1. Conclusão
A ditadura civil-militar que vigorou no Brasil entre 1964 e 1984 caracterizou-se
pelo alinhamento da economia nacional ao padrão de desenvolvimento capitalista em vigor
nos anos 1960 e 1970, alinhamento este que se traduziu em autoritarismo do Estado (Atos
Institucionais, censuras de toda ordem, repressão, torturas, ferrenha perseguição a
opositores, tudo isso sob a vigência da Doutrina de Segurança Nacional), em um modelo
econômico altamente concentrador de renda, que rompeu com certo equilíbrio existente
entre o modelo político de tendências populistas e o modelo econômico de expansão da
indústria vigentes no período anterior ao golpe civil-militar, em um conjunto de reformas
políticas e institucionais que visavam a “reconstrução da nação” e a “restauração da
ordem”, tudo isso se encaminhando para o endurecimento do regime instalado, defendido
como necessário para o “desenvolvimento” social e econômico do país.
A forma de dominação burguesa (populista), existente no Brasil a partir de 1946, se
mostrou incapaz de preservar as relações fundamentais do sistema capitalista, sendo a
intervenção das Forças Armadas, em 1964, um meio utilizado pela parcela da burguesia
brasileira que se aliava ao capital internacional, para por fim ao modelo nacionalista de
desenvolvimento e de consolidar a forma imperialista de “progresso”. Foi a partir do
governo de Juscelino Kubitschek (1956-1960) que se aprofundou a contradição entre
modelo político e expansão econômica, na medida em que, ao mesmo tempo, procurava
manter a política de massas de caráter populista e assumia de maneira cada vez mais
crescente compromissos com o capital, inclusive procurando atuar no sentido de
intensificar a captação de capital estrangeiro. Assim, o golpe civil militar de 1964
representou a vitória da parcela da burguesia nacional que defendia a internacionalização da
economia, o que resultou na consolidação de um modelo de desenvolvimento associado
(dependente) ao capital internacional (IANNI, 1975), com uma particular gravitação em
torno do capital norte-americano, numa espécie de reinvenção, feita pela Ditadura, das
relações de dependência já antigas do Brasil em relação aos países centrais do capitalismo.
2. A ditadura, além de representar a parcela da burguesia que vislumbrava o alinhamento da
economia brasileira ao capital internacional, também procurou dar cabo da “agitação
revolucionária” que se fazia presente em nossa sociedade, configurada por uma grande
constelação de organizações e movimentos: organizações de trabalhadores, político-
partidárias, movimentos sociais, culturais, artísticos, lutas as mais diversas (como a levada
a cabo pelo movimento estudantil), etc. No âmbito da cultura, por exemplo, vivíamos aqui
uma espécie de “modernismo temporão”. Para caracterizá-lo, é importante considerar as
instigantes sugestões tecidas por Perry Anderson (1986) sobre o “modernismo”, referindo-
se a situações semelhantes a essas vividas no Brasil nos anos 1960, que vale a pena
considerarmos. Segundo o autor, numa crítica que apresenta ao livro de Marchal Berman
(1986), o “modernismo”:
Tal movimentação (uma espécie de “canção do homem enquanto seu lobo não
vem”.) era tão intensa que o golpe de 1964 ainda não foi suficiente para destruí-la por
completo, tendo o militar apelado para o AI-5 (Ato Institucional nº 5), de dezembro de
1968. É importante lembrar, também, que com o advento do AI-5, os movimentos de
resistência à ditadura passaram, em grande medida, a ser encabeçados pelas esquerdas
armadas, com as ações das guerrilhas urbanas e rurais, que acabaram adentrando a década
de 1970, sendo, com o tempo, aniquiladas pelas Forças Armadas. A opção pelo combate
armado contra a ditadura, entretanto, não deve ser entendida apenas como “resistência”,
mas como acirramento e expressão das lutas de classes no Brasil.
A partir do exposto, podemos melhor compreender como no campo da educação as
ações e projetos governamentais também apontam para um alinhamento ao capital
internacional. Foram sob os auspícios da ditadura civil-militar que foram assinados os
chamados “Acordos MEC-USAID” (Ministério da Educação e Cultura – United States
Agency for International Development), sendo que os técnicos da USAID participaram
diretamente na reorganização do sistema educacional brasileiro:
Foi a partir das orientações estabelecidas pelos acordos MEC-USAID e dos Relatórios
do Grupo de Trabalho da Reforma Universitária e do Relatório Meira Matos, que foram
realizadas as reformas educacionais sob a ditadura, culminadas com as Leis 5.540/68 e
5.692/71, sendo a primeira destinada ao Ensino Superior e a segunda aos Ensinos de
3. Primeiro e Segundo Grau (o que hoje denominamos Ensino Fundamental e Médio,
respectivamente).
Essas reformas acabaram com os movimentos de alfabetização baseados no método
crítico desenvolvido por Paulo Freire, no qual a educação aparecia ’como prática da
liberdade‘. O método de alfabetização de Freire seria adotado em todo o país, como previa
o PNA (Plano Nacional de Alfabetização), criado no governo de João Goulart. O PNA,
porém, foi extinto pelo decreto nº 53.886, 1964 e, para substituí-lo, a ditadura implantou a
CRUZADA ABC (Cruzada da Ação Básica Cristã), a fim de neutralizar a ação das Ligas
Camponesas e, posteriormente, o (MOBLAL) utilizado como instrumento controlar
politicamente as massas.
Caracterizadas por uma visão utilitarista de educação, essas reformas se inspiraram
na Teoria do Capital Humano, por pretender estabelecer uma relação direta entre educação
e sistema produtivo, procurando instituir uma “escola-empresa”, formando mão de obra,
consumidores, etc.
A Lei 5.540/68 (da Reforma Universitária) estabeleceu o fim da cátedra e a
departamentalização, ou seja, o parcelamento do trabalho na universidade instituiu os
cursos “parcelados” através dos créditos, adotou o vestibular unificado e classificatório para
resolver o problema da falta de vagas (ao invés de expandir a universidade pública e
gratuita) e criou uma estrutura burocrática para dar suporte ao parcelamento e fragmentação
do trabalho na universidade.
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