no “modo de endereçamento”,
conceito associado à maneira como os realizadores dos filmes estruturam suas
respectivas narrativas, a fim de convidar seus determinados públicos a ocuparem
posições sociais que condigam com as ideologias transpostas nessas obras.
         Tendo surgido na analise fílmica, o conceito adquiriu enorme peso teórico e
político dentro dos estudos do cinema. Baseado em teorias contemporâneas da
lingüística, na semiótica, teorias literárias, no feminismo, e diferentes estudos
sociológicos, o termo “modo de endereçamento” foi criado pela professora e autora
americana Elizabeth Ellsworth (2001), numa busca por compreender a relação existente


8
  Dentro da perspectiva teórica dos Estudos Culturais, Hall (1997), identifica três posições hipotéticas de
leitura que os receptores poderiam ocupar em relação à mensagem: preferencial (modos hegemônicos de
ver), negociada (a contra-argumentação proporcionada pela experiência de situações vividas) e opositiva
(modo de ver contrario do que prevalece).



                                                                                                         20
entre o texto de um filme e a experiência de seu espectador. As analises dos modos de
endereçamento são capazes de decodificar não só as técnicas que os produtores de um
filme utilizam para persuadir seu publico, mas também as relações entre o cinema
(como meio de comunicação) e a sua possível influencia na formação de identificações
e projeções:


               O conceito do modo de endereçamento está baseado no seguinte argumento:
               para que um filme chegue a determinado publico, para que ele chegue a fazer
               sentido para uma espectadora, ou para que ele faça-a rir, para que a faça torcer
               por um personagem, para que um filme a faça suspender sua descrença (na
               „realidade do filme‟), chorar, gritar, sentir-se feliz ao final – a espectadora deve
               entrar em relação particular com a história e o sistema de imagem do filme
               (Ellsworth, 2001:14)

       Os filmes, assim como os livros, programas ou comercias de televisão, são
sempre feitos para alguém – para um publico determinado, e, considerando que seus
produtores estão de certa forma distantes dos espectadores reais, sua produção (no
período entre a redação do roteiro até a exibição no cinema) passa por uma serie de
transformações que são feitas sob a perspectiva de quem são esses espectadores, o que
eles desejam, e como desejam. Peculiaridades do processo de comunicação do cinema
que serão melhor exploradas no capitulo 3, modos de endereçamento no cinema.
       Entre a infinidade de produções lançadas cotidianamente, podemos notar a
variedade de assuntos, abordagens e propostas entre eles. Filmes como a mega-
produção hollywoodiana Titanic (1997), por exemplo, estimam atingir o maior público
de “massa” possível - a fim de alcançar grandes objetivos mercadológicos. Já Paris,
Texas (1975), filme do conceituado diretor alemão Win Wenders, tende a apreender
espectadores que freqüentam cinemas alternativos, e que se interessam por arte.
Enquanto Chico Xavier, O Filme, produção brasileira que, apesar de ter tido grande
investimento, uma escala de atores conhecidos, e ter sido lançado numa grande escala
de cinemas mais comerciais, é voltado a princípio para espectadores que se interessam
por espiritismo.
       Por meio dos modos de endereçamento, os Estudos Culturais traçam não só as
reais intenções de cada filme, mas também revelam aquelas que se aproximam das
expectativas dos espectadores quais querem se comunicar. Por exemplo, filmes voltados
para adolescentes de classe media buscam se ajustar aos interesses que esses




                                                                                                21
supostamente sustentam (ou aos que aos produtores de filmes e mercadorias desejam
que eles tenham), o que nos permite perceber, paralelamente, que os filmes produzidos
na contemporaneidade não assumem apenas funções artísticas e mercadológicas, mas de
ações culturais. Pois, ao considerarmos as qualidades do cinema como veiculo
midiático, podemos também qualificá-lo como pratica social que estimula a produção,
revisão, afirmação e constatação de significados por meio da interação comunicacional.
        Dentro das narrativas estéticas presentes nos filmes, os criadores/produtores
inserem contextos e/ou ideologias que esperam ser compartilhados com seus
espectadores. Consequentemente, podemos constatar que quando um individuo está
numa sessão de cinema (no momento que se encontra “isolado” frente ao objeto
fílmico) não é exposto apenas ao tipo de entretenimento audiovisual que a principio
buscou, mas acaba sendo estimulado nessa experiência - a partir de elementos
narrativos, imagens, sons e personagens - tanto a refletir sobre temas abordados, como
em seguida, conversar e debater (com base na sua interpretação e nos possíveis sentidos
particulares que cada espectador construiu) com outros indivíduos.
       Nesse sentindo, outra concepção que pode contribuir, de modo relevante para
compreendermos a importância que a experiência do espectador adquiriu na construção
de entendimentos e interpretações das obras cinematográficas, é a de que um filme é
uma “obra aberta” (Umberto Eco: 2003). Devido à diversas possibilidades de
desenvolvimento de idéias e percepções que um filme oferece (por meio do seu amplo
conjunto estético-discursivo), o cinema, assim como a literatura, as artes plásticas e a
musica, se faz aberto a múltiplas interpretações. Portanto, é só quando consideramos o
espectador como sujeito - verificando sua atividade fruitiva da obra (que se faz diferente
de espectador para espectador em decorrência de suas diferentes referencias culturais,
interesses e entendimentos) que podemos chegar a uma melhor compreensão das reais
possibilidades de recepção de um filme. Para entender melhor esse conceito,
abordaremos no próximo capitulo tanto os aspectos estéticos que compõem a poética
cinematográfica, quanto as dimensões políticas e sociais que fundamentaram essa
concepção.




                                                                                       22
2. A Poética do cinema e as estratégias enunciativas que
                             provocam o espectador


        Com o objetivo de evidenciar as características que fazem do cinema uma arte
que produz mensagens sujeitas a múltiplas interpretações, apresentaremos inicialmente
neste capítulo, não só as perspectivas que nos permitem entender a amplitude e
ambigüidade de significados que as artes contemporâneas (entre elas o cinema)
adquiriram, e consequentemente, evidenciam em suas criações, mas também a
importância de se pensar os espectadores não mais como publico homogêneo, mas
como sujeitos sociais. Na seqüência, após delinearmos os conceitos de “poética” e “obra
aberta”, nos quais nos baseamos para exprimir as características da Poética
Cinematográfica, explicitaremos a importância, tanto para os cineastas como para os
teóricos, do conhecimento de suas técnicas e peculiaridades para ajudar a compreender
o processo de comunicação do cinema. Por hora, é possível dizer que a poética
cinematográfica se apresenta de um lado, nas estratégias enunciativas dos produtores e,
de outro, na relação interpretativa polissêmica e criativa que se instaura entre o filme e
os receptores.
        Como demonstrado no capitulo anterior, durante muito tempo, as discussões que
se relacionavam ao processo comunicativo que envolve obras de arte, sobrevinham
basicamente, das características, técnicas e conceitos ditados pelos próprios emissores.
Por mais fundamento e qualidade que uma obra apresentasse, suas produções eram de
certa forma limitadas a moldes pré-existentes - competindo muito mais aos criadores
reproduzir os conceitos e linguagens já difundidos por movimentos artísticos
estabelecidos, do que elaborar novas ou diferentes formas para se expressar.
         Das artes clássicas até o simbolismo9, para se analisar a interpretação de uma
obra de arte, era muito mais indicado apenas decodificar e indicar os exatos efeitos que
os criadores buscavam, assim como um conhecimento prévio de cada gênero artístico,
do que considerar possíveis e diferentes interpretações dos espectadores ao observá-las
(Eco, 2008). Até porque, como no processo de criação das obras, os artistas (emissores)
tinham como atividade fundamental prever, organizar e projetar efeitos determinados

9
  Tendência literária que, originada no final do século XIX na França, fazendo oposição ao realismo,
naturalismo e positivismo da época, possibilitou a expressão de assuntos subjetivos como o místico e do
espiritual no mundo das artes.



                                                                                                    23
nos receptores, acreditava-se que não existia espaço para uma atividade de
complementação (dar sentidos distintos à obra) por parte dos receptores. De forma que
eram vistos então, apenas como apreciadores passivos.
         Por exemplo, na arte clássica, o pintor buscava expressar (representar) da forma
mais fiel possível, através da técnica da perspectiva, “o de fora” – vida – “para dentro” –
obra, pois, alem de essa ser a perspectiva metodológica mais respeitada e seguida pelos
artistas da época, julgava-se que dessa maneira, se bem representada, a arte seria
interpretada exatamente da maneira como seu criador pretendeu que fosse (Fortuna,
2000).
         Sendo assim, independente do que fosse ambicionado ser retratado, o criador
buscava construir e determinar, de algum modo, a apreciação de sua obra.              Isso
proporcionava então a essas criações, a qualidade do que poderíamos chamar aqui de
“obras fechadas”, ou seja, como possuíam propostas, finalidades e destinações
determinadas, estimavam interpretações limitadas.
         Já na contemporaneidade, quando detectamos um sistema de comunicação muito
mais abrangente que inunda a população com uma multiplicidade de informações
direcionadas, e, muitas vezes, onipresentes, vem emergindo nas sociedades,
possibilidades interpretativas que não mais se seduzem a processos de identificação
engessados. Seja através dos jornais, da TV, do radio, das revistas, da internet, e
inclusive do cinema, a população passou a ter contato com uma infinidade de
referencias que, de acordo com o que mais o interessa e os mobiliza individualmente,
vão convertendo elementos simbólicos das mensagens midiáticas em insumos para a
construção de identidades muito variadas (Kellner, 2001).
         Nesse sentido, muitos artistas, providos de novos conhecimentos e referencias,
passaram a produzir criações com aspirações e propostas diferenciadas. Desprendendo-
se então de concepções pré-moldadas, e trabalhando suas inspirações em diversos
formatos (como o cinema), começaram a criar obras que não estimam mais
proporcionar efeitos exatos ou efeitos totalmente previstos no âmbito da produção. Pois,
mesmo quando pretendem transmitir algumas mensagens determinadas - que
normalmente nascem de vontades derivadas das inspirações primordiais que o levaram
iniciar a obra, no processo de composição das obras, na forma como a comunicam -,




                                                                                        24
tendem a proporcionar a possibilidade dos espectadores darem continuidade aos
conteúdos expostos.
       Dessa forma, as obras de arte concebidas na contemporaneidade, por possuírem
características que perpassam os conceitos primordiais utilizados para estudar as artes
durante tanto tempo, demandaram não só o desenvolvimento de novas linhas teóricas,
como procedimentos diferenciados para se analisar e delinear seus processos de
comunicação.
        Para o caso especifico do cinema, afirmamos que é através do conhecimento e
estudo das peculiaridades da Poética Cinematográfica, assim como analise da poética
que rege em cada filme em particular, que se faz possível apontar os possíveis efeitos e
reflexões que estimam desencadear nos espectadores.


2.1- A Poética: O surgimento do conceito


       Metodologia relativa ao processo de composição das criações artísticas, o
conceito de poética, delineado no livro homônimo escrito por Aristóteles há mais de 24
séculos atrás, mesmo não podendo ser enquadrado como teoria geral para o processo de
criação das obras de arte, apresenta-se como o estudo que detém a maior quantidade de
idéias fecundas sobre os processos de produção e interpretação dessas obras.
       Escrito numa época em que as artes ainda eram realizadas por poucos, e também
recepcionadas por poucos (dentro de um segmento de indivíduos de classe alta, e,
normalmente mais intelectualizados), o tratado de Aristóteles é um estudo que, se
propondo a esquematizar as técnicas que um criador supostamente deveria utilizar para
produzir as obras de arte realizadas no período (como a literatura oral, as artes cênicas e
a musica), diferencia, divide, explicita e estrutura categorias de obras (da comédia à
tragédia, no caso do teatro, por exemplo) dentro de cada gênero artístico, para assim,
delinear certos moldes e metodologias que essas deveriam, na concepção do autor,
possuir para se comunicarem com o publico da forma adequada.


               Propomo-nos tratar da produção poética em si mesma e de seus diversos
               gêneros, dizer qual a função de cada um deles, como se deve construir a fábula,
               no intuito de obter o belo poético; qual o numero e natureza de suas diversas
               partes, a falar igualmente dos demais assuntos relativos a esta produção.
               (Aristóteles, 2004:23).




                                                                                           25
Para Aristóteles, em cada gênero de representação, o criador deveria buscar um
efeito adequado, privilegiando-o prioritariamente sobre qualquer outro tipo de efeito
possível. Nesse sentido, que o papel do criador, do compositor de representações (no
caso, o poeta para Aristóteles) é organizar, prever e projetar estrategicamente seus
efeitos (sensações, sentidos, sentimentos) na composição de sua obra. Logo, o receptor
tem que ser presumido na criação, assim como sua reação antecipada, no processo
criativo da obra que posteriormente apreciará.
           No tratado da Poética, o autor não só conceitualizou o termo poética, que pode
ser entendido primordialmente como uma perspectiva analítica que busca esboçar
metodologicamente o processo comunicativo dos gêneros artísticos, como diferenciou a
poesia (o metro10) de diferentes estilos de composição das artes realizadas no período.
Dessa forma, alem de demonstrar aos criadores um conjunto de regras que
supostamente, segundo o autor, deveriam ser seguidas em suas produções (para se
adequarem aos moldes estéticos das obras que os artistas buscavam realizar no período),
ele delineou também as bases metodologias a serem utilizadas pelos analistas a fim de
revelar a intencionalidade de cada obra (como fazer rir, chorar, refletir sobre algo).


                   É manifesto que a missão do poeta consiste mais em fabricar fabulas do que
                   versos, visto que ele é poeta pela imitação e porque imita as ações...
                   (Aristóteles, 2004:44)


           Nesse sentido, e, compreendendo que o livro da Poética é o primeiro estudo a
que se tem acesso que se propôs a tratar das formas artísticas, podemos evidenciar que
no pequeno tratado de Aristóteles encontramos os fundamentos teóricos para se analisar
a maioria dos processos comunicativos dos gêneros artísticos, inclusive aqueles que
surgiram posteriormente ao período em que foram delineados (Gomes, 2004). Isso não
quer dizer que possamos utilizar seus conceitos fielmente para analisar obras
contemporâneas como o cinema. Não só porque temos acesso apenas à primeira parte
do tratado (o segundo livro da Poética foi perdido ainda na antiguidade), mas porque as
obras contemporâneas assumiram certas características que tornariam os princípios
aristotélicos inaplicáveis a elas, uma vez que se trata de metodologias criadas para lidar


10
     Ritmo de uma composição poética.



                                                                                          26
com referencias artísticas de mais de 24 séculos atrás. No entanto, mesmo que a Poética
de Aristóteles não se apresente como uma resposta global sobre como analisar as artes,
é possível evidenciar - considerando que qualquer expressão artística sempre busca
transmitir alguma mensagem, independente da maneira proposta - que o sistema
metodológico concebido por Aristóteles acabou por inaugurar uma metodologia que se
propõe a investigar os processos de composição e destinação das artes.




2.2- O cinema como Obra Aberta


           Até o período simbolismo, a grande maioria dos diferentes gêneros e
movimentos artísticos, independentemente de suas peculiaridades e linguagens,
apresentaram uma característica em comum: a busca pela mimesis 11, pela reprodução de
um modo de fazer que copia esquemas pré-fabricados de reprodução. Diante disso, as
discussões das teorias culturais acerca do processo comunicativo das artes tendiam a
alijar as possíveis contribuições dos espectadores no momento da apreciação,
delineando-o como via de mão única: a que parte do emissor. No entanto, desde o
século IX (por volta do período do simbolismo), considerando que muitos artistas
começaram a produzir criações que, alem de não apresentarem as mesmas técnicas de
composição utilizadas para criar as artes realizadas até então, demonstravam diferentes
processos de comunicação, alguns teóricos, como Hall, passaram a questionar não só a
costumeira forma de se pensar a comunicação entre emissor e receptor, como a apontar
a necessidade de se considerar um percurso inverso.
           Nesse sentido, em 1962, Umberto Eco apresentou teorias que, influenciadas por
estudos em ascensão na época, como as teorias da relatividade, a física quântica, a
fenomenologia, o desconstrucionismo, entre outros, evidenciam como as expressões
artísticas tendem a ser interpretadas de diferentes maneiras dependendo das leituras que
os indivíduos fazem a partir de suas experiências próprias e singulares.


                    Uma obra de arte é um objeto produzido por um autor que organiza uma seção
                    de seção de efeitos comunicativos de modo que cada possível fruidor possa
                    recompreender (através do jogo de respostas a configuração de efeitos sentidas

11
     Representação artística da realidade por meio da imitação, da cópia.



                                                                                               27
como estímulo pela sensibilidade e pela inteligência) a mencionada obra, a
              forma imaginada pelo autor. Nesse sentido, o autor produz uma forma acabada
              em si, desejando que a forma em questão seja compreendida e fruída tal como a
              produziu; todavia, no ato de reação à teia de estímulos e de compreensão de
              suas relações, cada fruidor traz uma situação existencial concreta, uma
              sensibilidade particularmente condicionada, uma determinada cultura, gostos,
              tendências, preconceitos pessoais, de modo que a compreensão da forma
              originaria se verifica segundo uma determinada perspectiva individual. (Eco,
              2008:40).


       Com essa linha de pensamento, Eco não só confrontou a poética de Aristóteles,
demonstrando como a perspectiva analítica deste último não é mais capaz de lidar com a
multiplicidade de significados do mundo que necessariamente influem para que cada
indivíduo se identifique e construa seus próprios sentidos ao apreciar obras de arte,
como, considerando que os artistas contemporâneos (cientes dessas concepções)
passaram a buscar e utilizar linguagens que não ambicionam mais desencadear efeitos
determinados, delineou uma nova perspectiva para tratar das poéticas contemporâneas.
       Visando explicitar como as poéticas das artes contemporâneas, diferentemente
das poéticas das artes clássicas, complexificaram formas de indeterminação, o autor
criou o conceito da obra aberta - perspectiva analítica que atribuiu ao processo de
criação das obras de arte contemporâneas para evidenciar como tais obras, por
apresentarem características que não objetivam mais se comunicar de maneira exata,
acabam sugerindo, antecipadamente, múltiplas interpretações. Por isso, a obra aberta
seria a incorporação intencional da ambigüidade no processo de criação (Eco, 2008).
       Tal terminologia se adequa corretamente a analise do cinema, uma vez que o
conceito de obra aberta é capaz de traduzir tanto as mudanças por quais as obras de arte
contemporâneas passaram (para que possam ser distinguidas das clássicas), como a
marcha das fases sociais e políticas que as influenciaram adquirir suas qualidades de
“abertura”.
       Desenvolvido num momento de grandes mudanças políticas na Europa, como a
queda da ditadura na Itália e o período pós-guerra na Inglaterra - que proporcionou uma
liberdade de expressão e comportamental muito maior (ampliando os horizontes
referenciais da população), podemos dizer que uma “revolução” nos meios de
comunicação e no mundo das artes também aconteceu.
      Dessa forma, mesmo não utilizando o termo “obra aberta” para descrever a
ambigüidade incorporada ao processo de criação das obras contemporâneas, assim



                                                                                        28
como as diferentes interpretações que consequentemente sugerem, os Estudos Culturais
desenvolvem uma perspectiva dos processos ativos de recepção que muito se aproxima
do conceito de Eco.


              (...) através da analise da cultura de uma sociedade – as formas textuais e
              praticas documentadas de uma cultura – é possível reconstituir o
              comportamento padronizado e as constelações de idéias compartilhadas pelos
              homens e mulheres que produzem e consomem textos e as praticas culturais. É
              uma perspectiva que enfatiza a “atividade humana”, a produção ativa da cultura,
              ao invés de seu consumo passivo. (STOREY, apud ESCOSTEGUY, 2001:155).


Diante desse quadro, podemos ressaltar como as considerações de Umberto Eco no livro
Obra Aberta, ainda que com abordagem diferenciada, apontam para a mesma direção
dos Estudos Culturais ao defenderam a atividade critica e criativa do receptor e a
polissemia dos objetos artísticos e midiáticos. Quando o autor questiona a condição
freqüentemente atribuída ao espectador de apreciador passivo, e evidencia seu papel de
fruidor, acaba enfocando a importância que os artistas contemporâneos passaram a dar
para a contribuição interpretativa do publico, e inevitavelmente, ponderando-a no ato da
criação (diante da necessidade de suas obras serem compreendidas conforme esperam).
       Outra característica essencial que podemos perceber nas obras abertas, é a
peculiar autonomia executiva concedida ao interprete, que dispõe não só de liberdade
para interpretar as indicações do criador conforme sua sensibilidade pessoal, como
também da possibilidade de interferir na forma da criação. As poéticas das obras
contemporâneas não só proporcionam a possibilidade de reflexão, como estimulam os
interpretes a construírem seus próprios sentidos (darem continuidade) aos assuntos
expostos na obra, o que, considerando as diferentes referencias e identificações dos
espectadores, geram as mais diferentes interpretações.


              As poéticas contemporâneas, ao proporem estruturas artísticas que exigem do
              fruidor um empenho autônomo especial, freqüentemente uma reconstrução,
              sempre variável, do material proposto, refletem uma tendência geral de nossa
              cultura em direção àqueles processos em que, ao invés de uma seqüência
              unívoca e necessária de eventos, se estabelece como um campo de
              probabilidades, uma ambigüidade de situação, capaz de estimular escolhas
              operativas ou interpretativas sempre diferentes. (Eco, 2008:93)

       Sobre esse viés, não se exige do receptor um conhecimento prévio aprofundado
dos mecanismos de produção para se interpretar as obras de arte contemporâneas. Se



                                                                                          29
observarmos o caso do cinema, por exemplo, podemos afirmar que, alem de seu amplo
e híbrido formato estético (capaz de estimular os sentidos cognitivos e perceptivos dos
espectadores de diferentes maneiras), suas características de “abertura” proporcionam
que qualquer indivíduo possa interpretar um filme com suas próprias referencias. Pois,
independente de quais são, vão percebendo-o e complementando-o com sentidos
particulares.


                O autor oferece, em suma, ao fruidor uma obra a acabar: não sabe exatamente
                de que maneira a obra poderá ser levada a termo, mas sabe que a obra levada a
                termo será, sempre e apesar de tudo, a sua obra, não outra, e que ao terminar o
                dialogo interpretativo ter-se-à concretizado uma forma que é a sua forma, ainda
                que organizada por outra de um modo que não podia prever completamente:
                pois ele, substancialmente, havia proposto algumas possibilidades já
                racionalmente organizadas, orientadas e dotadas de exigências orgânicas de
                desenvolvimento. (Eco:2008:62)

       Também se faz necessário evidenciar que, uma obra aberta só alcança seu mais
alto potencial expressivo na mídia atual, devido à liberdade de criação e expressão que
se passou a ter na sociedade. Levando em conta que uma obra aberta tende a
desencadear, dependendo da interpretação do espectador referente aos temas expostos,
não só reflexões sobre os assuntos abordados, como a formação de opiniões que podem
contradizer linhas de pensamento comuns e certos valores sociais, uma obra aberta
tende a ser censurada em países sob regime de ditadura, por exemplo. Como sabemos,
num governo ditatorial não é permitido por lei a difusão de conteúdos que estimulem a
população a produzir reflexões que possam, de alguma forma, contradizer os valores
instaurados pelo governo vigente.
       Nesse sentido, podemos dizer que uma arte contemporânea como o cinema, que
deixa ao interprete a possibilidade de escolher dentre as seqüências possíveis, alem de
entreter o espectador, pode, considerando a multiplicidade de possíveis interpretações,
esboçar-se como um plano “paralelo” que leva os espectadores a pensar e discutir suas
diferentes interpretações.


2.3- A Poética Cinematográfica


       A poética das obras de arte contemporâneas, por possuir características de
abertura, e consequentemente, processos de composição que se direcionam ao publico



                                                                                            30
de diferentes formas, não poderia conferir, assim como Aristóteles se propôs a delinear
em seu tratado da poética antiga, a possibilidade de se criar métodos de composição
específicos para cada gênero artístico. O que se faz possível, que é o que o analista de
filmes (no caso do cinema) busca fazer, é identificar analiticamente os artifícios que no
filme solicitam esta ou aquela reação no espectador, de modo a perceber e tematizar,
quais os meios que seus criadores utilizaram para desencadear esse ou aquele efeito de
animo no espectador.
       De acordo com Gomes (2004), uma poética voltada especificamente ao cinema,
decorreria de uma perspectiva metodológica que indica um procedimento analítico cuja
destinação consistiria em indicar recursos e meios estrategicamente postos no filme, a
fim entender por quê e como se pode levar o apreciador a reagir desse ou daquele modo
diante de um filme.
        Nesse sentido, chamaremos aqui de Poética Cinematográfica, não a uma
perspectiva unificada e sintetizada que se adequaria ao processo de criação do cinema
em geral, mas a uma perspectiva metodológica que, baseada no conceito de obra aberta
e no amplo conjunto de materiais estéticos que cinema possui, subverte a poética
clássica de Aristóteles para delinear o formato de composição de cada filme,
particularmente, na busca em desencadear possíveis e premeditados efeitos em seus
espectadores.
       Assim como uma sinfonia gravada num disco só pode ser considerada musica no
momento em que é executada e apreciada por alguém, compreende-se que um filme não
pode existir enquanto obra em nenhum outro lugar se não no momento em que é
apreciado, ou seja, é só no momento da experiência fílmica que a peça cinematográfica
se transforma em obra - quando se comunica e desperta sentidos e efeitos no espectador.


                O Apreciador, portanto, deve ser previsto na produção e o seu ânimo deve ser
                conduzido no ato criador da composição que ele posteriormente apreciará.
                (Gomes, 2004:5)


       Assim sendo, o autor aponta que para se delinear a poética de um filme, faz-se
necessário praticar uma analise que propõe o percurso inverso ao de sua criação. De
modo que a instancia da realização (o filme desejado ou imaginado pelo realizador: “seu
modo de endereçamento”) assuma um segundo plano para essa metodologia. Nesse




                                                                                         31
sentido, o analista deve remontar, com base nos efeitos que a peça cinematográfica pode
gerar (que só podem ser apontados através da experiência fílmica), as técnicas e
estratégias que seus criadores utilizaram para desencadear esse ou aquele efeito de
animo nos espectadores, ou seja, a poética de um filme só pode ser traçada quando o
analista se baseia na instancia da obra, que é advinda justamente, de sua apreciação.


              O “lugar da apreciação” nada mais é do que o sistema dos efeitos operados.
              Identificá-lo equivale a isolar as sensações, os sentimentos e os sentidos que se
              realizam no apreciador durante a sua experiência do filme e por causa dela. Dito
              de uma outra forma, no programa teórico e metodológico da poética o começo
              de tudo é a identificação daquilo que compõe a experiência fílmica, daquilo que
              o filme faz com os seus apreciadores, daquilo que emerge da cooperação entre
              intérprete e texto. (Gomes: 2004:6)


       Nesse sentido, para que um analista possa discorrer corretamente sobre a poética
de um filme, demanda-se dele que, no momento da experiência fílmica se desvie do
realizador isolado, assim como de possíveis propostas e maneiras com as quais os
criadores buscam se comunicar, e se concentre no filme enquanto objeto experimentado
e forma de experiência.


              A experiência fílmica que interessa à poética não é exatamente o momento
              empírico da apreciação do filme, que interessa principalmente, no nosso modo
              de entender, a uma etnografia da audiência. Interessa-nos a apreciação, como
              instância que se realiza empiricamente através de um ou de múltiplos atos
              circunstanciais de desfrute da obra, mas, sobretudo, como instância que está
              prevista no texto da obra. A experiência fílmica é a experiência da apreciação
              do filme ou do filme enquanto objeto apreciado por um espectador qualquer,
              real ou possível. (Gomes, 2004:6)


       A perspectiva metodológica da poética cinematográfica decorre então,
imprescindivelmente, de pressupostos que advêm do ato analítico. Ao abordar o filme
enquanto obra, o pesquisador deve transcrever num texto (de caráter ensaístico) as
estratégias e dispositivos que o filme, como obra pronta (criada e produzida pelos
realizadores do filme a partir do amplo conjunto de materiais estéticos que o cinema
possui - como visuais, sonoros, narrativos e cênicos), expressa na pretensão de
desencadear esse ou aquele efeito (como sentimentos, sensações e possíveis reflexões
ou construção de sentidos) nos espectadores ao apreciarem a obra, e assim




                                                                                            32
consequentemente, revelando e delineando as técnicas utilizadas pelos criadores da peça
cinematográfica em questão para provocar o espectador, ou seja, a poética desse filme.
       Nesse sentido, se por um lado a poética cinematográfica - aquilo que está no
previsto, o que escapa ao produtor - nos fornece meios para se indicar os métodos
utilizados pelos criadores dos filmes a desencadearem efeitos de animo no espectador,
demonstraremos no próximo capitulo como as analises dos modos de endereçamento,
também buscando evidenciar características do processo de comunicação do cinema,
revelam outro viés, permitindo-nos compreender o modo como um filme busca
estabelecer uma forma particular de relação com sua audiência.




                                                                                     33
3. Modos de endereçamento no cinema


       Atividade essencial para se compreender o modo como os realizadores de um
filme estimam se comunicar com seu publico, as analises dos modos de endereçamento
provêm aos teóricos e estudiosos da área de comunicação, compreensões da relação
entre o texto de um filme e a experiência de seu espectador, podendo demonstrar assim,
tanto os possíveis objetivos dos seus produtores, quanto a forma como seus criadores,
no processo criação, estruturaram a narrativa dos filmes na busca de (após imaginada
uma idéia de como seus espectadores seriam) se comunicarem da forma desejada. O
que, por conseqüência, também proporciona aos espectadores entender quem a instancia
da produção pensa que eles são, ou quer que eles sejam.
       Baseando-nos principalmente em estudos realizados por Elizabeth Ellsworth,
evidenciaremos primeiramente um dos principais conceitos por ela elaborados, o de
modo de endereçamento, para posteriormente, apresentaremos uma pequena
investigação que, baseada em entrevistas realizadas com oito pessoas que costumam ir
ao cinema, visa esboçar e enfatizar nuances do processo de comunicação entre um filme
e seus espectadores.
       Considerando que os filmes, assim como os livros, as cartas, os comerciais de
televisão, são sempre destinados a alguém, e que consequentemente, visam e imaginam
determinados públicos, seus criadores buscam estruturar suas narrativas, assim como
seu acabamento e sua aparência, com base em pressupostos conscientes e inconscientes
sobre quem são seus públicos, o que eles querem, como eles vêem filmes, quais são os
seus gostos, suas vontades, seus medos, o que os fazem rir, o que os fazem chorar, quem
eles pensam que são (em relação a si próprios e aos outros) e as paixões e tensões
culturais do momento (Ellsworth 2001).


3.1- A instância da produção


       Quando um filme é endereçado a determinado publico, podemos verificar que no
seu ato de produção, seus criadores articulam-no para que se comunique (enquanto
obra) de uma maneira particular estimada. No entanto, essa estimativa tem de passar por
alguns filtros até que seja determinada. Para que um filme seja produzido e lançado nos



                                                                                    34
cinemas, não depende apenas do impulso criativo primordial de seus criadores, mas de
toda uma equipe de produção, na qual produtores e patrocinadores possuem importantes
e efetivos papeis. A maneira por meio da qual o filme é elaborado e direcionado, ou
seja, endereçado aos seus públicos, é certamente resultante do acordo desses três
principais interessados: produtor, patrocinador e criador. Desse modo, os criadores
antecipam e antevêem interesses que podem ser relacionados às seguintes questões: com
qual tipo de publico querem se comunicar?; que mensagens desejam transmitir? e que
tipo de lucro ambicionam?. Assim, entre a redação do roteiro e a exibição nos cinemas,
os filmes passam por uma série de transformações que demandam de seus respectivos
criadores (como roteiristas e diretores) a organização de procedimentos estruturais para
a construção e/ou adaptação da peça cinematográfica aos objetivos estabelecidos pelas
partes envolvidas. É a partir dessas estratégias - e, com base em pressupostos de como
seus “espectadores-alvo” vêem o mundo em que vivem (perante a situação histórica e
social vigente), e em como esses públicos imaginados se vêem -, que a estrutura
narrativa que constrói o modo de endereçamento de um filme pode começar a ser
desenvolvida.


                O modo de endereçamento de um filme tem a ver, pois, com a necessidade de
                endereçar qualquer comunicação, texto ou ação “para” alguém. E,
                considerando-se os interesses comerciais dos produtores de filme, tem a ver
                com o desejo de controlar, tanto quanto possível, como e a partir de onde o
                espectador ou espectadora lê o filme. Tem a ver com atrair o espectador ou a
                espectadora a uma posição particular de conhecimento para com o texto, uma
                posição de coerência, a partir da qual o filme funciona, adquire sentido, dá
                prazer, agrada dramática e esteticamente, vende a si próprio e vende os produtos
                relacionados ao filme (Ellsworth, 2001:24).




3.2- Possibilidades de negociação entre os modos de endereçamento e a
experiência do espectador


       O modo de endereçamento de um filme não está associado diretamente ao seu
sistema de imagem (a composição da sua estética), como a escolha das cores, dos
cenários, dos objetos, da iluminação, dos enquadramentos, e nem mesmo, nos diálogos
em si, mas a algo que permeia a historia do filme. Para se delinear o modo de
endereçamento de um filme, que é formulado por seus criadores a partir do processo de



                                                                                             35
composição de sua estrutura narrativa, faz-se necessário analisar algo como a intangível
experiência da história do filme, na qual estão incluídas: trama, personagens, subtexto,
vínculos casuais, pontos de vista e assim por diante. Nesse sentido, podemos dizer que o
modo de endereçamento de um filme pode ser percebido no modo como ele “convoca”
o espectador a lê-lo, ou seja, na leitura preferencial buscada por seus realizadores.


               Os teóricos do cinema desenvolveram a noção do modo de endereçamento para
               lidar, de alguma forma que fosse especifica ao cinema, com algumas das
               grandes questões que atravessam os estudos do cinema, a critica de arte e de
               literatura, a sociologia, a antropologia, a historia e a educação. Essas questões
               tem a ver com a relação entre o „social‟ e o „individual‟ (Ellsworth, 2001:12).



       Ellsworth assinala que os teóricos do cinema passaram a ver o modo de
endereçamento menos como algo que está em um filme, e mais como evento que ocorre
em algum lugar entre o social e o individual. Dessa forma, percebemos que as análises
dos modos de endereçamento podem ajudar a compreender as relações entre o cinema
como prática social, e a identidade cultural da população, entre o lado de fora da
sociedade, e o lado de dentro da psique humana. Gomes (2007) salienta que fatores
relacionados ao modo de endereçamento são: o contexto textual, que inclui as
convenções de gênero e a estrutura sintagmática; o contexto social, que diz da
presença/ausência do produtor do texto, da composição da audiência, de fatores
institucionais e econômicos; e os constrangimentos tecnológicos, que se referem às
características de cada meio. Ou seja, de forma similar, podemos afirmar que a relação
que um filme constrói com o espectador depende de aspectos sociais, ideológicos e
textuais. Sob esse aspecto, percebemos que, para endereçar um filme a determinado
publico, seus criadores devem levar em consideração não apenas as possíveis
identidades culturais e psicológicas desses espectadores, mas também o modo como ele
se relaciona com os filmes ao longo do tempo, inserido em uma determinada realidade
socioeconômica e cultural.


               Devido a ausência de ajustes previsíveis e controláveis entre os modos de
               endereçamento e a experiência do espectador, algumas teorias do cinema
               desistiram de tentar atribuir um „tipo‟ de ato ver resistente a cada tipo de
               publico (marginalizado) à medida que ele responde aos vários tipos de modo de
               endereçamento. Elas deslocaram sua atenção, do modo de endereçamento como
               aspecto relativamente estático do texto de um filme, para o modo de



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endereçamento como aspecto mais fluido dos contextos nos quais os
              espectadores usam os filmes (Ellsworth, 2001:37).

       Essas mudanças de ênfase entre os teóricos do cinema surgiram de análises
advindas de questões do tipo: “como públicos constituídos por pessoas gays e lésbicas
resistem aos modos de endereçamento dos filmes convencionais?”; “que papel exerce o
ato de ver filmes na forma como pessoas e grupos imaginam e constituem variadas
culturas e identidades; “como os próprios modos de endereçamento são assumidos e
usados, juntamente com uma ampla rede de textos e contextos, incluindo os rumores e
as „fofocas‟, na construção de identidades, práticas culturais e grupos organizados e
politizados? ; “como o ato de ver filmes pode ser usado na constituição identitária de
lésbicas e gays como uma força política – como quando os gays se organizam como um
grupo de consumo para questionar a representação homofóbica que caracteriza os filmes
convencionais?” (Mayne apud Ellsworth, 2001:37).
       Para Cruz e Guareshi (2007), o evento de endereçamento ocorre num espaço
social/psíquico entre o texto fílmico e os usos que o espectador faz dele. Deixando então
de localizá-lo no interior de um texto de um filme e passando a compreender o modo de
endereçamento como um evento que reside no filme. Centrar as análises nos fenômenos
culturais consiste em afirmar que a cultura é uma das condições constitutivas de
existência de toda prática social, e que toda prática tem uma dimensão cultural.
       Nesse sentido, podemos dizer que independente do, ou dos possíveis modos de
endereçamento presentes num filme, nada garante que o espectador seja exatamente
quem o filme pensa que ele é, ou seja, que não é possível endereçar um filme capaz de
suscitar, de forma exata, uma leitura previamente estipulada junto a um público
estimado.
       Mesmo quando uma obra é endereçada a um segmento de público determinado,
como por exemplo, um filme que aborda assuntos que ilustram guerras e lutas – que são
normalmente direcionados para determinado público masculino que se interessa pelo
tema, o mesmo pode ler e responder à mensagem fílmica (dependendo dos outros
possíveis gostos e identificações que esses possuem) de diferentes maneiras. Pois,
mesmo que o tema central do filme seja guerra, assim como tenha sido endereçado a um
público que supostamente o aprecia (como homens heterossexuais de idades variadas),
conforme a escolha do ambiente (que envolve região, pais, época), da construção das




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personalidades dos personagens (como seus gostos, interesses e religiões) e assim por
diante, inclusive dentro do público almejado, se considerarmos suas diferentes
identidades culturais, cada espectador tende a construir sentidos próprios perante o texto
do filme, assim como a complementá-lo de forma diferente uns dos outros (Ellsworth,
2001; Kellner, 2001). Para Turner (1997), o público pode encontrar uma variedade de
significados em qualquer texto cinematográfico, uma vez que seu significado não é
necessariamente “fixo”, imutável. Os significados são vistos como produtos da leitura
de um público e não apenas na propriedade essencial do texto cinematográfico em si. O
publico dá sentido aos filmes, configurando-se também como produtor.
       Ellsworth (2001) ressalta a relação entre a forma como os textos
cinematográficos se endereçam ao seu público e a forma como os espectadores reais
lêem os filmes não são nítidas, puras, lineares ou causais. O espaço da diferença entre o
endereçamento e a resposta está no contexto social, nas conjunturas históricas de poder
e da diferença social, assim como nas imprevisíveis atividades do inconsciente, que o
torna capaz de escapar à vigilância e ao controle.
       Sob esse viés, podemos dizer também que o espaço da diferença entre o
endereçamento de um filme e sua interpretação - que é onde reside a complementação
individual advinda das diferentes identidades de cada espectador, assim como onde se
forma a relação do filme com o espectador - carrega atividades inconscientes e
imprevisíveis, ou seja, o espectador nunca é exatamente quem um filme pensa que ele é.


3.3 - Investigação Empírica


       Com o intuito de analisar possíveis relações entre um filme e seus espectadores,
ou seja, de distinguir quais os sentidos produzidos pelos sujeitos a partir dos textos
fílmicos e quais as expectativas e fatores que os influenciam na escolha de qual filme
assistir, entrevistamos oito pessoas adultas que possuem o hábito de ir ao cinema. A
escolha dessas pessoas se deveu ao fato de acreditarmos que, por estarem familiarizadas
com a narrativa cinematográfica, elas teriam maior capacidade e habilidade de
reconhecer as estratégias enunciativas dos produtores e os modos de endereçamento que
caracterizam sua relação com os filmes, ainda que desconheçam e não empreguem em
suas respostas essas noções conceituais.




                                                                                       38
Para selecionar os entrevistados, enviamos um questionário por e-mail a um
amigo que costuma freqüentar cinemas. Foi-lhe solicitado que enviasse o mesmo
questionário, com cópia para o pesquisador, a um amigo seu que tivesse o mesmo
hábito, e assim sucessivamente até completar oito pessoas a responderem as questões.
Esse método foi empregado por acreditarmos que teríamos, ao final do processo,
depoimentos de pessoas com diferentes referenciais culturais.
       Identificamos os entrevistados por um nome fictício e por sua real profissão:
Ana Paula (cenógrafa); Ligia (veterinária); Raquel (publicitária); André (jornalista);
Breno (advogado); Ângela (chef de cozinha); Alberto (administrador de empresas), e
Amauri (produtor de eventos). Os temas explorados na entrevista foram: a) motivos que
os estimulam a ir ao cinema; b) que tipo de filme mais apreciam; c) analogias
produzidas entre o texto de um filme e o universo de seu cotidiano; d) significados
associados à experiência de assistir determinados filmes; e e) possíveis reflexões e/ou
discussões ocorridas após sessões que foram pautadas pelos assuntos abordados nos
filmes. As respostas ao questionário enviado e respondido por e-mail foram analisadas a
partir dos conceitos desenvolvidos neste trabalho.
       É possível afirmar que, para todos os entrevistados, os principais motivos que os
levam a despender duas horas para ver um filme no cinema são: a busca por
entretenimento e por cenas que os permitam se emocionar. No entanto, quais seriam os
elementos que mais os atraem na escolha de qual filme assistir? De modo geral, todos
os entrevistados deram a entender que, além de aspectos como o prazer estético que
determinadas imagens proporcionam, e se o filme possui atores e/ou diretores que se
identificam ou têm boas referências (seja de amigos ou da crítica), enfatizaram como
fator primordial mais recorrente na escolha do filme: a história, o tema que o filme
aborda. Nesse sentido, Ana Paula comenta:


              É claro que, se um filme possui atores ou diretores que já participaram de outras
              produções que gostei ou me identifiquei, isso conta bastante, mas sem duvida o
              que me chama mais atenção é a historia que o filme aborda. Acredito que um
              filme que trate de temas com os quais me identifico sempre tem mais chances
              de me entreter ou me emocionar. Alem de que, acho que podem me ajudar a
              esclarecer algumas questões, aprender com eles (Ana Paula, cenógrafa).

       Tais expectativas e emoções são prazeres que encontramos naquilo que nos é
familiar. Há o prazer de se confirmar, pelo conhecimento que se tem do filme, a



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qualidade de membro de uma determinada cultura. São muitos os prazeres envolvidos
na decisão do público de ver um filme e na relação que as pessoas têm com ele quando
o assistem. São prazeres sociais, culturais, dos quais as pessoas se apropriam para seu
próprio uso (Cruz e Guareschi apud Turner, 2007:202).
        Dessa forma, considerando que os realizadores de um filme, quando estruturam
o modo de endereçamento deste, buscam tratar ou incluir assuntos com os quais seus
supostos espectadores, de forma geral, se identificam, podemos dizer que a relação entre
um filme e o público começa a partir do momento em que o filme atrai o público
estimado ao cinema por meio do assunto que aborda. Como ressalta Turner (1997), um
filme precisa especificar seu público, não só em seu texto mas também na campanha
publicitária; na série de entrevistas e ações promocionais que possam envolvê-lo; na
seleção das salas de exibição (se houver escolha); mesmo na escolha da companhia da
distribuidora (novamente, se puder escolher). Além disso, como mencionamos
anteriormente, a escolha do tema é o primeiro passo para que um filme convoque seus
públicos-alvo a se “relacionarem” com ele.
        Já na sala escura, quando expostos ao objeto fílmico com qual anseiam dialogar,
os espectadores tendem a perceber o filme como uma narrativa composta de cenas que
se aproximam de parâmetros percebidos como verossímeis ou próximos à sua
experiência cotidiana, o que possibilita identificações e reflexões. Essa capacidade de se
entranhar na história só é possível porque o filme descreve fragmentos da experiência
como, por exemplo, repressões profundas e as emoções intensas que, ao contrário da
vida real, são sentidas e vividas com tranqüilidade. Essa “tranqüilidade” capacita o
espectador a apropriar-se do mundo do filme e a fazer analogias com seu mundo (Cruz e
Grareschi, 2007). Em relação a possíveis identificações com personagens e analogias
proporcionadas pelos filmes assistidos, uma entrevistada destaca:


                Cada vez que eu vejo um filme me identifico com algum personagem um
                pouquinho, o que eu acho que é muito bom porque eu me entendo melhor. É
                como se eu me visse na 3ª pessoa. Dessa forma, posso me observar e refletir
                sobre mim mesma com mais clareza, pois, mesmo que me identifique com
                algum personagem em um ou vários aspectos, sei que não sou eu. No filme
                “Natureza Selvagem12, por exemplo, me identifiquei muito com o sentimento

12
   Baseado em fatos reais, “Natureza Selvagem” é um filme que narra a historia de um jovem americano
que, inspirado em parte por aprendizados que incorporou da literatura de autores questionadores do
sistema capitalista como Enrnest Hemingway, tornou-se indignado com o modo de vida que a maioria das



                                                                                                 40
que o personagem principal demonstra em abandonar “tudo” em busca de uma
                 coisa que ele acredita. O que ele fez! Além disso, me identifiquei muito com as
                 os aprendizados que ele ganhou no decorrer do filme. Foi incrível chegar ao
                 final do filme e descobrir junto com ele que a felicidade só existe quando
                 compartilhada... mas também confesso que fiquei até com um pouco inveja
                 dele, pois não sei se teria a coragem que ele teve de largar tudo (Ângela, chef de
                 cozinha).

         Nesse sentido, Rocha (1993) chama a atenção para a dimensão do filme que
aponta para a possibilidade pura e simples da troca que pode ser instaurada entre, de um
lado, membros da sociedade real e, de outro, membros da sociedade representada
“dentro” de um produto da Indústria Cultural. O filme acima mencionado parece indicar
que passamos de um lado para outro com extrema facilidade.
         Ligia (veterinária), que diz também se identificar freqüentemente com os
personagens na tela, comenta que gosta muito quando isso acontece porque muitas
vezes pode obter referências e perspectivas que posteriormente a ajudam a lidar com
possíveis conflitos similares. “Quando um filme conta a historia de um personagem
com quem me identifico, posso aprender outras maneiras de lidar com conflitos
parecidos”. Ela ainda cita e comenta o mesmo filme recordado por Ângela: Natureza
Selvagem. “Me identifico com o protagonista do filme Natureza Selvagem, pois além de
ser desapegada das coisas, sempre tive muita vontade de fazer o que ele fez: viajar
para um lugar distante no qual, sozinha e independente, buscaria atingir meus
objetivos, mas sempre me faltou coragem... algo que trato na minha terapia: o medo do
novo.”
         Tais respostas referentes ao modo como Ângela e Ligia se relacionam com os
filmes, nos demonstra como o cinema, uma mídia que possui considerável poder de
comunicação na sociedade, ocupa espaço na subjetivação dos sujeitos, inseridos em
contextos culturais específicos. Para Hall (1997), culturas são os sistemas ou códigos de
significado que os seres humanos utilizam para interpretar, organizar e regular sua
conduta, enfim, para dar sentido às próprias ações, assim como às dos outros.
         Já em alguns casos, pode acontecer de o modo de endereçamento ficar um
pouco mais perceptível, mais fácil de se identificar. Raquel, por exemplo, fez alguns
comentários interessantes sobre a saga Crepúsculo, uma série de histórias divididas em

pessoas a sua volta seguiam, e logo após terminar o colegial decidi deixar todo o conforto provido pelo
dinheiro dos pais e embarcar numa viagem ao Alaska em busca de autoconhecimento e superação de
limites.



                                                                                                    41
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A poética cinematográfica como instrumento de provocação social

  • 1. FACULDADE CÁSPER LÍBERO Bruno Bueno Martins A poética cinematográfica como instrumento de provocação social São Paulo 2010
  • 2. BRUNO BUENO MARTINS A poética cinematográfica como instrumento de provocação social Trabalho de conclusão de curso de Pós- Graduação lato sensu apresentado à Faculdade Cásper Líbero como requisito parcial para a conclusão do curso de Especialização em Comunicação. Orientadora: Profa. Dra. Ângela Cristina Salgueiro Marques São Paulo 2010 2
  • 3. BRUNO BUENO MARTINS A poética cinematográfica como instrumento de provocação social Trabalho apresentado ao Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Faculdade Cásper Líbero, como requisito para conclusão do curso em Comunicação. Data da aprovação Banca examinadora: Prof. Dr. Faculdade Cásper Líbero Profa. Dra. Ângela Cristina Salgueiro Marques Faculdade Cásper Líbero São Paulo 2010 3
  • 4. AGRADECIMENTOS A Izabel B. e José Antonio M., pais cuidadosos e grandes incentivadores. Aos amigos Ana Rodrigues, Bianca Rosa, Maria Gabriela, Nicolas Presciutti, Renata Nascimento e Bruno Stierli, por compartilharem sua paixão pelas artes e pelo cinema em especial comigo. As tias Alice Ângela M., e Márcia E.H. , pelo apoio que me deram para o desenvolvimento deste trabalho de diferentes maneiras. A ilustre professora Marlene Fortuna, que não só me proporcionou amplos conhecimentos sobre o movimento modernista, como deliciosas catarses em sala de aula através de seu inusitado método de ensino. Ao professor Sergio Amadeu, pelos seus ensinamentos e pela sua inspiradora presença em sala de aula. Aos professores da pós-graduação da Cásper Libero: Laan Mendes de Barros, Dulcília Buitoni, Heloísa Matos e Ivan Santo Barbosa, pela bagagem teórica que me transmitiram. Ao professor Dimas A. Künsch, coordenador dos cursos de pós-graduação da Cásper Libero, pela sabia indicação da professora Angela para orientar este trabalho. A secretaria da pós-graduação da Cásper Libero. As pessoas que responderam ao questionário. Em especial, a professora Ângela Cristina Salgueiro Marques, minha mestra e minha orientadora, por seus ensinamentos, conselhos, incentivo e dedicação. 4
  • 5. MARTINS, Bruno B. A poética cinematográfica como instrumento de provocação social. (Dissertação de Monografia). São Paulo: Faculdade Cásper Líbero, 2010. Resumo O presente trabalho tem como principal objetivo estudar a relevância dos conceitos de “obra aberta” (Umberto Eco) e “modos de endereçamento” (Elizabeth Ellsworth) para o entendimento da poética cinematográfica como instrumento de provocação social. Em um primeiro momento, é enfocada a contribuição da corrente teórica dos estudos culturais ao evidenciar que toda ação social é também cultural e que todas as práticas sociais comunicam um significado. A partir de uma contraposição entre a Teoria Crítica e os Estudos Culturais, o cinema é enfocado como uma prática de significação e como um processo comunicativo que, ao conectar as instâncias da produção e da recepção, abrange os espectadores como sujeitos sociais capazes de produzir interpretações e significados próprios a partir dos objetos fílmicos apreciados, conduzindo-os à reflexões introspectivas ou até à formulação de críticas sociais. Partimos da premissa de que a poética cinematográfica abrange, de um lado, as estratégias enunciativas dos produtores e, de outro, as capacidades e habilidades críticas dos receptores de (re) criar significados a partir da decodificação do texto fílmico, de modo a explorar os sentidos não previstos, as virtualidades e as possibilidades de tal texto. Com o intuito de compreender de forma mais clara tais concepções, realizamos uma investigação empírica com oito sujeitos adultos que possuem o hábito de ir ao cinema. As entrevistas feitas com tais sujeitos nos auxiliaram a compreender o funcionamento da poética cinematográfica, ou seja, das técnicas de composição utilizadas pelos criadores de um filme para provocar o espectador. Além disso, vimos que os sentidos que os espectadores dão para os filmes tendem a ser diferentes de espectador pra espectador, gerando reflexões diversas que, dependendo dos temas ou das posições que cada sujeito assume perante um filme, podem, posteriormente à apreciação, gerar discussões criticas que pautam temas sociais comuns. Palavras-chave: poética cinematográfica, obra aberta, modos de endereçamento, crítica social, estudos culturais, indústria cultural. 5
  • 6. Abstract The aim of this work is to study the relevance of the concepts of "open work" (Umberto Eco) and "addressing modes" (Elizabeth Ellsworth) to the understanding of poetic cinematic as an instrument of social provocation. At first, we focus on the contribution of current theoretical cultural studies to show that all social action is also cultural and social practices that all communicate a meaning. From a contrast between Critical Theory and Cultural Studies, the film is focused as a practice of meaning and as a communicative process that by connecting the instances of production and reception, covering the spectators as social agents capable of producing interpretations and meanings from the objects themselves filmic appreciated, leading them to introspective reflections or until the formulation of social criticism. Our premise is that the poetic cinematic covers on the one hand, the declared strategies of producers and the other, the capabilities and skills critical receptor (re) create meanings from the decoding of the film text in order to explore the ways not foreseen, the virtues and possibilities of such a text. In order to clearly understand these concepts, we conducted an empirical investigation with eight adult individuals who have the habit of going to the movies. The interviews with these individuals have helped us to understand the workings of poetic cinema, which means, the compositional techniques used by the creators of a film to provoke the spectator. Besides that, we've found out that the directions noticed by the viewers tend to be different from spectator to spectator, generating several ideas that, depending on the topics or headings that each individual has towards a film may, after the assessment, generate discussions critical social issues that govern common. Keywords: poetic cinematic, open work, addressing modes, social criticism, cultural studies, cultural industry. 6
  • 7. SUMÁRIO Introdução........................................................................................................................8 1. O CINEMA DENTRO DAS TEORIAS CULTURAIS: DA INDÚSTRIA CULTURAL AOS ESTUDOS CULTURAIS ........................................................... 11 1.1 O Cinema e a Indústria Cultural.......................................................................... 11 1.2 A Ascensão dos Estudos Culturais....................................................................... 17 1.3 O receptor como produtor de sentidos ................................................................ 20 2. A POÉTICA DO CINEMA E AS ESTRATÉGIAS ENUNCIATIVAS QUE PROVOCAM O ESPECTADOR ............................................................................... 23 2.1 A Poética: O surgimento do conceito.................................................................... 25 2.2 O cinema como Obra Aberta................................................................................. 27 2.3 A Poética Cinematográfica ................................................................................... 30 3. MODOS DE ENDEREÇAMENTO NO CINEMA............................................... 34 3.1 A instância da produção ....................................................................................... 34 3.2 Possibilidades de negociação entre os modos de endereçamento e a experiência do espectador................................................................................................................. 35 3.3 Investigação Empírica............................................................................................ 38 CONSIDERAÇÕES FINAIS....................................................................................... 45 Referências Bibliográficas............................................................................................54 7
  • 8. Introdução Os filmes geralmente fazem parte das experiências culturais de cada individuo. Desde crianças, entramos em contato com narrativas fílmicas cinematográficas ou televisivas que tendem a mexer com nossos sentidos e imaginários. Muitas vezes, tais narrativas são capazes de proporcionar, além do entretenimento primordialmente buscado, referências a uma infinidade de assuntos e culturas que desconhecemos, ou desejamos conhecer e, conseqüentemente, podem suscitar em nós diversas reflexões sobre nós mesmos e sobre a sociedade na qual nos inserimos. Visando abordar tais assuntos, o presente trabalho busca responder as seguintes questões: como um filme pode ser capaz de – por meio dos temas abordados e da forma como é composto -, além de entreter e/ou emocionar, estimular os espectadores a produzir possíveis reflexões introspectivas e/ou de críticas à sociedade?; Será que é possível que os criadores de um filme possam antecipar, na elaboração da estrutura narrativa desses, o modo como serão apreciados?; e, será que filmes que não exploram temas controversos, voltando-se apenas ao entretenimento, também podem gerar reflexões? Dessa forma, apresentando fundamentos teóricos, uma investigação empírica, assim como perspectivas metodológicas referentes ao processo de composição dos filmes, buscamos salientar neste trabalho a relevância da poética cinematográfica enquanto instrumento de provocação social. Fruto da revolução tecnológica ocorrida em meados do século XIX, o cinema, que evoluiu rapidamente de uma invenção com finalidades meramente científicas, a uma conceituada forma de arte, e mais adiante, devido à grande visibilidade adquirida, assim como o interesse das classes dominantes e estruturas organizacionais – dado o seu potencial como veículo de comunicação voltado para o lucro - passou também a ser um produto de entretenimento consumido por multidões. Assim, o cinema não mais se restria à experimentação científica, mas assumiu um papel de entretenimento, documentação e provocação social. Por isso, ao longo do tempo, os estudos sobre o cinema foram ganhando considerável espaço dentro das teorias culturais. Ao considerarmos os estudos sobre o fator poético do cinema, os quais revelam o poder artístico proveniente de suas técnicas estéticas, seu poder enquanto produto, e conseqüentemente, sua característica comunicacional, percebemos alguns aspectos de 8
  • 9. sua relevância social, e julgamos válida a construção de uma abordagem que contraponha duas teorias que pensam o cinema, inserindo-o no contexto social de formas opostas. Para isso, no Capítulo 1, inicialmente abordaremos como o cinema foi retratado pelas teorias culturais. Destacamos a proposição crítica de dois reconhecidos autores da Escola de Frankfurt, Theodore Adorno e Max Horkheimer, em relação aos filmes que passaram a ser produzidos pela Indústria Cultural para, na seqüência, nos atermos à corrente teórica que apresenta uma influencia mais forte nas discussões acerca da comunicação e da cultura na contemporaneidade: os Estudos Culturais. Apresentando como um de seus principais focos os processos de comunicação entre os meios massivos (entre eles o cinema) e o público, as análises dos Estudos Culturais sublinham a participação e a reflexão dos indivíduos, sua prática cultural em oposição ao seu consumo passivo. A oposição entre a Teoria Crítica e os Estudos Culturais visa acentuar a mudança de enfoque na atividade do receptor, que deixa de ser manipulável e acrítico e passa a ser visto como produtor de sentidos e interpretações, inserindo-se em um processo comunicativo ampliado, circular e fundado na relação entre os âmbitos da produção e da recepção. Assim sendo, apresentaremos no Capítulo 2 a poética do cinema e as estratégias enunciativas que provocam o espectador, as concepções e fundamentos teóricos que contribuem não só para compreendermos a amplitude e a ambigüidade de significados que as artes contemporâneas (entre elas o cinema) adquiriram e, conseqüentemente, evidenciam em suas criações, assim como a importância de se pensar os espectadores não mais como publico homogêneo, mas como sujeitos sociais. A fim de explicitar esse viés, apresentaremos conceitos como os de “obra aberta”, terminologia designada por Umberto Eco, que evidencia como as expressões artísticas tendem a ser interpretadas de diferentes maneiras dependendo das leituras que os indivíduos fazem a partir de suas experiências próprias e singulares; e o que chamaremos de poética cinematográfica que, por sua vez, aproxima-se do conceito de obra aberta e baseia-se no amplo conjunto de materiais estéticos que o cinema possui. Tal noção subverte a poética clássica de Aristóteles para delinear o formato de composição de cada filme, particularmente, na busca em desencadear possíveis e premeditados efeitos em seus espectadores. Já no Capítulo 3, ao explorarmos os modos de endereçamento no cinema, demonstraremos, por meio dos fundamentos teóricos desse conceito e de uma 9
  • 10. investigação empírica, compreender o modo como um filme busca estabelecer uma forma particular de relação com sua audiência. Nesse sentido, ao longo desse trabalho apresentaremos teorias que, englobando características do universo comunicacional e cinematográfico, nos permitirá delinear tanto as técnicas e metodologias relativas à criação de um filme, como o processo de comunicação entre um filme com seus espectadores, a fim de nos ajudar a compreender como o cinema adquiriu um papel relevante na formação da cultura de uma sociedade. O trajeto desta busca nos ajuda a perceber o cinema não só como uma arte que entretém espectadores, mas também como uma prática social que tende a provocar os espectadores de cinema a refletir sobre si próprios, sobre a sociedade na qual se inserem, e conseqüentemente, sobre as diferentes culturas globais. 10
  • 11. 1. O cinema dentro das Teorias Culturais: da Indústria Cultural aos Estudos Culturais Para iniciar as analises as quais trabalho se propõe realizar, ou seja, delinear a relevância da poética cinematográfica enquanto instrumento de provocação social, faz- se necessário primeiramente, apresentar as bases teóricas que serão utilizadas para revelar como o cinema passa de uma mensagem capaz de minar a capacidade critica dos espectadores, tal como afirmam Adorno e Horkheimer, a uma mensagem possível de ser apreendida e transformada em formas de questionamento de aspectos da realidade. Assim, neste primeiro capitulo, focalizaremos duas principais teorias que abordam o cinema de duas formas bastante distintas. Da visão critica da Escola de Frankfurt1 até as amplas analises metodológicas dos Estudos Culturais, o cinema sempre foi assunto em pauta dentro das teorias culturais. Ao considerarmos os estudos sobre seu fator poético, que revelam o poder artístico proveniente de suas técnicas estéticas, seu poder enquanto produto, e consequentemente, sua característica comunicacional, percebemos alguns aspectos de sua relevância social, e julgamos válida a construção de uma abordagem que contraponha duas teorias que pensam o cinema, inserindo-o no contexto social de formas opostas. 1.1- O Cinema e a Indústria Cultural Para discutir a implicação existente entre a massificação dos meios de comunicação (como o radio, televisão, jornais e cinema) e a conversão da cultura de textos culturais providos e transmitidos por esses, em mercadoria, os pensadores alemães Theodor Adorno2 e Max Horkheimer3 criaram, em 1947, o termo “Indústria 1 Associada a Teoria Critica da Sociedade, Escola de Frankfurt foi o nome atribuído há um grupo de filósofos e cientistas políticos que, influenciados por concepções marxistas, queriam apontar os meios de comunicação de massa como responsáveis pela destruição da capacidade critica dos indivíduos, impedindo sua emancipação e esclarecimento. 2 Associado a uma das filosofias mais complexas do século XX (baseada num estilo dialético), o sociólogo, filósofo e musico alemão foi um dos expoentes pensadores da Escola de Frankfurt. 3 Filosofo e sociólogo alemão que, junto a Theodore Adorno e Herbert Marcuse, compõe o núcleo fundamental da Escola de Frankfurt. 11
  • 12. Cultural”, de modo a expressar uma descrença na possibilidade de emancipação dos sujeitos diante do crescimento dos meios de comunicação de massa. A indústria cultural é a integração deliberada, a partir do alto, de seus consumidores. Ela força a união dos domínios, separados há milênios, da arte superior e da arte inferior. Com prejuízo de ambos. A arte superior se vê frustrada de sua seriedade pela especulação sobre o efeito; a inferior perde, através de sua domesticação civilizadora, o elemento de natureza resistente e rude, que lhe era inerente enquanto o controle social não era total.” (Adorno e Horkheimer, 1971:277) A visão dos autores sobre as conseqüências da conversão de cultura em mercadoria sempre foi radical. O tom critico se destacava ao apontarem como a indústria cultural, em sua busca por formar consumidores, poderia ser responsável por rebaixar o nível estético das formas artísticas e o padrão de gosto dos consumidores. O cinema e o rádio não têm mais necessidade de serem empacotados como arte. A verdade de que nada são alem de negócios lhes serve de ideologia. Esta deverá legitimar o lixo que produzem de propósito (Adorno e Horkheimer, 2002:8) Afastando aqui as razões pelas quais o radio também faz parte deste juízo, os autores enfatizaram os aspectos negativos e alienantes com relação à banalização da cultura através da banalização do cinema como mercadoria ao passar pelos moldes industriais, e, por mais exagerados e generalizantes que os autores tenham sido, reduzindo todas as obras cinematográficas da época a produtos a serem comercializados, sua visão permanece ainda atual. Um aviso, a partir de uma constatação evidente. Partindo do pressuposto de que o espectador, quando vai assistir a um filme no cinema (no processo de interpretação de uma obra) comporta-se de maneira passiva perante o objeto fílmico, é possível notar como a indústria cultural utilizou essa característica a seu favor - passando a guiar (na composição de suas narrativas) culturalmente o publico a fim de persuadi-lo a se entusiasmar com as vedetes e heróis idealizados em suas películas (influenciando-os a querer ser e se comportar como eles), reforçando assim, os padrões ideológicos e mercadológicos do sistema em que se inserem (o capitalismo). E é na contemporaneidade, que podemos sentir radicalmente seus efeitos. 12
  • 13. Entretanto, a fusão da arte cinematográfica com o mercado não aconteceu apenas pelo interesse da indústria, mas também por uma necessidade real dos cineastas por patrocínio. Diferentemente das artes instituídas antes de seu surgimento, o amplo e complexo sistema de produção cinematográfico necessita de constante suporte financeiro. Seus altos custos, que derivam da serie de técnicas pragmáticas e do trabalho conjunto de seres humanos, requerem inevitavelmente um grande investimento para viabilizar a produção. Diante dessa relação intrínseca (entre a qualidade de criação de um filme e a engenharia financeira da qual esse necessita para ser produzido), a indústria cultural torna-se um conceito capaz de evidenciar as lógicas mercantis que operam por trás das mensagens culturais. Entretanto, como afirmam Adorno e Horkheimer, o cinema acabou ficando condicionado aos interesses mercadológicos da indústria. Pois, compreendendo que todo investimento industrial certamente visa um rendimento, o cinema passou não ser mais apenas arte, mas um negócio. Os autores evidenciam que, perante a necessidade exagerada de entreter a audiência, os aspectos mercadológicos da indústria se impuseram ao cinema. Nesse sentido, produtores muitas vezes acabam encobrindo, ou deixando de lado suas intenções artísticas primordiais - como seriedade estética, qualidade narrativa e responsabilidade social - que (se bem elaborados), além de entreter o publico, podem estimular o espectador a pensar criticamente sobre os assuntos abordados. Adorno e Horkheimer argumentavam que os filmes da era da industrial fazem o contrario dos filmes produzidos anteriormente a ela (como os filmes mudos de Charles Chaplin, por exemplo). Além dos produtores da indústria de massa se preocuparem com a estética apenas para que seus filmes fiquem mais atraentes superficialmente, não dando a devida atenção a aspectos que destaquem a qualidade dos planos, dos enquadramentos, ou provocar algum questionamento no espectador, preocupam-se mais com o aparente e imediato exposto na tela, para seduzir e prometer a satisfação dos receptores com um conteúdo de entretenimento leve e prófugo, a Indústria Cultural atende às expectativas do publico (na maioria das vezes criada por ela mesma) sem proporcionar nenhuma reflexão. O principio básico consiste em apresentar ao consumidor tanto as necessidades como tais, que podem ser satisfeitas pela indústria cultural, quanto por outro 13
  • 14. lado organizar antecipadamente essas necessidades de como que o consumidor a elas se prenda, sempre e apenas como consumidor, como objeto da indústria cultural. (...)“A idéia de que o mundo quer ser enganado tornou-se mais verdadeira do que, sem duvida, jamais pretendeu ser. Não somente caem no logro, como se diz, desde que isso lhes dê satisfação, por mais fugaz que seja, como também desejam essa impostura que eles próprios entrevêm... (Adorno e Horkheimer, 2002:37-96) Por meio de técnicas de planejamento publicitário, que estão presentes desde a escolha dos roteiros, do desenvolvimento estético, até o programa de divulgação para o lançamento de um filme, a indústria cultural se reveste com a formulação de diversas maneiras de entreter o publico com o intuito de satisfazer os espectadores com um filme “empacotado” e isento de elementos questionadores que, não tem a pretensão de fazer pensar ou de estimular a consciência dos espectadores, mas sim proporcionar um contentamento fugaz a fim de concretizar seus objetivos mercadológicos. Mesmo diante da natureza assumidamente industrial que o cinema adquiriu para que possa ser produzido, lançado e compartilhado, isso não impediu que muitos títulos procedentes dos grandes estúdios também fossem legitimados pela critica como grandes obras de arte. A fim de ilustrar essa possibilidade, Adorno utiliza como exemplo os filmes do diretor Orson Welles: “Todas as violações dos hábitos do oficio cometidas por Orson Welles são-lhe perdoadas, porque elas - incorreções calculadas - não fazem mais que reforçar e confirmar a validade do sistema”. (Adorno e Horkheimer, 2002) Nesses casos, é possível constatar que o objetivo de produção primário dos estúdios (o lucro) não ofuscou ou encobertou a qualidade narrativa e artística desses filmes, mas, como são casos isolados dentro de uma infinidade de produções regidas por uma ditadura de mercado capitalista que cada vez mais estimula os meios de comunicação a converterem cultura em mercadoria, os pensamentos de Adorno e Horkheimer sobre a indústria cultural acabam revelando, de forma ampla, as características predominantes do sistema em que o cinema se faz existir. No entanto, são os filmes provenientes da indústria cinematográfica, sobretudo os produzidos por Hollywood, que reinam na preferência do publico do cinema. Factualidade que se faz imperar em decorrência de uma cultura ditada pela própria indústria. Pois, desde que começou a se desenvolver e a transformar filmes em produtos, voltou sua busca para a tarefa de acostumar e persuadir o publico por meio de elaboradas técnicas que, alem de fazê-los passar por meros espectadores, e 14
  • 15. consumidores, introduz e incorpora uma ideologia comportamental que contribui para que busquem os filmes “empacotados” e de entretenimento. Isso tende a criar resistências nas pessoas a formas de expressão audiovisual compostas por uma narrativa que pretenda incitar algum questionamento ou reflexão dos valores sociais instituídos. O espectador não deve trabalhar com a própria cabeça; o produto prescreve toda e qualquer reação. (...) Com freqüência, chega a ser refutada a própria continuação dos personagens e da narrativa prevista pelo esquema original de um roteiro” (...) “Clichê, estereótipo, padronização, homogeneização: Os consumidores são operários, e os empregados fazendeiros e pequeno-burgueses. A totalidade das instruções existentes os aprisiona de corpo e alma a ponto de sem resistência sucumbirem diante de tudo que lhes é oferecido. (Adorno e Horkheimer, 2002:31-26) Em contrapartida, ao longo da historia, inúmeros movimentos cinematográficos ao redor do globo se preocuparam em manter a seriedade estética e social no cinema. Com, ou sem o apoio da indústria, muitos diretores têm delineado seus passos através de textos e editais que esboçam e ditam não só suas inspirações e influencias, mas linhas estéticas e comprometimentos sociais seguidos em seus trabalhos. Ao lado da critica, construíram conceitos e formas de se dialogar as evoluções da sétima arte a fim de preservar e contemplar a relevância de suas expressões. Exemplos claros são movimentos como o “Cinema Novo4” no Brasil, e “Nouvelle Vague5” na França. Jean Luc Godard, por exemplo, renomado diretor francês e um dos principais nomes da “Nouvelle Vague”, que tomou como tema da maioria de seus filmes (de forma inusitada e provocadora) dilemas e perplexidades do século XX, ilustrou em “Le Mepris” (O Desprezo, 1963), utilizando o conceito de metalinguagem, as nuances vigentes pelas quais o meio cinematográfico passava e refletia na época. Esboçando, num filme de estética singular, a fatídica necessidade de fusão entre o cinema e a indústria cultural. No guião: um roteirista (referenciado como um dramaturgo francês), 4 Movimento cinematográfico brasileiro que, influenciado pelo Neo-realismo italiano e pela Nouvelle Vague, se firmou no iniciou nos anos 60 através de um cinema autoral (ancorados por nomes como Glauber Rocha e Nelson Pereira ). 5 O que a principio foi uma expressão utilizada pela jornalista e política Françoise Giroud para comentar a nova safra de filmes (sem grandes apoios financeiros) que um grupo de jovens cineastas franceses com objetivos em comum (valorizar a qualidade artística do cinema, e consequentemente, transgredir as regras comerciais aceitas pela maioria dos cineastas) vinham fazendo no inicio dos anos 60, acabou sendo o nome atribuído ao que se tornou o movimento artístico mais representativo do cinema francês até a atualidade. 15
  • 16. um diretor (o alemão Fritz Lang, interpretado pelo próprio), e um investidor americano (representando a indústria). Compreendendo que o cinema tem como uma de suas finalidades artísticas primordiais, esboçar esteticamente as percepções, emoções e idéias dos seus autores, estimulando as capacidades cognitivas, perceptivas e reflexivas dos espectadores, e que, na maioria das vezes, essas expressões são influenciadas pelas referencias advindas do contexto social e político e do contexto de produção que seus autores detêm - para então expressar de forma documental ou fictícia nos seus filmes, desenhos dessa conjuntura. Teoricamente, assistir a um filme possibilita estimular os espectadores a produzir diferentes interpretações frente aos assuntos abordados pelas mensagens fílmicas expostas. De acordo com as referências e a cultura que cada um possui, o indivíduo é estimulado a complementar a obra de acordo com o que, e a que, os temas abordados incitam-no a refletir. Nesse sentido, podemos perceber também como o cinema, devido a sua abrangência enquanto meio de comunicação fazendo circular sentidos em diferentes contextos sociais, adquire qualidades reflexivas. Quando um filme é transmitido para a população (seja nas salas de cinema, em DVDs ou na TV), alem de poder assumir funções que não foram exatamente previstas pelas instancias produtoras, inevitavelmente expõe esboços de modos de vida que abrigam referencias contextuais que podem ocupar um lugar relevante na construção de identidades, consequentemente situando o cinema como mídia que ocupa um espaço na subjetivação dos sujeitos. A partir do momento que o cinema começou a se popularizar, quando grandes marcas e investidores passaram a notar o potencial do meio de comunicação para o lucro - passando a investir e patrociná-lo, firmando-o assim como segmento representativo dentro da indústria cultural, o cinema (assim como a TV, revistas e o radio) passou a exercer grande influencia no processo de formação de identidades individuais e coletivas. A indústria cultural acabou muitas vezes, não só desconsiderando valores estéticos da arte, como subestimando suas qualidades em proporcionar reflexões e/ou criticas sociais. Nesse contexto, considero importante mencionar alguém que foi claramente influenciado pela indústria cultural, assim como foi também perpetuador de seus conceitos e ideologias: o artista plástico, pintor e cineasta americano “Andy Wahrol” 16
  • 17. (responsável pelo nascimento do movimento artístico “Pop-arte”). Ele fez o seguinte comentário em relação às cinematografias hollywoodianas: São os filmes, desde que eles foram inventados, que têm realmente conduzidos as coisas na América. Eles mostram o que devemos fazer, como fazê-lo, quando, como se sentir sobre o que fizemos, e como aparentar aquilo que sentimos. É o máximo quando eles mostram como beijar como James Dean, como seduzir como Jane Fonda e como ganhar como Rocky. (Warhol, 2010, Exposição Mr. América).6 O comentário do artista acima explicita a força que o cinema dos grandes estúdios (considerando seus grandes investimentos em marketing) pode exercer na construção das referencias culturais de uma população, independente se essas influencias possam ser benéficas socialmente, ou não. 1.2 - A Ascensão dos Estudos Culturais Entre os anos 60 e 70, quando já se aceitava o fato de que o cinema inevitavelmente tinha de se apoiar na indústria para que não fosse dizimado enquanto arte (devido à pluralidade de fatores financeiros de que depende para ser realizado e lançado), as discussões teóricas sobre o meio começaram a mudar de foco. Sem desconsiderar as analises etnográficas e estéticas que sempre o irão circundar, mas conscientes do papel social que o meio adquiriu na sociedade, as teorias culturais passaram a discutir outros aspectos da relação entre os espectadores e o cinema. Influenciados em parte por uma vasta genealogia internacional advinda de diversos estudos sociológicos, antropológicos e semióticos de autores como Frantz Fanon, C.RL. James, Michel Foucault, Roland Barthes, Levi Strauss; e por pensamentos esquerdistas como os dos britânicos Raymond Williams (Culture and Society), E.P. Thompson (A formação da classe operaria inglesa) e Richard Hoggart (As Utilizações da Cultura), que, mesmo com impulsos distintos, revelaram pontos de vista que se entrelaçam numa perspectiva que sublinha a participação e reflexão dos indivíduos, a pratica cultural, em oposição ao seu consumo passivo, membros do Birmingham Centre 6 Citação de Andy Warhol extraída de um mural presente na exposição Mr. America. Com curadoria do canadense Philip Larratt-Smith, a mostra aconteceu entre 20 de março e 23 de maio de 2010 na Estação Pinacoteca na cidade de São Paulo. 17
  • 18. of Contemporary Cultural Studies (CCCS) na Inglaterra, encabeçados por Stuart Hall, inauguraram a perspectiva teórica dos Estudos Culturais. Tais estudos incentivaram a ampliação das analises dos meios massivos e praticas culturais de forma a alavancar novas perspectivas e entendimentos dos processos comunicativos. (Escosteguy, 2000) De forma geral, essa vertente teórica, que foi batizada de Estudos Culturais, “delineia o modo como as produções culturais articulam ideologias, valores e representações de sexo, raça e classe na sociedade, e o modo como esses fenômenos se inter-relacionam” (Kellner, 2001:39). As análises dos estudos culturais se fundamentam através da perspectiva de uma cultura mundializada, ou seja, desterritorializada, subentende a capacidade do cidadão se adaptar, se „territorializar‟ nesse ambiente onde tudo muda, tudo se ressemantiza. Trata-se de um processo típico da hibridização cultural. Menos que superação, é na verdade um campo de cruzamentos férteis, gerador de fluxos que põem em interação as instâncias produtora e receptora. Tais processos se exprimem especialmente no campo da comunicação, que tem assumido uma postura de mediadora social, constituindo-se num novo espaço público: o midiático. (Ortiz apud Dalmonte, 2002:68). Se na era moderna ainda era tido como importante possuir conhecimentos e referências culturais especificas para poder compreender certas obras de arte (como quando se faziam distinções enfáticas entre filmes classe A e B), na pós-modernidade7 esse conceito se desintegrou. Diante de fatores como a declaração dos princípios da liberdade de expressão, sobrevinda principalmente do contexto político e social que se instaurou no período pós-guerra na Europa (ocasionando a possibilidade dos artistas desprenderem-se de movimentos artísticos específicos), e da influencia do mercado no processo de criação das artes concebidas no mundo moderno, os Estudos Culturais passaram a analisar outras nuances dos processos comunicativos, tais como: as diversas culturas que compõe o campo social, as possiveis e diferentes leituras que cada indivíduo tende a fazer de acordo com sua “bagagem” cultural particular, ou a 7 Nos anos 80, o pós-modernismo chegou aos jornais e revistas, caiu na boca da massa. Um novo estilo de vida com modismos e idéias, gostos e atitudes nunca antes badalados, em geral coloridos pela extravagância e o humor brota por toda parte. Micro, videogame, vídeo-bar, FM, moda eclética, maquilagem pesada, new wave, ecologia, pacifismo, esportismo, pornô, astrologia, terapias, apatia social e sentimento de vazio – estes elementos povoam a galáxia cotidiana pós-moderna, que gira em torno de um só eixo: o indivíduo em suas três apoteoses: consumista, hedonista, narcisista (Santos, 1896:86). 18
  • 19. importância de se ponderar a contribuição interpretativa do publico no processo de criação das obras. Em certo momento, quando constatado que o clássico modelo de circuito “emissor/mensagem/receptor” proposto pelos norte-americanos, usado para analisar o processo comunicativo das mídias de massa, era de certa forma limitado por aspectos como sua linearidade e concentração na troca de mensagens, emergiram uma infinidade de teorias que buscavam um novo modelo para estudar o processo. Para isso, Stuart Hall (2003), inspirado por pensamentos estruturais de Marx em “O Capital”, apontou a importância de se pensar esse processo de outra forma: “produção, circulação, distribuição – consumo, reprodução”, demonstrando a importância de se pensar o processo em um viés mais amplo, analisando momentos distintos, mas interligados do mesmo. Evidenciando a subjetividade que as mensagens transmitidas pela mídia podem carregar, assim como diferentes níveis de compreensão no processo de comunicação, os Estudos Culturais passaram a elaborar procedimentos para analisar, de maneira integrada, a produção e a recepção, entendendo que não se apresentam como pólos separados. Hall evidencia, por exemplo, como antecipar possíveis interpretações de seus determinados públicos se tornou predicado primordial no processo de criação dos programas televisivos, algo que, devido à qualidade de meio de comunicação que o cinema possui, é valido igualmente para a maioria dos filmes produzidos na atualidade. Hall explicita ainda que, na procura por moldar os programas como produtos a serem consumidos, os produtores/criadores codificam (elaborando formatos e linguagens discursivas especificas) seus conteúdos para que, alem de serem melhor interpretados por seu publico alvo, despertem um interesse maior. Mas, por outro lado, também demonstra que mesmo com esse procedimento, se considerarmos os diferentes conhecimentos, culturas e interesses de cada espectador, é impossível garantir que todos se interessem e interpretem os conteúdos expostos da mesma forma, ou seja, cada individuo acaba decodificando e interpretando as mensagens apresentadas a seu modo, utilizando recursos culturais, experiências e memórias reunidas ao longo do processo de socialização. No caso especifico do cinema, Jacques Aumont (1994) aponta que há duas maneiras de analisar seus espectadores, uma de forma geral, percebendo de forma 19
  • 20. estática, não se atendo a interpretações particulares, mas considerando-o como publico, e outra em relação à experiência pessoal de cada um ao assistir um filme (considerando o sujeito) - de forma a investigar suas reações psicológicas e estéticas a partir do que é recebido, ou seja, subjetivamente. A obra em movimento (no caso do cinema) é aquela que deixa ao interprete a possibilidade de construir sentido a partir da escolhe entre as seqüências possíveis8. Ou seja, através do amplo conjunto estético de um filme, como sons, narração, roteiro e abordagens discursivas, o espectador interpreta e frui o filme a partir dos elementos que mais o interpelam individualmente. Comunicar algo diverso do que se pretende é possível em qualquer modalidade de comunicação, e o ruído é uma variável sempre presente nesse processo. 1.3- O receptor como produtor de sentidos Não se pode desconsiderar o fato de que a participação e a contribuição do publico são tidas como essenciais no processo de criação dos filmes, seja pela necessidade de adequação a fatores mercadológicos ou pela pretensão em serem reconhecidos ou compreendidos pelo publico estimado. Teóricos se empenharam em criar técnicas para se estudar o processo que se dá a partir dessa inseparável relação entre receptores e produtores. Talvez, a maneira mais eficiente pela qual esse processo possa ser analisado, seja através de um método baseado no “modo de endereçamento”, conceito associado à maneira como os realizadores dos filmes estruturam suas respectivas narrativas, a fim de convidar seus determinados públicos a ocuparem posições sociais que condigam com as ideologias transpostas nessas obras. Tendo surgido na analise fílmica, o conceito adquiriu enorme peso teórico e político dentro dos estudos do cinema. Baseado em teorias contemporâneas da lingüística, na semiótica, teorias literárias, no feminismo, e diferentes estudos sociológicos, o termo “modo de endereçamento” foi criado pela professora e autora americana Elizabeth Ellsworth (2001), numa busca por compreender a relação existente 8 Dentro da perspectiva teórica dos Estudos Culturais, Hall (1997), identifica três posições hipotéticas de leitura que os receptores poderiam ocupar em relação à mensagem: preferencial (modos hegemônicos de ver), negociada (a contra-argumentação proporcionada pela experiência de situações vividas) e opositiva (modo de ver contrario do que prevalece). 20
  • 21. entre o texto de um filme e a experiência de seu espectador. As analises dos modos de endereçamento são capazes de decodificar não só as técnicas que os produtores de um filme utilizam para persuadir seu publico, mas também as relações entre o cinema (como meio de comunicação) e a sua possível influencia na formação de identificações e projeções: O conceito do modo de endereçamento está baseado no seguinte argumento: para que um filme chegue a determinado publico, para que ele chegue a fazer sentido para uma espectadora, ou para que ele faça-a rir, para que a faça torcer por um personagem, para que um filme a faça suspender sua descrença (na „realidade do filme‟), chorar, gritar, sentir-se feliz ao final – a espectadora deve entrar em relação particular com a história e o sistema de imagem do filme (Ellsworth, 2001:14) Os filmes, assim como os livros, programas ou comercias de televisão, são sempre feitos para alguém – para um publico determinado, e, considerando que seus produtores estão de certa forma distantes dos espectadores reais, sua produção (no período entre a redação do roteiro até a exibição no cinema) passa por uma serie de transformações que são feitas sob a perspectiva de quem são esses espectadores, o que eles desejam, e como desejam. Peculiaridades do processo de comunicação do cinema que serão melhor exploradas no capitulo 3, modos de endereçamento no cinema. Entre a infinidade de produções lançadas cotidianamente, podemos notar a variedade de assuntos, abordagens e propostas entre eles. Filmes como a mega- produção hollywoodiana Titanic (1997), por exemplo, estimam atingir o maior público de “massa” possível - a fim de alcançar grandes objetivos mercadológicos. Já Paris, Texas (1975), filme do conceituado diretor alemão Win Wenders, tende a apreender espectadores que freqüentam cinemas alternativos, e que se interessam por arte. Enquanto Chico Xavier, O Filme, produção brasileira que, apesar de ter tido grande investimento, uma escala de atores conhecidos, e ter sido lançado numa grande escala de cinemas mais comerciais, é voltado a princípio para espectadores que se interessam por espiritismo. Por meio dos modos de endereçamento, os Estudos Culturais traçam não só as reais intenções de cada filme, mas também revelam aquelas que se aproximam das expectativas dos espectadores quais querem se comunicar. Por exemplo, filmes voltados para adolescentes de classe media buscam se ajustar aos interesses que esses 21
  • 22. supostamente sustentam (ou aos que aos produtores de filmes e mercadorias desejam que eles tenham), o que nos permite perceber, paralelamente, que os filmes produzidos na contemporaneidade não assumem apenas funções artísticas e mercadológicas, mas de ações culturais. Pois, ao considerarmos as qualidades do cinema como veiculo midiático, podemos também qualificá-lo como pratica social que estimula a produção, revisão, afirmação e constatação de significados por meio da interação comunicacional. Dentro das narrativas estéticas presentes nos filmes, os criadores/produtores inserem contextos e/ou ideologias que esperam ser compartilhados com seus espectadores. Consequentemente, podemos constatar que quando um individuo está numa sessão de cinema (no momento que se encontra “isolado” frente ao objeto fílmico) não é exposto apenas ao tipo de entretenimento audiovisual que a principio buscou, mas acaba sendo estimulado nessa experiência - a partir de elementos narrativos, imagens, sons e personagens - tanto a refletir sobre temas abordados, como em seguida, conversar e debater (com base na sua interpretação e nos possíveis sentidos particulares que cada espectador construiu) com outros indivíduos. Nesse sentindo, outra concepção que pode contribuir, de modo relevante para compreendermos a importância que a experiência do espectador adquiriu na construção de entendimentos e interpretações das obras cinematográficas, é a de que um filme é uma “obra aberta” (Umberto Eco: 2003). Devido à diversas possibilidades de desenvolvimento de idéias e percepções que um filme oferece (por meio do seu amplo conjunto estético-discursivo), o cinema, assim como a literatura, as artes plásticas e a musica, se faz aberto a múltiplas interpretações. Portanto, é só quando consideramos o espectador como sujeito - verificando sua atividade fruitiva da obra (que se faz diferente de espectador para espectador em decorrência de suas diferentes referencias culturais, interesses e entendimentos) que podemos chegar a uma melhor compreensão das reais possibilidades de recepção de um filme. Para entender melhor esse conceito, abordaremos no próximo capitulo tanto os aspectos estéticos que compõem a poética cinematográfica, quanto as dimensões políticas e sociais que fundamentaram essa concepção. 22
  • 23. 2. A Poética do cinema e as estratégias enunciativas que provocam o espectador Com o objetivo de evidenciar as características que fazem do cinema uma arte que produz mensagens sujeitas a múltiplas interpretações, apresentaremos inicialmente neste capítulo, não só as perspectivas que nos permitem entender a amplitude e ambigüidade de significados que as artes contemporâneas (entre elas o cinema) adquiriram, e consequentemente, evidenciam em suas criações, mas também a importância de se pensar os espectadores não mais como publico homogêneo, mas como sujeitos sociais. Na seqüência, após delinearmos os conceitos de “poética” e “obra aberta”, nos quais nos baseamos para exprimir as características da Poética Cinematográfica, explicitaremos a importância, tanto para os cineastas como para os teóricos, do conhecimento de suas técnicas e peculiaridades para ajudar a compreender o processo de comunicação do cinema. Por hora, é possível dizer que a poética cinematográfica se apresenta de um lado, nas estratégias enunciativas dos produtores e, de outro, na relação interpretativa polissêmica e criativa que se instaura entre o filme e os receptores. Como demonstrado no capitulo anterior, durante muito tempo, as discussões que se relacionavam ao processo comunicativo que envolve obras de arte, sobrevinham basicamente, das características, técnicas e conceitos ditados pelos próprios emissores. Por mais fundamento e qualidade que uma obra apresentasse, suas produções eram de certa forma limitadas a moldes pré-existentes - competindo muito mais aos criadores reproduzir os conceitos e linguagens já difundidos por movimentos artísticos estabelecidos, do que elaborar novas ou diferentes formas para se expressar. Das artes clássicas até o simbolismo9, para se analisar a interpretação de uma obra de arte, era muito mais indicado apenas decodificar e indicar os exatos efeitos que os criadores buscavam, assim como um conhecimento prévio de cada gênero artístico, do que considerar possíveis e diferentes interpretações dos espectadores ao observá-las (Eco, 2008). Até porque, como no processo de criação das obras, os artistas (emissores) tinham como atividade fundamental prever, organizar e projetar efeitos determinados 9 Tendência literária que, originada no final do século XIX na França, fazendo oposição ao realismo, naturalismo e positivismo da época, possibilitou a expressão de assuntos subjetivos como o místico e do espiritual no mundo das artes. 23
  • 24. nos receptores, acreditava-se que não existia espaço para uma atividade de complementação (dar sentidos distintos à obra) por parte dos receptores. De forma que eram vistos então, apenas como apreciadores passivos. Por exemplo, na arte clássica, o pintor buscava expressar (representar) da forma mais fiel possível, através da técnica da perspectiva, “o de fora” – vida – “para dentro” – obra, pois, alem de essa ser a perspectiva metodológica mais respeitada e seguida pelos artistas da época, julgava-se que dessa maneira, se bem representada, a arte seria interpretada exatamente da maneira como seu criador pretendeu que fosse (Fortuna, 2000). Sendo assim, independente do que fosse ambicionado ser retratado, o criador buscava construir e determinar, de algum modo, a apreciação de sua obra. Isso proporcionava então a essas criações, a qualidade do que poderíamos chamar aqui de “obras fechadas”, ou seja, como possuíam propostas, finalidades e destinações determinadas, estimavam interpretações limitadas. Já na contemporaneidade, quando detectamos um sistema de comunicação muito mais abrangente que inunda a população com uma multiplicidade de informações direcionadas, e, muitas vezes, onipresentes, vem emergindo nas sociedades, possibilidades interpretativas que não mais se seduzem a processos de identificação engessados. Seja através dos jornais, da TV, do radio, das revistas, da internet, e inclusive do cinema, a população passou a ter contato com uma infinidade de referencias que, de acordo com o que mais o interessa e os mobiliza individualmente, vão convertendo elementos simbólicos das mensagens midiáticas em insumos para a construção de identidades muito variadas (Kellner, 2001). Nesse sentido, muitos artistas, providos de novos conhecimentos e referencias, passaram a produzir criações com aspirações e propostas diferenciadas. Desprendendo- se então de concepções pré-moldadas, e trabalhando suas inspirações em diversos formatos (como o cinema), começaram a criar obras que não estimam mais proporcionar efeitos exatos ou efeitos totalmente previstos no âmbito da produção. Pois, mesmo quando pretendem transmitir algumas mensagens determinadas - que normalmente nascem de vontades derivadas das inspirações primordiais que o levaram iniciar a obra, no processo de composição das obras, na forma como a comunicam -, 24
  • 25. tendem a proporcionar a possibilidade dos espectadores darem continuidade aos conteúdos expostos. Dessa forma, as obras de arte concebidas na contemporaneidade, por possuírem características que perpassam os conceitos primordiais utilizados para estudar as artes durante tanto tempo, demandaram não só o desenvolvimento de novas linhas teóricas, como procedimentos diferenciados para se analisar e delinear seus processos de comunicação. Para o caso especifico do cinema, afirmamos que é através do conhecimento e estudo das peculiaridades da Poética Cinematográfica, assim como analise da poética que rege em cada filme em particular, que se faz possível apontar os possíveis efeitos e reflexões que estimam desencadear nos espectadores. 2.1- A Poética: O surgimento do conceito Metodologia relativa ao processo de composição das criações artísticas, o conceito de poética, delineado no livro homônimo escrito por Aristóteles há mais de 24 séculos atrás, mesmo não podendo ser enquadrado como teoria geral para o processo de criação das obras de arte, apresenta-se como o estudo que detém a maior quantidade de idéias fecundas sobre os processos de produção e interpretação dessas obras. Escrito numa época em que as artes ainda eram realizadas por poucos, e também recepcionadas por poucos (dentro de um segmento de indivíduos de classe alta, e, normalmente mais intelectualizados), o tratado de Aristóteles é um estudo que, se propondo a esquematizar as técnicas que um criador supostamente deveria utilizar para produzir as obras de arte realizadas no período (como a literatura oral, as artes cênicas e a musica), diferencia, divide, explicita e estrutura categorias de obras (da comédia à tragédia, no caso do teatro, por exemplo) dentro de cada gênero artístico, para assim, delinear certos moldes e metodologias que essas deveriam, na concepção do autor, possuir para se comunicarem com o publico da forma adequada. Propomo-nos tratar da produção poética em si mesma e de seus diversos gêneros, dizer qual a função de cada um deles, como se deve construir a fábula, no intuito de obter o belo poético; qual o numero e natureza de suas diversas partes, a falar igualmente dos demais assuntos relativos a esta produção. (Aristóteles, 2004:23). 25
  • 26. Para Aristóteles, em cada gênero de representação, o criador deveria buscar um efeito adequado, privilegiando-o prioritariamente sobre qualquer outro tipo de efeito possível. Nesse sentido, que o papel do criador, do compositor de representações (no caso, o poeta para Aristóteles) é organizar, prever e projetar estrategicamente seus efeitos (sensações, sentidos, sentimentos) na composição de sua obra. Logo, o receptor tem que ser presumido na criação, assim como sua reação antecipada, no processo criativo da obra que posteriormente apreciará. No tratado da Poética, o autor não só conceitualizou o termo poética, que pode ser entendido primordialmente como uma perspectiva analítica que busca esboçar metodologicamente o processo comunicativo dos gêneros artísticos, como diferenciou a poesia (o metro10) de diferentes estilos de composição das artes realizadas no período. Dessa forma, alem de demonstrar aos criadores um conjunto de regras que supostamente, segundo o autor, deveriam ser seguidas em suas produções (para se adequarem aos moldes estéticos das obras que os artistas buscavam realizar no período), ele delineou também as bases metodologias a serem utilizadas pelos analistas a fim de revelar a intencionalidade de cada obra (como fazer rir, chorar, refletir sobre algo). É manifesto que a missão do poeta consiste mais em fabricar fabulas do que versos, visto que ele é poeta pela imitação e porque imita as ações... (Aristóteles, 2004:44) Nesse sentido, e, compreendendo que o livro da Poética é o primeiro estudo a que se tem acesso que se propôs a tratar das formas artísticas, podemos evidenciar que no pequeno tratado de Aristóteles encontramos os fundamentos teóricos para se analisar a maioria dos processos comunicativos dos gêneros artísticos, inclusive aqueles que surgiram posteriormente ao período em que foram delineados (Gomes, 2004). Isso não quer dizer que possamos utilizar seus conceitos fielmente para analisar obras contemporâneas como o cinema. Não só porque temos acesso apenas à primeira parte do tratado (o segundo livro da Poética foi perdido ainda na antiguidade), mas porque as obras contemporâneas assumiram certas características que tornariam os princípios aristotélicos inaplicáveis a elas, uma vez que se trata de metodologias criadas para lidar 10 Ritmo de uma composição poética. 26
  • 27. com referencias artísticas de mais de 24 séculos atrás. No entanto, mesmo que a Poética de Aristóteles não se apresente como uma resposta global sobre como analisar as artes, é possível evidenciar - considerando que qualquer expressão artística sempre busca transmitir alguma mensagem, independente da maneira proposta - que o sistema metodológico concebido por Aristóteles acabou por inaugurar uma metodologia que se propõe a investigar os processos de composição e destinação das artes. 2.2- O cinema como Obra Aberta Até o período simbolismo, a grande maioria dos diferentes gêneros e movimentos artísticos, independentemente de suas peculiaridades e linguagens, apresentaram uma característica em comum: a busca pela mimesis 11, pela reprodução de um modo de fazer que copia esquemas pré-fabricados de reprodução. Diante disso, as discussões das teorias culturais acerca do processo comunicativo das artes tendiam a alijar as possíveis contribuições dos espectadores no momento da apreciação, delineando-o como via de mão única: a que parte do emissor. No entanto, desde o século IX (por volta do período do simbolismo), considerando que muitos artistas começaram a produzir criações que, alem de não apresentarem as mesmas técnicas de composição utilizadas para criar as artes realizadas até então, demonstravam diferentes processos de comunicação, alguns teóricos, como Hall, passaram a questionar não só a costumeira forma de se pensar a comunicação entre emissor e receptor, como a apontar a necessidade de se considerar um percurso inverso. Nesse sentido, em 1962, Umberto Eco apresentou teorias que, influenciadas por estudos em ascensão na época, como as teorias da relatividade, a física quântica, a fenomenologia, o desconstrucionismo, entre outros, evidenciam como as expressões artísticas tendem a ser interpretadas de diferentes maneiras dependendo das leituras que os indivíduos fazem a partir de suas experiências próprias e singulares. Uma obra de arte é um objeto produzido por um autor que organiza uma seção de seção de efeitos comunicativos de modo que cada possível fruidor possa recompreender (através do jogo de respostas a configuração de efeitos sentidas 11 Representação artística da realidade por meio da imitação, da cópia. 27
  • 28. como estímulo pela sensibilidade e pela inteligência) a mencionada obra, a forma imaginada pelo autor. Nesse sentido, o autor produz uma forma acabada em si, desejando que a forma em questão seja compreendida e fruída tal como a produziu; todavia, no ato de reação à teia de estímulos e de compreensão de suas relações, cada fruidor traz uma situação existencial concreta, uma sensibilidade particularmente condicionada, uma determinada cultura, gostos, tendências, preconceitos pessoais, de modo que a compreensão da forma originaria se verifica segundo uma determinada perspectiva individual. (Eco, 2008:40). Com essa linha de pensamento, Eco não só confrontou a poética de Aristóteles, demonstrando como a perspectiva analítica deste último não é mais capaz de lidar com a multiplicidade de significados do mundo que necessariamente influem para que cada indivíduo se identifique e construa seus próprios sentidos ao apreciar obras de arte, como, considerando que os artistas contemporâneos (cientes dessas concepções) passaram a buscar e utilizar linguagens que não ambicionam mais desencadear efeitos determinados, delineou uma nova perspectiva para tratar das poéticas contemporâneas. Visando explicitar como as poéticas das artes contemporâneas, diferentemente das poéticas das artes clássicas, complexificaram formas de indeterminação, o autor criou o conceito da obra aberta - perspectiva analítica que atribuiu ao processo de criação das obras de arte contemporâneas para evidenciar como tais obras, por apresentarem características que não objetivam mais se comunicar de maneira exata, acabam sugerindo, antecipadamente, múltiplas interpretações. Por isso, a obra aberta seria a incorporação intencional da ambigüidade no processo de criação (Eco, 2008). Tal terminologia se adequa corretamente a analise do cinema, uma vez que o conceito de obra aberta é capaz de traduzir tanto as mudanças por quais as obras de arte contemporâneas passaram (para que possam ser distinguidas das clássicas), como a marcha das fases sociais e políticas que as influenciaram adquirir suas qualidades de “abertura”. Desenvolvido num momento de grandes mudanças políticas na Europa, como a queda da ditadura na Itália e o período pós-guerra na Inglaterra - que proporcionou uma liberdade de expressão e comportamental muito maior (ampliando os horizontes referenciais da população), podemos dizer que uma “revolução” nos meios de comunicação e no mundo das artes também aconteceu. Dessa forma, mesmo não utilizando o termo “obra aberta” para descrever a ambigüidade incorporada ao processo de criação das obras contemporâneas, assim 28
  • 29. como as diferentes interpretações que consequentemente sugerem, os Estudos Culturais desenvolvem uma perspectiva dos processos ativos de recepção que muito se aproxima do conceito de Eco. (...) através da analise da cultura de uma sociedade – as formas textuais e praticas documentadas de uma cultura – é possível reconstituir o comportamento padronizado e as constelações de idéias compartilhadas pelos homens e mulheres que produzem e consomem textos e as praticas culturais. É uma perspectiva que enfatiza a “atividade humana”, a produção ativa da cultura, ao invés de seu consumo passivo. (STOREY, apud ESCOSTEGUY, 2001:155). Diante desse quadro, podemos ressaltar como as considerações de Umberto Eco no livro Obra Aberta, ainda que com abordagem diferenciada, apontam para a mesma direção dos Estudos Culturais ao defenderam a atividade critica e criativa do receptor e a polissemia dos objetos artísticos e midiáticos. Quando o autor questiona a condição freqüentemente atribuída ao espectador de apreciador passivo, e evidencia seu papel de fruidor, acaba enfocando a importância que os artistas contemporâneos passaram a dar para a contribuição interpretativa do publico, e inevitavelmente, ponderando-a no ato da criação (diante da necessidade de suas obras serem compreendidas conforme esperam). Outra característica essencial que podemos perceber nas obras abertas, é a peculiar autonomia executiva concedida ao interprete, que dispõe não só de liberdade para interpretar as indicações do criador conforme sua sensibilidade pessoal, como também da possibilidade de interferir na forma da criação. As poéticas das obras contemporâneas não só proporcionam a possibilidade de reflexão, como estimulam os interpretes a construírem seus próprios sentidos (darem continuidade) aos assuntos expostos na obra, o que, considerando as diferentes referencias e identificações dos espectadores, geram as mais diferentes interpretações. As poéticas contemporâneas, ao proporem estruturas artísticas que exigem do fruidor um empenho autônomo especial, freqüentemente uma reconstrução, sempre variável, do material proposto, refletem uma tendência geral de nossa cultura em direção àqueles processos em que, ao invés de uma seqüência unívoca e necessária de eventos, se estabelece como um campo de probabilidades, uma ambigüidade de situação, capaz de estimular escolhas operativas ou interpretativas sempre diferentes. (Eco, 2008:93) Sobre esse viés, não se exige do receptor um conhecimento prévio aprofundado dos mecanismos de produção para se interpretar as obras de arte contemporâneas. Se 29
  • 30. observarmos o caso do cinema, por exemplo, podemos afirmar que, alem de seu amplo e híbrido formato estético (capaz de estimular os sentidos cognitivos e perceptivos dos espectadores de diferentes maneiras), suas características de “abertura” proporcionam que qualquer indivíduo possa interpretar um filme com suas próprias referencias. Pois, independente de quais são, vão percebendo-o e complementando-o com sentidos particulares. O autor oferece, em suma, ao fruidor uma obra a acabar: não sabe exatamente de que maneira a obra poderá ser levada a termo, mas sabe que a obra levada a termo será, sempre e apesar de tudo, a sua obra, não outra, e que ao terminar o dialogo interpretativo ter-se-à concretizado uma forma que é a sua forma, ainda que organizada por outra de um modo que não podia prever completamente: pois ele, substancialmente, havia proposto algumas possibilidades já racionalmente organizadas, orientadas e dotadas de exigências orgânicas de desenvolvimento. (Eco:2008:62) Também se faz necessário evidenciar que, uma obra aberta só alcança seu mais alto potencial expressivo na mídia atual, devido à liberdade de criação e expressão que se passou a ter na sociedade. Levando em conta que uma obra aberta tende a desencadear, dependendo da interpretação do espectador referente aos temas expostos, não só reflexões sobre os assuntos abordados, como a formação de opiniões que podem contradizer linhas de pensamento comuns e certos valores sociais, uma obra aberta tende a ser censurada em países sob regime de ditadura, por exemplo. Como sabemos, num governo ditatorial não é permitido por lei a difusão de conteúdos que estimulem a população a produzir reflexões que possam, de alguma forma, contradizer os valores instaurados pelo governo vigente. Nesse sentido, podemos dizer que uma arte contemporânea como o cinema, que deixa ao interprete a possibilidade de escolher dentre as seqüências possíveis, alem de entreter o espectador, pode, considerando a multiplicidade de possíveis interpretações, esboçar-se como um plano “paralelo” que leva os espectadores a pensar e discutir suas diferentes interpretações. 2.3- A Poética Cinematográfica A poética das obras de arte contemporâneas, por possuir características de abertura, e consequentemente, processos de composição que se direcionam ao publico 30
  • 31. de diferentes formas, não poderia conferir, assim como Aristóteles se propôs a delinear em seu tratado da poética antiga, a possibilidade de se criar métodos de composição específicos para cada gênero artístico. O que se faz possível, que é o que o analista de filmes (no caso do cinema) busca fazer, é identificar analiticamente os artifícios que no filme solicitam esta ou aquela reação no espectador, de modo a perceber e tematizar, quais os meios que seus criadores utilizaram para desencadear esse ou aquele efeito de animo no espectador. De acordo com Gomes (2004), uma poética voltada especificamente ao cinema, decorreria de uma perspectiva metodológica que indica um procedimento analítico cuja destinação consistiria em indicar recursos e meios estrategicamente postos no filme, a fim entender por quê e como se pode levar o apreciador a reagir desse ou daquele modo diante de um filme. Nesse sentido, chamaremos aqui de Poética Cinematográfica, não a uma perspectiva unificada e sintetizada que se adequaria ao processo de criação do cinema em geral, mas a uma perspectiva metodológica que, baseada no conceito de obra aberta e no amplo conjunto de materiais estéticos que cinema possui, subverte a poética clássica de Aristóteles para delinear o formato de composição de cada filme, particularmente, na busca em desencadear possíveis e premeditados efeitos em seus espectadores. Assim como uma sinfonia gravada num disco só pode ser considerada musica no momento em que é executada e apreciada por alguém, compreende-se que um filme não pode existir enquanto obra em nenhum outro lugar se não no momento em que é apreciado, ou seja, é só no momento da experiência fílmica que a peça cinematográfica se transforma em obra - quando se comunica e desperta sentidos e efeitos no espectador. O Apreciador, portanto, deve ser previsto na produção e o seu ânimo deve ser conduzido no ato criador da composição que ele posteriormente apreciará. (Gomes, 2004:5) Assim sendo, o autor aponta que para se delinear a poética de um filme, faz-se necessário praticar uma analise que propõe o percurso inverso ao de sua criação. De modo que a instancia da realização (o filme desejado ou imaginado pelo realizador: “seu modo de endereçamento”) assuma um segundo plano para essa metodologia. Nesse 31
  • 32. sentido, o analista deve remontar, com base nos efeitos que a peça cinematográfica pode gerar (que só podem ser apontados através da experiência fílmica), as técnicas e estratégias que seus criadores utilizaram para desencadear esse ou aquele efeito de animo nos espectadores, ou seja, a poética de um filme só pode ser traçada quando o analista se baseia na instancia da obra, que é advinda justamente, de sua apreciação. O “lugar da apreciação” nada mais é do que o sistema dos efeitos operados. Identificá-lo equivale a isolar as sensações, os sentimentos e os sentidos que se realizam no apreciador durante a sua experiência do filme e por causa dela. Dito de uma outra forma, no programa teórico e metodológico da poética o começo de tudo é a identificação daquilo que compõe a experiência fílmica, daquilo que o filme faz com os seus apreciadores, daquilo que emerge da cooperação entre intérprete e texto. (Gomes: 2004:6) Nesse sentido, para que um analista possa discorrer corretamente sobre a poética de um filme, demanda-se dele que, no momento da experiência fílmica se desvie do realizador isolado, assim como de possíveis propostas e maneiras com as quais os criadores buscam se comunicar, e se concentre no filme enquanto objeto experimentado e forma de experiência. A experiência fílmica que interessa à poética não é exatamente o momento empírico da apreciação do filme, que interessa principalmente, no nosso modo de entender, a uma etnografia da audiência. Interessa-nos a apreciação, como instância que se realiza empiricamente através de um ou de múltiplos atos circunstanciais de desfrute da obra, mas, sobretudo, como instância que está prevista no texto da obra. A experiência fílmica é a experiência da apreciação do filme ou do filme enquanto objeto apreciado por um espectador qualquer, real ou possível. (Gomes, 2004:6) A perspectiva metodológica da poética cinematográfica decorre então, imprescindivelmente, de pressupostos que advêm do ato analítico. Ao abordar o filme enquanto obra, o pesquisador deve transcrever num texto (de caráter ensaístico) as estratégias e dispositivos que o filme, como obra pronta (criada e produzida pelos realizadores do filme a partir do amplo conjunto de materiais estéticos que o cinema possui - como visuais, sonoros, narrativos e cênicos), expressa na pretensão de desencadear esse ou aquele efeito (como sentimentos, sensações e possíveis reflexões ou construção de sentidos) nos espectadores ao apreciarem a obra, e assim 32
  • 33. consequentemente, revelando e delineando as técnicas utilizadas pelos criadores da peça cinematográfica em questão para provocar o espectador, ou seja, a poética desse filme. Nesse sentido, se por um lado a poética cinematográfica - aquilo que está no previsto, o que escapa ao produtor - nos fornece meios para se indicar os métodos utilizados pelos criadores dos filmes a desencadearem efeitos de animo no espectador, demonstraremos no próximo capitulo como as analises dos modos de endereçamento, também buscando evidenciar características do processo de comunicação do cinema, revelam outro viés, permitindo-nos compreender o modo como um filme busca estabelecer uma forma particular de relação com sua audiência. 33
  • 34. 3. Modos de endereçamento no cinema Atividade essencial para se compreender o modo como os realizadores de um filme estimam se comunicar com seu publico, as analises dos modos de endereçamento provêm aos teóricos e estudiosos da área de comunicação, compreensões da relação entre o texto de um filme e a experiência de seu espectador, podendo demonstrar assim, tanto os possíveis objetivos dos seus produtores, quanto a forma como seus criadores, no processo criação, estruturaram a narrativa dos filmes na busca de (após imaginada uma idéia de como seus espectadores seriam) se comunicarem da forma desejada. O que, por conseqüência, também proporciona aos espectadores entender quem a instancia da produção pensa que eles são, ou quer que eles sejam. Baseando-nos principalmente em estudos realizados por Elizabeth Ellsworth, evidenciaremos primeiramente um dos principais conceitos por ela elaborados, o de modo de endereçamento, para posteriormente, apresentaremos uma pequena investigação que, baseada em entrevistas realizadas com oito pessoas que costumam ir ao cinema, visa esboçar e enfatizar nuances do processo de comunicação entre um filme e seus espectadores. Considerando que os filmes, assim como os livros, as cartas, os comerciais de televisão, são sempre destinados a alguém, e que consequentemente, visam e imaginam determinados públicos, seus criadores buscam estruturar suas narrativas, assim como seu acabamento e sua aparência, com base em pressupostos conscientes e inconscientes sobre quem são seus públicos, o que eles querem, como eles vêem filmes, quais são os seus gostos, suas vontades, seus medos, o que os fazem rir, o que os fazem chorar, quem eles pensam que são (em relação a si próprios e aos outros) e as paixões e tensões culturais do momento (Ellsworth 2001). 3.1- A instância da produção Quando um filme é endereçado a determinado publico, podemos verificar que no seu ato de produção, seus criadores articulam-no para que se comunique (enquanto obra) de uma maneira particular estimada. No entanto, essa estimativa tem de passar por alguns filtros até que seja determinada. Para que um filme seja produzido e lançado nos 34
  • 35. cinemas, não depende apenas do impulso criativo primordial de seus criadores, mas de toda uma equipe de produção, na qual produtores e patrocinadores possuem importantes e efetivos papeis. A maneira por meio da qual o filme é elaborado e direcionado, ou seja, endereçado aos seus públicos, é certamente resultante do acordo desses três principais interessados: produtor, patrocinador e criador. Desse modo, os criadores antecipam e antevêem interesses que podem ser relacionados às seguintes questões: com qual tipo de publico querem se comunicar?; que mensagens desejam transmitir? e que tipo de lucro ambicionam?. Assim, entre a redação do roteiro e a exibição nos cinemas, os filmes passam por uma série de transformações que demandam de seus respectivos criadores (como roteiristas e diretores) a organização de procedimentos estruturais para a construção e/ou adaptação da peça cinematográfica aos objetivos estabelecidos pelas partes envolvidas. É a partir dessas estratégias - e, com base em pressupostos de como seus “espectadores-alvo” vêem o mundo em que vivem (perante a situação histórica e social vigente), e em como esses públicos imaginados se vêem -, que a estrutura narrativa que constrói o modo de endereçamento de um filme pode começar a ser desenvolvida. O modo de endereçamento de um filme tem a ver, pois, com a necessidade de endereçar qualquer comunicação, texto ou ação “para” alguém. E, considerando-se os interesses comerciais dos produtores de filme, tem a ver com o desejo de controlar, tanto quanto possível, como e a partir de onde o espectador ou espectadora lê o filme. Tem a ver com atrair o espectador ou a espectadora a uma posição particular de conhecimento para com o texto, uma posição de coerência, a partir da qual o filme funciona, adquire sentido, dá prazer, agrada dramática e esteticamente, vende a si próprio e vende os produtos relacionados ao filme (Ellsworth, 2001:24). 3.2- Possibilidades de negociação entre os modos de endereçamento e a experiência do espectador O modo de endereçamento de um filme não está associado diretamente ao seu sistema de imagem (a composição da sua estética), como a escolha das cores, dos cenários, dos objetos, da iluminação, dos enquadramentos, e nem mesmo, nos diálogos em si, mas a algo que permeia a historia do filme. Para se delinear o modo de endereçamento de um filme, que é formulado por seus criadores a partir do processo de 35
  • 36. composição de sua estrutura narrativa, faz-se necessário analisar algo como a intangível experiência da história do filme, na qual estão incluídas: trama, personagens, subtexto, vínculos casuais, pontos de vista e assim por diante. Nesse sentido, podemos dizer que o modo de endereçamento de um filme pode ser percebido no modo como ele “convoca” o espectador a lê-lo, ou seja, na leitura preferencial buscada por seus realizadores. Os teóricos do cinema desenvolveram a noção do modo de endereçamento para lidar, de alguma forma que fosse especifica ao cinema, com algumas das grandes questões que atravessam os estudos do cinema, a critica de arte e de literatura, a sociologia, a antropologia, a historia e a educação. Essas questões tem a ver com a relação entre o „social‟ e o „individual‟ (Ellsworth, 2001:12). Ellsworth assinala que os teóricos do cinema passaram a ver o modo de endereçamento menos como algo que está em um filme, e mais como evento que ocorre em algum lugar entre o social e o individual. Dessa forma, percebemos que as análises dos modos de endereçamento podem ajudar a compreender as relações entre o cinema como prática social, e a identidade cultural da população, entre o lado de fora da sociedade, e o lado de dentro da psique humana. Gomes (2007) salienta que fatores relacionados ao modo de endereçamento são: o contexto textual, que inclui as convenções de gênero e a estrutura sintagmática; o contexto social, que diz da presença/ausência do produtor do texto, da composição da audiência, de fatores institucionais e econômicos; e os constrangimentos tecnológicos, que se referem às características de cada meio. Ou seja, de forma similar, podemos afirmar que a relação que um filme constrói com o espectador depende de aspectos sociais, ideológicos e textuais. Sob esse aspecto, percebemos que, para endereçar um filme a determinado publico, seus criadores devem levar em consideração não apenas as possíveis identidades culturais e psicológicas desses espectadores, mas também o modo como ele se relaciona com os filmes ao longo do tempo, inserido em uma determinada realidade socioeconômica e cultural. Devido a ausência de ajustes previsíveis e controláveis entre os modos de endereçamento e a experiência do espectador, algumas teorias do cinema desistiram de tentar atribuir um „tipo‟ de ato ver resistente a cada tipo de publico (marginalizado) à medida que ele responde aos vários tipos de modo de endereçamento. Elas deslocaram sua atenção, do modo de endereçamento como aspecto relativamente estático do texto de um filme, para o modo de 36
  • 37. endereçamento como aspecto mais fluido dos contextos nos quais os espectadores usam os filmes (Ellsworth, 2001:37). Essas mudanças de ênfase entre os teóricos do cinema surgiram de análises advindas de questões do tipo: “como públicos constituídos por pessoas gays e lésbicas resistem aos modos de endereçamento dos filmes convencionais?”; “que papel exerce o ato de ver filmes na forma como pessoas e grupos imaginam e constituem variadas culturas e identidades; “como os próprios modos de endereçamento são assumidos e usados, juntamente com uma ampla rede de textos e contextos, incluindo os rumores e as „fofocas‟, na construção de identidades, práticas culturais e grupos organizados e politizados? ; “como o ato de ver filmes pode ser usado na constituição identitária de lésbicas e gays como uma força política – como quando os gays se organizam como um grupo de consumo para questionar a representação homofóbica que caracteriza os filmes convencionais?” (Mayne apud Ellsworth, 2001:37). Para Cruz e Guareshi (2007), o evento de endereçamento ocorre num espaço social/psíquico entre o texto fílmico e os usos que o espectador faz dele. Deixando então de localizá-lo no interior de um texto de um filme e passando a compreender o modo de endereçamento como um evento que reside no filme. Centrar as análises nos fenômenos culturais consiste em afirmar que a cultura é uma das condições constitutivas de existência de toda prática social, e que toda prática tem uma dimensão cultural. Nesse sentido, podemos dizer que independente do, ou dos possíveis modos de endereçamento presentes num filme, nada garante que o espectador seja exatamente quem o filme pensa que ele é, ou seja, que não é possível endereçar um filme capaz de suscitar, de forma exata, uma leitura previamente estipulada junto a um público estimado. Mesmo quando uma obra é endereçada a um segmento de público determinado, como por exemplo, um filme que aborda assuntos que ilustram guerras e lutas – que são normalmente direcionados para determinado público masculino que se interessa pelo tema, o mesmo pode ler e responder à mensagem fílmica (dependendo dos outros possíveis gostos e identificações que esses possuem) de diferentes maneiras. Pois, mesmo que o tema central do filme seja guerra, assim como tenha sido endereçado a um público que supostamente o aprecia (como homens heterossexuais de idades variadas), conforme a escolha do ambiente (que envolve região, pais, época), da construção das 37
  • 38. personalidades dos personagens (como seus gostos, interesses e religiões) e assim por diante, inclusive dentro do público almejado, se considerarmos suas diferentes identidades culturais, cada espectador tende a construir sentidos próprios perante o texto do filme, assim como a complementá-lo de forma diferente uns dos outros (Ellsworth, 2001; Kellner, 2001). Para Turner (1997), o público pode encontrar uma variedade de significados em qualquer texto cinematográfico, uma vez que seu significado não é necessariamente “fixo”, imutável. Os significados são vistos como produtos da leitura de um público e não apenas na propriedade essencial do texto cinematográfico em si. O publico dá sentido aos filmes, configurando-se também como produtor. Ellsworth (2001) ressalta a relação entre a forma como os textos cinematográficos se endereçam ao seu público e a forma como os espectadores reais lêem os filmes não são nítidas, puras, lineares ou causais. O espaço da diferença entre o endereçamento e a resposta está no contexto social, nas conjunturas históricas de poder e da diferença social, assim como nas imprevisíveis atividades do inconsciente, que o torna capaz de escapar à vigilância e ao controle. Sob esse viés, podemos dizer também que o espaço da diferença entre o endereçamento de um filme e sua interpretação - que é onde reside a complementação individual advinda das diferentes identidades de cada espectador, assim como onde se forma a relação do filme com o espectador - carrega atividades inconscientes e imprevisíveis, ou seja, o espectador nunca é exatamente quem um filme pensa que ele é. 3.3 - Investigação Empírica Com o intuito de analisar possíveis relações entre um filme e seus espectadores, ou seja, de distinguir quais os sentidos produzidos pelos sujeitos a partir dos textos fílmicos e quais as expectativas e fatores que os influenciam na escolha de qual filme assistir, entrevistamos oito pessoas adultas que possuem o hábito de ir ao cinema. A escolha dessas pessoas se deveu ao fato de acreditarmos que, por estarem familiarizadas com a narrativa cinematográfica, elas teriam maior capacidade e habilidade de reconhecer as estratégias enunciativas dos produtores e os modos de endereçamento que caracterizam sua relação com os filmes, ainda que desconheçam e não empreguem em suas respostas essas noções conceituais. 38
  • 39. Para selecionar os entrevistados, enviamos um questionário por e-mail a um amigo que costuma freqüentar cinemas. Foi-lhe solicitado que enviasse o mesmo questionário, com cópia para o pesquisador, a um amigo seu que tivesse o mesmo hábito, e assim sucessivamente até completar oito pessoas a responderem as questões. Esse método foi empregado por acreditarmos que teríamos, ao final do processo, depoimentos de pessoas com diferentes referenciais culturais. Identificamos os entrevistados por um nome fictício e por sua real profissão: Ana Paula (cenógrafa); Ligia (veterinária); Raquel (publicitária); André (jornalista); Breno (advogado); Ângela (chef de cozinha); Alberto (administrador de empresas), e Amauri (produtor de eventos). Os temas explorados na entrevista foram: a) motivos que os estimulam a ir ao cinema; b) que tipo de filme mais apreciam; c) analogias produzidas entre o texto de um filme e o universo de seu cotidiano; d) significados associados à experiência de assistir determinados filmes; e e) possíveis reflexões e/ou discussões ocorridas após sessões que foram pautadas pelos assuntos abordados nos filmes. As respostas ao questionário enviado e respondido por e-mail foram analisadas a partir dos conceitos desenvolvidos neste trabalho. É possível afirmar que, para todos os entrevistados, os principais motivos que os levam a despender duas horas para ver um filme no cinema são: a busca por entretenimento e por cenas que os permitam se emocionar. No entanto, quais seriam os elementos que mais os atraem na escolha de qual filme assistir? De modo geral, todos os entrevistados deram a entender que, além de aspectos como o prazer estético que determinadas imagens proporcionam, e se o filme possui atores e/ou diretores que se identificam ou têm boas referências (seja de amigos ou da crítica), enfatizaram como fator primordial mais recorrente na escolha do filme: a história, o tema que o filme aborda. Nesse sentido, Ana Paula comenta: É claro que, se um filme possui atores ou diretores que já participaram de outras produções que gostei ou me identifiquei, isso conta bastante, mas sem duvida o que me chama mais atenção é a historia que o filme aborda. Acredito que um filme que trate de temas com os quais me identifico sempre tem mais chances de me entreter ou me emocionar. Alem de que, acho que podem me ajudar a esclarecer algumas questões, aprender com eles (Ana Paula, cenógrafa). Tais expectativas e emoções são prazeres que encontramos naquilo que nos é familiar. Há o prazer de se confirmar, pelo conhecimento que se tem do filme, a 39
  • 40. qualidade de membro de uma determinada cultura. São muitos os prazeres envolvidos na decisão do público de ver um filme e na relação que as pessoas têm com ele quando o assistem. São prazeres sociais, culturais, dos quais as pessoas se apropriam para seu próprio uso (Cruz e Guareschi apud Turner, 2007:202). Dessa forma, considerando que os realizadores de um filme, quando estruturam o modo de endereçamento deste, buscam tratar ou incluir assuntos com os quais seus supostos espectadores, de forma geral, se identificam, podemos dizer que a relação entre um filme e o público começa a partir do momento em que o filme atrai o público estimado ao cinema por meio do assunto que aborda. Como ressalta Turner (1997), um filme precisa especificar seu público, não só em seu texto mas também na campanha publicitária; na série de entrevistas e ações promocionais que possam envolvê-lo; na seleção das salas de exibição (se houver escolha); mesmo na escolha da companhia da distribuidora (novamente, se puder escolher). Além disso, como mencionamos anteriormente, a escolha do tema é o primeiro passo para que um filme convoque seus públicos-alvo a se “relacionarem” com ele. Já na sala escura, quando expostos ao objeto fílmico com qual anseiam dialogar, os espectadores tendem a perceber o filme como uma narrativa composta de cenas que se aproximam de parâmetros percebidos como verossímeis ou próximos à sua experiência cotidiana, o que possibilita identificações e reflexões. Essa capacidade de se entranhar na história só é possível porque o filme descreve fragmentos da experiência como, por exemplo, repressões profundas e as emoções intensas que, ao contrário da vida real, são sentidas e vividas com tranqüilidade. Essa “tranqüilidade” capacita o espectador a apropriar-se do mundo do filme e a fazer analogias com seu mundo (Cruz e Grareschi, 2007). Em relação a possíveis identificações com personagens e analogias proporcionadas pelos filmes assistidos, uma entrevistada destaca: Cada vez que eu vejo um filme me identifico com algum personagem um pouquinho, o que eu acho que é muito bom porque eu me entendo melhor. É como se eu me visse na 3ª pessoa. Dessa forma, posso me observar e refletir sobre mim mesma com mais clareza, pois, mesmo que me identifique com algum personagem em um ou vários aspectos, sei que não sou eu. No filme “Natureza Selvagem12, por exemplo, me identifiquei muito com o sentimento 12 Baseado em fatos reais, “Natureza Selvagem” é um filme que narra a historia de um jovem americano que, inspirado em parte por aprendizados que incorporou da literatura de autores questionadores do sistema capitalista como Enrnest Hemingway, tornou-se indignado com o modo de vida que a maioria das 40
  • 41. que o personagem principal demonstra em abandonar “tudo” em busca de uma coisa que ele acredita. O que ele fez! Além disso, me identifiquei muito com as os aprendizados que ele ganhou no decorrer do filme. Foi incrível chegar ao final do filme e descobrir junto com ele que a felicidade só existe quando compartilhada... mas também confesso que fiquei até com um pouco inveja dele, pois não sei se teria a coragem que ele teve de largar tudo (Ângela, chef de cozinha). Nesse sentido, Rocha (1993) chama a atenção para a dimensão do filme que aponta para a possibilidade pura e simples da troca que pode ser instaurada entre, de um lado, membros da sociedade real e, de outro, membros da sociedade representada “dentro” de um produto da Indústria Cultural. O filme acima mencionado parece indicar que passamos de um lado para outro com extrema facilidade. Ligia (veterinária), que diz também se identificar freqüentemente com os personagens na tela, comenta que gosta muito quando isso acontece porque muitas vezes pode obter referências e perspectivas que posteriormente a ajudam a lidar com possíveis conflitos similares. “Quando um filme conta a historia de um personagem com quem me identifico, posso aprender outras maneiras de lidar com conflitos parecidos”. Ela ainda cita e comenta o mesmo filme recordado por Ângela: Natureza Selvagem. “Me identifico com o protagonista do filme Natureza Selvagem, pois além de ser desapegada das coisas, sempre tive muita vontade de fazer o que ele fez: viajar para um lugar distante no qual, sozinha e independente, buscaria atingir meus objetivos, mas sempre me faltou coragem... algo que trato na minha terapia: o medo do novo.” Tais respostas referentes ao modo como Ângela e Ligia se relacionam com os filmes, nos demonstra como o cinema, uma mídia que possui considerável poder de comunicação na sociedade, ocupa espaço na subjetivação dos sujeitos, inseridos em contextos culturais específicos. Para Hall (1997), culturas são os sistemas ou códigos de significado que os seres humanos utilizam para interpretar, organizar e regular sua conduta, enfim, para dar sentido às próprias ações, assim como às dos outros. Já em alguns casos, pode acontecer de o modo de endereçamento ficar um pouco mais perceptível, mais fácil de se identificar. Raquel, por exemplo, fez alguns comentários interessantes sobre a saga Crepúsculo, uma série de histórias divididas em pessoas a sua volta seguiam, e logo após terminar o colegial decidi deixar todo o conforto provido pelo dinheiro dos pais e embarcar numa viagem ao Alaska em busca de autoconhecimento e superação de limites. 41