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                                                          Apresentação
                                                              Foreword


          Educação Brasileira no
          Século XXI – entre a cultura do
          medo e a busca da liberdade
          BRAZILIAN EDUCATION IN THE 21ST
          BETWEEN THE CULTURE OF FEAR AND
          THE SEARCH FOR FREEDOM
                A história recente do Brasil, e da educação brasileira em parti-
          cular, é permeada por continuidades, descontinuidades ou rupturas
          decorrentes das mudanças na economia, na estrutura do Estado, na
          sociedade civil e na constituição da cidadania. Muitas reformas ins-
          titucionais ocorreram desde os anos 1950 até o primeiro lustro deste
          século. Tendo em geral origem no Estado, buscaram mudar os pro-
          cessos de construção da sociabilidade humana, com a finalidade de
                                                                                                VALDEMAR
          adequá-la à forma assumida pelo País em cada tempo histórico, para
                                                                                              SGUISSARDI
          o que tem concorrido de maneira específica a educação.                     Universidade Metodista de
                O golpe militar de 1964 concretizou-se como resultado da con-              Piracicaba (UNIMEP)
          tradição entre o econômico e o político – entre um processo so-                  vs@merconet.com.br
          cioeconômico que buscava a internacionalização da economia brasi-
          leira e uma ideologia nacionalista da maioria da classe política, isto          JOÃO DOS REIS
          é, de parte do Partido Social Democrático (PSD) e do Partido Traba-               SILVA JUNIOR
          lhista Brasileiro (PTB). O golpe significou, portanto, uma ruptura        Universidade Federal de São
          política na continuidade socioeconômica, ao impor, por processos                      Carlos (UFSCar)
          coercitivos, drásticas e profundas modificações nas estruturas sociais,             jr@power.ufscar.br

          visando também atingir transformações nas superestruturas do País.
                Nesse contexto, no plano educacional, o governo militar-auto-
          ritário, sob pressão social, intentou aumentar a “produtividade” das
          escolas públicas, com a adoção de princípios administrativos empre-
          sariais, além de, desde o início, conduzir a uma gradativa privatiza-
          ção da educação. Dão clara demonstração disso os decretos-lei edi-
          tados pelo governo militar de turno. No caso da educação superior,
          os decretos-lei n.º 53/66 (fixando princípios e normas para as uni-
          versidades federais) e n.º 252/67 (que estabelece normas comple-
          mentares ao decreto-lei n.º 53/66), bem como os diversos acordos
          firmados entre o Ministério da Educação e Cultura e a Agência dos


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                                             Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID), que
                                             supervisionou e financiou parcialmente a economia brasileira nos
                                             primeiros governos militares. Assim, e disso decorreram, em grande
                                             medida, a denominada reforma universitária de 1968 (lei n.º 5.540)
                                             e a reforma do ensino de 1.º e 2.º graus em 1971 (lei n.º 5.692). Os
                                             anos seguintes foram marcados por profunda reorganização do cam-
                                             po educacional no País, na direção de uma determinada sociabilida-
                                             de do cidadão brasileiro, como tantos estudos já o demonstraram.
                                                    No entanto, o projeto de Brasil Potência, expresso no progra-
                                             ma político-militar para o País, mostrou logo seus limites, quando as
                                             conseqüências da grande crise da social-democracia, especialmente
                                             européia, e do nacional-desenvolvimentismo, na América Latina,
                                             aqui aportaram, associadas à ausência de poupança nacional, provo-
                                             cando o crepúsculo do milagre econômico e conduzindo à iminência
                                             de uma crise social sem precedentes. Com a redemocratização dos
                                             anos 1980, essa crise foi politizada no processo de transição do po-
                                             der político das mãos dos militares para as dos civis – de um regime
                                             ditatorial para uma quase-democracia.
                                                    A contradição entre, de um lado, um profundo déficit social e
                                             produtivo e, de outro, a redemocratização do poder produziu a poli-
                                             tização da crise econômica. Isso enfraqueceu os movimentos sociais e
                                             as instituições e organizações políticas de mediação entre o Estado e a
                                             sociedade civil, possibilitando o ajuste socioeconômico e político do
                                             início dos anos 1990. Tal ajuste era visto como necessário à superação
                                             da crise capitalista gestada no âmbito da social-democracia predomi-
                                             nante no século XX e se fez presente primeiro no Chile e, em seguida,
                                             nos Estados Unidos e em alguns países da Europa e da América Latina.
                                                    Como resultado, aconteceram radicais transformações nas for-
                                             mas de produção da vida humana, em todas as suas dimensões, em
                                             razão da própria racionalidade da formação econômico-social capi-
                                             talista. A base produtiva alterou-se significativamente por meio do
                                             desenvolvimento científico. A economia, em sua dimensão micro,
                                             reestruturou-se em face de seu próprio movimento e do ocorrido
                                             com a mundialização no âmbito macro, transformando de modo ra-
                                             dical as relações entre as grandes corporações, bem como o seu pa-
                                             radigma organizacional e de gestão. No plano político, a esfera pú-
                                             blica, primeiro, restringe-se e desregulamenta-se para, em seguida,
                                             regulamentar-se novamente e, assim, possibilitar a expansão do setor
                                             privado, em movimento com origem no Estado, mediante reformas
                                             estruturais orientadas por teorias gerenciais próprias do mundo dos
                                             negócios, em lugar de teorias políticas relacionadas à cidadania, ain-
                                             da que calcadas na concepção liberal.
                                                    Nessa nova etapa histórica, a ciência, a tecnologia e a infor-
                                             mação, de que se servia o capital de forma subsidiária em fases an-


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          teriores, tornam-se suas forças produtivas centrais, desenvolvidas sob
          seu monopólio. O dinheiro converte-se no principal móvel econô-
          mico, em virtude do modo de reprodução ampliada do capital, con-
          cretizado pelo sistema financeiro via mundialização do mercado. As
          corporações transnacionais, escudadas em organizações financeiras,
          como o Fundo Monetário Internacional, o Banco Interamericano de
          Desenvolvimento, o Banco Mundial etc., assumem, articuladas com
          os governos dos países centrais, o centro do poder mundial, em de-
          trimento dos anseios da sociedade civil que supostamente se expres-
          sariam no Estado nacional. Como decorrências e componentes estru-
          turais dessa nova fase, adquirem dimensão cada vez mais ampla o de-
          semprego, a desestatização/privatização do Estado (a mercantilização
          da democracia liberal) e a terceirização da economia, legitimados pe-
          las concepções ultraliberais, provocando intenso processo de mercan-
          tilização de espaços sociais, especialmente, no caso, os da educação.
          Tal movimento de mercantilização ocasiona densas mudanças no
          ethos das instituições educacionais mediante novas relações com a so-
          ciedade e reformas educacionais assentadas no trabalho abstrato, pró-
          prio dessa nova forma histórica do capitalismo mundial e brasileiro,
          isto é, tendo-o como eixo central de sua estruturação e organização.
          Nesse momento, as relações entre capital e trabalho tendem a con-
          formar um campo novo para a esfera educacional. Diante da mate-
          rialidade desse quadro, os trabalhadores são induzidos a assumir, por
          meio da educação, uma postura de permanente busca por capacitação
          continuada para torná-los reempregáveis. Suas qualidades subjetivas
          devem ser entendidas como mercadorias, algo objetivo a ser adquiri-
          do como condição de sua empregabilidade numa sociedade cada vez
          mais sem emprego, situação resultante da ruptura da racionalidade
          histórica do momento brasileiro que finda. Trata-se, pois, da incor-
          poração do perverso processo de culpabilização do trabalhador em
          face de seu eventual fracasso no mercado de trabalho.
                 Como se pode observar, a partir da segunda metade da década
          de 1990, vários traços culturais que fundam as relações sociais bra-
          sileiras repõem-se sob nova feição histórica. O viés tecnicista da edu-
          cação brasileira, como meio eficaz para o desenvolvimento, atualiza-
          se num pacto social entre antagônicos e sob a égide de um governo
          central pragmático, popular e democrático, em vez de sob os ditames
          autoritários da finda ditadura militar. Ilustração disso é a desconti-
          nuidade dos movimentos sociais que reivindicavam políticas públicas
          para o atendimento do déficit social e produtivo dos anos 1980,
          quando, hoje em dia, organizações não governamentais reclamam,
          com recursos públicos ou não, nacionais ou estrangeiros, o que antes
          era considerado direito social subjetivo do cidadão. A qualificação e
          a formação profissionais são um exemplo bem acabado dessa ruptura.


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                                             A Central Única dos Trabalhadores, por exemplo, faz uso intensivo,
                                             para esse fim, das verbas do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT)
                                             – também o fazem organizações não governamentais, como a Uni-
                                             trabalho. Trata-se, no momento atual, de uma realidade muito com-
                                             plexa constituída por condensação de múltiplas realidades históricas,
                                             portanto, de difícil apreensão. No campo da política, as políticas pú-
                                             blicas para o social, com destaque das para a educação, outrora de
                                             demanda da sociedade civil, tornaram-se políticas de oferta assenta-
                                             das num orçamento orientado pelas agências multilaterais e por um
                                             Congresso Nacional fisiológico, fato possível dada a reforma do Es-
                                             tado e os fatores anteriormente delineados. A feição histórica atual
                                             do capitalismo no Brasil produziu uma regulação social que procura
                                             a “nova institucionalidade” assentada na busca do consenso entre
                                             antagônicos, por meio de negociação submetida à política econômi-
                                             ca assumida desde o início dos anos 1990.
                                                   Em acréscimo, vale destacar que a economia tem experimenta-
                                             do avanços significativos, que, contraditoriamente, se contrapõem à
                                             pobreza da população e ao descaso oficial com as políticas sociais. In-
                                             telectuais conservadores atuam agressivamente, tirando partido dessa
                                             contradição, e produzem a cultura do medo – medo de um endure-
                                             cimento do regime político no País, reiterável na América Latina, que
                                             seria realizado por políticos oportunistas, num quadro de ausência de
                                             densidade histórica partidária, mas na presença de um fazer político
                                             prenhe de patrimonialismo revitalizado sob novas formas históricas.
                                                   Trata-se, pois, de momento histórico crucial. E cenário de uma
                                             verdadeira ditadura dos símbolos, do presente e do aparente, que
                                             obscurece a visão e o entendimento da realidade social, quando, para
                                             usar célebre expressão, o vício faz falso elogio da virtude para per-
                                             petuar-se – em outros termos, quando a forma como se apresenta a
                                             realidade, diante da força brutal do capital sobre o trabalho, dispensa
                                             mediações ideológicas. Despe-se a realidade e mostra sua incômoda
                                             nudez. Na aparência, tudo parece mover-se para que o todo perma-
                                             neça aparentemente estático diante do esforço humano de sobrevi-
                                             vência. A objetividade social produzida historicamente pelo homem
                                             apresenta-se como uma segunda natureza, tal o seu nível de fra-
                                             gmentação e aparente virtualidade. Ilude, assim, quem a produz e a
                                             reproduz e por ela é produzido e reproduzido. Essa ilusão constitui
                                             a exata naturalização do que existe de mais cruel, objetivo e histórico:
                                             a forma fenomênica do capitalismo contemporâneo não percebida na
                                             produção histórica e cotidiana do ser humano. A cotidianidade é
                                             marcada pela heterogeneidade, pela fragmentação e pela imediatici-
                                             dade, isto é, pela necessidade de o ser humano dar respostas automá-
                                             ticas – sem reflexão sobre o meio em que vive – a suas necessidades.
                                             Isso conduz, no universo diário, a grande maioria da sociedade a ver


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          o mundo por meio do superficial e aparente, tendo, como critério de
          verdade, a potência de verdade produzida pelo conhecimento e, como
          epicentro de sua moral, a utilidade em vez da história (Nietzsche).
                 Nesse contexto, observados o campo das políticas de educação
          nos últimos dez anos e a trajetória unilinear da economia e das po-
          líticas sociais, que se desenvolvem ancoradas nos princípios básicos
          delineados anteriormente, verificam-se muito mais continuidades do
          que rupturas. O novo, por ora, está muito mais no plano do ideali-
          zado e expresso em dois instrumentos legais, que depedem de apro-
          vação no Congresso Nacional, do que revelado por políticas efetivas.
          O primeiro – uma proposta de emenda constitucional (PEC) regula-
          mentando o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação
          Básica e de Valorização do Magistério (Fundeb) – pretende estender
          para a educação básica (educação infantil, ensinos fundamental e mé-
          dio) as diretrizes, coordenadas e ações que até hoje, desde 1996 (EC
          14/96; lei n.º 9.424/96 e decreto n.º 2.264/97), restringiam-se ao en-
          sino fundamental – Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do En-
          sino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef). O segun-
          do, no formato de uma lei da reforma da educação superior, procura
          estabelecer-lhe normas gerais e regular a educação superior no sistema
          federal de ensino, alterando a lei n.o 5.540/68 e um conjunto de outras
          leis complementares atinentes à educação, particularmente à superior.
                 Como é evidente, nenhuma PEC ou lei comporta toda a “re-
          forma” ou toda a “política” pública em andamento no campo da
          educação ou de qualquer outra área específica das políticas sociais
          públicas. O alcance e os limites do Fundeb decorrem das políticas e
          práticas educacionais dos últimos anos, que podem se contar em dé-
          cadas, embora predominem as mais recentes. São as contradições da
          economia e da sociabilidade constituída sob o domínio do capital,
          com sua face contemporânea, que condicionam o essencial das po-
          líticas e práticas educacionais constitutivas da “reforma” em curso.1
                 Entre os aspectos mais importantes das práticas educativas no
          Brasil, atualmente, cabe aqui destacar um, que tem sido marca es-
          sencial da reforma do Estado, patrocinada pelo governo de Fernan-
          do Henrique Cardoso (FHC) desde 1995, isto é, a dimensão gerencial
          que deveria presidir essa reforma do aparelho estatal e que se estende
          à administração e gestão da educação básica e das escolas públicas.2
          Além da administração do aparelho do Estado e das políticas públicas
          em moldes empresariais, dissemina-se e fortalece-se, a cada dia mais,

          1 Esse é o tema desenvolvido por Celso Carvalho, em seu texto “Reforma da educação no contexto de
          crise do capitalismo contemporâneo”, desta 40.a edição da Impulso. Sobre o alcance e os limites do Fun-
          def e do Fundeb, neste dossiê “Educação & Política”, tratará Lisete Arelaro, com seu artigo “Educação
          Básica no Brasil no Século XXI: tendências e perspectivas”.
          2 Esse é o tema que João Ferreira de Oliveira e Marília Fonseca abordam em seu texto “A Educação em
          Tempos de Mudança: reforma do Estado e educação gerenciada”, deste número da Impulso.




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                                             a tese de que a educação, em especial a superior, é um bem de serviço
                                             privado, muito mais que público, cujas agências deveriam ser geridas
                                             sob os princípios da administração gerencial. É a lógica do capital, fun-
                                             dada também na idéia de que os bens privados se produzem e repro-
                                             duzem ao impulso da competição ou competitividade, a impor-se gra-
                                             dativa e celeremente nos domínios da educação e do saber, agora mui-
                                             to mais valorizados que outrora como importante mercadoria ou qua-
                                             se-mercadoria dos novos modos de acumulação.
                                                   A proposta de nova lei da reforma da educação superior, que,
                                             rompendo com a continuidade das políticas anteriores, visaria o for-
                                             talecimento do setor público (com efetivação da autonomia, garantia
                                             de financiamento para prover as necessidades correntes e de expan-
                                             são, ampliação do percentual de matrículas públicas sobre o total do
                                             sistema etc.) e a regulação e o controle do setor privado (por meio de
                                             contenção da expansão em especial das privadas comerciais, aumento
                                             significativo das exigências de qualificação e vinculação integral do
                                             corpo discente etc.) está condicionada por muitos fatores. Antes de
                                             tudo, pelo modelo de desenvolvimento e pelas características da ma-
                                             croeconomia, que dão continuidade aos ajustes ultraliberais promo-
                                             vidos desde o governo Collor de Mello e consolidados no octênio de
                                             FHC. Esse modelo faz das políticas sociais compromissos estatais de
                                             segunda ordem. Nesse sentido, os recursos orçamentários a elas des-
                                             tinados não poderiam pôr em risco as diretrizes básicas garantidoras
                                             da dita governabilidade do País, no contexto da mundialização do ca-
                                             pital e da crescente subalternização nacional ao capitalismo financeiro
                                             internacional. A prioridade número um é o pagamento do serviço da
                                             dívida externa, garantido por exorbitantes índices estabelecidos de
                                             superávit primário, entre outras medidas. Como acreditar, pois, que
                                             seja aprovada, primeiro no Congresso Nacional, depois sancionada
                                             pela presidência da República, ouvida a área financeira, uma proposta
                                             de financiamento, por exemplo, que cubra as necessidades atuais, re-
                                             cupere o déficit dos dez anos anteriores e garanta a expansão do setor
                                             público da educação superior até atingir 40% das matrículas?3
                                                   A proposta de lei de reforma da educação superior está condi-
                                             cionada pela legislação anterior que regulamentou, via decretos e
                                             portarias, no governo passado, aspectos essenciais da Lei de Diretri-
                                             zes e Bases da Educação Nacional (lei n.º 9.394/96).4 Porém, é ne-
                                             cessário enfatizar que os condicionantes maiores e mais imediatos
                                             decorrem de legislação aprovada durante os dois primeiros anos do
                                             atual mandato presidencial.

                                             3 A questão do financiamento, em especial a sua vinculação com os procedimentos de avaliação da educa-
                                             ção superior, prática comum nos anos recentes, é abordada por Nelson Cardoso Amaral, em seu ensaio “A
                                             Vinculação Avaliação/Financiamento na Educação Superior Brasileira”, neste dossiê “Educação & Política”.
                                             4 Esse conjunto de leis e seu significado é o tema que Carlos da Fonseca Brandão trata em seu texto
                                             “Política educacional para a Educação Superior Brasileira na Última Década”, deste número da Impulso.




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                Entre os instrumentos legais aprovados sob a atual administra-
          ção federal, devem ser mencionadas três outras leis, que afetam di-
          reta ou indiretamente o subsistema de educação superior e condicio-
          nam a nova lei da reforma universitária. Isso, sem contar a aprovação
          do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior, substituin-
          do o Exame Nacional de Cursos (Provão), ainda em fase de teste e
          sob críticas importantes quanto a seu efetivo respeito à autonomia
          universitária e mesmo à sua eficiência.
                A primeira dessas leis é a de n.º 10.973 (Lei de Inovação Tec-
          nológica), de 2 de dezembro de 2004, que dispõe sobre incentivos
          à inovação e à pesquisa científica e tecnológica no ambiente produ-
          tivo. Ela cria estímulos e facilidades para a utilização dos recursos –
          físicos, materiais e humanos – das universidades pelas empresas. Per-
          mite a transferência de tecnologia desenvolvida nas universidades
          para as organizações, viabiliza a alocação de recursos públicos nos
          projetos ditos de inovação e prevê a gratificação dos pesquisadores
          cujos conhecimentos venham a ser aproveitados pelas empresas.
          Considerando a extremamente baixa remuneração salarial dos do-
          centes/pesquisadores das instituições de ensino superior públicas,
          prevê-se uma importante interferência exógena na agenda universi-
          tária, contribuindo para acentuar os traços, cada dia mais evidentes,
          da heteronomia na vida universitária, em lugar da autonomia cons-
          titucional, jamais de fato efetivada.
                A segunda é a lei n.º 11.079, de 30 de dezembro de 2004, que
          institui normas gerais para licitação e contratação de parceria públi-
          co-privada (PPP) no âmbito da administração pública. Ela estabelece
          e possibilita a parceria do Estado com empresas privadas nas mais di-
          ferentes áreas da produção e do comércio de bens e serviços de na-
          tureza pública e coletiva, isto é, pesquisa, desenvolvimento tecnoló-
          gico, meio ambiente, patrimônio histórico e cultural, incluindo edu-
          cação e ensino. O pressuposto a justificar a instituição das PPP seria,
          por um lado, a baixa capacidade de investimento estatal e, por outro,
          a suposta superioridade gerencial privada. É evidente que a imple-
          mentação das PPP irá fortalecer o pólo privado do Estado, uma vez
          que os recursos do Fundo Público estarão sendo gerenciados – cons-
          tituindo natural fonte de lucro e apropriação – por entidades e
          organizações privadas, com ou sem fins lucrativos.5
                Por último, a lei n.º 11.096, de 13 de janeiro de 2005, cria o
          Programa Universidade para Todos (ProUni) e regula a atuação de
          entidades beneficentes de assistência social no ensino superior. Com
          essa lei, a pretexto de “publicização” do privado e numa aplicação
          lato sensu do espírito das PPP no ensino superior, fortalecem-se as

          5 Cf. SGUISSARDI, V “La universidad brasileña en tiempos de Lula”. Revista de la Educación Superior,
                                .
          México, v. XXXIV (2), n. 134, p. 149-153, abr.-jun./05.




          Impulso, Piracicaba, 16(40): 11-18, 2005                                                        17
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                                             instituições privadas comerciais de ensino, exatamente no sentido
                                             oposto do que pretenderia, como um de seus objetivos nucleares, a
                                             nova lei da reforma da educação superior a ser encaminhada pelo
                                             Poder Executivo à discussão do Congresso Nacional. “Ao invés da
                                             criação de centenas de milhares de vagas nas universidades públicas,
                                             para o que já existiria espaço físico no período noturno (70% das
                                             matrículas são diurnas), a baixo custo e razoável qualidade, aprovou-
                                             se a possibilidade de troca de cerca de 10% das vagas das instituições
                                             privadas ou 8,5% da receita bruta, na forma de bolsas para alunos
                                             egressos de escolas públicas, entre outros, em troca de isenção de um
                                             conjunto de impostos”.6
                                                   Dada a força dos lobbies da educação mercantilizada sobre o
                                             Congresso Nacional, recentemente manifestada com rara eficiência
                                             na reconfiguração da proposta governamental relativa ao ProUni, é
                                             de se prever que não apenas a legislação em vigor torne-se um em-
                                             pecilho à plena eficácia da nova lei, caso seja aprovada como foi en-
                                             caminhada ao Congresso, mas, sobretudo, o serão as mudanças que
                                             ali, na suposta casa do povo, poderá sofrer a proposta original.
                                                   Retomando, para fecho dessas reflexões, o mote da cultura do
                                             medo, que resulta da exploração reacionária das contradições gera-
                                             das no confronto dos avanços da economia com o recrudescer da
                                             pobreza, da miséria e da exclusão, pode-se afirmar que essa cultura
                                             – estampada no cenário socioeconômico nacional – encontra um lu-
                                             gar institucionalmente organizado pelas reformas educacionais para
                                             a sua mais eficiente difusão. Descobre nas reformas um espaço que
                                             lhe possibilita tornar-se, por um lado, a melhor estratégia para a
                                             ofensiva neoconservadora e, por outro, o embrião da perspectiva
                                             educacional para o século XXI, que, em termos mais precisos, deverá
                                             conduzir à formação de seres humanos tendencialmente solitários,
                                             mudos, amedrontados, úteis... e desumanamente sem liberdade. Di-
                                             ante dessa perspectiva, parece não restar mais que a indignação e a
                                             resistência, as quais, na cotidianidade, poderiam traduzir-se, dada a
                                             relativa autonomia ainda possível nas instituições escolares, na con-
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                                             6 Ibid. O tema do ProUni e sua relação com a questão da renúncia fiscal são tratados, neste número da
                                             Impulso, por Cristina H. A. de Carvalho e Francisco L. C. Lopreato, no texto “Finanças Públicas,
                                             Renúncia Fiscal e o ProUni no Governo Lula”.




                                             18                                          Impulso, Piracicaba, 16(40): 11-18, 2005

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  • 1. impulso40.book Page 11 Monday, October 3, 2005 10:39 PM Apresentação Foreword Educação Brasileira no Século XXI – entre a cultura do medo e a busca da liberdade BRAZILIAN EDUCATION IN THE 21ST BETWEEN THE CULTURE OF FEAR AND THE SEARCH FOR FREEDOM A história recente do Brasil, e da educação brasileira em parti- cular, é permeada por continuidades, descontinuidades ou rupturas decorrentes das mudanças na economia, na estrutura do Estado, na sociedade civil e na constituição da cidadania. Muitas reformas ins- titucionais ocorreram desde os anos 1950 até o primeiro lustro deste século. Tendo em geral origem no Estado, buscaram mudar os pro- cessos de construção da sociabilidade humana, com a finalidade de VALDEMAR adequá-la à forma assumida pelo País em cada tempo histórico, para SGUISSARDI o que tem concorrido de maneira específica a educação. Universidade Metodista de O golpe militar de 1964 concretizou-se como resultado da con- Piracicaba (UNIMEP) tradição entre o econômico e o político – entre um processo so- vs@merconet.com.br cioeconômico que buscava a internacionalização da economia brasi- leira e uma ideologia nacionalista da maioria da classe política, isto JOÃO DOS REIS é, de parte do Partido Social Democrático (PSD) e do Partido Traba- SILVA JUNIOR lhista Brasileiro (PTB). O golpe significou, portanto, uma ruptura Universidade Federal de São política na continuidade socioeconômica, ao impor, por processos Carlos (UFSCar) coercitivos, drásticas e profundas modificações nas estruturas sociais, jr@power.ufscar.br visando também atingir transformações nas superestruturas do País. Nesse contexto, no plano educacional, o governo militar-auto- ritário, sob pressão social, intentou aumentar a “produtividade” das escolas públicas, com a adoção de princípios administrativos empre- sariais, além de, desde o início, conduzir a uma gradativa privatiza- ção da educação. Dão clara demonstração disso os decretos-lei edi- tados pelo governo militar de turno. No caso da educação superior, os decretos-lei n.º 53/66 (fixando princípios e normas para as uni- versidades federais) e n.º 252/67 (que estabelece normas comple- mentares ao decreto-lei n.º 53/66), bem como os diversos acordos firmados entre o Ministério da Educação e Cultura e a Agência dos Impulso, Piracicaba, 16(40): 11-18, 2005 11
  • 2. impulso40.book Page 12 Monday, October 3, 2005 10:39 PM Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID), que supervisionou e financiou parcialmente a economia brasileira nos primeiros governos militares. Assim, e disso decorreram, em grande medida, a denominada reforma universitária de 1968 (lei n.º 5.540) e a reforma do ensino de 1.º e 2.º graus em 1971 (lei n.º 5.692). Os anos seguintes foram marcados por profunda reorganização do cam- po educacional no País, na direção de uma determinada sociabilida- de do cidadão brasileiro, como tantos estudos já o demonstraram. No entanto, o projeto de Brasil Potência, expresso no progra- ma político-militar para o País, mostrou logo seus limites, quando as conseqüências da grande crise da social-democracia, especialmente européia, e do nacional-desenvolvimentismo, na América Latina, aqui aportaram, associadas à ausência de poupança nacional, provo- cando o crepúsculo do milagre econômico e conduzindo à iminência de uma crise social sem precedentes. Com a redemocratização dos anos 1980, essa crise foi politizada no processo de transição do po- der político das mãos dos militares para as dos civis – de um regime ditatorial para uma quase-democracia. A contradição entre, de um lado, um profundo déficit social e produtivo e, de outro, a redemocratização do poder produziu a poli- tização da crise econômica. Isso enfraqueceu os movimentos sociais e as instituições e organizações políticas de mediação entre o Estado e a sociedade civil, possibilitando o ajuste socioeconômico e político do início dos anos 1990. Tal ajuste era visto como necessário à superação da crise capitalista gestada no âmbito da social-democracia predomi- nante no século XX e se fez presente primeiro no Chile e, em seguida, nos Estados Unidos e em alguns países da Europa e da América Latina. Como resultado, aconteceram radicais transformações nas for- mas de produção da vida humana, em todas as suas dimensões, em razão da própria racionalidade da formação econômico-social capi- talista. A base produtiva alterou-se significativamente por meio do desenvolvimento científico. A economia, em sua dimensão micro, reestruturou-se em face de seu próprio movimento e do ocorrido com a mundialização no âmbito macro, transformando de modo ra- dical as relações entre as grandes corporações, bem como o seu pa- radigma organizacional e de gestão. No plano político, a esfera pú- blica, primeiro, restringe-se e desregulamenta-se para, em seguida, regulamentar-se novamente e, assim, possibilitar a expansão do setor privado, em movimento com origem no Estado, mediante reformas estruturais orientadas por teorias gerenciais próprias do mundo dos negócios, em lugar de teorias políticas relacionadas à cidadania, ain- da que calcadas na concepção liberal. Nessa nova etapa histórica, a ciência, a tecnologia e a infor- mação, de que se servia o capital de forma subsidiária em fases an- 12 Impulso, Piracicaba, 16(40): 11-18, 2005
  • 3. impulso40.book Page 13 Monday, October 3, 2005 10:39 PM teriores, tornam-se suas forças produtivas centrais, desenvolvidas sob seu monopólio. O dinheiro converte-se no principal móvel econô- mico, em virtude do modo de reprodução ampliada do capital, con- cretizado pelo sistema financeiro via mundialização do mercado. As corporações transnacionais, escudadas em organizações financeiras, como o Fundo Monetário Internacional, o Banco Interamericano de Desenvolvimento, o Banco Mundial etc., assumem, articuladas com os governos dos países centrais, o centro do poder mundial, em de- trimento dos anseios da sociedade civil que supostamente se expres- sariam no Estado nacional. Como decorrências e componentes estru- turais dessa nova fase, adquirem dimensão cada vez mais ampla o de- semprego, a desestatização/privatização do Estado (a mercantilização da democracia liberal) e a terceirização da economia, legitimados pe- las concepções ultraliberais, provocando intenso processo de mercan- tilização de espaços sociais, especialmente, no caso, os da educação. Tal movimento de mercantilização ocasiona densas mudanças no ethos das instituições educacionais mediante novas relações com a so- ciedade e reformas educacionais assentadas no trabalho abstrato, pró- prio dessa nova forma histórica do capitalismo mundial e brasileiro, isto é, tendo-o como eixo central de sua estruturação e organização. Nesse momento, as relações entre capital e trabalho tendem a con- formar um campo novo para a esfera educacional. Diante da mate- rialidade desse quadro, os trabalhadores são induzidos a assumir, por meio da educação, uma postura de permanente busca por capacitação continuada para torná-los reempregáveis. Suas qualidades subjetivas devem ser entendidas como mercadorias, algo objetivo a ser adquiri- do como condição de sua empregabilidade numa sociedade cada vez mais sem emprego, situação resultante da ruptura da racionalidade histórica do momento brasileiro que finda. Trata-se, pois, da incor- poração do perverso processo de culpabilização do trabalhador em face de seu eventual fracasso no mercado de trabalho. Como se pode observar, a partir da segunda metade da década de 1990, vários traços culturais que fundam as relações sociais bra- sileiras repõem-se sob nova feição histórica. O viés tecnicista da edu- cação brasileira, como meio eficaz para o desenvolvimento, atualiza- se num pacto social entre antagônicos e sob a égide de um governo central pragmático, popular e democrático, em vez de sob os ditames autoritários da finda ditadura militar. Ilustração disso é a desconti- nuidade dos movimentos sociais que reivindicavam políticas públicas para o atendimento do déficit social e produtivo dos anos 1980, quando, hoje em dia, organizações não governamentais reclamam, com recursos públicos ou não, nacionais ou estrangeiros, o que antes era considerado direito social subjetivo do cidadão. A qualificação e a formação profissionais são um exemplo bem acabado dessa ruptura. Impulso, Piracicaba, 16(40): 11-18, 2005 13
  • 4. impulso40.book Page 14 Monday, October 3, 2005 10:39 PM A Central Única dos Trabalhadores, por exemplo, faz uso intensivo, para esse fim, das verbas do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) – também o fazem organizações não governamentais, como a Uni- trabalho. Trata-se, no momento atual, de uma realidade muito com- plexa constituída por condensação de múltiplas realidades históricas, portanto, de difícil apreensão. No campo da política, as políticas pú- blicas para o social, com destaque das para a educação, outrora de demanda da sociedade civil, tornaram-se políticas de oferta assenta- das num orçamento orientado pelas agências multilaterais e por um Congresso Nacional fisiológico, fato possível dada a reforma do Es- tado e os fatores anteriormente delineados. A feição histórica atual do capitalismo no Brasil produziu uma regulação social que procura a “nova institucionalidade” assentada na busca do consenso entre antagônicos, por meio de negociação submetida à política econômi- ca assumida desde o início dos anos 1990. Em acréscimo, vale destacar que a economia tem experimenta- do avanços significativos, que, contraditoriamente, se contrapõem à pobreza da população e ao descaso oficial com as políticas sociais. In- telectuais conservadores atuam agressivamente, tirando partido dessa contradição, e produzem a cultura do medo – medo de um endure- cimento do regime político no País, reiterável na América Latina, que seria realizado por políticos oportunistas, num quadro de ausência de densidade histórica partidária, mas na presença de um fazer político prenhe de patrimonialismo revitalizado sob novas formas históricas. Trata-se, pois, de momento histórico crucial. E cenário de uma verdadeira ditadura dos símbolos, do presente e do aparente, que obscurece a visão e o entendimento da realidade social, quando, para usar célebre expressão, o vício faz falso elogio da virtude para per- petuar-se – em outros termos, quando a forma como se apresenta a realidade, diante da força brutal do capital sobre o trabalho, dispensa mediações ideológicas. Despe-se a realidade e mostra sua incômoda nudez. Na aparência, tudo parece mover-se para que o todo perma- neça aparentemente estático diante do esforço humano de sobrevi- vência. A objetividade social produzida historicamente pelo homem apresenta-se como uma segunda natureza, tal o seu nível de fra- gmentação e aparente virtualidade. Ilude, assim, quem a produz e a reproduz e por ela é produzido e reproduzido. Essa ilusão constitui a exata naturalização do que existe de mais cruel, objetivo e histórico: a forma fenomênica do capitalismo contemporâneo não percebida na produção histórica e cotidiana do ser humano. A cotidianidade é marcada pela heterogeneidade, pela fragmentação e pela imediatici- dade, isto é, pela necessidade de o ser humano dar respostas automá- ticas – sem reflexão sobre o meio em que vive – a suas necessidades. Isso conduz, no universo diário, a grande maioria da sociedade a ver 14 Impulso, Piracicaba, 16(40): 11-18, 2005
  • 5. impulso40.book Page 15 Monday, October 3, 2005 10:39 PM o mundo por meio do superficial e aparente, tendo, como critério de verdade, a potência de verdade produzida pelo conhecimento e, como epicentro de sua moral, a utilidade em vez da história (Nietzsche). Nesse contexto, observados o campo das políticas de educação nos últimos dez anos e a trajetória unilinear da economia e das po- líticas sociais, que se desenvolvem ancoradas nos princípios básicos delineados anteriormente, verificam-se muito mais continuidades do que rupturas. O novo, por ora, está muito mais no plano do ideali- zado e expresso em dois instrumentos legais, que depedem de apro- vação no Congresso Nacional, do que revelado por políticas efetivas. O primeiro – uma proposta de emenda constitucional (PEC) regula- mentando o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização do Magistério (Fundeb) – pretende estender para a educação básica (educação infantil, ensinos fundamental e mé- dio) as diretrizes, coordenadas e ações que até hoje, desde 1996 (EC 14/96; lei n.º 9.424/96 e decreto n.º 2.264/97), restringiam-se ao en- sino fundamental – Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do En- sino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef). O segun- do, no formato de uma lei da reforma da educação superior, procura estabelecer-lhe normas gerais e regular a educação superior no sistema federal de ensino, alterando a lei n.o 5.540/68 e um conjunto de outras leis complementares atinentes à educação, particularmente à superior. Como é evidente, nenhuma PEC ou lei comporta toda a “re- forma” ou toda a “política” pública em andamento no campo da educação ou de qualquer outra área específica das políticas sociais públicas. O alcance e os limites do Fundeb decorrem das políticas e práticas educacionais dos últimos anos, que podem se contar em dé- cadas, embora predominem as mais recentes. São as contradições da economia e da sociabilidade constituída sob o domínio do capital, com sua face contemporânea, que condicionam o essencial das po- líticas e práticas educacionais constitutivas da “reforma” em curso.1 Entre os aspectos mais importantes das práticas educativas no Brasil, atualmente, cabe aqui destacar um, que tem sido marca es- sencial da reforma do Estado, patrocinada pelo governo de Fernan- do Henrique Cardoso (FHC) desde 1995, isto é, a dimensão gerencial que deveria presidir essa reforma do aparelho estatal e que se estende à administração e gestão da educação básica e das escolas públicas.2 Além da administração do aparelho do Estado e das políticas públicas em moldes empresariais, dissemina-se e fortalece-se, a cada dia mais, 1 Esse é o tema desenvolvido por Celso Carvalho, em seu texto “Reforma da educação no contexto de crise do capitalismo contemporâneo”, desta 40.a edição da Impulso. Sobre o alcance e os limites do Fun- def e do Fundeb, neste dossiê “Educação & Política”, tratará Lisete Arelaro, com seu artigo “Educação Básica no Brasil no Século XXI: tendências e perspectivas”. 2 Esse é o tema que João Ferreira de Oliveira e Marília Fonseca abordam em seu texto “A Educação em Tempos de Mudança: reforma do Estado e educação gerenciada”, deste número da Impulso. Impulso, Piracicaba, 16(40): 11-18, 2005 15
  • 6. impulso40.book Page 16 Monday, October 3, 2005 10:39 PM a tese de que a educação, em especial a superior, é um bem de serviço privado, muito mais que público, cujas agências deveriam ser geridas sob os princípios da administração gerencial. É a lógica do capital, fun- dada também na idéia de que os bens privados se produzem e repro- duzem ao impulso da competição ou competitividade, a impor-se gra- dativa e celeremente nos domínios da educação e do saber, agora mui- to mais valorizados que outrora como importante mercadoria ou qua- se-mercadoria dos novos modos de acumulação. A proposta de nova lei da reforma da educação superior, que, rompendo com a continuidade das políticas anteriores, visaria o for- talecimento do setor público (com efetivação da autonomia, garantia de financiamento para prover as necessidades correntes e de expan- são, ampliação do percentual de matrículas públicas sobre o total do sistema etc.) e a regulação e o controle do setor privado (por meio de contenção da expansão em especial das privadas comerciais, aumento significativo das exigências de qualificação e vinculação integral do corpo discente etc.) está condicionada por muitos fatores. Antes de tudo, pelo modelo de desenvolvimento e pelas características da ma- croeconomia, que dão continuidade aos ajustes ultraliberais promo- vidos desde o governo Collor de Mello e consolidados no octênio de FHC. Esse modelo faz das políticas sociais compromissos estatais de segunda ordem. Nesse sentido, os recursos orçamentários a elas des- tinados não poderiam pôr em risco as diretrizes básicas garantidoras da dita governabilidade do País, no contexto da mundialização do ca- pital e da crescente subalternização nacional ao capitalismo financeiro internacional. A prioridade número um é o pagamento do serviço da dívida externa, garantido por exorbitantes índices estabelecidos de superávit primário, entre outras medidas. Como acreditar, pois, que seja aprovada, primeiro no Congresso Nacional, depois sancionada pela presidência da República, ouvida a área financeira, uma proposta de financiamento, por exemplo, que cubra as necessidades atuais, re- cupere o déficit dos dez anos anteriores e garanta a expansão do setor público da educação superior até atingir 40% das matrículas?3 A proposta de lei de reforma da educação superior está condi- cionada pela legislação anterior que regulamentou, via decretos e portarias, no governo passado, aspectos essenciais da Lei de Diretri- zes e Bases da Educação Nacional (lei n.º 9.394/96).4 Porém, é ne- cessário enfatizar que os condicionantes maiores e mais imediatos decorrem de legislação aprovada durante os dois primeiros anos do atual mandato presidencial. 3 A questão do financiamento, em especial a sua vinculação com os procedimentos de avaliação da educa- ção superior, prática comum nos anos recentes, é abordada por Nelson Cardoso Amaral, em seu ensaio “A Vinculação Avaliação/Financiamento na Educação Superior Brasileira”, neste dossiê “Educação & Política”. 4 Esse conjunto de leis e seu significado é o tema que Carlos da Fonseca Brandão trata em seu texto “Política educacional para a Educação Superior Brasileira na Última Década”, deste número da Impulso. 16 Impulso, Piracicaba, 16(40): 11-18, 2005
  • 7. impulso40.book Page 17 Monday, October 3, 2005 10:39 PM Entre os instrumentos legais aprovados sob a atual administra- ção federal, devem ser mencionadas três outras leis, que afetam di- reta ou indiretamente o subsistema de educação superior e condicio- nam a nova lei da reforma universitária. Isso, sem contar a aprovação do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior, substituin- do o Exame Nacional de Cursos (Provão), ainda em fase de teste e sob críticas importantes quanto a seu efetivo respeito à autonomia universitária e mesmo à sua eficiência. A primeira dessas leis é a de n.º 10.973 (Lei de Inovação Tec- nológica), de 2 de dezembro de 2004, que dispõe sobre incentivos à inovação e à pesquisa científica e tecnológica no ambiente produ- tivo. Ela cria estímulos e facilidades para a utilização dos recursos – físicos, materiais e humanos – das universidades pelas empresas. Per- mite a transferência de tecnologia desenvolvida nas universidades para as organizações, viabiliza a alocação de recursos públicos nos projetos ditos de inovação e prevê a gratificação dos pesquisadores cujos conhecimentos venham a ser aproveitados pelas empresas. Considerando a extremamente baixa remuneração salarial dos do- centes/pesquisadores das instituições de ensino superior públicas, prevê-se uma importante interferência exógena na agenda universi- tária, contribuindo para acentuar os traços, cada dia mais evidentes, da heteronomia na vida universitária, em lugar da autonomia cons- titucional, jamais de fato efetivada. A segunda é a lei n.º 11.079, de 30 de dezembro de 2004, que institui normas gerais para licitação e contratação de parceria públi- co-privada (PPP) no âmbito da administração pública. Ela estabelece e possibilita a parceria do Estado com empresas privadas nas mais di- ferentes áreas da produção e do comércio de bens e serviços de na- tureza pública e coletiva, isto é, pesquisa, desenvolvimento tecnoló- gico, meio ambiente, patrimônio histórico e cultural, incluindo edu- cação e ensino. O pressuposto a justificar a instituição das PPP seria, por um lado, a baixa capacidade de investimento estatal e, por outro, a suposta superioridade gerencial privada. É evidente que a imple- mentação das PPP irá fortalecer o pólo privado do Estado, uma vez que os recursos do Fundo Público estarão sendo gerenciados – cons- tituindo natural fonte de lucro e apropriação – por entidades e organizações privadas, com ou sem fins lucrativos.5 Por último, a lei n.º 11.096, de 13 de janeiro de 2005, cria o Programa Universidade para Todos (ProUni) e regula a atuação de entidades beneficentes de assistência social no ensino superior. Com essa lei, a pretexto de “publicização” do privado e numa aplicação lato sensu do espírito das PPP no ensino superior, fortalecem-se as 5 Cf. SGUISSARDI, V “La universidad brasileña en tiempos de Lula”. Revista de la Educación Superior, . México, v. XXXIV (2), n. 134, p. 149-153, abr.-jun./05. Impulso, Piracicaba, 16(40): 11-18, 2005 17
  • 8. impulso40.book Page 18 Monday, October 3, 2005 10:39 PM instituições privadas comerciais de ensino, exatamente no sentido oposto do que pretenderia, como um de seus objetivos nucleares, a nova lei da reforma da educação superior a ser encaminhada pelo Poder Executivo à discussão do Congresso Nacional. “Ao invés da criação de centenas de milhares de vagas nas universidades públicas, para o que já existiria espaço físico no período noturno (70% das matrículas são diurnas), a baixo custo e razoável qualidade, aprovou- se a possibilidade de troca de cerca de 10% das vagas das instituições privadas ou 8,5% da receita bruta, na forma de bolsas para alunos egressos de escolas públicas, entre outros, em troca de isenção de um conjunto de impostos”.6 Dada a força dos lobbies da educação mercantilizada sobre o Congresso Nacional, recentemente manifestada com rara eficiência na reconfiguração da proposta governamental relativa ao ProUni, é de se prever que não apenas a legislação em vigor torne-se um em- pecilho à plena eficácia da nova lei, caso seja aprovada como foi en- caminhada ao Congresso, mas, sobretudo, o serão as mudanças que ali, na suposta casa do povo, poderá sofrer a proposta original. Retomando, para fecho dessas reflexões, o mote da cultura do medo, que resulta da exploração reacionária das contradições gera- das no confronto dos avanços da economia com o recrudescer da pobreza, da miséria e da exclusão, pode-se afirmar que essa cultura – estampada no cenário socioeconômico nacional – encontra um lu- gar institucionalmente organizado pelas reformas educacionais para a sua mais eficiente difusão. Descobre nas reformas um espaço que lhe possibilita tornar-se, por um lado, a melhor estratégia para a ofensiva neoconservadora e, por outro, o embrião da perspectiva educacional para o século XXI, que, em termos mais precisos, deverá conduzir à formação de seres humanos tendencialmente solitários, mudos, amedrontados, úteis... e desumanamente sem liberdade. Di- ante dessa perspectiva, parece não restar mais que a indignação e a resistência, as quais, na cotidianidade, poderiam traduzir-se, dada a relativa autonomia ainda possível nas instituições escolares, na con- cretização de reformas às avessas. Em outras palavras: na busca por superar a miséria, a subserviência e a exploração humanas, marcas da história passada e presente, e concretizar práticas efetivas de intensi- ficação humana cujo valor maior seja a liberdade. Piracicaba e São Carlos, inverno de 2005 6 Ibid. O tema do ProUni e sua relação com a questão da renúncia fiscal são tratados, neste número da Impulso, por Cristina H. A. de Carvalho e Francisco L. C. Lopreato, no texto “Finanças Públicas, Renúncia Fiscal e o ProUni no Governo Lula”. 18 Impulso, Piracicaba, 16(40): 11-18, 2005