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Sinopse
Em O castelo das sombras, segundo livro da Trilogia dos Aincourt, o leitor
passa a conhecer a história de Richard, o duque de Cleybourne. Após perder a esposa,
Caroline Aincourt, e a filha, a pequena Alana, em um trágico acidente às vésperas do
Natal, Richard torna-se um homem solitário e amargo. Em profundo estado
depressivo, Richard parte para seu castelo no campo. Mas, com a chegada de Jessica
Maitland e Gabriela Carstairs, seus dias de autocomiseração estão contados. Pouco
antes de morrer, o general Streathern, tio-avô de Gabriela, ordenou que a menina
ficasse sob a custódia de Richard, que a protegeria do lorde de Vesey, seu cruel
sobrinho-neto interessado em roubar a herança da prima. Com a missão de entregar a
menina sã e salva para Richard, Jessica parte para o castelo do duque, afastando
Gabriela de um ambiente nefasto.
Mas Richard não tem a menor intenção de ser responsável por uma órfã, até
mesmo porque isso o faz lembrar a filha. Por outro lado, ele se sente cada vez mais
atraído por Jessica, tornando-se vulnerável à insistência dela para que proteja a menina.
Com a chegada de lorde Vesey ao castelo, a
situação fica ainda mais complicada.
Ele está decidido a reivindicar a guarda de Gabriela, o que coloca Richard em
uma posição desconfortável, e para complicar ainda mais, uma pessoa aparece morta.
Agora, Richard e Jessica unem forças para descobrir quem é o assassino, ao mesmo
tempo em que têm de resistir à paixão incontrolável que surge entre eles.
Com boas doses de suspense e sensualidade, toques de humor e personagens
bem construídos, em O castelo das sombras o leitor saboreia uma história deliciosa,
ambientada na Inglaterra do século XIX, escrita por Candace Camp, uma das maiores
autoras de romances históricos de todos os tempos.
CANDACE CAMP não se lembra de ter estado alheia à criação de histórias.
Nascida em uma família ligada à imprensa — a mãe era repórter e o pai, gerente
financeiro do jornal texano Amarillo — Candace começou a demonstrar seu talento
literário aos 10 anos. Desde então, escrever passou a ser seu principal hobby. Hoje, os
romances de Candace são reconhecidos mundialmente. No Brasil, foram lançados
Escândalo, Indiscreta e A mansão dos segredos, todos pela HARLEQUIN BOOKS
O Castelo das Sombras
Leia também:
Escândalo, de Candace Camp,
Um romance conveniente, de Stella Cameron e A mansão dos segredos, de
Candace Camp.
O castelo das Sombras
Tradução: Michele Gerhardt
HARLEQUIN BOOKS
Rio de Janeiro 2006
CIPBrasil.
Catalogação-na-fonte Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ.
Camp, Candace
O castelo das sombras / Candace Camp; tradução
Michele Gerhardt - Rio de Janeiro: HR, 2006. 384p.
Tradução de: The hidden heart
Seqüência de: A mansão dos segredos
Continua com: A casa das máscaras ISBN 85-7687-205-6
1. Romance americano. I. Gerhardt, Michele. II.
Título. 06-3027
CDD-813 CDU-821.111(73)-3
Título original norte-americano
THE HIDDEN HEART
Copyright © 2002 by Candace Camp
Arte-final de capa: Simone Villas-Boas
Digitalização: Marcilene e Vítor Chaves
Correção: Marcilene Chaves
Prólogo
O duque de Cleybourne iria para casa para morrer.
Decidira isso na noite anterior, enquanto estava de pé em seu escritório,
olhando para o retrato de Caroline, que Devin pintara para ele como presente de
casamento. Richard fitara a pintura, e a outra, menor e menos satisfatória, da filha
deles, e pensara no fato de que era dezembro e o aniversário da morte das duas estava
chegando.
A carruagem derrapara, capotara na estrada escorregadia coberta de gelo e
caíra no lago, quebrando a camada de gelo por cima da água. Acontecera poucos dias
antes do Natal.
Ainda conseguia sentir o cheiro dos galhos de abeto que decoravam a casa
para a festa. Permanecera nas narinas dele durante toda a sua doença e convalescença,
como o odor en-joativo da morte, mesmo depois que os galhos foram levados para
baixo e queimados.
Fazia quatro anos que isso acontecera. Sabia que a maioria das pessoas achava
que ele já deveria ter superado a tragédia. As pessoas devem lamentar durante um
período razoável de tempo, depois recompor-se e seguir em frente. Mas ele não fora
capaz. Francamente, não tinha vontade.
Deixara sua propriedade rural, passando a morar na casa ducal em Londres, e
não voltara ao castelo Cleybourne durante todo esse tempo.
Mas na noite passada, ao olhar o retrato, pensou em como estava cansado de
se arrastar dia após dia, e lhe ocorrera, como um raio dourado de esperança, que não
tinha de continuar assim. Não havia necessidade de viver os dias superficialmente até
que Deus, em sua misericórdia, resolvesse levá-lo. Os Cleybourne eram uma família de
vida longa, geralmente chegando aos 80 e, às vezes, aos 90 anos. E Richard tinha
pouca fé na misericórdia de Deus.
Tinha fé nas pistolas e em sua mão firme. Seria o mensageiro de sua própria
passagem e também o anjo negro da vingança.
Então, chamou o mordomo e lhe pediu para arrumar tudo para a viagem.
Voltariam para o castelo, disse, e sentiu-se um pouco culpado quando o velho sorriu
exultante. Os empregados, que se preocupavam com ele, ficaram satisfeitos, achando
que finalmente tirara o manto de luto, e arrumaram tudo com alegria e rapidez.
E era verdade, disse para si mesmo. Acabaria com o luto. Da forma e no lugar
mais adequado: onde a esposa e a filha haviam morrido, e ele não as salvara.
Capítulo 1
Lady Leona Vesey ficava bonita quando chorava. E estava fazendo isso
agora... copiosamente. Rios de lágrimas jorravam de seus olhos e escorriam pelo rosto
enquanto segurava a mão enrugada do velho homem deitado na cama.
— Ah, tio, por favor, não morra — disse ela com voz de lamentação, os
lábios trêmulos.
Jessica Maitland, que estava do outro lado da cama do general Streathern,
perto da sobrinha-neta dele, Gabriela, olhava fixamente para lady Vesey com desprezo.
Achava que o desempenho dela era digno de um palco. Jessica tinha de admitir que
Leona ficava encantadora quando chorava, um talento que Jessica suspeitava que ela
passara anos aperfeiçoando. Soubera que lágrimas funcionavam muito bem com os
homens. Jessica detestava lágrima, e quando não conseguia segurá-las, as liberava na
solidão e na calma de seu quarto.
Claro, Jessica, uma mulher extremamente justa, tinha de admitir que lady
Leona Vesey também era bonita quando não estava chorando. Era uma das belezas
reinantes em Londres há alguns anos — embora fosse considerada escandalosa demais
para freqüentar as melhores casas — e, se estava chegando aos últimos anos desse
reinado, o brilho dourado da luz de velas no quarto escuro escondia qualquer efeito
que o tempo e a vida desregrada lhe haviam causado.
Lady Vesey era opulenta, ombros delicados e seios saindo pelo decote cavado
do vestido, mais adequado como traje de noite do que para visitar um velho parente
doente. A pele era macia e tinha o tom do mel, complementando os cachos dourados
presos no topo da cabeça e os olhos redondos cas-tanho-claros. Fazia Jessica lembrar-
se de uma gata manhosa e mimada, embora se transformasse em algo parecido com
uma leoa quando ficava furiosa, como ontem, quando dera um tapa em uma
empregada desajeitada que derramara chá em seu vestido.
Naquele momento, Jessica quis dar um tapa em Leona, mas, sendo apenas a
governanta da casa do general, manteve a boca bem fechada. Embora, em épocas
normais, Jessica mantivesse a casa funcionando com eficiência, Leona não estava
acima dela apenas na condição social, mas, por ser esposa do sobrinho-neto do
general, também tinha algum parentesco. Desde o momento em que ela e lorde Vesey
entraram na casa, Leona assumira o controle, tratando Jessica como empregada.
— Ah, tio — dizia Leona agora, enxugando as lágrimas com o lenço de renda.
— Por favor, fale comigo. Fico destruída ao vê-lo dessa maneira.
Jessica sentiu Gabriela ficar tensa a seu lado, e sabia no que a menina estava
pensando: que o general não tinha nenhuma relação real com lady Vesey, sendo tio-
avô do marido dela, e que lady Vesey podia estar tudo menos destruída ao ver o
general deitado naquela cama, prestes a morrer.
Nos seis anos em que Jessica estava na casa do general, os Vesey visitaram-no
poucas vezes e, quando o faziam, geralmente as visitas eram acompanhadas de um
pedido de dinheiro.
Jessica tinha poucas dúvidas de que o dinheiro os trouxera até a cabeceira do
velho homem agora. Menos de uma semana antes, o general Streathern recebera uma
carta contando da morte de uma velha e querida amiga. Ficara de pé e havia dado um
grito muito alto. Depois erguera a mão até a cabeça e caíra no tapete. Os empregados
levaram-no para a cama, onde permanece deitado desde então, inerte e aparentemente
insensível a tudo e a todos à sua volta. Apoplexia, diagnosticara o médico, balançando
a cabeça com tristeza, e tendo pouca esperança de recuperação, dada a idade avançada
do general. Jessica tinha certeza de que os Vesey correram para a cabeceira dele
porque tinham esperança de serem citados no testamento.
Jessica fizera de tudo para deixar de lado a antipatia por lorde e lady Vesey.
Afinal, eram os únicos parentes vivos de Gabriela, além do general, e, como tal, sabia
que era provável que lorde Vesey se tornasse tutor de Gabriela se o general realmente
morresse, o que parecia mais provável a cada dia.
Dizia para si mesma que parte da antipatia por lady Vesey originava-se na
beleza voluptuosa da mulher. Jessica crescera muito magra, com cabelos rebeldes cor
de cenoura, os olhos e a boca muito grandes num rosto muito fino. Quando
adolescente, era mais alta que todas as meninas, e a maioria dos meninos também,
desengonçada e esquisita, sem esperança de ser feminina perto das moças pequenas e
delicadas à sua volta. E apesar de ter se transformado em uma mulher adulta, de o
rosto tornar-se cheio e suave e de o cabelo ter adquirido um tom ruivo vibrante,
transformando-se assim em uma mulher extremamente atraente e escultural, Jessica
ainda sentia pontadas de inveja e incomodada perto de mulheres como Leona Vesey,
que usavam a feminilidade como arma.
Também admitia que prejulgara a mulher por causa das cartas de Viola
Lamprey, a única amiga que ficara ao lado de Jessica durante o escândalo que
envolvera seu pai. Viola casara-se um pouco tarde, mas surpreendentemente bem,
tornando-se lady Eskew três anos antes, e agora vivia na nata da sociedade londrina.
Ela e Viola continuaram a se corresponder por anos depois do escândalo, e Viola
adorava divertir Jessica com as histórias espirituosas dos escândalos e extravagâncias
dos ricos.
Lorde e lady Vesey normalmente eram alvo de fofoca. Dizia-se que ele
gostava muito de mulheres jovens e que ela mantinha um caso bem "secreto" com
Devin Aincourt havia mais de uma década. Poucos meses atrás, as cartas de Viola
chegaram cheias das histórias que estavam circulando por Londres sobre o casamento
repentino de Aincourt com uma herdeira americana e o subseqüente término, por
Aincourt, não por lady Vesey, do duradouro caso. As senhoras de Londres estavam
extasiadas. Leona Vesey tinha poucas amigas, já que costumava insinuar que poderia
facilmente roubar-lhes os maridos ou pretendentes.
Jessica sabia que não devia julgar lady Vesey com base em fofocas. Afinal de
contas, ela mesma, certamente, fora alvo de muitos comentários injustos dez anos
antes. Quando os Vesey chegaram, fizera um esforço para ver lady Vesey sem
preconceito e julgamento. Mas logo ficou claro para ela que a fofoca não denegrira a
lady o suficiente. Leona Vesey era egoísta, vaidosa e geniosa. Desdenhava de todos
que estivessem em uma posição mais baixa que a sua, e só era agradável com quem
achava que poderia ajudá-la, geralmente homens. Os Vesey estavam aqui havia apenas
três dias, e Jessica mal conseguia suportar ficar no mesmo cômodo que eles.
Sentiu Gabriela ficar tensa a seu lado e suspeitou que a menina estivesse
prestes a soltar sua raiva sobre Leona, então deu o braço para Gabriela, lançando-lhe
um olhar de advertência. Estava preocupada com o futuro de Gabriela. Se o general
morresse, e se sua tutela fosse dada aos Vesey, a vida dela já seria dura o suficiente
mesmo sem ter conquistado a inimizade de lady Vesey.
— Ah, por favor, tio — disse Leona, a voz ainda falhando enquanto se
debruçava sobre a figura imóvel do velho, muito pálido sob a luz fraca. — Por favor,
diga uma palavra de adeus para mim.
De repente, os olhos do homem se abriram. Leona soltou um leve grito e deu
um pulo. O general encarou-a com olhos de falcão.
— Que diabos você está fazendo aqui? — perguntou ele, a voz mais rouca e
fraca que o normal, mas com visível irritação.
— Ora, tio — disse Leona, recuperando parte da compostura, embora a voz
ainda estivesse um pouco ofegante. — Vesey e eu viemos porque soubemos que o
senhor estava doente. Queríamos estar com o senhor.
O velho encarou-a por um longo momento.
— Mais provável que estivessem com medo de perder a parte de vocês da
propriedade. Bem, tenho novidades para você. Não vou morrer. E mesmo que fosse,
não deixaria nada para você e aquele seu marido.
— Tio... — Lorde Vesey, que estava de pé um pouco atrás da esposa, tentou
uma risada indulgente. — O senhor vai passar a ideia errada para as outras pessoas.
Elas não sabem como o senhor gosta de piadas...
— Eu não estava falando com você — respondeu o general abruptamente,
parecendo mais forte a cada momento. — Droga! Ninguém convidou vocês. Malditos
inconvenientes!
— Ah, vovô! — explodiu Gabriela, incapaz de segurar-se por mais tempo. —
O senhor está bem! Achamos que fosse morrer.
O general virou a cabeça e viu Gabriela de pé do outro lado da cama, Jessica
atrás dela, e sorriu.
— Ora, acha que eu faria uma coisa dessas? — perguntou ele, esticando a
mão para a menina.
Lágrimas jorraram dos olhos de Gabriela, e ela se inclinou para pegar a mão
do tio-avô.
— Estou tão feliz que esteja bem. Estávamos com muito medo.
— Tenho certeza que estava, Gaby. — O velho homem apertou a mão dela
com apenas uma fração de sua força. — Mas não precisa. Ainda estou respirando.
Olhou para o pé da cama, onde estavam o médico e o vigário da aldeia,
fitando-o com perplexidade.
— Não graças a você — continuou o general Streathern, falando com o
médico. — Vá embora. Vocês parecem dois corvos parados aí. Não estou morrendo.
— General, o senhor não deve se agitar — disse o médico com a voz calma.
— Ficou inconsciente por quase uma semana.
— Não, não fiquei. Acordei ontem a noite, mas voltei para dormir.
— Deve ter sido o som da voz de lady Vesey que penetrou em você — disse
o vigário, com um sorriso admirado na direção da mulher.
— Humm! — respondeu o general. — Bem, você era um tolo quando era
jovem, Babcock, não havia por que se esperar que estivesse melhor agora que está
velho. Essa voz chata mais provavelmente me mandaria embora do que me faria
voltar.
— O quê!? — exclamou Leona, colocando as mãos na cintura, indignada. —
Que ótimo. Deixamos Londres e viemos até este lugar esquecido por Deus só porque
soubemos que estava doente. E é assim que nos agradece?
— Não pedi que viessem — disse o general, sensato. — Ninguém pediu.
Vieram porque esperavam receber dinheiro. É a única razão pela qual vocês sempre
colocaram os pés nesta casa, e da última vez eu disse para não voltarem. Tudo que
posso dizer é que vocês são uns malditos descarados por continuarem vindo aqui.
Você é uma fofoqueira coberta de musselina, Leona, e agradeço a Deus por não ser
minha parente de sangue. Gostaria de poder dizer a mesma coisa do inútil com quem é
casada. — Parou o discurso tempo suficiente para lançar um olhar malévolo para lorde
Vesey. — Agora saiam. Não quero mais ver as caras de vocês dois.
— Talvez seja melhor voltarmos para nossos aposentos — sugeriu lorde
Vesey à esposa, parecendo um pouco mais pálido do que alguns momentos antes.
— Seus aposentos? Estão hospedados aqui? — O rosto do general corou de
modo alarmante.
— Ora, sim, claro — respondeu Leona. — Onde mais poderíamos ficar?
— Eu disse a vocês que não eram bem-vindos nesta casa — replicou o
general, esforçando-se para sentar.
— Por favor, general, acalme-se — pediu o médico, dando a volta na cama
para colocar as mãos em seus ombros e deitá-lo de novo. — Terá outra apoplexia se
não se cuidar.
— Que diabo! — O general Streathern olhou para o médico, mas não teve
força para desafiá-lo. — Quero os dois fora da minha casa, entenderam?
— Mas, general — protestou o vigário. — Lorde Vesey é seu sobrinho. E
lady Vesey...
Ele parou de forma abrupta quando o general fixou o olhar nele.
— Esta é minha casa — disse friamente. — E eu digo quem fica e quem sai.
Não me diga quem devo receber em minha casa, Babcock.
— Não, claro que não, general — disse o vigário, forçando um sorriso. —
Não quis ser presunçoso. Só que... eles vieram de tão longe, e onde poderiam ficar?
— Convide-os para ficar com você, se gosta tanto deles.
O reverendo Babcock deu uma risadinha, um som que pareceu irritar ainda
mais o irascível velho.
— Há uma hospedaria em Lapham — disse ele, citando a aldeia local. — Que
fiquem lá se querem tanto permanecer aqui. Mas me recuso a deixar que me torturem
com choro e lamentações e que deixem meus empregados descontentes. Nada pior do
que ver as empregadas chorando pelos cantos porque ele está perseguindo-as e
tomando liberdades ou porque ela está gritando com elas ou dando tapas. Se um
homem não pode ter paz quando está prestes a morrer por uma semana, então não sei
o que será do mundo.
— É claro que pode ter paz — disse o médico com calma, lançando um olhar
expressivo na direção de lorde e lady Vesey. — Meu lorde...
— Sim, sim, claro. — Lorde Vesey deu um sorriso que mais parecia o rigor
mortis de um defunto. — Qualquer coisa para fazer o general se sentir melhor. Lady
Vesey e eu vamos embora agora mesmo.
Pegou a mão da esposa e os dois saíram do quarto. O general virou-se para
Jessica.
— Jessica, certifique-se de que eles partam.
— Claro, general — disse Jessica com um sorriso. — Ficarei feliz com isso.
— Olhou os outros que continuavam no quarto. — Gabriela, vigário, por que não
deixam o general conversar com o médico agora?
O clérigo estava, obviamente, ansioso para deixar o quarto — se era porque
temia o general ou porque esperava encontrar lady Vesey, Jessica não tinha certeza.
Gabriela atravessou o corredor feliz, mantendo uma conversa constante com Jessica.
— Ah, srta. Jessie, não é maravilhoso? Eu tinha tanta certeza que o vovô ia
morrer! Eu devia saber que ele era mais forte que uma apoplexia.
Jessica sorriu para a menina. Aos 14 anos, Gabriela prometia se tornar uma
linda mulher. Embora ainda fosse magra e sem formas como os meninos, havia uma
leveza no andar que prometia uma graça futura, a pele era fresca e cremosa, o rosto,
bem-feito e brilhante, com grandes olhos cinza e nariz empinado.
Jessica estava feliz em ver sua pupila tão feliz, mas no fundo não conseguia
deixar de ter dúvidas. O general podia ter acordado e parecer ele mesmo. Mas Jessica
notara, mesmo que Gabriela não o notasse, que o lado esquerdo do rosto do velho
homem não se movera muito enquanto ele falava, e a mão esquerda não se curvara
para corresponder ao aperto de
Gabriela. Ele ficara inconsciente por algum tempo e, pelo menos, estava
destinado a ficar mais fraco do que o normal. Era um homem idoso, e os idosos são
sempre suscetíveis a febres e tosses, principalmente quando estão enfraquecidos por
uma enfermidade.
Ela se preocupava com o general, não apenas porque gostava dele, mas
também porque sua doença repentina mostrara como Gabriela era vulnerável. Menor
de idade, órfã, ela poderia muito bem ser deixada à mercê de pessoas como os Vesey.
Jessica cuidara de Gabriela, fora sua acompanhante, professora e confidente desde que
a menina tinha oito anos, e a amava como se fosse sua própria irmã. Mas, aos olhos do
mundo, era apenas uma empregada e, se o general morresse, quem quer que fosse o
tutor de Gabriela poderia acabar com seu emprego, e ela não teria recursos.
Preocupava-se com o assunto desde que o general adoecera.
Gabriela foi para o andar de cima prometendo estudar, algo que havia
negligenciado durante a doença do tio-avô, e Jessica foi para a cozinha, onde
encontrou o mordomo, Pierson, e informou-o da recuperação miraculosa do general e
da subseqüente expulsão dos Vesey. Sabia que nada poderia deixar os empregados
mais felizes do que estas duas notícias.
Como esperava, o mordomo ficou radiante quando ela contou o que
acontecera no quarto do general e assegurou que designaria duas empregadas, e não
uma, para arrumar as malas dos Vesey, e iria pessoalmente escoltá-los até a carruagem.
Jessica voltou aos quartos no andar de cima, onde ficavam seu quarto e o de
Gabriela, separados por uma sala de estudo. Ao passar pelo quarto dos Vesey, escutou
o som de algo quebrando, seguido pela voz furiosa e estridente de Leona e da menos
estridente, mas não menos furiosa, de lorde Vesey. Jessica sorriu para si mesma e
continuou a caminhar.
O médico foi embora, e pouco depois, lorde e lady Vesey também deixaram a
casa. Humphrey, o criado pessoal do general, ficou ao lado do idoso o resto do dia e,
naquela noite, depois de muita resistência, foi descansar enquanto Jessica, o mordomo
ou a empregada assumiam o posto ao lado do leito do doente.
O general dormiu a maior parte do tempo, acordando de vez em quando,
reclamando de fome e devorando, primeiro, uma tigela de consome, depois mingau e,
finalmente, exigindo uma sopa substanciosa. Com cada exigência ou acesso de raiva,
os empregados se acalmavam mais. O general estava ficando cada vez mais normal.
Jessica visitava o general todas as manhãs e noites, e observava melhoras todas
as vezes. Estava muito feliz, não apenas por Gabriela, mas porque gostava dele.
Quando foi atingida pelo escândalo, e seu pai foi expulso do exército, a maioria dos
conhecidos e amigos deles, até o homem que ela achara que amava, viraram as costas
para ela, menos o general Streathern. Ele foi prestar condolências quando seu pai
morreu, uma cortesia que poucos outros amigos militares se dignaram a cumprir.
A morte do pai deixara Jessica sem um tostão. Recusara-se a procurar a ajuda
da família do pai, que o desprezara depois do escândalo. Por um tempo, ficou com o
irmão da falecida mãe, mas fora uma situação insustentável. Ele tinha cinco filhas,
todas se aproximando da idade de se casar e debutando. A última coisa de que
precisavam era mais uma mulher em casa, e Jessica, cujo pai a educara para ser
decidida e independente, estava acostumada a administrar a casa, não apenas morar
resignadamente em uma. Jessica e o tio não se davam bem, e ela logo percebera que
não poderia morar com eles. Surgiram-lhe vários cargos como governanta ou
acompanhante, mas geralmente era considerada jovem demais, atraente demais ou
marcada demais pelo escândalo para ser contratada, e quando era, geralmente tinha de
sair por causa do assédio de algum homem da casa.
Por ironia, Jessica percebera que ela, que passara a adolescência como uma
menina palerma, desajeitada e feia, tinha se transformado de alguma forma em um
objeto incômodo de luxúria masculina. Sabia que o desenvolvimento tardio de seu
corpo tinha algo a ver com isso, mas tinha dificuldade de reconhecer que o excesso de
cabelos ruivos era um atrativo para os homens, e que suas feições, que haviam sido
muito grandes para o rosto, tinham amadurecido e se transformado em uma beleza
atordoante. Então, de forma um tanto cínica, ela colocava a culpa por atrair os
homens no fato de que não estava mais sob a proteção do pai. Em resumo, eles a
desejavam porque achavam que agora era um alvo fácil; uma mulher que estava à
disposição porque tinha de trabalhar para viver.
Desanimada e amarga, parou de se candidatar a cargos de governanta e tentou
se sustentar com o bordado. Tinha mãos e olhos bons para o trabalho com as agulhas,
e quando reprimiu seu orgulho e humildemente mostrou seus trabalhos, várias
mulheres ricas pagaram por bonitos bordados. Ainda assim, era um sustento mínimo e
difícil, e havia horas em que se desesperava. O inverno era a pior época, já que gastava
mais, pois precisava aquecer seu pequeno quarto. Tentava economizar carvão, mas
não conseguia trabalhar bem com os dedos congelando. Certo inverno, uns seis anos
antes, a quantidade de bordados que conseguia produzir diminuiu, e ela ficou doente,
tendo de parar de trabalhar por uma semana. De repente, viu-se à beira de um
desastre, e foi forçada a pensar em voltar a morar com o tio ou mesmo pedir ajuda à
teimosa família do pai.
Foi quando o general apareceu à sua porta, um improvável e grosseiro anjo de
misericórdia, e lhe ofereceu um emprego como acompanhante e governanta de sua
sobrinha-neta Gabriela, cujos pais tinham morrido um mês antes, deixando o general
como tutor. Na mesma hora, o general pensou em Jessica, com quem mantivera
contato ao longo dos anos. Na verdade, havia muito tempo que ela suspeitava que ele
estava por trás de alguns bônus e presentes que recebera de clientes no decorrer dos
anos. Jessica aceitou o emprego com alívio e alegria, e nunca se arrependeu da decisão.
Sua estada com o general era feliz. Logo passou a amar sua pupila e foi
cuidando cada vez mais da administração da casa. Os empregados contavam com ela
para receber conselhos e ordens. Logo o general percebeu sua competência e ficou
feliz em deixar as "coisas de mulher" por conta dela. Jessica gostava de sua vida, e era
quase como se Gabriela e o general fossem sua família. Não teria ficado mais
preocupada com o idoso e mais feliz por ele estar se recuperando da doença se fosse
seu próprio avô.
Após mais um dia de convalescença, o general informou a seu criado pessoal
que não precisava de uma "maldita babá sentada ao meu lado e me olhando a noite
inteira", e mandou que ele fosse para a cama e acabasse com a vigília noturna. Na
manhã seguinte, o general mandou Humphrey procurar
Jessica e pedir que fosse a seu quarto. Ela deixou Gabriela com uma redação
para fazer e foi ver o general, perguntando-se o que ele queria. Conhecendo o general,
podia ser qualquer coisa, desde uma conta da casa até um jogo de xadrez para aliviar o
tédio.
Nesse caso, não foi nenhum dos dois. O general Streathern estava sentado na
cama, parecendo muito mais forte do que na véspera. Sorriu quando viu Jessica, e ela
notou que a expressão ainda não atingia o lado esquerdo do rosto. O braço esquerdo
também estava sobre o colo e não se mexia enquanto ele falava. Mas a cor estava
muito melhor, e o olhar, mais alerta, e quando falou pareceu muito com o homem de
antes.
— Bem, menina, você também me deu como morto? — rosnou.
— Fiquei muito preocupada — admitiu Jéssica, desconfiada.
— O senhor ficou inconsciente durante uma semana, general — comentou
Jessica. Crescera dizendo o que pensava, fora a forma como o pai a treinara, e ficara
muito aliviada ao perceber que o general era o mesmo tipo de homem.
Ele riu.
— Sempre posso contar com você para me dizer a verdade, Jess. — Deu um
tapinha na cama. — Sente-se onde eu possa olhar para você sem quebrar meu
pescoço.
Jessica sentou-se na beirada da cama, fitando-o.
— Fico muito feliz em ver que eu estava errada.
— Eu também, minha menina. — O general Streathern suspirou. — Tenho
de confessar que também me assustei. Não ia admitir para aqueles miseráveis, mas sei
que cheguei muito perto da morte, posso sentir isso. — Ele bateu no braço esquerdo.
— Sabe, não estou com movimento completo aqui. — Balançou a cabeça. — É
assustador ver seu cérebro atacando seu corpo.
— Imagino que sim. Mas o senhor está melhor agora. E talvez o braço fique
mais forte.
— Espero que sim. É irritante. Mas não tão irritante quanto acordar e
encontrar aquele canalha do Vesey em meu quarto. Não sei como minha irmã pôde
produzir um neto daqueles. Nada errado com a filha dela, mas a linhagem dos Vesey
sempre teve sangue ruim. Eu disse para Gertie que não podia sair coisa boa dali, mas
não estava ao alcance dela. O genro sempre teve minhocas no lugar do cérebro.
— Sinto muito por eles estarem aqui.
— Não foi culpa sua. Mas disse ao Pierson para não deixá-los entrar de novo.
Agora que ele recebeu minhas ordens, vai mantê-los fora daqui. E se ele fraquejar,
você deve lembrá-lo do que eu disse.
— Pode deixar.
— Ver Vesey me deu um choque. — O general ficou quieto por um
momento, olhando para as mãos. Não era o tipo de pessoa que falava dos sentimentos
pessoais, um militar até a raiz dos cabelos. — Fez com que eu pensasse. Eu poderia
morrer. Tenho 72 anos. Já tive muito tempo na Terra. Acho que sempre pensei que
pudesse afastar isso. Mas foi pura sorte desta vez. Quando li aquela carta e soube que
Millicent tinha morrido...
— Tenho certeza que deve ter sido um choque saber da morte de sua amiga.
— Foi mesmo. — A tristeza caiu sobre as feições do homem idoso. — Eu a
amava, entende?
— Claro.
— Não, quero dizer que realmente a amava. Eu a amei por quase cinqüenta
anos.
Surpresa, Jessica olhou intensamente para o general. Havia uma suavidade nos
olhos que ela pouco vira ali.
— Ela era casada com outro homem. Não era um sujeito ruim. Eu o
conhecia. Eu a conheci em uma festa de lady Albernethy. Eu tinha 34 anos na época.
Não havia me casado. Estava ocupado demais com minha carreira para pensar em
coisas como essas. Depois que vi Millicent, soube que nunca me casaria. Uma coisa
terrível com que conviver, saber que eu ficaria extasiado se um homem bom morresse.
É claro que ele morreu, muitos anos depois. Mas, na época, já estávamos velhos.
Acostumados a ser amigos, com nossas vidas estabelecidas, e nenhum de nós estava
disposto a abrir mão disso. Foi suficiente para nós, nos últimos anos, apenas nos
vermos de vez em quando e manter a correspondência. Mas eu teria feito qualquer
coisa por ela.
Ele ficou sentado, perdido em pensamentos. Jessica também continuou em
silêncio, tentando absorver essa nova imagem do velho e severo militar como um
devotado homem apaixonado, amando uma mulher que não podia ter.
— Ah, bem. — O general pareceu afastar os pensamentos. — Não foi por
isso que a chamei aqui. Não diretamente. O fato é que, quando li aquelas linhas, senti
uma dor terrível na cabeça, e depois só me lembro de acordar aqui com aquela idiota
da Leona chorando em cima de mim. Agora percebo como fui presunçoso todos esses
anos, achando que poderia lutar contra a morte como se ela fosse um soldado inimigo.
Eu não podia fazer nada. Tive apenas sorte por voltar. Da próxima vez, posso não ter
tanta sorte.
Jessica não sabia o que dizer. O general estava certo, e era difícil dar uma
resposta otimista.
— Setenta e dois. Alguns diriam que já estava na hora de eu perceber que não
sou invencível. — O general soltou um risinho. — A questão é Gaby. Já pensei nela
em meu testamento, não se preocupe com isso. E o pai dela também deixou muitos
bens. Ela terá muito dinheiro. Mas precisa de mais do que isso. Precisa de alguém que
a ame.
— Ficarei com ela, general. Prometo. O senhor sabe o quanto gosto dela.
O general sorriu e Jessica ficou triste de ver como um lado do lábio dele não
se curvava como o outro.
— Eu sabia que podia contar com você. Mas quero me certificar que você
saiba o que fazer se algo acontecer comigo. Nomeei um tutor em meu testamento. O
mesmo homem que o pai dela nomeou como sucessor se alguma coisa acontecesse
comigo. Não o conheço bem, mas era amigo do pai dela e tem a reputação de ser um
homem honrado. Ele cuidará do dinheiro e do bem-estar dela. Acabei de escrever uma
carta para ele. Ali...
Apontou para a pequena mesa ao lado da cama, onde estava uma carta,
lacrada com cera vermelha com o selo do general.
— Pegue. Quero que escolte Gaby até a casa dele se algo mais acontecer
comigo. Entregue a ele essa carta, assim como o testamento. Nela, eu peço que ele
continue com você. Disse que Gaby confia em você.
— Farei isso. Não se preocupe. Mas vamos esperar que não seja necessário. O
senhor se recuperará e viverá para ver o casamento de Gaby, tenho certeza.
— Espero que sim. Mas ainda não disse tudo que tenho a dizer. Depois que
Gaby estiver com o novo tutor, não me preocuparei. Ele é um homem poderoso e
influente, o duque de Cleybourne. Vesey não conseguiria fazer nada contra ele. Mas,
até lá... tenho medo de Vesey.
— Lorde Vesey? Mas, se o senhor nomear outra pessoa como tutor dela, isso
certamente acabará com qualquer perigo que venha dele.
— Não contaria com isso, em se tratando daquele homem. — Os lábios do
general Streathern se curvaram. — Ele é vil, e a esposa não é melhor. Não confiaria
que ele não seqüestraria Gaby se tivesse a chance. Não deixei nada para ele, e ele
adoraria colocar as mãos no dinheiro de Gaby. E aquela bruxa da esposa dele é capaz
de virar um homem honesto do avesso com um dedo. Não confio neles. — Franziu a
testa e depois continuou, devagar: — Eu não encheria seus ouvidos com esta história,
mas você precisa saber a extensão da crueldade dele. O homem é um libertino, e ouvi
dizer que ele tem uma... preferência por meninas. Meninas da idade de Gaby.
Jessica prendeu a respiração.
— General! O senhor quer dizer que... acha que ele...
— Não sei até que ponto ele pode ir, mas também não ficaria surpreso com a
profundidade de sua depravação. Digamos apenas que seria mais seguro se ela nunca
ficasse sob o controle dele, nem mesmo por um dia. — Lançou um olhar astucioso
para ela por baixo das espessas sobrancelhas brancas. — Seu pai foi um dos melhores
soldados que eu já comandei.
— Obrigada, general. — Jessica sentiu a emoção engasgar na garganta.
— Conto que você tenha o mesmo espírito dele.
— Espero e rezo para que eu tenha — respondeu Jessica, acrescentando com
firmeza: — O senhor pode contar comigo para mantê-la longe de lorde Vesey.
— Ótimo. — Ele relaxou, recostando-se nos travesseiros. — Obrigado,
Jessica. Se eu morrer, agora ou daqui a algum tempo, ele virá como um abutre. Leve-a
embora daqui assim que meu testamento for lido. Deixe tudo pronto para partir. Você
me entende, não é?
— Sim, sem perda de tempo. Juro para o senhor. Eu e ela partiremos
imediatamente após a leitura do testamento, mesmo que isso signifique deixar a
bagagem para depois.
Ele assentiu.
— Você é uma moça esperta, sensata. Sei que posso confiar em você. Leve-a
para o duque de Cleybourne. A propriedade dele fica em Yorkshire, perto da cidade de
Hedby, a não mais que dois dias de viagem de carruagem.
— Farei isso. — Jessica pegou a mão do homem idoso. — Mas, se Deus
quiser, isso não acontecerá nos próximos anos, e Gaby já será uma mulher casada.
— Se Deus quiser.
Era tarde da noite e a casa estava escura, todos acomodados em suas camas,
quando uma porta lateral se abriu em silêncio e um vulto entrou. O homem parou por
um momento, imóvel e atento, depois moveu-se do mesmo modo silencioso pelo
corredor até as escadas dos empregados que levavam ao segundo andar. Mais uma vez,
esperou, imóvel, no topo das escadas, procurando algum som antes de seguir até a
porta que procurava. Abriu-a e olhou para dentro. Não havia sinal nem do criado
pessoal do general nem da enfermeira.
Entrou e fechou a porta com suavidade, depois atravessou o quarto até ficar
ao lado da cama. Parou um instante, fitando o homem idoso. O general parecia tão
frágil que, por um momento, ele se perguntou se isso era realmente necessário. Afinal
de contas, o homem quase morrera. Sempre havia a possibilidade de que ele não
recobrasse a saúde, então o general Streathern não representaria perigo para ele.
Enquanto olhava, os olhos do homem idoso abriram-se, como se ele sentisse
a presença do observador. Os olhos estreitaram-se.
— Você! — exclamou com a voz áspera. — Que diabos está fazendo aqui?
Eu não disse que...
— Sim, sim, eu sei — disse o homem mais jovem, baixinho. — Que nunca o
incomodasse com minha presença. Mas achei melhor conversar com o senhor. As
coisas mudaram.
— Sim, mudaram. — O general sentou-se encostado nos travesseiros. A visita
inesperada percebeu que fazer isso foi uma luta para ele.
— Quis me certificar que o senhor não estava pensando em fazer nada tolo.
— Quer dizer revelar o que realmente aconteceu? O que o faz pensar que eu
não revelaria? — respondeu o general, de forma um tanto insensata. — Não tenho
mais motivos para manter segredo.
— Existe o pequeno problema de o senhor não ter trazido o problema à tona
anos atrás, quando ele era importante. Não faria bem para sua imagem. Seu nome
estaria arruinado.
— Talvez seja melhor assim — lembrou o velho homem com dificuldade.
— Fácil dizer quando está prestes a morrer. Por outro lado, eu tenho muitos
anos pela frente e não desejo viver com a marca do escândalo.
— Seria pior que isso.
— Mesmo? Acho que não. Apenas a sua palavra contra a minha, e o senhor é
um velho tolo que acabou de sofrer uma apoplexia. Todos pensariam que seu cérebro
simplesmente não está mais funcionando bem.
—Ah, eles acreditariam em mim—disse o general Streathern, o desprezo e o
ódio iluminando seus olhos. — Eu tenho provas.
Os olhos do outro homem estavam tão gelados quanto os do general estavam
acalorados. Examinou o velho homem por um momento, depois disse:
— Bem, sinto por saber disso.
Rapidamente, pegou um travesseiro na cama e colocou sobre o rosto do velho
homem. O general lutou, mas já estava fraco devido à doença, e não demorou muito
até que a luta terminasse. O visitante esperou mais um longo momento, depois
levantou o travesseiro e colocou-o junto com os outros. Ajeitou o homem idoso na
cama de forma que não ficasse sentado, mas parecesse que morrera em paz enquanto
dormia.
Olhou rapidamente em volta do quarto, e só então se deu conta: se o general
realmente tivesse provas contra ele, ainda poderia estar em perigo. Contraiu o maxilar
e olhou para o velho imóvel na cama, a fúria tomando conta dele. O velho idiota o
deixara tão furioso que agira apressadamente. Deveria tê-lo feito revelar onde estavam
e quais eram as provas antes de matá-lo.
Foi até a arca do outro lado do quarto e começou a procurar, percebendo,
enquanto fazia, como seria difícil encontrar o que precisava. Para começar, havia a
possibilidade de não haver prova nenhuma, de o general estar apenas blefando,
querendo assustá-lo. E se o bode velho tivesse dito a verdade, ele ainda não sabia em
que consistiam as provas. Era um objeto? Um papel? Independentemente do que
fosse, tinha certeza que o general teria escondido em algum lugar. Um cofre era a
opção mais provável, então procurou pelo quarto, mas não encontrou nenhum,
sabendo, enquanto procurava, que era mais provável que o cofre ficasse no andar de
baixo, no escritório ou na sala de fumo do velho, ou mesmo onde guardavam as
preciosas pratarias. Encontrá-lo seria uma tarefa imensa na melhor das hipóteses. À
noite, com a casa cheia de pessoas que poderiam acordar e descobri-lo, era quase
impossível.
Enquanto pensava nisso, escutou o som de uma maçaneta girando. Correu
para um canto escuro perto do armário e esperou, prendendo a respiração. Escutou o
velho homem arrastando os pés pelo quarto e viu a luz fraca de uma vela. Felizmente,
a luz não chegava perto de onde ele estava. Entretanto, conseguiu ver as feições de um
homem com quase a mesma idade do general, vestindo uma camisola. O criado
pessoal do general, pensou.
O empregado parou ao pé da cama e ficou ali por um momento. Depois
começou a franzir a testa e foi para perto da cama para ficar ao lado do general.
Prendeu a respiração e soltou um gemido baixo.
— Ah, não, ah, meu lorde, não!
Gemeu de novo, depois virou-se e saiu do quarto quase correndo.
O intruso não ficou muito atrás. Correu para a porta depois do empregado e o
viu arrastando os pés com pressa pelo corredor, gemendo e gritando:
— Ele se foi! O general está morto!
O intruso não parou; apenas deslizou pelo corredor na direção oposta, em
direção à escadaria principal, e saiu da casa.
Capítulo 2
A carruagem parou, e Jessica puxou a cortina para esquadrinhar na escuridão,
uma pergunta nos lábios. Assim que viu o que estava à frente, a pergunta morreu sem
ser respondida. O cocheiro parara, sem dúvida, assim como ela teria feito, por causa
de um vulto enorme e escuro na frente deles. Era uma estrutura maciça de pedra
cinza-escuro, obviamente construída séculos antes, em uma época de lutas freqüentes,
e aumentada no decorrer dos anos até que fosse uma construção imensa, com paredes
de pedra pura, ameias e torres nor-mandas. Tochas queimavam nos dois lados da
entrada, pouco ajudando para diminuir a escuridão. A parte rural era dominada por
sombras e presságios. Castelo Cleybourne.
Não era difícil para Jessica acreditar que era a propriedade rural de uma família
rica e poderosa. Nem era difícil imaginar o lugar sendo sitiado, com máquinas de
guerra tentando derrubar seus muros maciços, soldados nas ameias atirando flechas
nas tropas embaixo. O mais difícil era imaginá-lo como um lugar acolhedor para se
trazer uma adolescente que acabara de perder o último parente querido. Não
conseguiu evitar um suspiro.
Talvez tenha sido um erro, afinal, agir apressadamente sob as ordens do
general. Ficara tão emocionada quando o criado pessoal dele correra pelos corredores,
espalhando a notícia de sua morte, que imediatamente começou a preparar Gabriela e
a si própria para a viagem até o novo tutor da menina. A morte do general Streathern,
que aconteceu logo após as palavras aparentemente proféticas dele, a deixara assustada
e chocada, dando ao que ele falou uma importância sinistra. Será que ele previra que a
morte viria tão rápido? Será que previra outras coisas, que o fizeram querer levar
Gabriela para longe das mãos de lorde Vesey?
Ficara sentada com Gabriela o resto da noite, abraçando a menina enquanto
ela chorava sua tristeza, até que finalmente caiu em um sono agitado. Jessica ficara ao
lado da menina, cochilando um pouco na cadeira de balanço ao lado da cama,
pensando no general e permitindo que suas próprias lágrimas rolassem pelo homem
que fora tão bom com ela, ficando a seu lado quando todo o resto da sociedade a
desprezara. Não chorava por alguém assim desde a morte do pai, dez anos antes.
Na manhã seguinte, revelara para Pierson, o mordomo, as últimas instruções
do general, e ele imediatamente designou duas empregadas para arrumarem as roupas
e outros objetos necessários de Gabriela para a viagem. Ele não teria ignorado as
ordens do general de jeito nenhum, assim como os outros empregados, mas Jessica
podia ver nos olhos dele que concordava com o general sobre a sensatez de afastar
Gabriela de lorde Vesey.
Jessica fora providenciar seus afazeres, cuidando dos preparativos para o
funeral e comunicando a todos que precisavam ser avisados sobre a morte do velho
homem, incluindo lorde Vesey, na hospedaria da aldeia, mesmo que parecesse uma
facada no peito pensar no provável prazer daquele homem repugnante com a notícia.
Escrevera cartas aos amigos do general, contando sobre a morte dele, e outra para o
duque de Cley-bourne explicando a situação, enquanto os outros empregados faziam
os preparativos necessários na casa: colocar panos sobre as portas, virar os espelhos
para a parede, cobrir as maçanetas das portas. Todos os momentos que sobraram,
Jessica os passou com Gabriela, tentando amenizar a dor da nova morte e da
separação.
A menina estava pálida e com os olhos fundos, mas calma, não cedendo às
lágrimas de novo até os últimos momentos do funeral. O coração de Jessica sofria pela
menina. Gabriela passara por mais tristeza do que uma menina de 14 anos deveria
suportar: perder os pais aos oito anos e, agora, perder o homem que fora um avô para
ela, seu único parente vivo, já que não se podia contar com lorde Vesey. Só lhe
restavam Jessica e o estranho que seria seu tutor.
Apesar da tristeza da menina, Jessica sabia que tinha de explicar a ela por que
tinham de partir o mais breve possível. É claro que não explicou a depravação de lorde
Vesey, julgando inadequada para os ouvidos de uma jovem, assim como
excessivamente assustador. Entretanto, não precisou justificar a partida. Assim que
Gabriela soube que iriam embora, para evitar lorde Vesey, ficou ansiosa para partir.
— Eu o odeio — disse Gabriela com veemência. — Sei que é errado. Ele é
mais velho e merece respeito... mas ele me dá arrepios. A forma como me olha... é
como se uma cobra cruzasse meu caminho.
— Eu entendo. É uma analogia adequada — concordou Jessica. — Ele é um
homem cruel. Seu tio-avô também achava isso. Você nunca deve ficar sozinha com
ele. Se ele entrar em um lugar, você sai.
— Farei isso.
No funeral, Leona chorou de forma encantadora. Jessica perguntou-se por
que a mulher se incomodava, já que o general estava morto. Será que tinha esperança
de influenciar o advogado que leria o testamento? Ou será que era simplesmente
incapaz de deixar passar uma oportunidade de chamar a atenção de todos?
A própria Jessica lutou para não chorar, sentando-se ao lado de Gabriela e
segurando sua mão. Sabia que precisava ser forte, para o bem de Gabriela, mas não
podia deixar de se lembrar da bondade que o general Streathern demonstrara para com
ela, até que finalmente não conseguiu mais conter as lágrimas e chorou também,
lágrimas silenciosas escorrendo pelo rosto.
Depois, na sala de visitas formal da casa do general, o advogado dele, sr.
Cumpston, leu o último desejo e o testamento para eles. Jessica não se surpreendeu ao
saber que o idoso deixara a casa e toda sua fortuna para Gabriela, e nada para os
Vesey. Foi o que ele lhe dissera. Entretanto, ficou chocada ao saber que ele deixara
para Jessica sua caixa de madeira marchetada favorita, contendo várias recordações,
assim como uma quantia em dinheiro. Ela fitou o advogado, perplexa, alheia aos
olhares malévolos que os Vesey lhe lançaram. Sabia que não era uma grande quantia,
comparada com a fortuna de Gabriela. Tinha certeza que Leona consideraria isso uma
mera esmola. Mas era suficiente, se fosse investido com sabedoria, para dar a Jessica
uma forma de se sustentar pelo resto da vida. Não precisaria racionar nem poupar, e
nunca mais ficaria dependente dos outros. Significava a libertação da existência
dolorosa e freqüentemente humilhante na qual o escândalo com seu pai a mergulhara,
e seu coração se encheu de gratidão pelo general.
Lorde e lady Vesey, como ela esperara, protestaram contra o conteúdo do
testamento longa e vigorosamente.
— Sou sobrinho dele! — reclamara lorde Vesey. — Tem de haver um engano.
Ele não teria deixado dinheiro para o mordomo, para o criado pessoal e... para ela... —
Apontou de forma insolente para Jessica. —... e nada para um parente!
— É por sua causa! — acrescentou Leona, olhando para Jessica com ódio. —
Acho que todos sabemos por que ele deixou dinheiro para você, não é? O tipo de
serviço que você prestava para o velho...
— Lady Vesey! — exclamou o sr. Cumpston, chocado. — Como pode dizer
isso do general? Ou da srta. Maitland?
— Com muita facilidade — retrucou Leona com desdém. — Não sou uma
camponesa inocente como o senhor.
— Fui amigo do general Streathern por muitos anos — respondeu o sr.
Cumpston. — Eu o conhecia bem, e sei que não havia nada vergonhoso entre ele e a
srta. Maitland. Ele explicou todos os seus desejos para mim.
— Ele foi influenciado por ela! — reclamou Leona, o rosto adorável
contorcido de forma bem menos encantadora. — Por ela e por aquela menina! —
Apontou para Gabriela. — Elas o convenceram a nos excluir.
— Isso mesmo — concordou lorde Vesey. — Influência indevida, foi o que
aconteceu. Ele era idoso e frágil. Provavelmente, não sabia o que estava fazendo.
Levarei isso ao tribunal.
— Muito bem, lorde Vesey — disse o advogado com um suspiro. —
Certamente pode fazer isso. Mas acho que vai simplesmente jogar seu dinheiro fora. O
general estava em plena posse de suas faculdades mentais até ser acometido pela
apoplexia naquele dia, e existem muitas pessoas respeitadas nesta comunidade que
podem testemunhar isso. As testemunhas do testamento foram sir Roland Winfrey e o
nobre sr. Ashton Cranfield, que estavam visitando o general na época. Eles também
podem testemunhar a capacidade do general de saber o que estava fazendo, e acho que
o senhor achará poucos que contestariam a palavra desses senhores.
Lorde Vesey deu um sorriso de escárnio, mas ficou quieto. Jessica não tinha
uma opinião muito boa sobre a inteligência dele, mas suspeitava que até lorde Vesey
perceberia que havia pouca esperança com dois homens tão respeitáveis como
testemunhas contra ele. Leona e ele deixaram a casa logo depois, e Jessica
sinceramente esperava que fosse a última vez que ela e Gabriela os veriam.
Obediente à sua promessa ao general, ela e Gabriela também partiram naquela
tarde, após empacotar as últimas coisas, colocar em um baú a linda caixa de madeira
que o general lhe dera e despedir-se dos empregados da casa com lágrimas nos olhos,
prometendo mandar notícias quando chegassem à casa do novo tutor de Gabriela.
Viajaram a noite inteira, parando apenas para trocar os cavalos em estalagens
no caminho. Ela e Gabriela dormiram da melhor forma que puderam na barulhenta
carruagem, sendo acordadas com freqüência por solavancos e sobressaltos. Embora a
carruagem fosse bem equipada e o mais confortável possível, era uma viagem difícil, e
um alívio sempre que paravam em uma hospedaria para trocar os cavalos e podiam
sair um pouco para esticar as pernas, livres do constante movimento do coche.
Agora que chegavam à fortaleza do duque, na noite seguinte, Jessica ficou
mais uma vez consternada. O castelo não parecia um lugar acolhedor.
— Já chegamos? — perguntou Gaby, puxando a cortina e olhando para fora.
Prendeu a respiração quando viu a sombria estrutura. — Nossa... parece algo saído de
um livro... você sabe, dos romances que o vovô não gostava que eu lesse. Não parece
que tem fantasmas e vilões?
— E pelo menos um monge maluco — acrescentou Jessica secamente,
ficando satisfeita quando a menina soltou um risinho. — Podemos prosseguir?
— Ah, sim. Parece muito interessante.
Jessica sorriu para a menina. Era incrível como Gabriela estava lidando tão
bem com a situação. Jessica tinha certeza que muitas outras moças já teriam tido um
ataque de nervos, devido aos eventos dos últimos dias.
Ela mandou o cocheiro prosseguir e acomodou-se em seu lugar. Esperava que
o duque de Cleybourne não ficasse ofendido pela chegada noturna. Não era a melhor
hora para importunar alguém, mas esperava que ele entendesse a urgência delas. Era
uma pena, pensou ela, que o pai de Gabriela e o general tivessem escolhido alguém
com linhagem e classe social tão altos para ser o tutor da menina. Temia que ele fosse
arrogante a ponto de ser difícil conversar com ele. Jessica fora criada em bons círculos:
o irmão do pai era barão e o pai da mãe, também. Mas havia uma longa distância de
um duque, o título mais alto que alguém podia ter abaixo da realeza. Alguns duques
eram até da realeza. Temia que ele a dispensasse, achando que a educação e o
treinamento de Gabriela não fossem bons o suficiente para um duque. No entanto,
manteve esses pensamentos para si mesma, não querendo preocupar Gabriela.
A carruagem passou pela entrada, parou por um momento, depois atravessou
o pátio. A entrada algum dia fora o muro externo do castelo, supôs Jessica, com
portões enormes que eram fechados à noite, mas nos tempos modernos não havia
mais portões, só a entrada. Do lado de dentro dos muros, havia um pequeno pátio
revestido de pedras. O cocheiro parou em frente aos degraus na frente da casa, depois
desceu para ajudar Gabriela e Jessica a saírem.
A casa era imponente, os degraus de pedra gastos pelo tempo levavam a uma
porta grande de madeira belamente entalhada. Ocultando seus sentimentos, Jessica
subiu a escada, Gabriela logo atrás, e bateu com firmeza à porta da frente, que foi
aberta quase imediatamente por um assustado lacaio.
— Pois não?
— Sinto muito incomodar a uma hora dessas. Sou Jessica Maitland, e esta é
Gabriela Carstairs. Estamos aqui para ver o duque de Cleybourne.
O jovem empregado continuou a encará-las sem expressão.
— O duque? — perguntou finalmente.
— Sim. — Jessica imaginou se o homem não era bom da cabeça. — O duque.
A srta. Carstairs é sobrinha-neta do general Streathern. O pai dela era amigo do duque.
— Ah, entendo. — O lacaio franziu a testa mais um pouco, mas se afastou,
permitindo que elas entrassem. — Sentem-se, por favor, que vou avisar Sua Alteza que
as senhoritas estão aqui.
Jessica percebeu que não havia sido a mais agradável das saudações. Seu
constrangimento aumentou. E se a carta tivesse atrasado e o duque ainda não a tivesse
recebido? Elas tinham viajado muito rápido, e era possível que tivessem passado à
frente da correspondência.
O lacaio saiu por alguns instantes, e quando voltou, foi com outro homem,
mais velho, que veio em direção a Jessica.
— Sinto muito, srta.... Maitland, não é isso? Meu nome é Baxter. Sou o
mordomo. Receio que esta não seja uma boa hora para ver Sua Alteza. Afinal, são
nove horas da noite, um tanto tarde para uma visita.
— Mandei uma carta para ele — disse Jessica. — Ele não a recebeu?
Expliquei as circunstâncias de nossa chegada.
— Eu, ah, não tenho certeza, chegaram cartas, mas não sei se ele as leu ou
não. Parece que Sua Alteza não estava esperando as senhoritas.
— Sinto muito se ele não recebeu a carta. Mas se ele a recebeu e apenas não
leu, seria uma boa idéia se ele fizesse isso agora. Explicará tudo. Sei que deve parecer
estranho, mas realmente preciso vê-lo. Peço que volte e diga que é imperativo que
conversemos. Viajei uma boa distância. Ele é tutor dela.
O homem fitou Jessica de forma um tanto cética.
— Tutor?
— Sim. —Jessica endureceu a voz o máximo que pôde.
O mordomo fez uma reverência e saiu, mas voltou poucos minutos depois,
parecendo desculpar-se.
— Sinto muito, senhorita, mas Sua Alteza está inflexível. Ele não é o tipo de
pessoa que gosta de contatos sociais. Sugeriu que a senhorita procure o administrador
da propriedade, o sr. Williams, amanhã.
— O administrador da propriedade! — A raiva subiu à cabeça de Jessica.
Estava cansada, com sede e com fome, além de suja, pela poeira da estrada. Só queria
se lavar, depois cair na cama e dormir bastante. Era irritante que o duque
detestavelmente orgulhoso não tivesse nem a cortesia de recebê-la. Durante os anos
desde a morte de seu pai ela se acostumara ao menosprezo e à desconsideração, às
pequenas e dolorosas agulhadas de humilhação que os ricos e poderosos
freqüentemente infligiam. Mas eles sempre aumentavam sua ira, e este era muito pior,
porque estava menosprezando Gabriela também.
Olhou para a pupila e viu que o bonito rosto de Gaby estava pálido e
apreensivo. Ela, com certeza, estava preocupada que seu tutor não tivesse simpatia por
ela, que se recusasse a ser seu tutor ou, ainda pior, fosse severo. Ver as mãos de
Gabriela se contorcendo no colo atiçou mais ainda a cólera de Jessica.
— Sinto muito que seja inconveniente para seu patrão vir aqui embaixo para
conhecer uma órfã que foi colocada sob seus cuidados — retrucou Jessica. — Mas
receio que ele não tenha alternativa quanto a isso. Ele é o tutor de Gabriela, não o
administrador da propriedade, e eu desejo falar com ele. Viajamos um dia e meio para
vê-lo, e não tenho nenhuma intenção de voltar para a aldeia a esta hora para conseguir
um quarto na hospedaria.
O mordomo mexeu-se nervosamente sob os olhos cintilantes de Jessica.
— Sinto muitíssimo, senhorita...
— Pare de dizer isso! Apenas me diga onde ele está e eu mesma darei o
recado.
Os olhos do homem arregalaram-se de horror.
— Senhorita! Não, não pode...
Mas suas palavras caíram no vazio, já que Jessica passava por ele, dizendo para
Gabriela:
— Espere aqui, Gaby. Voltarei em um instante.
O mordomo correu atrás dela, agitando as mãos com nervosismo.
— Mas a senhorita não pode... Sua Alteza não está recebendo. Já é muito
tarde.
— Sei bem que horas são. E, francamente, não me importo se Sua Alteza está
recebendo ou não. Tenho a intenção de falar com ele e não sairei desta casa até que
faça isso — disse Jessica enquanto atravessava o enorme salão central além das
escadas. — Suas únicas opções são me dizer onde ele está ou deixar que eu grite por
ele — informou ela por sobre o ombro.
— Gritar? — Parecia que o homem ia desmaiar de horror com a idéia. —
Srta. Maitland, por favor...
— Olá? — chamou Jessica em voz alta, colocando as mãos em volta da boca.
— Estou procurando o duque de Cleybourne.
O mordomo ofegava atrás dela.
— Não! Senhorita, não deve fazer isso, não é certo.
— E é certo um homem ignorar suas obrigações com um amigo morto, dizer
para uma menina de 14 anos de idade que acabou de perder todas as pessoas de quem
gostava que ela deve voltar para passar a noite em uma hospedaria e conversar depois
com o administrador da propriedade? Posso ser inconveniente, mas não sou cruel.
Ela foi em direção ao corredor principal, que levava ao salão central, gritando
de novo:
— Cleybourne!
No final do corredor, uma porta se abriu e um homem saiu. Era alto, com
cabelo preto grosso e desgrenhado e olhos quase tão escuros quanto o cabelo. As
maçãs do rosto eram grandes e pronunciadas, o maxilar, firme, e as bochechas,
encovadas. Vestia calças e camisa, sem paletó nem gravata, e o botão de cima da
camisa estava aberto. Olhou através do corredor para Jessica.
— Que diabos está acontecendo aqui? Quem está fazendo essa algazarra?
— Eu estou — respondeu Jessica, andando em direção a ele com firmeza.
— E quem é você?
—Jessica Maitland, cuja mensagem o senhor ignorou.
— Sinto muito, Alteza. — O mordomo correu em direção a ele, ofegante.
— Não se preocupe, Baxter. Posso cuidar disso sozinho. — O homem
oscilou um pouco, colocando a mão no batente da porta para se equilibrar.
— O senhor está bêbado! — exclamou Jessica.
— Não estou, não — contestou ele. — De qualquer forma, minha sobriedade
não é da sua conta, srta. Maitland. Ainda não estou disponível para qualquer debutante
que chegue com uma mãe ambiciosa e queira se alojar na minha casa. Desde que o
tolo do Vindefors se casou com a menina que se alojou em sua casa depois de um
acidente, toda mãe avarenta está tentando imitá-la.
— Não faço idéia do que o senhor está falando — disse Jessica com
impaciência. — Mas não tem nada a ver comigo ou com meu objetivo aqui, como o
senhor saberia se tivesse escutado o que seu mordomo disse.
O homem levantou as sobrancelhas. Jessica tinha certeza que ele estava
acostumado a não escutar o que o mordomo dizia ou teria contestado, dada sua
posição.
— Sinto muito — disse ele de forma fria.
— Deveria mesmo — replicou Jessica. — A srta. Carstairs e eu fizemos uma
viagem longa e difícil, e é demais escutar que devemos sair e procurar uma hospedaria
a esta hora da noite.
— Pode-se dizer que é demais esperar que um estranho acolha alguém a esta
hora. — O duque cruzou os braços, en-carando-a. — E quem é a srta. Carstairs?
— Ela é filha de um homem que o considerava um amigo — respondeu
Jessica. — Um amigo tão bom que o nomeou tutor dela.
Cleybourne deixou os braços caírem e encarou-a.
— Roddy? Roddy Carstairs? Está dizendo que a filha de Roddy Carstairs está
aqui?
— É exatamente o que estou dizendo. Não recebeu minha carta? Ou
simplesmente não se incomodou em lê-la?
Ele piscou, depois disse:
— Que diabo!
Ele virou e entrou no cômodo do qual saíra. Jessica seguiu-o. Era um
escritório decorado com masculinidade em tons de marrom e bronze, com cadeiras de
couro, uma escrivaninha maciça e paredes de madeira escura. Havia um fogo baixo na
lareira, a única luz no ambiente além do lampião em cima da escrivaninha. Uma
decantadeira e uma taça estavam na escrivaninha, testemunhas silenciosas do que o
duque estava fazendo no escritório mal iluminado. No canto na escrivaninha, havia
uma pequena pilha de cartas.
Cleybourne mexeu nelas e puxou uma. A caligrafia de Jessica enfeitava a
frente, e ela continuava selada. Ele quebrou o selo e abriu-a, aproximando o papel do
lampião para ler.
— Posso dizer o que a carta diz. Sou a governanta da srta. Carstairs, Jessica
Maitland, e o tio-avô dela, general Streathern, faleceu alguns dias atrás, deixando a
menor de idade totalmente órfã. Como o senhor foi nomeado no testamento do pai
dela como seu tutor se o tio faltasse, o general achou que o senhor era o homem
apropriado para se tornar tutor dela após sua morte.
O duque praguejou baixinho e jogou a carta de Jessica na mesa. Olhou para
ela de novo, ainda com a testa franzida.
— A senhorita não parece com nenhuma governanta que eu já tenha visto.
A mão de Jessica foi instintivamente até o cabelo. O cabelo ruivo e
encaracolado tinha vontade própria, e, independentemente de quanto ela tentasse
domá-lo em um coque que fosse adequado a uma governanta, ele conseguia se soltar
de alguma forma. Agora, ela percebia, após a longa viagem na carruagem, que parte
dele estava solta do coque e contornava-lhe o rosto com cachos selvagens vermelhos
como fogo. O chapéu também estava fora do lugar. Sem dúvida, estava um horror.
Constrangida, puxou o chapéu e tentou endireitar o cabelo, procurando um grampo
para prendê-lo, e o resultado foi que mais cabelo caiu-lhe sobre os ombros.
Os olhos de Cleybourne foram involuntariamente para a cascata brilhante de
cabelo, brilhando sob a luz do lampião, e algo se contraiu em seu abdômen. Os
cabelos dela fariam um homem querer mergulhar as mãos neles, o que não era o tipo
de pensamento que Richard normalmente tivesse sobre uma mulher.
Desde a morte de Caroline, ele se trancara e se afastara do mundo, evitando
principalmente a companhia de mulheres.
O som musical das gargalhadas, o toque dourado da luz de uma vela sobre os
ombros femininos nus, o sopro do perfume... tudo fazia com que se lembrasse do que
tinha perdido, e ficava enraivecido sempre que olhava para elas. A única mulher que
via com regularidade, além das empregadas, era a irmã da esposa, Rachel. Talvez ela
fosse a mais dolorosa de se ver, entre todas as mulheres, já que se parecia muito com
Caroline: alta, com cabelo escuro, olhos verdes como grama, mas ele gostava demais
dela para evitá-la, e era a única pessoa em todo o mundo que compartilhava sua
tristeza.
Mas nunca, em quatro anos, desde a morte de Caroline, ele olhara para uma
mulher e sentira uma pontada de puro desejo. Ah, houve vezes em que sentira as
necessidades naturais de um homem, mas foram apenas questões de instinto e da
quantidade de tempo que tinha se passado desde que experimentara o prazer do corpo
de uma mulher. Não tinha sido despertado por causa do cabelo ou das curvas do
ombro ou do som da voz de uma mulher em particular.
Parecia absurdo sentir isso agora, com essa governanta megera. Meu Deus, ela
era bonita, viva e diferente, com olhos surpreendentemente azuis e pele pálida e macia,
e a cascata selvagem de cabelo... e sua imagem alta e escultural não conseguia ser
completamente apagada pelo vestido simples e escuro que usava. Mas também era
ruidosa, estridente e completamente sem modos. Ele não sabia se já tinha visto uma
mulher com modos menos femininos.
Não a queria em sua casa, nem ela nem a menina, de quem ela dizia que ele
era tutor. Ele viera para cá para terminar seus dias neste lugar onde a vida parou
quatro anos antes, embora o coração continuasse a bater. Como poderia fazer isso
com essa mulher e uma menina boba em casa com ele?
— Como posso saber que isso é verdade? — perguntou ele abruptamente. —
Que provas a senhorita tem?
Jessica tentara sem sucesso prender o cabelo em um nó, mas finalmente
deixou isso de lado. Ela se empertigou com as palavras dele.
— Eu detestaria ser tão desconfiada quanto o senhor — disse ela de forma
sarcástica. — Primeiro, o senhor supõe que somos algum tipo de caçadoras de marido
e agora duvida que realmente é tutor de uma pobre menina órfã.
— As pessoas aprendem a desconfiar quando passam por experiências difíceis
— disse Cleybourne simplesmente. — Então? Se sua história é verdadeira, deve haver
provas.
— Claro que há provas. — Jessica colocara o testamento e a carta do general
dobrados no bolso quando saiu da carruagem, e agora os pegou, entregando-os ao
duque. — Aqui está o testamento do general e uma carta que ele escreveu para o
senhor, explicando as circunstâncias. Não tenho, porém, uma cópia do atestado de
óbito dele comigo, se duvida que ele realmente esteja morto.
Cleybourne apertou os lábios e pegou os papéis dela. Seus olhos passaram
pelo testamento até encontrar a cláusula que o nomeava tutor da sobrinha-neta do
general Streathern, Gabriela Carstairs, filha de Roderick e Mary Carstairs. Ele suspirou,
dobrando o testamento. Pobre Roddy. Lembrava-se bem de quando o amigo e a
esposa morreram, ambos abatidos por uma febre letal que varrera o Sul da Inglaterra
naquele ano. A jovem filha deles sobrevivera apenas porque o médico insistira que ela
e a babá ficassem isoladas no quarto da menina, sem visitar os pais.
Ele abriu a carta e leu, apertando os olhos para decifrar os rabiscos de um
homem idoso e doente. Em determinado ponto, ele exclamou:
— Vesey é o único parente vivo dela! Meu Deus!
— Exatamente. —Jessica ficou aliviada com a reação dele ao nome de Vesey.
Da forma como vinha agindo, ela temera que ele decidisse entregar Gabriela ao lorde
Vesey em vez de ele mesmo se envolver com ela. — O general tinha medo que lorde
Vesey tentasse tirar a tutela dela do senhor... só não sei exatamente como. Foi por isso
que ele insistiu que partíssemos imediatamente após a leitura do testamento e
viéssemos diretamente para cá. Foi uma viagem longa e exaustiva. Gabriela está muito
cansada.
— Sim, claro. — Os olhos dele estremeceram, e ele percebeu pela primeira
vez os círculos escuros de exaustão e preocupação embaixo dos olhos dela. — A
senhorita também, posso imaginar. — Suspirou e colocou os documentos na
escrivaninha. — Bem, não há nada a fazer a não ser hospedá-las aqui, claro. — Ele
parou, depois acrescentou formalmente: — Desculpe-me pela recepção quando
chegou. Não tinha idéia de quem a senhorita era. Eu... todo mundo pode lhe dizer que
não sou um homem sociável.
Jessica pensou em responder que isso não era nenhuma novidade para ela,
mas segurou a língua. O homem podia ser esnobe e rude, mas não queria ofendê-lo
tanto para que não tirasse Gabriela de seus cuidados. Ela engoliu o orgulho e disse:
— Obrigada, Alteza. Estamos em débito com o senhor.
— Mandarei Baxter acomodá-las para a noite.
— Obrigada. —Jessica foi em direção à porta, então parou e virou-se para ele.
— Eu... suponho que o senhor queira conhecer sua pupila. Devo trazê-la aqui?
— Não! — A resposta dele foi rápida e inflexível, e o rosto, que tinha de
alguma forma relaxado, de repente ficou duro como pedra. Aparentemente, ele
percebeu a grosseria da resposta, então acrescentou: — Quero dizer, acho que seria
melhor se não fosse agora. Tenho certeza que a srta. Carstairs está um tanto cansada
da viagem. Conhecer-me seria apenas mais um fardo desnecessário para ela.
Jessica encontrou os olhos dele por um longo momento sem vacilar.
— Muito bem — disse ela em voz baixa. — Até amanhã, então.
— Até amanhã.
Ela virou e foi para a porta, passando por Baxter, que estava esperando,
preocupado, no corredor. Escutou o duque chamar o mordomo enquanto voltava
para o hall de entrada, com a cabeça fervendo. Achava que o homem podia ter feito a
cortesia de pelo menos conhecer a nova pupila! A mera educação levaria a maioria das
pessoas a cumprimentá-la, mesmo que não esperassem ou quisessem ter tal fardo em
cima dos ombros.
Viu que Gabriela estava esperando por ela, sentada sozinha no banco de
mármore perto da porta da frente. O lacaio estava parado a poucos metros dela, quase
como se fosse um guarda-costas. Gabriela estava balançando os pés, arrastando-os no
mármore de uma forma que, em circunstâncias normais, Jessica teria chamado sua
atenção. Mas, do jeito como as coisas estavam, só conseguia pensar em como Gabriela
parecia magra, jovem e perdida, e seu peito se apertou com compaixão.
— Gabriela.
A menina virou-se, levantando os pés com apreensão. Jessica sorriu para ela.
— Está tudo esclarecido agora — disse ela com toda alegria e confiança que
conseguiu reunir. — O duque ainda não tinha lido minha carta, por isso não estava
entendendo por que estávamos aqui. Você sabe, foi tudo feito com tanta pressa...
— Claro. Mas agora está tudo bem? — O rosto de Gabriela se iluminou. —
Ele quer que fiquemos?
— Claro. —Jessica omitiu a relutância do homem em concordar que elas
ficassem. Por mais que não gostasse dele, não queria influenciar os sentimentos da
pupila em relação a ele.
— Ele lembrou de seu pai com afeto e pesar. Acho que foi apenas pego de
surpresa, sem esperar que tivesse acontecido alguma coisa ao general.
— Vou conhecê-lo agora? — Gabriela sacudiu a saia e começou a se
endireitar.
— Não, acho melhor esperarmos para isso. Ele mostrou muita consideração e
achou que você devia estar muito cansada para conhecer alguém agora. Amanhã será
muito melhor.
— Ah. — O rosto de Gabriela apagou. — Bem, acho que seria melhor
mesmo conhecê-lo quando eu estiver com uma aparência melhor. — Parou, depois
continuou, curiosa: — Que tipo de homem ele é? Como ele é? Alto, baixo, bondoso...?
— Na aparência, ele é bonito — admitiu Jessica, afastando os outros
pensamentos, menos positivos. — É alto e moreno.
— Pensou nele, o pescoço moreno à mostra onde a camisa estava
desabotoada, a largura dos ombros e do peito, não devendo nada a paletós com
ombreiras que alguns homens usavam, os penetrantes olhos escuros, a saliência das
maçãs do rosto. — Bem, é o tipo de homem que chama atenção.
— Então ele tem a aparência que um duque deve ter?
— Ah, sim.
— Que bom. Estava com medo que ele fosse baixinho e gor-dinho. Você
sabe, aqueles que têm dedos que parecem salsichas com anéis.
Jessica teve de rir.
— Isso é pouco provável no duque de Cleybourne.
— Fico feliz. E ele é agradável? Quero dizer, não é arrogante?
— Ele não pareceu fazer cerimônia — disse Jessica com cuidado. Não queria
descrever a recepção fria ou a aceitação relutante, mas também não queria pintar um
quadro muito positivo para Gabriela não se decepcionar profundamente quando o
conhecesse. — Pelo tipo de homem que é, acho que devemos esperar para conhecê-lo
melhor. Afinal, é difícil determinar em um encontro tão rápido.
— Sim. Claro. — Gabriela assentiu. — Poderei dizer muito mais quando
conhecê-lo amanhã.
— Claro. — Certamente, pensou Jessica, o duque estaria com um humor
melhor na manhã seguinte. Pensaria na carta do general e em seu velho amigo
Carstairs, e já teria aceitado a situação, talvez estivesse até satisfeito com a idéia de
criar a filha de Carstairs. Ele não seria tão rude ao ponto de não convidar Gabriela
para ir a seu escritório para uma primeira conversa.
Elas não tiveram de esperar muito até o mordomo vir procurá-las. Jessica
ficou satisfeita em ver que o homem fez uma reverência não apenas educada, mas com
certa ansiedade, como se estivesse feliz em dar as boas-vindas à menina.
— Srta. Carstairs. Meu nome é Baxter. Sou o mordomo de Sua Alteza. Estou
encantado em conhecê-la. Lembro-me muito bem de seu pai. Era um homem bom.
O rosto de Gabriela se iluminou com um sorriso.
— Obrigada.
— As empregadas já arrumaram seus quartos. Sinto muito que estejamos tão
malpreparados para a visita. Mas espero que tudo esteja ao agrado das senhoritas.
— Tenho certeza que estará — respondeu Gabriela com outro sorriso
estonteante, e o rosto do velho homem suavizou-se ainda mais.
Ele as levou até os quartos, que eram afastados, longe dos outros, nos fundos
da casa, no terceiro andar. Era um conjunto grande e alegre de cômodos, com uma
sala central de estudos bem grande e três quartos menores.
O quarto de Gabriela era muito bonito, mas um pouco infantil para ela, com
uma colcha bordada amarela e dossel de renda sobre a cama, e papel de parede com
rosas amarelas. Havia uma cadeira de balanço ao lado da cama, assim como uma
cômoda, uma mesa e cadeiras brancas.
O quarto de Jessica, ao lado do de Gabriela, era muito mais austero, com
apenas uma pequena cômoda de carvalho para as roupas e uma cama estreita, também
de carvalho, mas Jessica não esperava nada mais. Quartos de governantas, em geral,
não eram nem grandes nem acolhedores. Pelo menos, este tinha uma pequena lareira,
o que não fora o caso em nenhuma casa em que Jessica ficara.
Assim que colocou os olhos sobre a cama, sentiu o cansaço tomar conta, e
tudo que conseguiu fazer foi lavar o rosto e vestir a roupa de dormir. Finalmente, com
um suspiro agradecido, acomodou-se entre os lençóis e fechou os olhos.
Amanhã será melhor, repetiu para si mesma, e adormeceu, pensando no
impertinente duque.
Capítulo 3
Lady Leona Vesey cruzou os braços e olhou para o marido como se ele fosse
um rato que acabara de entrar na sala. Estavam sentados na sala de estar da suíte no
Grey Horse Inn no início da tarde, esperando o almoço ser trazido. Leona já estava
cansada do serviço incerto e das instalações simples de uma hospedaria de aldeia.
Como se isso não fosse irritante o suficiente, lorde Vesey acabara de lhe contar que
iam voltar para a casa do general.
— Você ficou louco? — perguntou ela com uma voz sarcástica, o tom
mostrando que já tinha a resposta para a pergunta. — Por que diabos íamos querer
voltar para a casa do general... Sinto muito, devo dizer a casa daquela bastarda? Não
tenho vontade alguma que batam a porta na minha cara.
O marido lançou um olhar mal-humorado para ela. Passara a noite após a
leitura do testamento do general confortando-se com uma grande garrafa de vinho do
Porto e, como conseqüência, esta tarde sua língua parecia estar coberta de pêlos e a
cabeça povoada por um exército de minúsculos gnomos martelando.
Lorde Vesey não gostava da esposa a maior parte do tempo. Neste momento,
estava deliciando-se com visões em que colocava as mãos em volta do pescoço dela e
apertava até seus olhos saltarem para fora.
— Não vão bater a porta na nossa cara.
— Seu cérebro, obviamente, não está funcionando por causa do vinho. Não
se lembra? O general nos colocou para fora.
— Sim, você conseguiu que isso acontecesse — concordou lorde Vesey.
— Eu? — perguntou Leona, arregalando os olhos. — Eu consegui? Você era
sobrinho-neto do homem. Foi você quem fez ele desconfiar de você.
— Ah, mas você deveria saber como enrolar um velho de olhos fechados.
Lembra? — Vesey sorriu cruelmente enquanto recordava das confiantes palavras da
esposa quando souberam que o general Streathern estava em seu leito de morte.
Pessoalmente, lorde Vesey nunca admirara a aparência da esposa. Casara-se
com ela por ser a única mulher no reino que era indiferente a seus pequenos pecados e
que ficava até feliz em deixá-lo seguir seu próprio caminho... contanto que ela também
pudesse seguir o dela. Outros homens faziam de tudo para aproximar-se dos seios
volumosos de Leona, mas ele achava tal luxúria grotesca. Preferia uma silhueta esbelta,
flexível... como a da menina Gabriela. Inconscientemente, passou a língua pelos lábios
ao pensar nela. Além do mais, Leona estava velha demais. Era o doce viço da
juventude que ele preferia, e não havia nada melhor do que ser o primeiro a pegar a
fruta.
Ele apreciou tanto o olhar de contrariedade de Leona que continuou:
— Esta é a segunda vez, você sabe. Primeiro, você arruinou o caso com
Devin no último verão, e agora nem conseguiu despertar o interesse de um velho.
Minha querida, temo que esteja perdendo seu jeito. Ou é a idade que está chegando,
não acha?
Os olhos de Leona foram tomados por chamas e o rosto se contorceu em
uma careta. Queria pular sobre ele, com as garras para fora, e machucá-lo. Mas sabia
que Vesey era tão covarde que provavelmente começaria a gemer e a gritar, e alguém
viria correndo. Seria muito constrangedor deixar que todos da hospedaria vissem a
criatura desprezível que seu marido era. Então, contentou-se em dizer:
— Como se você soubesse o que um homem de verdade deseja! Você não
passa de um degenerado!
— Meu Deus, pensar que você conhece tal palavra! — Vesey arregalou os
olhos de forma zombeteira. — Tem se deitado com algum homem das palavras?
Leona zombou dele. Vesey mal era um homem. Fora para sua cama umas
poucas vezes, no início do casamento, em uma frágil tentativa de fazer um herdeiro,
como se algum deles se importasse com isso! Ela logo esclarecera o assunto. Não tinha
nenhuma intenção de ficar gorda com o filho de ninguém, e esforçava-se para impedir
que isso acontecesse. Ela considerara a noite de amor deles patética, nada parecida
com a paixão que Devin lhe proporcionava. Até hoje, seus olhos brilhavam ao pensar
nas habilidosas carícias dele. Nenhum outro homem fora capaz de fazê-la gemer e
estremecer como Dev, e nesses últimos meses vinha sentindo muito a falta dele. Não
importava com quantos homens, de lordes a trabalhadores, ela tentara substituí-lo,
nenhum provara ter a energia ou a habilidade dele... uma mente criativa.
O que mais doía era o fato de que Vesey estava certo. Ela realmente arruinara
a coisa toda com Devin. Superestimara seu poder sobre ele. Fora ela quem sugerira
que ele se casasse com a herdeira americana. Mas como poderia saber que a mulher
pálida e socialmente desastrosa ficaria linda? Em vez de Devin pegar o dinheiro da
mulher e gastar com Leona em sua busca pelo prazer, ele sossegara com ela na
estúpida propriedade que tinha em Derbyshire, e Leona fora deixada sem nenhum
tostão e sexualmente frustrada. Tudo isso a deixara com um mau humor permanente.
— Isso não importa agora — disse ela, irritada. — Não recebemos nada no
testamento do general, e o melhor que podemos fazer é voltar para casa. Mal posso
esperar para me ver longe daqui. Não entendo como alguém consegue suportar viver
no campo.
— Ah, mas teremos a chance de ganhar alguma coisa, minha querida... muita
coisa, na verdade, se tivermos a coragem de aproveitar o momento.
— Aproveitar que momento? Do que está falando? Vesey suspirou
exageradamente.
— Você realmente é tão pouco sagaz? Podemos ter sido enganados em nossa
herança, mas Gabriela só tem 14 anos. Sua fortuna será administrada pelo tutor. Se eu
fosse o tutor dela, teríamos uma grande quantia à nossa disposição. E eu estou
bastante disposto a me oferecer para... hum, cuidar para que a menina tenha uma
educação apropriada.
Leona revirou os olhos.
— Você é um porco, Vesey. Além disso, é estúpido. Ela já tem um tutor. E o
duque de Cleybourne não é um homem com quem você queira cruzar.
Vesey deu de ombros.
— Você está pensando no duque como ele era. A verdade é que, nos últimos
quatro anos, ele tem sido uma sombra do que era. Você sabe que ele ficou recluso
depois que a esposa morreu. Acha que alguém assim receberá uma adolescente em
casa? Ele não precisa do dinheiro dela, é muito rico. Além disso, é nobre demais para
pensar em usar o dinheiro dela em benefício próprio. Não, ela será apenas um
aborrecimento para ele, e estou disposto a apostar que ele ficará feliz em passar esse
fardo para outra pessoa.
— Não se esse alguém for você.
— Não estou dizendo que eu seria a primeira escolha de Cleybourne. Nunca
fomos amigos... ele é muito chato. Mas, se eu já estiver na casa, digamos, em posse da
menina, e ele vir que será uma batalha na justiça recuperar a guarda dela, bem, será
muito mais fácil deixar que eu seja o tutor.
— O que o faz pensar que estará com a posse da menina? Eles não vão nos
deixar nem entrar.
— Leona, quem vai nos impedir? Os empregados não terão coragem de
impedir minha entrada. O velho está morto agora, afinal. Eles não têm mais a
autoridade do general por trás deles. Não ousarão dizer não para um lorde,
principalmente porque sabem que, se a menina não chegar à maioridade, eu herdarei
tudo como único parente vivo. Acredite em mim, eles não arriscariam me ofender.
— A menina pode dizer para eles não nos deixarem entrar.
— Uma menina de 14 anos? Ela não teria coragem nem esperteza.
— A governanta dela é uma fera.
— Pode ser, mas é apenas uma governanta. Também não fará frente a um
lorde. Quando eu aparecer na porta, eles não saberão o que fazer, exceto recuar e me
deixar entrar. Estando na casa e com a menina sob controle, estaremos em vantagem.
Vou apelar para ser nomeado tutor dela. Como único parente vivo, tenho uma boa
causa e, além disso, não acho que Cleybourne contestará. Por que ele se importaria?
Nem conhece a menina.
Leona olhou para o marido, em dúvida. A coisa toda era bem menos certa do
que Vesey fazia parecer. Por outro lado, estavam à beira da ruína financeira. De fato, já
estavam deslizando ribanceira abaixo há algum tempo. Seus credores estavam ficando
cada vez mais insistentes, e a última vez que Leona fora a uma costureira, a maldita
mulher simplesmente se recusara a fazer outro vestido até que Leona pagasse sua
dívida. Qualquer possibilidade de aliviar a situação deles valeria a pena.
—Tudo bem — concordou ela. — Vamos para a maldita casa. Pelo menos, se
eles baterem com a porta na nossa cara será divertido.
Houve uma batida à porta e, sem esperar por permissão para entrar, o dono
da hospedaria abriu-a e entrou no cômodo, carregando uma grande bandeja.
— Boa tarde, meu lorde. Minha lady. Aqui está o almoço.
A esposa dele veio atrás, carregando outra bandeja, e juntos eles arrumaram
toda a comida na mesa. Leona olhou para a comida farta mas tinha certeza que era
simples como todas as refeições que fizeram na hospedaria nos últimos dias. Nunca,
pensou, apreciara tanto sua cozinheira de Londres.
— Ah, Sims, peça que tirem minha carruagem depois que comermos. Eu e
lady Vesey vamos nos mudar para a casa do general.
— Claro, meu lorde. Vão até lá para resolver tudo, certo? Garanto que eles
ficarão felizes em vê-los depois do ladrão na noite passada.
— Ladrão? — Vesey olhou perplexo para o dono da hospedaria. — Do que
está falando?
— Ora, na casa do general, meu lorde. Achei que o senhor soubesse. Achei
que era por isso que estava indo para lá, para garantir que a casa esteja segura.
— O que aconteceu?—perguntou Leona. — O que roubaram? Sims balançou
a cabeça robusta.
— Aí que está. Não levaram muita coisa. Quebraram o cofre e espalharam as
coisas que estavam dentro, mas Pierson não sabia exatamente o que o general
guardava ali. Acham que sumiram algumas jóias. Abriram todas as gavetas na
escrivaninha do general e mexeram em todos os papéis... o senhor sabe, o testamento
do general, e todos os tipos de papéis de negócios. Quebraram algumas coisas. O lugar
está uma bagunça, foi o que meu sobrinho me disse. Ele foi fazer uma entrega lá, e a
cozinheira contou. Ele disse que o mordomo quase teve um ataque de nervos ao ver
aquilo. O general ainda nem esfriou na cova.
Ele suspirou de forma lúgubre.
— Isso é triste. Não respeitam mais os mortos. Bem, pelo menos a menina
estava bem longe de lá. Imaginem como ela teria ficado assustada.
— Bem longe? — repetiu lorde Vesey com a voz abafada.
— Ora, sim. — O homem olhou diretamente para Vesey. — O senhor não
sabia? A jovem lady e sua governanta partiram ontem à tarde, após o funeral. Foram
para a casa do tutor, parece que algum duque em Yorkshire. Achei que soubessem de
tudo isso.
— Sim, claro. Estava apenas distraído com sua história. Sei muito bem disso.
Ela foi para o castelo Cleybourne.
— Isso, é esse o lugar. — O dono da hospedaria assentiu. Afastou-se da mesa,
dando um sorriso simpático para lorde Vesey. — Bem, aqui está, meu lorde. Tenham
uma boa refeição.
— O quê? Ah, sim, claro.
— E pedirei que peguem a carruagem.
— Ah, sim, faça isso.
O dono da hospedaria seguiu a esposa para fora do quarto, fechando a porta,
e Vesey mergulhou na cadeira com um suspiro. Leona olhou fixamente para ele com
um sorriso malicioso.
— Eu diria que isso leva todos os seus planos por água abaixo — disse ela
sem nenhuma compaixão.
— Que inferno! O que fez aquela menina sair correndo para Cleybourne
dessa forma?
— Hummm. Talvez ela soubesse o que você estava planejando.
— Que absurdo! — Vesey, que se considerava bem esperto, lançou um olhar
irado para a esposa. — Nem eu mesmo sabia do plano até alguns minutos atrás. Como
ela poderia saber?
Leona deu de ombros.
— Bem, independentemente do que tenha acontecido, você não conseguiria
pegá-la agora. Pelo menos, vamos poder voltar para Londres.
Ela foi até a mesa e olhou para a comida. Vesey continuou na cadeira,
mordendo o lábio inferior de modo pensativo.
— Talvez não... — disse ele após um momento, levantan-do-se e dando uma
volta ao redor da mesa, parecendo satisfeito consigo próprio.
— Do que está falando? — perguntou Leona, mal-humorada. — Não voltar
para Londres? Espero que não esteja mais pensando em ir até a casa do general.
— Não. Principalmente com pessoas entrando e saindo, pegando coisas.
Estava pensando em ir para Yorkshire.
Leona encarou-o.
— Não pode estar falando sério. Yorkshire? Cleybourne? Acha que pode
arrancar a menina do duque?
— Arrancar? Claro que não. Não seja ridícula. Mas perguntar não fará mal
nenhum. Como disse antes, qual a utilidade que aquela menina tem para Cleybourne?
Ele, provavelmente, adoraria se livrar dela. Como vamos passar por lá a caminho de
Londres...
— Um pouco fora do caminho, não acha? Vesey afastou com a mão a
objeção.
— Eu poderia me oferecer para tirar a menina dele. Parente de sangue. Ele
pode ficar convencido com o raciocínio.
— Sinceramente, duvido disso. — Leona acreditava pouco na capacidade de
seu marido em convencer alguém. — Cleybourne sempre foi do tipo honrado, não um
puritano como Westhampton, claro. Ele gostava de se divertir antes de se casar com a
irmã de Dev, mas o casamento acabou com ele. — Ela parou, parecendo pensativa. —
Mas tem vivido como monge desde que Caroline morreu.
Vesey olhou para ela.
— Do que está falando?
— Bem... talvez ele não esteja imune a um pouco de persuasão feminina.
Quanto tempo faz desde que Caroline morreu... três, quatro anos? É muito tempo.
Não ouvi nenhum boato de que ele estava tendo um caso com alguém, nada.
Lorde Vesey sorriu.
— Você acha que ele está pronto para ser agarrado?
Os olhos dourados de Leona estavam brilhando de expectativa.
— Um viúvo solitário... noites de inverno em volta de uma lareira
aconchegante... é um alvo muito fácil para alguém com meus talentos.
Quanto mais pensava nisso, mais Leona gostava da idéia. Cleybourne era um
homem bonito, alto, com ombros largos e rico. Seduzi-lo e levá-lo para a cama não
seria nenhum sacrifício para ela, e seria prazeroso ter um novo e indulgente amante.
Ela não sabia se ele entregaria a menina para Vesey, mas isso era secundário para
Leona. O mais importante era a perspectiva de conseguir um amante apaixonado para
mimá-la com presentes caros.
— Não sei, Leona — advertiu Vesey. — Ele é amigo dos Aincourt, e você
sabe o que eles pensam de você.
Os olhos de Leona brilharam.
— Não me importo se ele é íntimo da repugnante lady Westhampton. Ela é
irmã de Dev e isso nunca o manteve longe da minha cama. Confie em mim, algumas
horas com Cleybourne e ele estará correndo atrás de mim. Alguns dias e ele estará
disposto a me dar o que eu quiser.
Lorde Vesey sorriu.
— Bem, então, coma, e partiremos para Yorkshire.
Jessica acordou na manhã seguinte com o humor muito melhor. Uma boa
noite de descanso geralmente era o melhor antídoto para os medos e as dúvidas de
alguém. Olhando pela janela do quarto para os campos de Yorkshire, cobertos pela luz
fraca do sol de inverno, ela acreditou nas palavras tranqüilizadoras que dissera para
Gabriela na noite anterior. Tinha certeza de que, esta manhã, o duque de Cleybourne
seguiria o caminho honrado e aceitaria ser tutor da menina e daria boas-vindas a ela.
Ele apenas fora pego de surpresa.
Jessica tomou o café-da-manhã com Gabriela, conversando sobre como
explorariam a casa naquele dia. Mais tarde, naquela manhã, quando um empregado
veio à suíte com um chamado do duque, ela o seguiu até o andar de baixo com um
passo lento.
O lacaio levou-a ao mesmo escritório em que ela conversara com Cleybourne
na noite anterior, depois fez uma reverência e saiu do cômodo, fechando a porta. O
duque de Cleybourne estava sentado atrás de sua mesa maciça, vestido de modo mais
formal do que na noite anterior, usando paletó e gravata branca. Levantou-se quando
ela entrou e, com um gesto, indicou-lhe uma cadeira em frente à escrivaninha.
— Srta. Maitland.
— Sua Alteza.
— Por favor, sente-se.
Ao olhar para o rosto dele, parte do bom humor de Jessica evaporou-se. À luz
do dia, ele estava tão bonito quanto parecera na noite anterior, à luz fraca da vela, mas
a expressão estava ainda mais implacável. Perguntou-se, rapidamente, se o homem
sabia sorrir.
— Pensei muito nesta situação — começou Cleybourne com um tom de voz
pesado. — E cheguei à conclusão de que não seria bom para a srta. Carstairs ser
minha pupila.
Jessica ficou tensa, e suas mãos seguraram o braço da cadeira, como para se
prender a ela.
— Sinto muito. Talvez eu tenha entendido mal. Está dizendo que vai nos
mandar embora? O senhor deixará Gabriela nas mãos de Vesey?
Estava pensando em mil coisas ao mesmo tempo enquanto falava, pensando
em como poderia fugir com Gabriela antes que ele entregasse a menina para Vesey.
Para onde poderia ir? Como poderia protegê-la?
Cleybourne corou, e seus lábios se apertaram.
— Meu Deus, não, não tenho a intenção de entregá-la para aquele canalha!
Como pode perguntar isso?
— Como não? — respondeu Jessica acaloradamente. — Não sei nada sobre o
senhor, exceto que se recusa a ser o tutor dela.
— Não é exatamente isso. É apenas que... bem, quando o pai dela escreveu o
testamento, as circunstâncias eram diferentes. Minha esposa ainda estava viva e
minha... — Ele parou de forma abrupta e ficou de pé, empurrando a cadeira para trás.
— Mas minha casa é de solteiro hoje em dia, srta. Maitland — continuou, afastando-se
dela. — Não é um bom lugar para uma jovem. Ela precisa de uma mulher guiando-a,
alguém que possa planejar seu debute e apresentá-la à sociedade, ensinar-lhe todas as
coisas que uma menina prestes a se tornar mulher precisa saber. Eu estaria
completamente perdido em relação a qualquer uma dessas coisas.
— Ela tem a mim, senhor — disse Jessica, ficando de pé também. — Posso
ser apenas uma governanta, mas tive meu debute em Londres. Fui criada como
Gabriela deve ser criada. E quando chegar a hora de ela debutar, o senhor, com
certeza, tem alguma parente: irmã, mãe ou tia, que esteja disposta a guiá-la através das
águas da sociedade de Londres.
— Soluções improvisadas, srta. Maitland — disse ele em um tom de voz mais
articulado, encarando-a do outro lado da mesa. — Não tenho dúvidas de que é
excelente professora.
Entretanto, ela precisa de mais do que isso. Ela deve ter a companhia e a
liderança de uma mulher mais velha, com mais experiência na sociedade. Não posso
oferecer isso, nem a senhorita.
— Neste momento, ela precisa de conforto e força, e isto é mais importante
do que o que ela vai precisar daqui a quatro anos. Ela precisa de um lar, um lugar ao
qual pertença, onde seja bem-vinda. Ela perdeu os pais seis anos atrás e agora perdeu
o homem que considerava um avô. Ela não tem família, já que não vou considerar
lorde Vesey.
— Claro que não. Mas eu também não sou da família dela.
— Não, mas era amigo do pai dela. O senhor é o homem que ele queria que
fosse seu tutor. Por causa disso, ela confia no senhor. E o general também queria que
o senhor fosse o tutor dela. Ele confiou no senhor. Não leu a carta? Ele temia que
Vesey tentasse...
— Não deixarei que Vesey fique com ela. Já lhe disse isso. Não estou
colocando vocês duas na rua. — Cleybourne franziu a sobrancelha. — Droga! A
senhorita é uma mulher irritante. Já disse: encontrarei um lugar adequado para ela.
Minha cunhada, talvez, escreverei a Rachel para saber se ela e o marido podem criar
Gabriela. É claro que ficarão aqui até que eu encontre um lugar apropriado, e garanto
que, se Vesey insistir no assunto, cuidarei dele.
Jessica ia começar a discutir com ele, mas parou e apertou os lábios,
controlando a raiva. Tinha de ficar com Gabriela; esta era a coisa mais importante,
principalmente se esse homem fosse se livrar da menina. Já o pressionara o quanto
ousava. Não podia ofendê-lo tanto a ponto de ele dispensá-la.
— Muito bem, Sua Alteza.
O duque levantou a sobrancelha, surpreso com a obediência dela.
— Sim. Bem, estamos combinados, então.
— Posso trazer Gabriela para conhecê-lo agora?
— O quê? — Um olhar estranho, quase de medo, cruzou-lhe o rosto, e ele
logo balançou a cabeça. — Não. Eu... acho melhor não nos conhecermos.
— O quê? —Jessica estava perplexa demais para não encará-lo. — O senhor
não vai ao menos conhecê-la?
— Será melhor para ela.
— Como pode ser melhor para ela? — perguntou Jessica, a raiva aumentando
com muita força para ela ser prudente. — Saber que o senhor não vai nem vê-la? Que
não pode ser importunado?
— Basta, srta. Maitland! — Os olhos escuros dele brilhavam. — Devo
lembrar-lhe de que sou o tutor dela e a decisão é minha. Ela não deve se afeiçoar a
este lugar. Esta não será a casa dela. Será mais fácil para ela ir embora dessa forma.
— Quer dizer mais fácil para o senhor! — replicou Jessica, de forma
acalorada.
Richard arregalou os olhos, perplexo, e Jessica percebeu, então, que fora longe
demais. Mas, no momento seguinte, para surpresa dela, o duque soltou uma curta
gargalhada.
— Não consigo imaginar como era governanta, srta. Maitland, com a língua
afiada que tem.
Jessica levantou um pouco o queixo.
— O general Streathern aprovava o discurso direto.
— Não acredito que ele aceitasse insubordinação. Olhando Cleybourne bem
nos olhos, Jessica disse, tranqüilamente:
— O general não era um homem que usava seu poder sem sabedoria.
Cleybourne olhou-a por um longo momento. Finalmente, disse:
— Obrigado. Isso é tudo.
Jessica, resistindo ao impulso de fazer uma reverência sarcástica, apenas
assentiu e saiu do escritório. Por dentro, estava fervendo. O homem não tinha
sentimentos! Atravessou o corredor, mal percebendo para onde estava indo, e com o
rosto tão sério que uma empregada que limpava a mesa saiu rapidamente de seu
caminho.
Sabia que não podia ir até Gabriela naquele estado. Tinha de inventar alguma
forma de apresentar a decisão de Cleybourne à menina sem magoá-la, e, neste
momento, tudo que saísse de sua boca seria a verdade nua e crua. Decidiu que uma
caminhada seria a única forma de diminuir a ira, então desceu as escadas dos fundos e
saiu por uma porta para o sol fraco de inverno.
Na mesma hora, percebeu seu erro: estava frio demais para ficar do lado de
fora sem um casaco. Mas não podia voltar para pegar o casaco lá em cima sem
encontrar com Gabriela. Decidiu que uma volta pelo jardim seria suficiente.
Já estava no meio do caminho para o centro do jardim quando passos na
pedra atrás dela fizeram com que parasse e virasse. Uma pequena mulher, enrolada em
uma manta, estava vindo em sua direção, e sobre um braço havia outra. Ela sorriu ao
aproximar-se de Jessica.
— Srta. Maitland, imaginei que acharia muito frio aqui fora, por isso trouxe-
lhe uma manta.
Jessica pegou o abrigo, agradecida.
— Obrigada, srta....
— Brown. Mercy Brown. Sou a governanta. — Os olhos dela brilhavam
felizes, combinando com o sorriso. — E devo confessar que foi mais curiosidade do
que bondade que me fez vir até aqui. Quero conhecê-la desde que Baxter me contou
sobre sua chegada com a pequena.
Jessica sorriu para a mulher.
— É um prazer, srta. Brown, independentemente do motivo. Mas a srta.
Gabriela já não é tão pequena.
— Ah, bem, mas ela era bebê da última vez em que a vi. Era uma coisinha
linda, e Baxter me disse que ainda é.
— Sim, ela é muito bonita. E também tem bom coração. A governanta sorriu
ainda mais.
— Fico feliz em escutar isso. Será muito bom ter uma pessoa jovem na casa
de novo. Será bom para o patrão também.
— O duque? Não muito. Ele pretende mandá-la para outro lugar assim que
puder — disse Jessica de forma rabugenta.
— Não! — A srta. Brown parecia aflita. — Ele não disse isso.
— Quase isso. Ele disse que aqui não é o "lugar apropriado" para uma
menina, por que ele é solteiro. É o homem mais arrogante, irritante... não posso
imaginar por que o general achou que ele cuidaria de Gabriela. Com certeza, foi
iludido pelo senso de honra e dever do duque.
— Ah, não, ele é um homem honrado! — protestou a mulher mais velha. —
E ele não se esquivaria de suas obrigações.
— Hummm — respondeu Jessica em tom de descrença. — Contanto que não
seja inconveniente para ele, imagino.
— Não deve julgá-lo de forma tão severa — disse a governanta com
convicção. — O duque é um bom homem. De verdade. Você tem de entender... ele
teve uma história triste. As coisas que aconteceram com ele deixaram-no... bem, um
tanto recluso, mas ele não tem maldade alguma.
— Do que mais podemos chamar quando ele rejeita uma menina órfã cujo
último parente vivo acabou de morrer, que lhe foi confiada por um homem que era
seu amigo? O pai dela e o general Streathern confiaram nele para cuidar de Gabriela,
mas ele não admite ser incomodado. E planeja mandá-la para qualquer pessoa que
cuide dela no lugar dele.
Jessica olhou para a governanta e viu um olhar de muita tristeza em seu rosto.
A mulher balançou a cabeça, dizendo:
— Ah, pobre homem. Deve ser por causa de Alana. Sem dúvida ele não
consegue suportar estar perto de uma menina de novo. — Ela olhou para Jessica. —
Por que não vem comigo até minha sala para se aquecer com uma xícara de chá?
Contarei sobre Sua Alteza e explicarei por que, bem, por que ele é como é.
Jessica concordou prontamente, impelida pela curiosidade e pelo frio. As duas
mulheres viraram-se e refizeram os passos de volta para a casa, onde a governanta
pendurou as mantas e levou Jessica por um corredor até a cozinha e depois até uma
aconchegante sala de estar que era domínio da governanta. Uma palavra para a
empregada enquanto passavam e, poucos momentos depois, ela entrou com um bule
de chá, xícaras e uma cestinha de pães.
Os pães estavam deliciosos, e alguns goles do chá forte e doce aqueceram
Jessica quase imediatamente. Recostou-se na confortável poltrona para escutar a srta.
Brown.
— Conheço Sua Alteza desde menino. Assim como Baxter e a maioria dos
empregados mais velhos — começou, os olhos castanhos brilhando com afeto. —
Sempre foi um menino maravilhoso. E depois que cresceu não podia ser um patrão
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O Castelo das Sombras - Romance Histórico de Candace Camp

  • 2. Sinopse Em O castelo das sombras, segundo livro da Trilogia dos Aincourt, o leitor passa a conhecer a história de Richard, o duque de Cleybourne. Após perder a esposa, Caroline Aincourt, e a filha, a pequena Alana, em um trágico acidente às vésperas do Natal, Richard torna-se um homem solitário e amargo. Em profundo estado depressivo, Richard parte para seu castelo no campo. Mas, com a chegada de Jessica Maitland e Gabriela Carstairs, seus dias de autocomiseração estão contados. Pouco antes de morrer, o general Streathern, tio-avô de Gabriela, ordenou que a menina ficasse sob a custódia de Richard, que a protegeria do lorde de Vesey, seu cruel sobrinho-neto interessado em roubar a herança da prima. Com a missão de entregar a menina sã e salva para Richard, Jessica parte para o castelo do duque, afastando Gabriela de um ambiente nefasto. Mas Richard não tem a menor intenção de ser responsável por uma órfã, até mesmo porque isso o faz lembrar a filha. Por outro lado, ele se sente cada vez mais atraído por Jessica, tornando-se vulnerável à insistência dela para que proteja a menina. Com a chegada de lorde Vesey ao castelo, a situação fica ainda mais complicada. Ele está decidido a reivindicar a guarda de Gabriela, o que coloca Richard em uma posição desconfortável, e para complicar ainda mais, uma pessoa aparece morta. Agora, Richard e Jessica unem forças para descobrir quem é o assassino, ao mesmo tempo em que têm de resistir à paixão incontrolável que surge entre eles. Com boas doses de suspense e sensualidade, toques de humor e personagens bem construídos, em O castelo das sombras o leitor saboreia uma história deliciosa, ambientada na Inglaterra do século XIX, escrita por Candace Camp, uma das maiores autoras de romances históricos de todos os tempos. CANDACE CAMP não se lembra de ter estado alheia à criação de histórias. Nascida em uma família ligada à imprensa — a mãe era repórter e o pai, gerente financeiro do jornal texano Amarillo — Candace começou a demonstrar seu talento literário aos 10 anos. Desde então, escrever passou a ser seu principal hobby. Hoje, os romances de Candace são reconhecidos mundialmente. No Brasil, foram lançados Escândalo, Indiscreta e A mansão dos segredos, todos pela HARLEQUIN BOOKS O Castelo das Sombras Leia também: Escândalo, de Candace Camp, Um romance conveniente, de Stella Cameron e A mansão dos segredos, de Candace Camp.
  • 3. O castelo das Sombras Tradução: Michele Gerhardt HARLEQUIN BOOKS Rio de Janeiro 2006 CIPBrasil. Catalogação-na-fonte Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ. Camp, Candace O castelo das sombras / Candace Camp; tradução Michele Gerhardt - Rio de Janeiro: HR, 2006. 384p. Tradução de: The hidden heart Seqüência de: A mansão dos segredos Continua com: A casa das máscaras ISBN 85-7687-205-6 1. Romance americano. I. Gerhardt, Michele. II. Título. 06-3027 CDD-813 CDU-821.111(73)-3 Título original norte-americano THE HIDDEN HEART Copyright © 2002 by Candace Camp Arte-final de capa: Simone Villas-Boas Digitalização: Marcilene e Vítor Chaves Correção: Marcilene Chaves
  • 4. Prólogo O duque de Cleybourne iria para casa para morrer. Decidira isso na noite anterior, enquanto estava de pé em seu escritório, olhando para o retrato de Caroline, que Devin pintara para ele como presente de casamento. Richard fitara a pintura, e a outra, menor e menos satisfatória, da filha deles, e pensara no fato de que era dezembro e o aniversário da morte das duas estava chegando. A carruagem derrapara, capotara na estrada escorregadia coberta de gelo e caíra no lago, quebrando a camada de gelo por cima da água. Acontecera poucos dias antes do Natal. Ainda conseguia sentir o cheiro dos galhos de abeto que decoravam a casa para a festa. Permanecera nas narinas dele durante toda a sua doença e convalescença, como o odor en-joativo da morte, mesmo depois que os galhos foram levados para baixo e queimados. Fazia quatro anos que isso acontecera. Sabia que a maioria das pessoas achava que ele já deveria ter superado a tragédia. As pessoas devem lamentar durante um período razoável de tempo, depois recompor-se e seguir em frente. Mas ele não fora capaz. Francamente, não tinha vontade. Deixara sua propriedade rural, passando a morar na casa ducal em Londres, e não voltara ao castelo Cleybourne durante todo esse tempo. Mas na noite passada, ao olhar o retrato, pensou em como estava cansado de se arrastar dia após dia, e lhe ocorrera, como um raio dourado de esperança, que não tinha de continuar assim. Não havia necessidade de viver os dias superficialmente até que Deus, em sua misericórdia, resolvesse levá-lo. Os Cleybourne eram uma família de vida longa, geralmente chegando aos 80 e, às vezes, aos 90 anos. E Richard tinha pouca fé na misericórdia de Deus. Tinha fé nas pistolas e em sua mão firme. Seria o mensageiro de sua própria passagem e também o anjo negro da vingança. Então, chamou o mordomo e lhe pediu para arrumar tudo para a viagem. Voltariam para o castelo, disse, e sentiu-se um pouco culpado quando o velho sorriu exultante. Os empregados, que se preocupavam com ele, ficaram satisfeitos, achando que finalmente tirara o manto de luto, e arrumaram tudo com alegria e rapidez. E era verdade, disse para si mesmo. Acabaria com o luto. Da forma e no lugar mais adequado: onde a esposa e a filha haviam morrido, e ele não as salvara.
  • 5. Capítulo 1 Lady Leona Vesey ficava bonita quando chorava. E estava fazendo isso agora... copiosamente. Rios de lágrimas jorravam de seus olhos e escorriam pelo rosto enquanto segurava a mão enrugada do velho homem deitado na cama. — Ah, tio, por favor, não morra — disse ela com voz de lamentação, os lábios trêmulos. Jessica Maitland, que estava do outro lado da cama do general Streathern, perto da sobrinha-neta dele, Gabriela, olhava fixamente para lady Vesey com desprezo. Achava que o desempenho dela era digno de um palco. Jessica tinha de admitir que Leona ficava encantadora quando chorava, um talento que Jessica suspeitava que ela passara anos aperfeiçoando. Soubera que lágrimas funcionavam muito bem com os homens. Jessica detestava lágrima, e quando não conseguia segurá-las, as liberava na solidão e na calma de seu quarto. Claro, Jessica, uma mulher extremamente justa, tinha de admitir que lady Leona Vesey também era bonita quando não estava chorando. Era uma das belezas reinantes em Londres há alguns anos — embora fosse considerada escandalosa demais para freqüentar as melhores casas — e, se estava chegando aos últimos anos desse reinado, o brilho dourado da luz de velas no quarto escuro escondia qualquer efeito que o tempo e a vida desregrada lhe haviam causado. Lady Vesey era opulenta, ombros delicados e seios saindo pelo decote cavado do vestido, mais adequado como traje de noite do que para visitar um velho parente doente. A pele era macia e tinha o tom do mel, complementando os cachos dourados presos no topo da cabeça e os olhos redondos cas-tanho-claros. Fazia Jessica lembrar- se de uma gata manhosa e mimada, embora se transformasse em algo parecido com uma leoa quando ficava furiosa, como ontem, quando dera um tapa em uma empregada desajeitada que derramara chá em seu vestido. Naquele momento, Jessica quis dar um tapa em Leona, mas, sendo apenas a governanta da casa do general, manteve a boca bem fechada. Embora, em épocas normais, Jessica mantivesse a casa funcionando com eficiência, Leona não estava acima dela apenas na condição social, mas, por ser esposa do sobrinho-neto do general, também tinha algum parentesco. Desde o momento em que ela e lorde Vesey entraram na casa, Leona assumira o controle, tratando Jessica como empregada. — Ah, tio — dizia Leona agora, enxugando as lágrimas com o lenço de renda. — Por favor, fale comigo. Fico destruída ao vê-lo dessa maneira. Jessica sentiu Gabriela ficar tensa a seu lado, e sabia no que a menina estava pensando: que o general não tinha nenhuma relação real com lady Vesey, sendo tio- avô do marido dela, e que lady Vesey podia estar tudo menos destruída ao ver o general deitado naquela cama, prestes a morrer. Nos seis anos em que Jessica estava na casa do general, os Vesey visitaram-no poucas vezes e, quando o faziam, geralmente as visitas eram acompanhadas de um
  • 6. pedido de dinheiro. Jessica tinha poucas dúvidas de que o dinheiro os trouxera até a cabeceira do velho homem agora. Menos de uma semana antes, o general Streathern recebera uma carta contando da morte de uma velha e querida amiga. Ficara de pé e havia dado um grito muito alto. Depois erguera a mão até a cabeça e caíra no tapete. Os empregados levaram-no para a cama, onde permanece deitado desde então, inerte e aparentemente insensível a tudo e a todos à sua volta. Apoplexia, diagnosticara o médico, balançando a cabeça com tristeza, e tendo pouca esperança de recuperação, dada a idade avançada do general. Jessica tinha certeza de que os Vesey correram para a cabeceira dele porque tinham esperança de serem citados no testamento. Jessica fizera de tudo para deixar de lado a antipatia por lorde e lady Vesey. Afinal, eram os únicos parentes vivos de Gabriela, além do general, e, como tal, sabia que era provável que lorde Vesey se tornasse tutor de Gabriela se o general realmente morresse, o que parecia mais provável a cada dia. Dizia para si mesma que parte da antipatia por lady Vesey originava-se na beleza voluptuosa da mulher. Jessica crescera muito magra, com cabelos rebeldes cor de cenoura, os olhos e a boca muito grandes num rosto muito fino. Quando adolescente, era mais alta que todas as meninas, e a maioria dos meninos também, desengonçada e esquisita, sem esperança de ser feminina perto das moças pequenas e delicadas à sua volta. E apesar de ter se transformado em uma mulher adulta, de o rosto tornar-se cheio e suave e de o cabelo ter adquirido um tom ruivo vibrante, transformando-se assim em uma mulher extremamente atraente e escultural, Jessica ainda sentia pontadas de inveja e incomodada perto de mulheres como Leona Vesey, que usavam a feminilidade como arma. Também admitia que prejulgara a mulher por causa das cartas de Viola Lamprey, a única amiga que ficara ao lado de Jessica durante o escândalo que envolvera seu pai. Viola casara-se um pouco tarde, mas surpreendentemente bem, tornando-se lady Eskew três anos antes, e agora vivia na nata da sociedade londrina. Ela e Viola continuaram a se corresponder por anos depois do escândalo, e Viola adorava divertir Jessica com as histórias espirituosas dos escândalos e extravagâncias dos ricos. Lorde e lady Vesey normalmente eram alvo de fofoca. Dizia-se que ele gostava muito de mulheres jovens e que ela mantinha um caso bem "secreto" com Devin Aincourt havia mais de uma década. Poucos meses atrás, as cartas de Viola chegaram cheias das histórias que estavam circulando por Londres sobre o casamento repentino de Aincourt com uma herdeira americana e o subseqüente término, por Aincourt, não por lady Vesey, do duradouro caso. As senhoras de Londres estavam extasiadas. Leona Vesey tinha poucas amigas, já que costumava insinuar que poderia facilmente roubar-lhes os maridos ou pretendentes. Jessica sabia que não devia julgar lady Vesey com base em fofocas. Afinal de contas, ela mesma, certamente, fora alvo de muitos comentários injustos dez anos
  • 7. antes. Quando os Vesey chegaram, fizera um esforço para ver lady Vesey sem preconceito e julgamento. Mas logo ficou claro para ela que a fofoca não denegrira a lady o suficiente. Leona Vesey era egoísta, vaidosa e geniosa. Desdenhava de todos que estivessem em uma posição mais baixa que a sua, e só era agradável com quem achava que poderia ajudá-la, geralmente homens. Os Vesey estavam aqui havia apenas três dias, e Jessica mal conseguia suportar ficar no mesmo cômodo que eles. Sentiu Gabriela ficar tensa a seu lado e suspeitou que a menina estivesse prestes a soltar sua raiva sobre Leona, então deu o braço para Gabriela, lançando-lhe um olhar de advertência. Estava preocupada com o futuro de Gabriela. Se o general morresse, e se sua tutela fosse dada aos Vesey, a vida dela já seria dura o suficiente mesmo sem ter conquistado a inimizade de lady Vesey. — Ah, por favor, tio — disse Leona, a voz ainda falhando enquanto se debruçava sobre a figura imóvel do velho, muito pálido sob a luz fraca. — Por favor, diga uma palavra de adeus para mim. De repente, os olhos do homem se abriram. Leona soltou um leve grito e deu um pulo. O general encarou-a com olhos de falcão. — Que diabos você está fazendo aqui? — perguntou ele, a voz mais rouca e fraca que o normal, mas com visível irritação. — Ora, tio — disse Leona, recuperando parte da compostura, embora a voz ainda estivesse um pouco ofegante. — Vesey e eu viemos porque soubemos que o senhor estava doente. Queríamos estar com o senhor. O velho encarou-a por um longo momento. — Mais provável que estivessem com medo de perder a parte de vocês da propriedade. Bem, tenho novidades para você. Não vou morrer. E mesmo que fosse, não deixaria nada para você e aquele seu marido. — Tio... — Lorde Vesey, que estava de pé um pouco atrás da esposa, tentou uma risada indulgente. — O senhor vai passar a ideia errada para as outras pessoas. Elas não sabem como o senhor gosta de piadas... — Eu não estava falando com você — respondeu o general abruptamente, parecendo mais forte a cada momento. — Droga! Ninguém convidou vocês. Malditos inconvenientes! — Ah, vovô! — explodiu Gabriela, incapaz de segurar-se por mais tempo. — O senhor está bem! Achamos que fosse morrer. O general virou a cabeça e viu Gabriela de pé do outro lado da cama, Jessica atrás dela, e sorriu. — Ora, acha que eu faria uma coisa dessas? — perguntou ele, esticando a mão para a menina. Lágrimas jorraram dos olhos de Gabriela, e ela se inclinou para pegar a mão do tio-avô. — Estou tão feliz que esteja bem. Estávamos com muito medo. — Tenho certeza que estava, Gaby. — O velho homem apertou a mão dela
  • 8. com apenas uma fração de sua força. — Mas não precisa. Ainda estou respirando. Olhou para o pé da cama, onde estavam o médico e o vigário da aldeia, fitando-o com perplexidade. — Não graças a você — continuou o general Streathern, falando com o médico. — Vá embora. Vocês parecem dois corvos parados aí. Não estou morrendo. — General, o senhor não deve se agitar — disse o médico com a voz calma. — Ficou inconsciente por quase uma semana. — Não, não fiquei. Acordei ontem a noite, mas voltei para dormir. — Deve ter sido o som da voz de lady Vesey que penetrou em você — disse o vigário, com um sorriso admirado na direção da mulher. — Humm! — respondeu o general. — Bem, você era um tolo quando era jovem, Babcock, não havia por que se esperar que estivesse melhor agora que está velho. Essa voz chata mais provavelmente me mandaria embora do que me faria voltar. — O quê!? — exclamou Leona, colocando as mãos na cintura, indignada. — Que ótimo. Deixamos Londres e viemos até este lugar esquecido por Deus só porque soubemos que estava doente. E é assim que nos agradece? — Não pedi que viessem — disse o general, sensato. — Ninguém pediu. Vieram porque esperavam receber dinheiro. É a única razão pela qual vocês sempre colocaram os pés nesta casa, e da última vez eu disse para não voltarem. Tudo que posso dizer é que vocês são uns malditos descarados por continuarem vindo aqui. Você é uma fofoqueira coberta de musselina, Leona, e agradeço a Deus por não ser minha parente de sangue. Gostaria de poder dizer a mesma coisa do inútil com quem é casada. — Parou o discurso tempo suficiente para lançar um olhar malévolo para lorde Vesey. — Agora saiam. Não quero mais ver as caras de vocês dois. — Talvez seja melhor voltarmos para nossos aposentos — sugeriu lorde Vesey à esposa, parecendo um pouco mais pálido do que alguns momentos antes. — Seus aposentos? Estão hospedados aqui? — O rosto do general corou de modo alarmante. — Ora, sim, claro — respondeu Leona. — Onde mais poderíamos ficar? — Eu disse a vocês que não eram bem-vindos nesta casa — replicou o general, esforçando-se para sentar. — Por favor, general, acalme-se — pediu o médico, dando a volta na cama para colocar as mãos em seus ombros e deitá-lo de novo. — Terá outra apoplexia se não se cuidar. — Que diabo! — O general Streathern olhou para o médico, mas não teve força para desafiá-lo. — Quero os dois fora da minha casa, entenderam? — Mas, general — protestou o vigário. — Lorde Vesey é seu sobrinho. E lady Vesey... Ele parou de forma abrupta quando o general fixou o olhar nele. — Esta é minha casa — disse friamente. — E eu digo quem fica e quem sai.
  • 9. Não me diga quem devo receber em minha casa, Babcock. — Não, claro que não, general — disse o vigário, forçando um sorriso. — Não quis ser presunçoso. Só que... eles vieram de tão longe, e onde poderiam ficar? — Convide-os para ficar com você, se gosta tanto deles. O reverendo Babcock deu uma risadinha, um som que pareceu irritar ainda mais o irascível velho. — Há uma hospedaria em Lapham — disse ele, citando a aldeia local. — Que fiquem lá se querem tanto permanecer aqui. Mas me recuso a deixar que me torturem com choro e lamentações e que deixem meus empregados descontentes. Nada pior do que ver as empregadas chorando pelos cantos porque ele está perseguindo-as e tomando liberdades ou porque ela está gritando com elas ou dando tapas. Se um homem não pode ter paz quando está prestes a morrer por uma semana, então não sei o que será do mundo. — É claro que pode ter paz — disse o médico com calma, lançando um olhar expressivo na direção de lorde e lady Vesey. — Meu lorde... — Sim, sim, claro. — Lorde Vesey deu um sorriso que mais parecia o rigor mortis de um defunto. — Qualquer coisa para fazer o general se sentir melhor. Lady Vesey e eu vamos embora agora mesmo. Pegou a mão da esposa e os dois saíram do quarto. O general virou-se para Jessica. — Jessica, certifique-se de que eles partam. — Claro, general — disse Jessica com um sorriso. — Ficarei feliz com isso. — Olhou os outros que continuavam no quarto. — Gabriela, vigário, por que não deixam o general conversar com o médico agora? O clérigo estava, obviamente, ansioso para deixar o quarto — se era porque temia o general ou porque esperava encontrar lady Vesey, Jessica não tinha certeza. Gabriela atravessou o corredor feliz, mantendo uma conversa constante com Jessica. — Ah, srta. Jessie, não é maravilhoso? Eu tinha tanta certeza que o vovô ia morrer! Eu devia saber que ele era mais forte que uma apoplexia. Jessica sorriu para a menina. Aos 14 anos, Gabriela prometia se tornar uma linda mulher. Embora ainda fosse magra e sem formas como os meninos, havia uma leveza no andar que prometia uma graça futura, a pele era fresca e cremosa, o rosto, bem-feito e brilhante, com grandes olhos cinza e nariz empinado. Jessica estava feliz em ver sua pupila tão feliz, mas no fundo não conseguia deixar de ter dúvidas. O general podia ter acordado e parecer ele mesmo. Mas Jessica notara, mesmo que Gabriela não o notasse, que o lado esquerdo do rosto do velho homem não se movera muito enquanto ele falava, e a mão esquerda não se curvara para corresponder ao aperto de Gabriela. Ele ficara inconsciente por algum tempo e, pelo menos, estava destinado a ficar mais fraco do que o normal. Era um homem idoso, e os idosos são sempre suscetíveis a febres e tosses, principalmente quando estão enfraquecidos por
  • 10. uma enfermidade. Ela se preocupava com o general, não apenas porque gostava dele, mas também porque sua doença repentina mostrara como Gabriela era vulnerável. Menor de idade, órfã, ela poderia muito bem ser deixada à mercê de pessoas como os Vesey. Jessica cuidara de Gabriela, fora sua acompanhante, professora e confidente desde que a menina tinha oito anos, e a amava como se fosse sua própria irmã. Mas, aos olhos do mundo, era apenas uma empregada e, se o general morresse, quem quer que fosse o tutor de Gabriela poderia acabar com seu emprego, e ela não teria recursos. Preocupava-se com o assunto desde que o general adoecera. Gabriela foi para o andar de cima prometendo estudar, algo que havia negligenciado durante a doença do tio-avô, e Jessica foi para a cozinha, onde encontrou o mordomo, Pierson, e informou-o da recuperação miraculosa do general e da subseqüente expulsão dos Vesey. Sabia que nada poderia deixar os empregados mais felizes do que estas duas notícias. Como esperava, o mordomo ficou radiante quando ela contou o que acontecera no quarto do general e assegurou que designaria duas empregadas, e não uma, para arrumar as malas dos Vesey, e iria pessoalmente escoltá-los até a carruagem. Jessica voltou aos quartos no andar de cima, onde ficavam seu quarto e o de Gabriela, separados por uma sala de estudo. Ao passar pelo quarto dos Vesey, escutou o som de algo quebrando, seguido pela voz furiosa e estridente de Leona e da menos estridente, mas não menos furiosa, de lorde Vesey. Jessica sorriu para si mesma e continuou a caminhar. O médico foi embora, e pouco depois, lorde e lady Vesey também deixaram a casa. Humphrey, o criado pessoal do general, ficou ao lado do idoso o resto do dia e, naquela noite, depois de muita resistência, foi descansar enquanto Jessica, o mordomo ou a empregada assumiam o posto ao lado do leito do doente. O general dormiu a maior parte do tempo, acordando de vez em quando, reclamando de fome e devorando, primeiro, uma tigela de consome, depois mingau e, finalmente, exigindo uma sopa substanciosa. Com cada exigência ou acesso de raiva, os empregados se acalmavam mais. O general estava ficando cada vez mais normal. Jessica visitava o general todas as manhãs e noites, e observava melhoras todas as vezes. Estava muito feliz, não apenas por Gabriela, mas porque gostava dele. Quando foi atingida pelo escândalo, e seu pai foi expulso do exército, a maioria dos conhecidos e amigos deles, até o homem que ela achara que amava, viraram as costas para ela, menos o general Streathern. Ele foi prestar condolências quando seu pai morreu, uma cortesia que poucos outros amigos militares se dignaram a cumprir. A morte do pai deixara Jessica sem um tostão. Recusara-se a procurar a ajuda da família do pai, que o desprezara depois do escândalo. Por um tempo, ficou com o irmão da falecida mãe, mas fora uma situação insustentável. Ele tinha cinco filhas, todas se aproximando da idade de se casar e debutando. A última coisa de que precisavam era mais uma mulher em casa, e Jessica, cujo pai a educara para ser
  • 11. decidida e independente, estava acostumada a administrar a casa, não apenas morar resignadamente em uma. Jessica e o tio não se davam bem, e ela logo percebera que não poderia morar com eles. Surgiram-lhe vários cargos como governanta ou acompanhante, mas geralmente era considerada jovem demais, atraente demais ou marcada demais pelo escândalo para ser contratada, e quando era, geralmente tinha de sair por causa do assédio de algum homem da casa. Por ironia, Jessica percebera que ela, que passara a adolescência como uma menina palerma, desajeitada e feia, tinha se transformado de alguma forma em um objeto incômodo de luxúria masculina. Sabia que o desenvolvimento tardio de seu corpo tinha algo a ver com isso, mas tinha dificuldade de reconhecer que o excesso de cabelos ruivos era um atrativo para os homens, e que suas feições, que haviam sido muito grandes para o rosto, tinham amadurecido e se transformado em uma beleza atordoante. Então, de forma um tanto cínica, ela colocava a culpa por atrair os homens no fato de que não estava mais sob a proteção do pai. Em resumo, eles a desejavam porque achavam que agora era um alvo fácil; uma mulher que estava à disposição porque tinha de trabalhar para viver. Desanimada e amarga, parou de se candidatar a cargos de governanta e tentou se sustentar com o bordado. Tinha mãos e olhos bons para o trabalho com as agulhas, e quando reprimiu seu orgulho e humildemente mostrou seus trabalhos, várias mulheres ricas pagaram por bonitos bordados. Ainda assim, era um sustento mínimo e difícil, e havia horas em que se desesperava. O inverno era a pior época, já que gastava mais, pois precisava aquecer seu pequeno quarto. Tentava economizar carvão, mas não conseguia trabalhar bem com os dedos congelando. Certo inverno, uns seis anos antes, a quantidade de bordados que conseguia produzir diminuiu, e ela ficou doente, tendo de parar de trabalhar por uma semana. De repente, viu-se à beira de um desastre, e foi forçada a pensar em voltar a morar com o tio ou mesmo pedir ajuda à teimosa família do pai. Foi quando o general apareceu à sua porta, um improvável e grosseiro anjo de misericórdia, e lhe ofereceu um emprego como acompanhante e governanta de sua sobrinha-neta Gabriela, cujos pais tinham morrido um mês antes, deixando o general como tutor. Na mesma hora, o general pensou em Jessica, com quem mantivera contato ao longo dos anos. Na verdade, havia muito tempo que ela suspeitava que ele estava por trás de alguns bônus e presentes que recebera de clientes no decorrer dos anos. Jessica aceitou o emprego com alívio e alegria, e nunca se arrependeu da decisão. Sua estada com o general era feliz. Logo passou a amar sua pupila e foi cuidando cada vez mais da administração da casa. Os empregados contavam com ela para receber conselhos e ordens. Logo o general percebeu sua competência e ficou feliz em deixar as "coisas de mulher" por conta dela. Jessica gostava de sua vida, e era quase como se Gabriela e o general fossem sua família. Não teria ficado mais preocupada com o idoso e mais feliz por ele estar se recuperando da doença se fosse seu próprio avô.
  • 12. Após mais um dia de convalescença, o general informou a seu criado pessoal que não precisava de uma "maldita babá sentada ao meu lado e me olhando a noite inteira", e mandou que ele fosse para a cama e acabasse com a vigília noturna. Na manhã seguinte, o general mandou Humphrey procurar Jessica e pedir que fosse a seu quarto. Ela deixou Gabriela com uma redação para fazer e foi ver o general, perguntando-se o que ele queria. Conhecendo o general, podia ser qualquer coisa, desde uma conta da casa até um jogo de xadrez para aliviar o tédio. Nesse caso, não foi nenhum dos dois. O general Streathern estava sentado na cama, parecendo muito mais forte do que na véspera. Sorriu quando viu Jessica, e ela notou que a expressão ainda não atingia o lado esquerdo do rosto. O braço esquerdo também estava sobre o colo e não se mexia enquanto ele falava. Mas a cor estava muito melhor, e o olhar, mais alerta, e quando falou pareceu muito com o homem de antes. — Bem, menina, você também me deu como morto? — rosnou. — Fiquei muito preocupada — admitiu Jéssica, desconfiada. — O senhor ficou inconsciente durante uma semana, general — comentou Jessica. Crescera dizendo o que pensava, fora a forma como o pai a treinara, e ficara muito aliviada ao perceber que o general era o mesmo tipo de homem. Ele riu. — Sempre posso contar com você para me dizer a verdade, Jess. — Deu um tapinha na cama. — Sente-se onde eu possa olhar para você sem quebrar meu pescoço. Jessica sentou-se na beirada da cama, fitando-o. — Fico muito feliz em ver que eu estava errada. — Eu também, minha menina. — O general Streathern suspirou. — Tenho de confessar que também me assustei. Não ia admitir para aqueles miseráveis, mas sei que cheguei muito perto da morte, posso sentir isso. — Ele bateu no braço esquerdo. — Sabe, não estou com movimento completo aqui. — Balançou a cabeça. — É assustador ver seu cérebro atacando seu corpo. — Imagino que sim. Mas o senhor está melhor agora. E talvez o braço fique mais forte. — Espero que sim. É irritante. Mas não tão irritante quanto acordar e encontrar aquele canalha do Vesey em meu quarto. Não sei como minha irmã pôde produzir um neto daqueles. Nada errado com a filha dela, mas a linhagem dos Vesey sempre teve sangue ruim. Eu disse para Gertie que não podia sair coisa boa dali, mas não estava ao alcance dela. O genro sempre teve minhocas no lugar do cérebro. — Sinto muito por eles estarem aqui. — Não foi culpa sua. Mas disse ao Pierson para não deixá-los entrar de novo. Agora que ele recebeu minhas ordens, vai mantê-los fora daqui. E se ele fraquejar, você deve lembrá-lo do que eu disse.
  • 13. — Pode deixar. — Ver Vesey me deu um choque. — O general ficou quieto por um momento, olhando para as mãos. Não era o tipo de pessoa que falava dos sentimentos pessoais, um militar até a raiz dos cabelos. — Fez com que eu pensasse. Eu poderia morrer. Tenho 72 anos. Já tive muito tempo na Terra. Acho que sempre pensei que pudesse afastar isso. Mas foi pura sorte desta vez. Quando li aquela carta e soube que Millicent tinha morrido... — Tenho certeza que deve ter sido um choque saber da morte de sua amiga. — Foi mesmo. — A tristeza caiu sobre as feições do homem idoso. — Eu a amava, entende? — Claro. — Não, quero dizer que realmente a amava. Eu a amei por quase cinqüenta anos. Surpresa, Jessica olhou intensamente para o general. Havia uma suavidade nos olhos que ela pouco vira ali. — Ela era casada com outro homem. Não era um sujeito ruim. Eu o conhecia. Eu a conheci em uma festa de lady Albernethy. Eu tinha 34 anos na época. Não havia me casado. Estava ocupado demais com minha carreira para pensar em coisas como essas. Depois que vi Millicent, soube que nunca me casaria. Uma coisa terrível com que conviver, saber que eu ficaria extasiado se um homem bom morresse. É claro que ele morreu, muitos anos depois. Mas, na época, já estávamos velhos. Acostumados a ser amigos, com nossas vidas estabelecidas, e nenhum de nós estava disposto a abrir mão disso. Foi suficiente para nós, nos últimos anos, apenas nos vermos de vez em quando e manter a correspondência. Mas eu teria feito qualquer coisa por ela. Ele ficou sentado, perdido em pensamentos. Jessica também continuou em silêncio, tentando absorver essa nova imagem do velho e severo militar como um devotado homem apaixonado, amando uma mulher que não podia ter. — Ah, bem. — O general pareceu afastar os pensamentos. — Não foi por isso que a chamei aqui. Não diretamente. O fato é que, quando li aquelas linhas, senti uma dor terrível na cabeça, e depois só me lembro de acordar aqui com aquela idiota da Leona chorando em cima de mim. Agora percebo como fui presunçoso todos esses anos, achando que poderia lutar contra a morte como se ela fosse um soldado inimigo. Eu não podia fazer nada. Tive apenas sorte por voltar. Da próxima vez, posso não ter tanta sorte. Jessica não sabia o que dizer. O general estava certo, e era difícil dar uma resposta otimista. — Setenta e dois. Alguns diriam que já estava na hora de eu perceber que não sou invencível. — O general soltou um risinho. — A questão é Gaby. Já pensei nela em meu testamento, não se preocupe com isso. E o pai dela também deixou muitos bens. Ela terá muito dinheiro. Mas precisa de mais do que isso. Precisa de alguém que
  • 14. a ame. — Ficarei com ela, general. Prometo. O senhor sabe o quanto gosto dela. O general sorriu e Jessica ficou triste de ver como um lado do lábio dele não se curvava como o outro. — Eu sabia que podia contar com você. Mas quero me certificar que você saiba o que fazer se algo acontecer comigo. Nomeei um tutor em meu testamento. O mesmo homem que o pai dela nomeou como sucessor se alguma coisa acontecesse comigo. Não o conheço bem, mas era amigo do pai dela e tem a reputação de ser um homem honrado. Ele cuidará do dinheiro e do bem-estar dela. Acabei de escrever uma carta para ele. Ali... Apontou para a pequena mesa ao lado da cama, onde estava uma carta, lacrada com cera vermelha com o selo do general. — Pegue. Quero que escolte Gaby até a casa dele se algo mais acontecer comigo. Entregue a ele essa carta, assim como o testamento. Nela, eu peço que ele continue com você. Disse que Gaby confia em você. — Farei isso. Não se preocupe. Mas vamos esperar que não seja necessário. O senhor se recuperará e viverá para ver o casamento de Gaby, tenho certeza. — Espero que sim. Mas ainda não disse tudo que tenho a dizer. Depois que Gaby estiver com o novo tutor, não me preocuparei. Ele é um homem poderoso e influente, o duque de Cleybourne. Vesey não conseguiria fazer nada contra ele. Mas, até lá... tenho medo de Vesey. — Lorde Vesey? Mas, se o senhor nomear outra pessoa como tutor dela, isso certamente acabará com qualquer perigo que venha dele. — Não contaria com isso, em se tratando daquele homem. — Os lábios do general Streathern se curvaram. — Ele é vil, e a esposa não é melhor. Não confiaria que ele não seqüestraria Gaby se tivesse a chance. Não deixei nada para ele, e ele adoraria colocar as mãos no dinheiro de Gaby. E aquela bruxa da esposa dele é capaz de virar um homem honesto do avesso com um dedo. Não confio neles. — Franziu a testa e depois continuou, devagar: — Eu não encheria seus ouvidos com esta história, mas você precisa saber a extensão da crueldade dele. O homem é um libertino, e ouvi dizer que ele tem uma... preferência por meninas. Meninas da idade de Gaby. Jessica prendeu a respiração. — General! O senhor quer dizer que... acha que ele... — Não sei até que ponto ele pode ir, mas também não ficaria surpreso com a profundidade de sua depravação. Digamos apenas que seria mais seguro se ela nunca ficasse sob o controle dele, nem mesmo por um dia. — Lançou um olhar astucioso para ela por baixo das espessas sobrancelhas brancas. — Seu pai foi um dos melhores soldados que eu já comandei. — Obrigada, general. — Jessica sentiu a emoção engasgar na garganta. — Conto que você tenha o mesmo espírito dele. — Espero e rezo para que eu tenha — respondeu Jessica, acrescentando com
  • 15. firmeza: — O senhor pode contar comigo para mantê-la longe de lorde Vesey. — Ótimo. — Ele relaxou, recostando-se nos travesseiros. — Obrigado, Jessica. Se eu morrer, agora ou daqui a algum tempo, ele virá como um abutre. Leve-a embora daqui assim que meu testamento for lido. Deixe tudo pronto para partir. Você me entende, não é? — Sim, sem perda de tempo. Juro para o senhor. Eu e ela partiremos imediatamente após a leitura do testamento, mesmo que isso signifique deixar a bagagem para depois. Ele assentiu. — Você é uma moça esperta, sensata. Sei que posso confiar em você. Leve-a para o duque de Cleybourne. A propriedade dele fica em Yorkshire, perto da cidade de Hedby, a não mais que dois dias de viagem de carruagem. — Farei isso. — Jessica pegou a mão do homem idoso. — Mas, se Deus quiser, isso não acontecerá nos próximos anos, e Gaby já será uma mulher casada. — Se Deus quiser. Era tarde da noite e a casa estava escura, todos acomodados em suas camas, quando uma porta lateral se abriu em silêncio e um vulto entrou. O homem parou por um momento, imóvel e atento, depois moveu-se do mesmo modo silencioso pelo corredor até as escadas dos empregados que levavam ao segundo andar. Mais uma vez, esperou, imóvel, no topo das escadas, procurando algum som antes de seguir até a porta que procurava. Abriu-a e olhou para dentro. Não havia sinal nem do criado pessoal do general nem da enfermeira. Entrou e fechou a porta com suavidade, depois atravessou o quarto até ficar ao lado da cama. Parou um instante, fitando o homem idoso. O general parecia tão frágil que, por um momento, ele se perguntou se isso era realmente necessário. Afinal de contas, o homem quase morrera. Sempre havia a possibilidade de que ele não recobrasse a saúde, então o general Streathern não representaria perigo para ele. Enquanto olhava, os olhos do homem idoso abriram-se, como se ele sentisse a presença do observador. Os olhos estreitaram-se. — Você! — exclamou com a voz áspera. — Que diabos está fazendo aqui? Eu não disse que... — Sim, sim, eu sei — disse o homem mais jovem, baixinho. — Que nunca o incomodasse com minha presença. Mas achei melhor conversar com o senhor. As coisas mudaram. — Sim, mudaram. — O general sentou-se encostado nos travesseiros. A visita inesperada percebeu que fazer isso foi uma luta para ele. — Quis me certificar que o senhor não estava pensando em fazer nada tolo. — Quer dizer revelar o que realmente aconteceu? O que o faz pensar que eu não revelaria? — respondeu o general, de forma um tanto insensata. — Não tenho mais motivos para manter segredo. — Existe o pequeno problema de o senhor não ter trazido o problema à tona
  • 16. anos atrás, quando ele era importante. Não faria bem para sua imagem. Seu nome estaria arruinado. — Talvez seja melhor assim — lembrou o velho homem com dificuldade. — Fácil dizer quando está prestes a morrer. Por outro lado, eu tenho muitos anos pela frente e não desejo viver com a marca do escândalo. — Seria pior que isso. — Mesmo? Acho que não. Apenas a sua palavra contra a minha, e o senhor é um velho tolo que acabou de sofrer uma apoplexia. Todos pensariam que seu cérebro simplesmente não está mais funcionando bem. —Ah, eles acreditariam em mim—disse o general Streathern, o desprezo e o ódio iluminando seus olhos. — Eu tenho provas. Os olhos do outro homem estavam tão gelados quanto os do general estavam acalorados. Examinou o velho homem por um momento, depois disse: — Bem, sinto por saber disso. Rapidamente, pegou um travesseiro na cama e colocou sobre o rosto do velho homem. O general lutou, mas já estava fraco devido à doença, e não demorou muito até que a luta terminasse. O visitante esperou mais um longo momento, depois levantou o travesseiro e colocou-o junto com os outros. Ajeitou o homem idoso na cama de forma que não ficasse sentado, mas parecesse que morrera em paz enquanto dormia. Olhou rapidamente em volta do quarto, e só então se deu conta: se o general realmente tivesse provas contra ele, ainda poderia estar em perigo. Contraiu o maxilar e olhou para o velho imóvel na cama, a fúria tomando conta dele. O velho idiota o deixara tão furioso que agira apressadamente. Deveria tê-lo feito revelar onde estavam e quais eram as provas antes de matá-lo. Foi até a arca do outro lado do quarto e começou a procurar, percebendo, enquanto fazia, como seria difícil encontrar o que precisava. Para começar, havia a possibilidade de não haver prova nenhuma, de o general estar apenas blefando, querendo assustá-lo. E se o bode velho tivesse dito a verdade, ele ainda não sabia em que consistiam as provas. Era um objeto? Um papel? Independentemente do que fosse, tinha certeza que o general teria escondido em algum lugar. Um cofre era a opção mais provável, então procurou pelo quarto, mas não encontrou nenhum, sabendo, enquanto procurava, que era mais provável que o cofre ficasse no andar de baixo, no escritório ou na sala de fumo do velho, ou mesmo onde guardavam as preciosas pratarias. Encontrá-lo seria uma tarefa imensa na melhor das hipóteses. À noite, com a casa cheia de pessoas que poderiam acordar e descobri-lo, era quase impossível. Enquanto pensava nisso, escutou o som de uma maçaneta girando. Correu para um canto escuro perto do armário e esperou, prendendo a respiração. Escutou o velho homem arrastando os pés pelo quarto e viu a luz fraca de uma vela. Felizmente, a luz não chegava perto de onde ele estava. Entretanto, conseguiu ver as feições de um
  • 17. homem com quase a mesma idade do general, vestindo uma camisola. O criado pessoal do general, pensou. O empregado parou ao pé da cama e ficou ali por um momento. Depois começou a franzir a testa e foi para perto da cama para ficar ao lado do general. Prendeu a respiração e soltou um gemido baixo. — Ah, não, ah, meu lorde, não! Gemeu de novo, depois virou-se e saiu do quarto quase correndo. O intruso não ficou muito atrás. Correu para a porta depois do empregado e o viu arrastando os pés com pressa pelo corredor, gemendo e gritando: — Ele se foi! O general está morto! O intruso não parou; apenas deslizou pelo corredor na direção oposta, em direção à escadaria principal, e saiu da casa. Capítulo 2 A carruagem parou, e Jessica puxou a cortina para esquadrinhar na escuridão, uma pergunta nos lábios. Assim que viu o que estava à frente, a pergunta morreu sem ser respondida. O cocheiro parara, sem dúvida, assim como ela teria feito, por causa de um vulto enorme e escuro na frente deles. Era uma estrutura maciça de pedra cinza-escuro, obviamente construída séculos antes, em uma época de lutas freqüentes, e aumentada no decorrer dos anos até que fosse uma construção imensa, com paredes de pedra pura, ameias e torres nor-mandas. Tochas queimavam nos dois lados da entrada, pouco ajudando para diminuir a escuridão. A parte rural era dominada por sombras e presságios. Castelo Cleybourne. Não era difícil para Jessica acreditar que era a propriedade rural de uma família rica e poderosa. Nem era difícil imaginar o lugar sendo sitiado, com máquinas de guerra tentando derrubar seus muros maciços, soldados nas ameias atirando flechas nas tropas embaixo. O mais difícil era imaginá-lo como um lugar acolhedor para se trazer uma adolescente que acabara de perder o último parente querido. Não conseguiu evitar um suspiro. Talvez tenha sido um erro, afinal, agir apressadamente sob as ordens do general. Ficara tão emocionada quando o criado pessoal dele correra pelos corredores, espalhando a notícia de sua morte, que imediatamente começou a preparar Gabriela e a si própria para a viagem até o novo tutor da menina. A morte do general Streathern, que aconteceu logo após as palavras aparentemente proféticas dele, a deixara assustada e chocada, dando ao que ele falou uma importância sinistra. Será que ele previra que a morte viria tão rápido? Será que previra outras coisas, que o fizeram querer levar Gabriela para longe das mãos de lorde Vesey? Ficara sentada com Gabriela o resto da noite, abraçando a menina enquanto
  • 18. ela chorava sua tristeza, até que finalmente caiu em um sono agitado. Jessica ficara ao lado da menina, cochilando um pouco na cadeira de balanço ao lado da cama, pensando no general e permitindo que suas próprias lágrimas rolassem pelo homem que fora tão bom com ela, ficando a seu lado quando todo o resto da sociedade a desprezara. Não chorava por alguém assim desde a morte do pai, dez anos antes. Na manhã seguinte, revelara para Pierson, o mordomo, as últimas instruções do general, e ele imediatamente designou duas empregadas para arrumarem as roupas e outros objetos necessários de Gabriela para a viagem. Ele não teria ignorado as ordens do general de jeito nenhum, assim como os outros empregados, mas Jessica podia ver nos olhos dele que concordava com o general sobre a sensatez de afastar Gabriela de lorde Vesey. Jessica fora providenciar seus afazeres, cuidando dos preparativos para o funeral e comunicando a todos que precisavam ser avisados sobre a morte do velho homem, incluindo lorde Vesey, na hospedaria da aldeia, mesmo que parecesse uma facada no peito pensar no provável prazer daquele homem repugnante com a notícia. Escrevera cartas aos amigos do general, contando sobre a morte dele, e outra para o duque de Cley-bourne explicando a situação, enquanto os outros empregados faziam os preparativos necessários na casa: colocar panos sobre as portas, virar os espelhos para a parede, cobrir as maçanetas das portas. Todos os momentos que sobraram, Jessica os passou com Gabriela, tentando amenizar a dor da nova morte e da separação. A menina estava pálida e com os olhos fundos, mas calma, não cedendo às lágrimas de novo até os últimos momentos do funeral. O coração de Jessica sofria pela menina. Gabriela passara por mais tristeza do que uma menina de 14 anos deveria suportar: perder os pais aos oito anos e, agora, perder o homem que fora um avô para ela, seu único parente vivo, já que não se podia contar com lorde Vesey. Só lhe restavam Jessica e o estranho que seria seu tutor. Apesar da tristeza da menina, Jessica sabia que tinha de explicar a ela por que tinham de partir o mais breve possível. É claro que não explicou a depravação de lorde Vesey, julgando inadequada para os ouvidos de uma jovem, assim como excessivamente assustador. Entretanto, não precisou justificar a partida. Assim que Gabriela soube que iriam embora, para evitar lorde Vesey, ficou ansiosa para partir. — Eu o odeio — disse Gabriela com veemência. — Sei que é errado. Ele é mais velho e merece respeito... mas ele me dá arrepios. A forma como me olha... é como se uma cobra cruzasse meu caminho. — Eu entendo. É uma analogia adequada — concordou Jessica. — Ele é um homem cruel. Seu tio-avô também achava isso. Você nunca deve ficar sozinha com ele. Se ele entrar em um lugar, você sai. — Farei isso. No funeral, Leona chorou de forma encantadora. Jessica perguntou-se por que a mulher se incomodava, já que o general estava morto. Será que tinha esperança
  • 19. de influenciar o advogado que leria o testamento? Ou será que era simplesmente incapaz de deixar passar uma oportunidade de chamar a atenção de todos? A própria Jessica lutou para não chorar, sentando-se ao lado de Gabriela e segurando sua mão. Sabia que precisava ser forte, para o bem de Gabriela, mas não podia deixar de se lembrar da bondade que o general Streathern demonstrara para com ela, até que finalmente não conseguiu mais conter as lágrimas e chorou também, lágrimas silenciosas escorrendo pelo rosto. Depois, na sala de visitas formal da casa do general, o advogado dele, sr. Cumpston, leu o último desejo e o testamento para eles. Jessica não se surpreendeu ao saber que o idoso deixara a casa e toda sua fortuna para Gabriela, e nada para os Vesey. Foi o que ele lhe dissera. Entretanto, ficou chocada ao saber que ele deixara para Jessica sua caixa de madeira marchetada favorita, contendo várias recordações, assim como uma quantia em dinheiro. Ela fitou o advogado, perplexa, alheia aos olhares malévolos que os Vesey lhe lançaram. Sabia que não era uma grande quantia, comparada com a fortuna de Gabriela. Tinha certeza que Leona consideraria isso uma mera esmola. Mas era suficiente, se fosse investido com sabedoria, para dar a Jessica uma forma de se sustentar pelo resto da vida. Não precisaria racionar nem poupar, e nunca mais ficaria dependente dos outros. Significava a libertação da existência dolorosa e freqüentemente humilhante na qual o escândalo com seu pai a mergulhara, e seu coração se encheu de gratidão pelo general. Lorde e lady Vesey, como ela esperara, protestaram contra o conteúdo do testamento longa e vigorosamente. — Sou sobrinho dele! — reclamara lorde Vesey. — Tem de haver um engano. Ele não teria deixado dinheiro para o mordomo, para o criado pessoal e... para ela... — Apontou de forma insolente para Jessica. —... e nada para um parente! — É por sua causa! — acrescentou Leona, olhando para Jessica com ódio. — Acho que todos sabemos por que ele deixou dinheiro para você, não é? O tipo de serviço que você prestava para o velho... — Lady Vesey! — exclamou o sr. Cumpston, chocado. — Como pode dizer isso do general? Ou da srta. Maitland? — Com muita facilidade — retrucou Leona com desdém. — Não sou uma camponesa inocente como o senhor. — Fui amigo do general Streathern por muitos anos — respondeu o sr. Cumpston. — Eu o conhecia bem, e sei que não havia nada vergonhoso entre ele e a srta. Maitland. Ele explicou todos os seus desejos para mim. — Ele foi influenciado por ela! — reclamou Leona, o rosto adorável contorcido de forma bem menos encantadora. — Por ela e por aquela menina! — Apontou para Gabriela. — Elas o convenceram a nos excluir. — Isso mesmo — concordou lorde Vesey. — Influência indevida, foi o que aconteceu. Ele era idoso e frágil. Provavelmente, não sabia o que estava fazendo. Levarei isso ao tribunal.
  • 20. — Muito bem, lorde Vesey — disse o advogado com um suspiro. — Certamente pode fazer isso. Mas acho que vai simplesmente jogar seu dinheiro fora. O general estava em plena posse de suas faculdades mentais até ser acometido pela apoplexia naquele dia, e existem muitas pessoas respeitadas nesta comunidade que podem testemunhar isso. As testemunhas do testamento foram sir Roland Winfrey e o nobre sr. Ashton Cranfield, que estavam visitando o general na época. Eles também podem testemunhar a capacidade do general de saber o que estava fazendo, e acho que o senhor achará poucos que contestariam a palavra desses senhores. Lorde Vesey deu um sorriso de escárnio, mas ficou quieto. Jessica não tinha uma opinião muito boa sobre a inteligência dele, mas suspeitava que até lorde Vesey perceberia que havia pouca esperança com dois homens tão respeitáveis como testemunhas contra ele. Leona e ele deixaram a casa logo depois, e Jessica sinceramente esperava que fosse a última vez que ela e Gabriela os veriam. Obediente à sua promessa ao general, ela e Gabriela também partiram naquela tarde, após empacotar as últimas coisas, colocar em um baú a linda caixa de madeira que o general lhe dera e despedir-se dos empregados da casa com lágrimas nos olhos, prometendo mandar notícias quando chegassem à casa do novo tutor de Gabriela. Viajaram a noite inteira, parando apenas para trocar os cavalos em estalagens no caminho. Ela e Gabriela dormiram da melhor forma que puderam na barulhenta carruagem, sendo acordadas com freqüência por solavancos e sobressaltos. Embora a carruagem fosse bem equipada e o mais confortável possível, era uma viagem difícil, e um alívio sempre que paravam em uma hospedaria para trocar os cavalos e podiam sair um pouco para esticar as pernas, livres do constante movimento do coche. Agora que chegavam à fortaleza do duque, na noite seguinte, Jessica ficou mais uma vez consternada. O castelo não parecia um lugar acolhedor. — Já chegamos? — perguntou Gaby, puxando a cortina e olhando para fora. Prendeu a respiração quando viu a sombria estrutura. — Nossa... parece algo saído de um livro... você sabe, dos romances que o vovô não gostava que eu lesse. Não parece que tem fantasmas e vilões? — E pelo menos um monge maluco — acrescentou Jessica secamente, ficando satisfeita quando a menina soltou um risinho. — Podemos prosseguir? — Ah, sim. Parece muito interessante. Jessica sorriu para a menina. Era incrível como Gabriela estava lidando tão bem com a situação. Jessica tinha certeza que muitas outras moças já teriam tido um ataque de nervos, devido aos eventos dos últimos dias. Ela mandou o cocheiro prosseguir e acomodou-se em seu lugar. Esperava que o duque de Cleybourne não ficasse ofendido pela chegada noturna. Não era a melhor hora para importunar alguém, mas esperava que ele entendesse a urgência delas. Era uma pena, pensou ela, que o pai de Gabriela e o general tivessem escolhido alguém com linhagem e classe social tão altos para ser o tutor da menina. Temia que ele fosse arrogante a ponto de ser difícil conversar com ele. Jessica fora criada em bons círculos:
  • 21. o irmão do pai era barão e o pai da mãe, também. Mas havia uma longa distância de um duque, o título mais alto que alguém podia ter abaixo da realeza. Alguns duques eram até da realeza. Temia que ele a dispensasse, achando que a educação e o treinamento de Gabriela não fossem bons o suficiente para um duque. No entanto, manteve esses pensamentos para si mesma, não querendo preocupar Gabriela. A carruagem passou pela entrada, parou por um momento, depois atravessou o pátio. A entrada algum dia fora o muro externo do castelo, supôs Jessica, com portões enormes que eram fechados à noite, mas nos tempos modernos não havia mais portões, só a entrada. Do lado de dentro dos muros, havia um pequeno pátio revestido de pedras. O cocheiro parou em frente aos degraus na frente da casa, depois desceu para ajudar Gabriela e Jessica a saírem. A casa era imponente, os degraus de pedra gastos pelo tempo levavam a uma porta grande de madeira belamente entalhada. Ocultando seus sentimentos, Jessica subiu a escada, Gabriela logo atrás, e bateu com firmeza à porta da frente, que foi aberta quase imediatamente por um assustado lacaio. — Pois não? — Sinto muito incomodar a uma hora dessas. Sou Jessica Maitland, e esta é Gabriela Carstairs. Estamos aqui para ver o duque de Cleybourne. O jovem empregado continuou a encará-las sem expressão. — O duque? — perguntou finalmente. — Sim. — Jessica imaginou se o homem não era bom da cabeça. — O duque. A srta. Carstairs é sobrinha-neta do general Streathern. O pai dela era amigo do duque. — Ah, entendo. — O lacaio franziu a testa mais um pouco, mas se afastou, permitindo que elas entrassem. — Sentem-se, por favor, que vou avisar Sua Alteza que as senhoritas estão aqui. Jessica percebeu que não havia sido a mais agradável das saudações. Seu constrangimento aumentou. E se a carta tivesse atrasado e o duque ainda não a tivesse recebido? Elas tinham viajado muito rápido, e era possível que tivessem passado à frente da correspondência. O lacaio saiu por alguns instantes, e quando voltou, foi com outro homem, mais velho, que veio em direção a Jessica. — Sinto muito, srta.... Maitland, não é isso? Meu nome é Baxter. Sou o mordomo. Receio que esta não seja uma boa hora para ver Sua Alteza. Afinal, são nove horas da noite, um tanto tarde para uma visita. — Mandei uma carta para ele — disse Jessica. — Ele não a recebeu? Expliquei as circunstâncias de nossa chegada. — Eu, ah, não tenho certeza, chegaram cartas, mas não sei se ele as leu ou não. Parece que Sua Alteza não estava esperando as senhoritas. — Sinto muito se ele não recebeu a carta. Mas se ele a recebeu e apenas não leu, seria uma boa idéia se ele fizesse isso agora. Explicará tudo. Sei que deve parecer estranho, mas realmente preciso vê-lo. Peço que volte e diga que é imperativo que
  • 22. conversemos. Viajei uma boa distância. Ele é tutor dela. O homem fitou Jessica de forma um tanto cética. — Tutor? — Sim. —Jessica endureceu a voz o máximo que pôde. O mordomo fez uma reverência e saiu, mas voltou poucos minutos depois, parecendo desculpar-se. — Sinto muito, senhorita, mas Sua Alteza está inflexível. Ele não é o tipo de pessoa que gosta de contatos sociais. Sugeriu que a senhorita procure o administrador da propriedade, o sr. Williams, amanhã. — O administrador da propriedade! — A raiva subiu à cabeça de Jessica. Estava cansada, com sede e com fome, além de suja, pela poeira da estrada. Só queria se lavar, depois cair na cama e dormir bastante. Era irritante que o duque detestavelmente orgulhoso não tivesse nem a cortesia de recebê-la. Durante os anos desde a morte de seu pai ela se acostumara ao menosprezo e à desconsideração, às pequenas e dolorosas agulhadas de humilhação que os ricos e poderosos freqüentemente infligiam. Mas eles sempre aumentavam sua ira, e este era muito pior, porque estava menosprezando Gabriela também. Olhou para a pupila e viu que o bonito rosto de Gaby estava pálido e apreensivo. Ela, com certeza, estava preocupada que seu tutor não tivesse simpatia por ela, que se recusasse a ser seu tutor ou, ainda pior, fosse severo. Ver as mãos de Gabriela se contorcendo no colo atiçou mais ainda a cólera de Jessica. — Sinto muito que seja inconveniente para seu patrão vir aqui embaixo para conhecer uma órfã que foi colocada sob seus cuidados — retrucou Jessica. — Mas receio que ele não tenha alternativa quanto a isso. Ele é o tutor de Gabriela, não o administrador da propriedade, e eu desejo falar com ele. Viajamos um dia e meio para vê-lo, e não tenho nenhuma intenção de voltar para a aldeia a esta hora para conseguir um quarto na hospedaria. O mordomo mexeu-se nervosamente sob os olhos cintilantes de Jessica. — Sinto muitíssimo, senhorita... — Pare de dizer isso! Apenas me diga onde ele está e eu mesma darei o recado. Os olhos do homem arregalaram-se de horror. — Senhorita! Não, não pode... Mas suas palavras caíram no vazio, já que Jessica passava por ele, dizendo para Gabriela: — Espere aqui, Gaby. Voltarei em um instante. O mordomo correu atrás dela, agitando as mãos com nervosismo. — Mas a senhorita não pode... Sua Alteza não está recebendo. Já é muito tarde. — Sei bem que horas são. E, francamente, não me importo se Sua Alteza está recebendo ou não. Tenho a intenção de falar com ele e não sairei desta casa até que
  • 23. faça isso — disse Jessica enquanto atravessava o enorme salão central além das escadas. — Suas únicas opções são me dizer onde ele está ou deixar que eu grite por ele — informou ela por sobre o ombro. — Gritar? — Parecia que o homem ia desmaiar de horror com a idéia. — Srta. Maitland, por favor... — Olá? — chamou Jessica em voz alta, colocando as mãos em volta da boca. — Estou procurando o duque de Cleybourne. O mordomo ofegava atrás dela. — Não! Senhorita, não deve fazer isso, não é certo. — E é certo um homem ignorar suas obrigações com um amigo morto, dizer para uma menina de 14 anos de idade que acabou de perder todas as pessoas de quem gostava que ela deve voltar para passar a noite em uma hospedaria e conversar depois com o administrador da propriedade? Posso ser inconveniente, mas não sou cruel. Ela foi em direção ao corredor principal, que levava ao salão central, gritando de novo: — Cleybourne! No final do corredor, uma porta se abriu e um homem saiu. Era alto, com cabelo preto grosso e desgrenhado e olhos quase tão escuros quanto o cabelo. As maçãs do rosto eram grandes e pronunciadas, o maxilar, firme, e as bochechas, encovadas. Vestia calças e camisa, sem paletó nem gravata, e o botão de cima da camisa estava aberto. Olhou através do corredor para Jessica. — Que diabos está acontecendo aqui? Quem está fazendo essa algazarra? — Eu estou — respondeu Jessica, andando em direção a ele com firmeza. — E quem é você? —Jessica Maitland, cuja mensagem o senhor ignorou. — Sinto muito, Alteza. — O mordomo correu em direção a ele, ofegante. — Não se preocupe, Baxter. Posso cuidar disso sozinho. — O homem oscilou um pouco, colocando a mão no batente da porta para se equilibrar. — O senhor está bêbado! — exclamou Jessica. — Não estou, não — contestou ele. — De qualquer forma, minha sobriedade não é da sua conta, srta. Maitland. Ainda não estou disponível para qualquer debutante que chegue com uma mãe ambiciosa e queira se alojar na minha casa. Desde que o tolo do Vindefors se casou com a menina que se alojou em sua casa depois de um acidente, toda mãe avarenta está tentando imitá-la. — Não faço idéia do que o senhor está falando — disse Jessica com impaciência. — Mas não tem nada a ver comigo ou com meu objetivo aqui, como o senhor saberia se tivesse escutado o que seu mordomo disse. O homem levantou as sobrancelhas. Jessica tinha certeza que ele estava acostumado a não escutar o que o mordomo dizia ou teria contestado, dada sua posição. — Sinto muito — disse ele de forma fria.
  • 24. — Deveria mesmo — replicou Jessica. — A srta. Carstairs e eu fizemos uma viagem longa e difícil, e é demais escutar que devemos sair e procurar uma hospedaria a esta hora da noite. — Pode-se dizer que é demais esperar que um estranho acolha alguém a esta hora. — O duque cruzou os braços, en-carando-a. — E quem é a srta. Carstairs? — Ela é filha de um homem que o considerava um amigo — respondeu Jessica. — Um amigo tão bom que o nomeou tutor dela. Cleybourne deixou os braços caírem e encarou-a. — Roddy? Roddy Carstairs? Está dizendo que a filha de Roddy Carstairs está aqui? — É exatamente o que estou dizendo. Não recebeu minha carta? Ou simplesmente não se incomodou em lê-la? Ele piscou, depois disse: — Que diabo! Ele virou e entrou no cômodo do qual saíra. Jessica seguiu-o. Era um escritório decorado com masculinidade em tons de marrom e bronze, com cadeiras de couro, uma escrivaninha maciça e paredes de madeira escura. Havia um fogo baixo na lareira, a única luz no ambiente além do lampião em cima da escrivaninha. Uma decantadeira e uma taça estavam na escrivaninha, testemunhas silenciosas do que o duque estava fazendo no escritório mal iluminado. No canto na escrivaninha, havia uma pequena pilha de cartas. Cleybourne mexeu nelas e puxou uma. A caligrafia de Jessica enfeitava a frente, e ela continuava selada. Ele quebrou o selo e abriu-a, aproximando o papel do lampião para ler. — Posso dizer o que a carta diz. Sou a governanta da srta. Carstairs, Jessica Maitland, e o tio-avô dela, general Streathern, faleceu alguns dias atrás, deixando a menor de idade totalmente órfã. Como o senhor foi nomeado no testamento do pai dela como seu tutor se o tio faltasse, o general achou que o senhor era o homem apropriado para se tornar tutor dela após sua morte. O duque praguejou baixinho e jogou a carta de Jessica na mesa. Olhou para ela de novo, ainda com a testa franzida. — A senhorita não parece com nenhuma governanta que eu já tenha visto. A mão de Jessica foi instintivamente até o cabelo. O cabelo ruivo e encaracolado tinha vontade própria, e, independentemente de quanto ela tentasse domá-lo em um coque que fosse adequado a uma governanta, ele conseguia se soltar de alguma forma. Agora, ela percebia, após a longa viagem na carruagem, que parte dele estava solta do coque e contornava-lhe o rosto com cachos selvagens vermelhos como fogo. O chapéu também estava fora do lugar. Sem dúvida, estava um horror. Constrangida, puxou o chapéu e tentou endireitar o cabelo, procurando um grampo para prendê-lo, e o resultado foi que mais cabelo caiu-lhe sobre os ombros. Os olhos de Cleybourne foram involuntariamente para a cascata brilhante de
  • 25. cabelo, brilhando sob a luz do lampião, e algo se contraiu em seu abdômen. Os cabelos dela fariam um homem querer mergulhar as mãos neles, o que não era o tipo de pensamento que Richard normalmente tivesse sobre uma mulher. Desde a morte de Caroline, ele se trancara e se afastara do mundo, evitando principalmente a companhia de mulheres. O som musical das gargalhadas, o toque dourado da luz de uma vela sobre os ombros femininos nus, o sopro do perfume... tudo fazia com que se lembrasse do que tinha perdido, e ficava enraivecido sempre que olhava para elas. A única mulher que via com regularidade, além das empregadas, era a irmã da esposa, Rachel. Talvez ela fosse a mais dolorosa de se ver, entre todas as mulheres, já que se parecia muito com Caroline: alta, com cabelo escuro, olhos verdes como grama, mas ele gostava demais dela para evitá-la, e era a única pessoa em todo o mundo que compartilhava sua tristeza. Mas nunca, em quatro anos, desde a morte de Caroline, ele olhara para uma mulher e sentira uma pontada de puro desejo. Ah, houve vezes em que sentira as necessidades naturais de um homem, mas foram apenas questões de instinto e da quantidade de tempo que tinha se passado desde que experimentara o prazer do corpo de uma mulher. Não tinha sido despertado por causa do cabelo ou das curvas do ombro ou do som da voz de uma mulher em particular. Parecia absurdo sentir isso agora, com essa governanta megera. Meu Deus, ela era bonita, viva e diferente, com olhos surpreendentemente azuis e pele pálida e macia, e a cascata selvagem de cabelo... e sua imagem alta e escultural não conseguia ser completamente apagada pelo vestido simples e escuro que usava. Mas também era ruidosa, estridente e completamente sem modos. Ele não sabia se já tinha visto uma mulher com modos menos femininos. Não a queria em sua casa, nem ela nem a menina, de quem ela dizia que ele era tutor. Ele viera para cá para terminar seus dias neste lugar onde a vida parou quatro anos antes, embora o coração continuasse a bater. Como poderia fazer isso com essa mulher e uma menina boba em casa com ele? — Como posso saber que isso é verdade? — perguntou ele abruptamente. — Que provas a senhorita tem? Jessica tentara sem sucesso prender o cabelo em um nó, mas finalmente deixou isso de lado. Ela se empertigou com as palavras dele. — Eu detestaria ser tão desconfiada quanto o senhor — disse ela de forma sarcástica. — Primeiro, o senhor supõe que somos algum tipo de caçadoras de marido e agora duvida que realmente é tutor de uma pobre menina órfã. — As pessoas aprendem a desconfiar quando passam por experiências difíceis — disse Cleybourne simplesmente. — Então? Se sua história é verdadeira, deve haver provas. — Claro que há provas. — Jessica colocara o testamento e a carta do general dobrados no bolso quando saiu da carruagem, e agora os pegou, entregando-os ao
  • 26. duque. — Aqui está o testamento do general e uma carta que ele escreveu para o senhor, explicando as circunstâncias. Não tenho, porém, uma cópia do atestado de óbito dele comigo, se duvida que ele realmente esteja morto. Cleybourne apertou os lábios e pegou os papéis dela. Seus olhos passaram pelo testamento até encontrar a cláusula que o nomeava tutor da sobrinha-neta do general Streathern, Gabriela Carstairs, filha de Roderick e Mary Carstairs. Ele suspirou, dobrando o testamento. Pobre Roddy. Lembrava-se bem de quando o amigo e a esposa morreram, ambos abatidos por uma febre letal que varrera o Sul da Inglaterra naquele ano. A jovem filha deles sobrevivera apenas porque o médico insistira que ela e a babá ficassem isoladas no quarto da menina, sem visitar os pais. Ele abriu a carta e leu, apertando os olhos para decifrar os rabiscos de um homem idoso e doente. Em determinado ponto, ele exclamou: — Vesey é o único parente vivo dela! Meu Deus! — Exatamente. —Jessica ficou aliviada com a reação dele ao nome de Vesey. Da forma como vinha agindo, ela temera que ele decidisse entregar Gabriela ao lorde Vesey em vez de ele mesmo se envolver com ela. — O general tinha medo que lorde Vesey tentasse tirar a tutela dela do senhor... só não sei exatamente como. Foi por isso que ele insistiu que partíssemos imediatamente após a leitura do testamento e viéssemos diretamente para cá. Foi uma viagem longa e exaustiva. Gabriela está muito cansada. — Sim, claro. — Os olhos dele estremeceram, e ele percebeu pela primeira vez os círculos escuros de exaustão e preocupação embaixo dos olhos dela. — A senhorita também, posso imaginar. — Suspirou e colocou os documentos na escrivaninha. — Bem, não há nada a fazer a não ser hospedá-las aqui, claro. — Ele parou, depois acrescentou formalmente: — Desculpe-me pela recepção quando chegou. Não tinha idéia de quem a senhorita era. Eu... todo mundo pode lhe dizer que não sou um homem sociável. Jessica pensou em responder que isso não era nenhuma novidade para ela, mas segurou a língua. O homem podia ser esnobe e rude, mas não queria ofendê-lo tanto para que não tirasse Gabriela de seus cuidados. Ela engoliu o orgulho e disse: — Obrigada, Alteza. Estamos em débito com o senhor. — Mandarei Baxter acomodá-las para a noite. — Obrigada. —Jessica foi em direção à porta, então parou e virou-se para ele. — Eu... suponho que o senhor queira conhecer sua pupila. Devo trazê-la aqui? — Não! — A resposta dele foi rápida e inflexível, e o rosto, que tinha de alguma forma relaxado, de repente ficou duro como pedra. Aparentemente, ele percebeu a grosseria da resposta, então acrescentou: — Quero dizer, acho que seria melhor se não fosse agora. Tenho certeza que a srta. Carstairs está um tanto cansada da viagem. Conhecer-me seria apenas mais um fardo desnecessário para ela. Jessica encontrou os olhos dele por um longo momento sem vacilar. — Muito bem — disse ela em voz baixa. — Até amanhã, então.
  • 27. — Até amanhã. Ela virou e foi para a porta, passando por Baxter, que estava esperando, preocupado, no corredor. Escutou o duque chamar o mordomo enquanto voltava para o hall de entrada, com a cabeça fervendo. Achava que o homem podia ter feito a cortesia de pelo menos conhecer a nova pupila! A mera educação levaria a maioria das pessoas a cumprimentá-la, mesmo que não esperassem ou quisessem ter tal fardo em cima dos ombros. Viu que Gabriela estava esperando por ela, sentada sozinha no banco de mármore perto da porta da frente. O lacaio estava parado a poucos metros dela, quase como se fosse um guarda-costas. Gabriela estava balançando os pés, arrastando-os no mármore de uma forma que, em circunstâncias normais, Jessica teria chamado sua atenção. Mas, do jeito como as coisas estavam, só conseguia pensar em como Gabriela parecia magra, jovem e perdida, e seu peito se apertou com compaixão. — Gabriela. A menina virou-se, levantando os pés com apreensão. Jessica sorriu para ela. — Está tudo esclarecido agora — disse ela com toda alegria e confiança que conseguiu reunir. — O duque ainda não tinha lido minha carta, por isso não estava entendendo por que estávamos aqui. Você sabe, foi tudo feito com tanta pressa... — Claro. Mas agora está tudo bem? — O rosto de Gabriela se iluminou. — Ele quer que fiquemos? — Claro. —Jessica omitiu a relutância do homem em concordar que elas ficassem. Por mais que não gostasse dele, não queria influenciar os sentimentos da pupila em relação a ele. — Ele lembrou de seu pai com afeto e pesar. Acho que foi apenas pego de surpresa, sem esperar que tivesse acontecido alguma coisa ao general. — Vou conhecê-lo agora? — Gabriela sacudiu a saia e começou a se endireitar. — Não, acho melhor esperarmos para isso. Ele mostrou muita consideração e achou que você devia estar muito cansada para conhecer alguém agora. Amanhã será muito melhor. — Ah. — O rosto de Gabriela apagou. — Bem, acho que seria melhor mesmo conhecê-lo quando eu estiver com uma aparência melhor. — Parou, depois continuou, curiosa: — Que tipo de homem ele é? Como ele é? Alto, baixo, bondoso...? — Na aparência, ele é bonito — admitiu Jessica, afastando os outros pensamentos, menos positivos. — É alto e moreno. — Pensou nele, o pescoço moreno à mostra onde a camisa estava desabotoada, a largura dos ombros e do peito, não devendo nada a paletós com ombreiras que alguns homens usavam, os penetrantes olhos escuros, a saliência das maçãs do rosto. — Bem, é o tipo de homem que chama atenção. — Então ele tem a aparência que um duque deve ter? — Ah, sim.
  • 28. — Que bom. Estava com medo que ele fosse baixinho e gor-dinho. Você sabe, aqueles que têm dedos que parecem salsichas com anéis. Jessica teve de rir. — Isso é pouco provável no duque de Cleybourne. — Fico feliz. E ele é agradável? Quero dizer, não é arrogante? — Ele não pareceu fazer cerimônia — disse Jessica com cuidado. Não queria descrever a recepção fria ou a aceitação relutante, mas também não queria pintar um quadro muito positivo para Gabriela não se decepcionar profundamente quando o conhecesse. — Pelo tipo de homem que é, acho que devemos esperar para conhecê-lo melhor. Afinal, é difícil determinar em um encontro tão rápido. — Sim. Claro. — Gabriela assentiu. — Poderei dizer muito mais quando conhecê-lo amanhã. — Claro. — Certamente, pensou Jessica, o duque estaria com um humor melhor na manhã seguinte. Pensaria na carta do general e em seu velho amigo Carstairs, e já teria aceitado a situação, talvez estivesse até satisfeito com a idéia de criar a filha de Carstairs. Ele não seria tão rude ao ponto de não convidar Gabriela para ir a seu escritório para uma primeira conversa. Elas não tiveram de esperar muito até o mordomo vir procurá-las. Jessica ficou satisfeita em ver que o homem fez uma reverência não apenas educada, mas com certa ansiedade, como se estivesse feliz em dar as boas-vindas à menina. — Srta. Carstairs. Meu nome é Baxter. Sou o mordomo de Sua Alteza. Estou encantado em conhecê-la. Lembro-me muito bem de seu pai. Era um homem bom. O rosto de Gabriela se iluminou com um sorriso. — Obrigada. — As empregadas já arrumaram seus quartos. Sinto muito que estejamos tão malpreparados para a visita. Mas espero que tudo esteja ao agrado das senhoritas. — Tenho certeza que estará — respondeu Gabriela com outro sorriso estonteante, e o rosto do velho homem suavizou-se ainda mais. Ele as levou até os quartos, que eram afastados, longe dos outros, nos fundos da casa, no terceiro andar. Era um conjunto grande e alegre de cômodos, com uma sala central de estudos bem grande e três quartos menores. O quarto de Gabriela era muito bonito, mas um pouco infantil para ela, com uma colcha bordada amarela e dossel de renda sobre a cama, e papel de parede com rosas amarelas. Havia uma cadeira de balanço ao lado da cama, assim como uma cômoda, uma mesa e cadeiras brancas. O quarto de Jessica, ao lado do de Gabriela, era muito mais austero, com apenas uma pequena cômoda de carvalho para as roupas e uma cama estreita, também de carvalho, mas Jessica não esperava nada mais. Quartos de governantas, em geral, não eram nem grandes nem acolhedores. Pelo menos, este tinha uma pequena lareira, o que não fora o caso em nenhuma casa em que Jessica ficara. Assim que colocou os olhos sobre a cama, sentiu o cansaço tomar conta, e
  • 29. tudo que conseguiu fazer foi lavar o rosto e vestir a roupa de dormir. Finalmente, com um suspiro agradecido, acomodou-se entre os lençóis e fechou os olhos. Amanhã será melhor, repetiu para si mesma, e adormeceu, pensando no impertinente duque. Capítulo 3 Lady Leona Vesey cruzou os braços e olhou para o marido como se ele fosse um rato que acabara de entrar na sala. Estavam sentados na sala de estar da suíte no Grey Horse Inn no início da tarde, esperando o almoço ser trazido. Leona já estava cansada do serviço incerto e das instalações simples de uma hospedaria de aldeia. Como se isso não fosse irritante o suficiente, lorde Vesey acabara de lhe contar que iam voltar para a casa do general. — Você ficou louco? — perguntou ela com uma voz sarcástica, o tom mostrando que já tinha a resposta para a pergunta. — Por que diabos íamos querer voltar para a casa do general... Sinto muito, devo dizer a casa daquela bastarda? Não tenho vontade alguma que batam a porta na minha cara. O marido lançou um olhar mal-humorado para ela. Passara a noite após a leitura do testamento do general confortando-se com uma grande garrafa de vinho do Porto e, como conseqüência, esta tarde sua língua parecia estar coberta de pêlos e a cabeça povoada por um exército de minúsculos gnomos martelando. Lorde Vesey não gostava da esposa a maior parte do tempo. Neste momento, estava deliciando-se com visões em que colocava as mãos em volta do pescoço dela e apertava até seus olhos saltarem para fora. — Não vão bater a porta na nossa cara. — Seu cérebro, obviamente, não está funcionando por causa do vinho. Não se lembra? O general nos colocou para fora. — Sim, você conseguiu que isso acontecesse — concordou lorde Vesey. — Eu? — perguntou Leona, arregalando os olhos. — Eu consegui? Você era sobrinho-neto do homem. Foi você quem fez ele desconfiar de você. — Ah, mas você deveria saber como enrolar um velho de olhos fechados. Lembra? — Vesey sorriu cruelmente enquanto recordava das confiantes palavras da esposa quando souberam que o general Streathern estava em seu leito de morte. Pessoalmente, lorde Vesey nunca admirara a aparência da esposa. Casara-se com ela por ser a única mulher no reino que era indiferente a seus pequenos pecados e que ficava até feliz em deixá-lo seguir seu próprio caminho... contanto que ela também pudesse seguir o dela. Outros homens faziam de tudo para aproximar-se dos seios volumosos de Leona, mas ele achava tal luxúria grotesca. Preferia uma silhueta esbelta, flexível... como a da menina Gabriela. Inconscientemente, passou a língua pelos lábios
  • 30. ao pensar nela. Além do mais, Leona estava velha demais. Era o doce viço da juventude que ele preferia, e não havia nada melhor do que ser o primeiro a pegar a fruta. Ele apreciou tanto o olhar de contrariedade de Leona que continuou: — Esta é a segunda vez, você sabe. Primeiro, você arruinou o caso com Devin no último verão, e agora nem conseguiu despertar o interesse de um velho. Minha querida, temo que esteja perdendo seu jeito. Ou é a idade que está chegando, não acha? Os olhos de Leona foram tomados por chamas e o rosto se contorceu em uma careta. Queria pular sobre ele, com as garras para fora, e machucá-lo. Mas sabia que Vesey era tão covarde que provavelmente começaria a gemer e a gritar, e alguém viria correndo. Seria muito constrangedor deixar que todos da hospedaria vissem a criatura desprezível que seu marido era. Então, contentou-se em dizer: — Como se você soubesse o que um homem de verdade deseja! Você não passa de um degenerado! — Meu Deus, pensar que você conhece tal palavra! — Vesey arregalou os olhos de forma zombeteira. — Tem se deitado com algum homem das palavras? Leona zombou dele. Vesey mal era um homem. Fora para sua cama umas poucas vezes, no início do casamento, em uma frágil tentativa de fazer um herdeiro, como se algum deles se importasse com isso! Ela logo esclarecera o assunto. Não tinha nenhuma intenção de ficar gorda com o filho de ninguém, e esforçava-se para impedir que isso acontecesse. Ela considerara a noite de amor deles patética, nada parecida com a paixão que Devin lhe proporcionava. Até hoje, seus olhos brilhavam ao pensar nas habilidosas carícias dele. Nenhum outro homem fora capaz de fazê-la gemer e estremecer como Dev, e nesses últimos meses vinha sentindo muito a falta dele. Não importava com quantos homens, de lordes a trabalhadores, ela tentara substituí-lo, nenhum provara ter a energia ou a habilidade dele... uma mente criativa. O que mais doía era o fato de que Vesey estava certo. Ela realmente arruinara a coisa toda com Devin. Superestimara seu poder sobre ele. Fora ela quem sugerira que ele se casasse com a herdeira americana. Mas como poderia saber que a mulher pálida e socialmente desastrosa ficaria linda? Em vez de Devin pegar o dinheiro da mulher e gastar com Leona em sua busca pelo prazer, ele sossegara com ela na estúpida propriedade que tinha em Derbyshire, e Leona fora deixada sem nenhum tostão e sexualmente frustrada. Tudo isso a deixara com um mau humor permanente. — Isso não importa agora — disse ela, irritada. — Não recebemos nada no testamento do general, e o melhor que podemos fazer é voltar para casa. Mal posso esperar para me ver longe daqui. Não entendo como alguém consegue suportar viver no campo. — Ah, mas teremos a chance de ganhar alguma coisa, minha querida... muita coisa, na verdade, se tivermos a coragem de aproveitar o momento. — Aproveitar que momento? Do que está falando? Vesey suspirou
  • 31. exageradamente. — Você realmente é tão pouco sagaz? Podemos ter sido enganados em nossa herança, mas Gabriela só tem 14 anos. Sua fortuna será administrada pelo tutor. Se eu fosse o tutor dela, teríamos uma grande quantia à nossa disposição. E eu estou bastante disposto a me oferecer para... hum, cuidar para que a menina tenha uma educação apropriada. Leona revirou os olhos. — Você é um porco, Vesey. Além disso, é estúpido. Ela já tem um tutor. E o duque de Cleybourne não é um homem com quem você queira cruzar. Vesey deu de ombros. — Você está pensando no duque como ele era. A verdade é que, nos últimos quatro anos, ele tem sido uma sombra do que era. Você sabe que ele ficou recluso depois que a esposa morreu. Acha que alguém assim receberá uma adolescente em casa? Ele não precisa do dinheiro dela, é muito rico. Além disso, é nobre demais para pensar em usar o dinheiro dela em benefício próprio. Não, ela será apenas um aborrecimento para ele, e estou disposto a apostar que ele ficará feliz em passar esse fardo para outra pessoa. — Não se esse alguém for você. — Não estou dizendo que eu seria a primeira escolha de Cleybourne. Nunca fomos amigos... ele é muito chato. Mas, se eu já estiver na casa, digamos, em posse da menina, e ele vir que será uma batalha na justiça recuperar a guarda dela, bem, será muito mais fácil deixar que eu seja o tutor. — O que o faz pensar que estará com a posse da menina? Eles não vão nos deixar nem entrar. — Leona, quem vai nos impedir? Os empregados não terão coragem de impedir minha entrada. O velho está morto agora, afinal. Eles não têm mais a autoridade do general por trás deles. Não ousarão dizer não para um lorde, principalmente porque sabem que, se a menina não chegar à maioridade, eu herdarei tudo como único parente vivo. Acredite em mim, eles não arriscariam me ofender. — A menina pode dizer para eles não nos deixarem entrar. — Uma menina de 14 anos? Ela não teria coragem nem esperteza. — A governanta dela é uma fera. — Pode ser, mas é apenas uma governanta. Também não fará frente a um lorde. Quando eu aparecer na porta, eles não saberão o que fazer, exceto recuar e me deixar entrar. Estando na casa e com a menina sob controle, estaremos em vantagem. Vou apelar para ser nomeado tutor dela. Como único parente vivo, tenho uma boa causa e, além disso, não acho que Cleybourne contestará. Por que ele se importaria? Nem conhece a menina. Leona olhou para o marido, em dúvida. A coisa toda era bem menos certa do que Vesey fazia parecer. Por outro lado, estavam à beira da ruína financeira. De fato, já estavam deslizando ribanceira abaixo há algum tempo. Seus credores estavam ficando
  • 32. cada vez mais insistentes, e a última vez que Leona fora a uma costureira, a maldita mulher simplesmente se recusara a fazer outro vestido até que Leona pagasse sua dívida. Qualquer possibilidade de aliviar a situação deles valeria a pena. —Tudo bem — concordou ela. — Vamos para a maldita casa. Pelo menos, se eles baterem com a porta na nossa cara será divertido. Houve uma batida à porta e, sem esperar por permissão para entrar, o dono da hospedaria abriu-a e entrou no cômodo, carregando uma grande bandeja. — Boa tarde, meu lorde. Minha lady. Aqui está o almoço. A esposa dele veio atrás, carregando outra bandeja, e juntos eles arrumaram toda a comida na mesa. Leona olhou para a comida farta mas tinha certeza que era simples como todas as refeições que fizeram na hospedaria nos últimos dias. Nunca, pensou, apreciara tanto sua cozinheira de Londres. — Ah, Sims, peça que tirem minha carruagem depois que comermos. Eu e lady Vesey vamos nos mudar para a casa do general. — Claro, meu lorde. Vão até lá para resolver tudo, certo? Garanto que eles ficarão felizes em vê-los depois do ladrão na noite passada. — Ladrão? — Vesey olhou perplexo para o dono da hospedaria. — Do que está falando? — Ora, na casa do general, meu lorde. Achei que o senhor soubesse. Achei que era por isso que estava indo para lá, para garantir que a casa esteja segura. — O que aconteceu?—perguntou Leona. — O que roubaram? Sims balançou a cabeça robusta. — Aí que está. Não levaram muita coisa. Quebraram o cofre e espalharam as coisas que estavam dentro, mas Pierson não sabia exatamente o que o general guardava ali. Acham que sumiram algumas jóias. Abriram todas as gavetas na escrivaninha do general e mexeram em todos os papéis... o senhor sabe, o testamento do general, e todos os tipos de papéis de negócios. Quebraram algumas coisas. O lugar está uma bagunça, foi o que meu sobrinho me disse. Ele foi fazer uma entrega lá, e a cozinheira contou. Ele disse que o mordomo quase teve um ataque de nervos ao ver aquilo. O general ainda nem esfriou na cova. Ele suspirou de forma lúgubre. — Isso é triste. Não respeitam mais os mortos. Bem, pelo menos a menina estava bem longe de lá. Imaginem como ela teria ficado assustada. — Bem longe? — repetiu lorde Vesey com a voz abafada. — Ora, sim. — O homem olhou diretamente para Vesey. — O senhor não sabia? A jovem lady e sua governanta partiram ontem à tarde, após o funeral. Foram para a casa do tutor, parece que algum duque em Yorkshire. Achei que soubessem de tudo isso. — Sim, claro. Estava apenas distraído com sua história. Sei muito bem disso. Ela foi para o castelo Cleybourne. — Isso, é esse o lugar. — O dono da hospedaria assentiu. Afastou-se da mesa,
  • 33. dando um sorriso simpático para lorde Vesey. — Bem, aqui está, meu lorde. Tenham uma boa refeição. — O quê? Ah, sim, claro. — E pedirei que peguem a carruagem. — Ah, sim, faça isso. O dono da hospedaria seguiu a esposa para fora do quarto, fechando a porta, e Vesey mergulhou na cadeira com um suspiro. Leona olhou fixamente para ele com um sorriso malicioso. — Eu diria que isso leva todos os seus planos por água abaixo — disse ela sem nenhuma compaixão. — Que inferno! O que fez aquela menina sair correndo para Cleybourne dessa forma? — Hummm. Talvez ela soubesse o que você estava planejando. — Que absurdo! — Vesey, que se considerava bem esperto, lançou um olhar irado para a esposa. — Nem eu mesmo sabia do plano até alguns minutos atrás. Como ela poderia saber? Leona deu de ombros. — Bem, independentemente do que tenha acontecido, você não conseguiria pegá-la agora. Pelo menos, vamos poder voltar para Londres. Ela foi até a mesa e olhou para a comida. Vesey continuou na cadeira, mordendo o lábio inferior de modo pensativo. — Talvez não... — disse ele após um momento, levantan-do-se e dando uma volta ao redor da mesa, parecendo satisfeito consigo próprio. — Do que está falando? — perguntou Leona, mal-humorada. — Não voltar para Londres? Espero que não esteja mais pensando em ir até a casa do general. — Não. Principalmente com pessoas entrando e saindo, pegando coisas. Estava pensando em ir para Yorkshire. Leona encarou-o. — Não pode estar falando sério. Yorkshire? Cleybourne? Acha que pode arrancar a menina do duque? — Arrancar? Claro que não. Não seja ridícula. Mas perguntar não fará mal nenhum. Como disse antes, qual a utilidade que aquela menina tem para Cleybourne? Ele, provavelmente, adoraria se livrar dela. Como vamos passar por lá a caminho de Londres... — Um pouco fora do caminho, não acha? Vesey afastou com a mão a objeção. — Eu poderia me oferecer para tirar a menina dele. Parente de sangue. Ele pode ficar convencido com o raciocínio. — Sinceramente, duvido disso. — Leona acreditava pouco na capacidade de seu marido em convencer alguém. — Cleybourne sempre foi do tipo honrado, não um puritano como Westhampton, claro. Ele gostava de se divertir antes de se casar com a
  • 34. irmã de Dev, mas o casamento acabou com ele. — Ela parou, parecendo pensativa. — Mas tem vivido como monge desde que Caroline morreu. Vesey olhou para ela. — Do que está falando? — Bem... talvez ele não esteja imune a um pouco de persuasão feminina. Quanto tempo faz desde que Caroline morreu... três, quatro anos? É muito tempo. Não ouvi nenhum boato de que ele estava tendo um caso com alguém, nada. Lorde Vesey sorriu. — Você acha que ele está pronto para ser agarrado? Os olhos dourados de Leona estavam brilhando de expectativa. — Um viúvo solitário... noites de inverno em volta de uma lareira aconchegante... é um alvo muito fácil para alguém com meus talentos. Quanto mais pensava nisso, mais Leona gostava da idéia. Cleybourne era um homem bonito, alto, com ombros largos e rico. Seduzi-lo e levá-lo para a cama não seria nenhum sacrifício para ela, e seria prazeroso ter um novo e indulgente amante. Ela não sabia se ele entregaria a menina para Vesey, mas isso era secundário para Leona. O mais importante era a perspectiva de conseguir um amante apaixonado para mimá-la com presentes caros. — Não sei, Leona — advertiu Vesey. — Ele é amigo dos Aincourt, e você sabe o que eles pensam de você. Os olhos de Leona brilharam. — Não me importo se ele é íntimo da repugnante lady Westhampton. Ela é irmã de Dev e isso nunca o manteve longe da minha cama. Confie em mim, algumas horas com Cleybourne e ele estará correndo atrás de mim. Alguns dias e ele estará disposto a me dar o que eu quiser. Lorde Vesey sorriu. — Bem, então, coma, e partiremos para Yorkshire. Jessica acordou na manhã seguinte com o humor muito melhor. Uma boa noite de descanso geralmente era o melhor antídoto para os medos e as dúvidas de alguém. Olhando pela janela do quarto para os campos de Yorkshire, cobertos pela luz fraca do sol de inverno, ela acreditou nas palavras tranqüilizadoras que dissera para Gabriela na noite anterior. Tinha certeza de que, esta manhã, o duque de Cleybourne seguiria o caminho honrado e aceitaria ser tutor da menina e daria boas-vindas a ela. Ele apenas fora pego de surpresa. Jessica tomou o café-da-manhã com Gabriela, conversando sobre como explorariam a casa naquele dia. Mais tarde, naquela manhã, quando um empregado veio à suíte com um chamado do duque, ela o seguiu até o andar de baixo com um passo lento. O lacaio levou-a ao mesmo escritório em que ela conversara com Cleybourne na noite anterior, depois fez uma reverência e saiu do cômodo, fechando a porta. O duque de Cleybourne estava sentado atrás de sua mesa maciça, vestido de modo mais
  • 35. formal do que na noite anterior, usando paletó e gravata branca. Levantou-se quando ela entrou e, com um gesto, indicou-lhe uma cadeira em frente à escrivaninha. — Srta. Maitland. — Sua Alteza. — Por favor, sente-se. Ao olhar para o rosto dele, parte do bom humor de Jessica evaporou-se. À luz do dia, ele estava tão bonito quanto parecera na noite anterior, à luz fraca da vela, mas a expressão estava ainda mais implacável. Perguntou-se, rapidamente, se o homem sabia sorrir. — Pensei muito nesta situação — começou Cleybourne com um tom de voz pesado. — E cheguei à conclusão de que não seria bom para a srta. Carstairs ser minha pupila. Jessica ficou tensa, e suas mãos seguraram o braço da cadeira, como para se prender a ela. — Sinto muito. Talvez eu tenha entendido mal. Está dizendo que vai nos mandar embora? O senhor deixará Gabriela nas mãos de Vesey? Estava pensando em mil coisas ao mesmo tempo enquanto falava, pensando em como poderia fugir com Gabriela antes que ele entregasse a menina para Vesey. Para onde poderia ir? Como poderia protegê-la? Cleybourne corou, e seus lábios se apertaram. — Meu Deus, não, não tenho a intenção de entregá-la para aquele canalha! Como pode perguntar isso? — Como não? — respondeu Jessica acaloradamente. — Não sei nada sobre o senhor, exceto que se recusa a ser o tutor dela. — Não é exatamente isso. É apenas que... bem, quando o pai dela escreveu o testamento, as circunstâncias eram diferentes. Minha esposa ainda estava viva e minha... — Ele parou de forma abrupta e ficou de pé, empurrando a cadeira para trás. — Mas minha casa é de solteiro hoje em dia, srta. Maitland — continuou, afastando-se dela. — Não é um bom lugar para uma jovem. Ela precisa de uma mulher guiando-a, alguém que possa planejar seu debute e apresentá-la à sociedade, ensinar-lhe todas as coisas que uma menina prestes a se tornar mulher precisa saber. Eu estaria completamente perdido em relação a qualquer uma dessas coisas. — Ela tem a mim, senhor — disse Jessica, ficando de pé também. — Posso ser apenas uma governanta, mas tive meu debute em Londres. Fui criada como Gabriela deve ser criada. E quando chegar a hora de ela debutar, o senhor, com certeza, tem alguma parente: irmã, mãe ou tia, que esteja disposta a guiá-la através das águas da sociedade de Londres. — Soluções improvisadas, srta. Maitland — disse ele em um tom de voz mais articulado, encarando-a do outro lado da mesa. — Não tenho dúvidas de que é excelente professora. Entretanto, ela precisa de mais do que isso. Ela deve ter a companhia e a
  • 36. liderança de uma mulher mais velha, com mais experiência na sociedade. Não posso oferecer isso, nem a senhorita. — Neste momento, ela precisa de conforto e força, e isto é mais importante do que o que ela vai precisar daqui a quatro anos. Ela precisa de um lar, um lugar ao qual pertença, onde seja bem-vinda. Ela perdeu os pais seis anos atrás e agora perdeu o homem que considerava um avô. Ela não tem família, já que não vou considerar lorde Vesey. — Claro que não. Mas eu também não sou da família dela. — Não, mas era amigo do pai dela. O senhor é o homem que ele queria que fosse seu tutor. Por causa disso, ela confia no senhor. E o general também queria que o senhor fosse o tutor dela. Ele confiou no senhor. Não leu a carta? Ele temia que Vesey tentasse... — Não deixarei que Vesey fique com ela. Já lhe disse isso. Não estou colocando vocês duas na rua. — Cleybourne franziu a sobrancelha. — Droga! A senhorita é uma mulher irritante. Já disse: encontrarei um lugar adequado para ela. Minha cunhada, talvez, escreverei a Rachel para saber se ela e o marido podem criar Gabriela. É claro que ficarão aqui até que eu encontre um lugar apropriado, e garanto que, se Vesey insistir no assunto, cuidarei dele. Jessica ia começar a discutir com ele, mas parou e apertou os lábios, controlando a raiva. Tinha de ficar com Gabriela; esta era a coisa mais importante, principalmente se esse homem fosse se livrar da menina. Já o pressionara o quanto ousava. Não podia ofendê-lo tanto a ponto de ele dispensá-la. — Muito bem, Sua Alteza. O duque levantou a sobrancelha, surpreso com a obediência dela. — Sim. Bem, estamos combinados, então. — Posso trazer Gabriela para conhecê-lo agora? — O quê? — Um olhar estranho, quase de medo, cruzou-lhe o rosto, e ele logo balançou a cabeça. — Não. Eu... acho melhor não nos conhecermos. — O quê? —Jessica estava perplexa demais para não encará-lo. — O senhor não vai ao menos conhecê-la? — Será melhor para ela. — Como pode ser melhor para ela? — perguntou Jessica, a raiva aumentando com muita força para ela ser prudente. — Saber que o senhor não vai nem vê-la? Que não pode ser importunado? — Basta, srta. Maitland! — Os olhos escuros dele brilhavam. — Devo lembrar-lhe de que sou o tutor dela e a decisão é minha. Ela não deve se afeiçoar a este lugar. Esta não será a casa dela. Será mais fácil para ela ir embora dessa forma. — Quer dizer mais fácil para o senhor! — replicou Jessica, de forma acalorada. Richard arregalou os olhos, perplexo, e Jessica percebeu, então, que fora longe demais. Mas, no momento seguinte, para surpresa dela, o duque soltou uma curta
  • 37. gargalhada. — Não consigo imaginar como era governanta, srta. Maitland, com a língua afiada que tem. Jessica levantou um pouco o queixo. — O general Streathern aprovava o discurso direto. — Não acredito que ele aceitasse insubordinação. Olhando Cleybourne bem nos olhos, Jessica disse, tranqüilamente: — O general não era um homem que usava seu poder sem sabedoria. Cleybourne olhou-a por um longo momento. Finalmente, disse: — Obrigado. Isso é tudo. Jessica, resistindo ao impulso de fazer uma reverência sarcástica, apenas assentiu e saiu do escritório. Por dentro, estava fervendo. O homem não tinha sentimentos! Atravessou o corredor, mal percebendo para onde estava indo, e com o rosto tão sério que uma empregada que limpava a mesa saiu rapidamente de seu caminho. Sabia que não podia ir até Gabriela naquele estado. Tinha de inventar alguma forma de apresentar a decisão de Cleybourne à menina sem magoá-la, e, neste momento, tudo que saísse de sua boca seria a verdade nua e crua. Decidiu que uma caminhada seria a única forma de diminuir a ira, então desceu as escadas dos fundos e saiu por uma porta para o sol fraco de inverno. Na mesma hora, percebeu seu erro: estava frio demais para ficar do lado de fora sem um casaco. Mas não podia voltar para pegar o casaco lá em cima sem encontrar com Gabriela. Decidiu que uma volta pelo jardim seria suficiente. Já estava no meio do caminho para o centro do jardim quando passos na pedra atrás dela fizeram com que parasse e virasse. Uma pequena mulher, enrolada em uma manta, estava vindo em sua direção, e sobre um braço havia outra. Ela sorriu ao aproximar-se de Jessica. — Srta. Maitland, imaginei que acharia muito frio aqui fora, por isso trouxe- lhe uma manta. Jessica pegou o abrigo, agradecida. — Obrigada, srta.... — Brown. Mercy Brown. Sou a governanta. — Os olhos dela brilhavam felizes, combinando com o sorriso. — E devo confessar que foi mais curiosidade do que bondade que me fez vir até aqui. Quero conhecê-la desde que Baxter me contou sobre sua chegada com a pequena. Jessica sorriu para a mulher. — É um prazer, srta. Brown, independentemente do motivo. Mas a srta. Gabriela já não é tão pequena. — Ah, bem, mas ela era bebê da última vez em que a vi. Era uma coisinha linda, e Baxter me disse que ainda é. — Sim, ela é muito bonita. E também tem bom coração. A governanta sorriu
  • 38. ainda mais. — Fico feliz em escutar isso. Será muito bom ter uma pessoa jovem na casa de novo. Será bom para o patrão também. — O duque? Não muito. Ele pretende mandá-la para outro lugar assim que puder — disse Jessica de forma rabugenta. — Não! — A srta. Brown parecia aflita. — Ele não disse isso. — Quase isso. Ele disse que aqui não é o "lugar apropriado" para uma menina, por que ele é solteiro. É o homem mais arrogante, irritante... não posso imaginar por que o general achou que ele cuidaria de Gabriela. Com certeza, foi iludido pelo senso de honra e dever do duque. — Ah, não, ele é um homem honrado! — protestou a mulher mais velha. — E ele não se esquivaria de suas obrigações. — Hummm — respondeu Jessica em tom de descrença. — Contanto que não seja inconveniente para ele, imagino. — Não deve julgá-lo de forma tão severa — disse a governanta com convicção. — O duque é um bom homem. De verdade. Você tem de entender... ele teve uma história triste. As coisas que aconteceram com ele deixaram-no... bem, um tanto recluso, mas ele não tem maldade alguma. — Do que mais podemos chamar quando ele rejeita uma menina órfã cujo último parente vivo acabou de morrer, que lhe foi confiada por um homem que era seu amigo? O pai dela e o general Streathern confiaram nele para cuidar de Gabriela, mas ele não admite ser incomodado. E planeja mandá-la para qualquer pessoa que cuide dela no lugar dele. Jessica olhou para a governanta e viu um olhar de muita tristeza em seu rosto. A mulher balançou a cabeça, dizendo: — Ah, pobre homem. Deve ser por causa de Alana. Sem dúvida ele não consegue suportar estar perto de uma menina de novo. — Ela olhou para Jessica. — Por que não vem comigo até minha sala para se aquecer com uma xícara de chá? Contarei sobre Sua Alteza e explicarei por que, bem, por que ele é como é. Jessica concordou prontamente, impelida pela curiosidade e pelo frio. As duas mulheres viraram-se e refizeram os passos de volta para a casa, onde a governanta pendurou as mantas e levou Jessica por um corredor até a cozinha e depois até uma aconchegante sala de estar que era domínio da governanta. Uma palavra para a empregada enquanto passavam e, poucos momentos depois, ela entrou com um bule de chá, xícaras e uma cestinha de pães. Os pães estavam deliciosos, e alguns goles do chá forte e doce aqueceram Jessica quase imediatamente. Recostou-se na confortável poltrona para escutar a srta. Brown. — Conheço Sua Alteza desde menino. Assim como Baxter e a maioria dos empregados mais velhos — começou, os olhos castanhos brilhando com afeto. — Sempre foi um menino maravilhoso. E depois que cresceu não podia ser um patrão