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Medicina, Ribeirão Preto,
32: 451-469, out./dez. 1999                                                                                          REVISÃO




     DISTÚRBIOS DO EQUILÍBRIO HIDROELETROLÍTICO E DO
      EQUILÍBRIO ACIDOBÁSICO – UMA REVISÃO PRÁTICA

                      FLUID, ELECTROLYTE AND ACID-BASE DISORDERS. A PRACTICAL REVIEW




    Paulo Roberto B. Évora1; Celso Luís dos Reis2; Marcus A. Ferez2; Denise A. Conte2 & Luís Vicente Garcia3


1
Livre Docente em Cirurgia Torácica e Cardiovascular e Coordenador do Laboratório de Função Endotelial da Divisão de Técnica
Cirúrgica e Cirurgia Experimental; 2Médicos Assistentes do Centro de Tratamento Intensivo (Campus) do Hospital das Clínicas de
Ribeirão Preto; 3Docente da Disciplina de Dor e Anestesiologia, Diretor do Serviço de Anestesiologia. Departamento de Cirurgia,
Ortopedia e Traumatologia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP.
CORRESPONDÊNCIA: Paulo Roberto B. Evora – Rua Rui Barbosa, 367, 7º Andar – CEP: 14015-120 – Ribeirão Preto, SP




           EVORA PRB; REIS CL; FEREZ MA; CONTE DA & GARCIA LV. Distúrbios do equilíbrio hidroeletrolítico e do
              equilíbrio acidobásico – Uma revisão prática. Medicina, Ribeirão Preto, 32: 451-469, out./dez. 1999.

               RESUMO: O equilíbrio hidroeletrolítico e o equilíbrio acidobásico são assuntos de importân-
           cia para todas as especialidades. Porém, seu entendimento prático é, por vezes, revestido de
           variados graus de dificuldades.
               No presente texto apresenta-se o assunto apenas como uma visão prática, adquirida em
           mais de vinte (20) anos de ensino para estudantes, médicos residentes e médicos pós-
           graduandos. O texto tem apenas a pretensão didática, sem nenhuma preocupação acadêmica.

               UNITERMOS: Água. Eletrólitos. Acidose. Alcalose. Equilíbrio acidobásico. Equilibrio hidro-
           eletrolítico.




        Este é um texto de revisão que representa um             2. Reconhecer os efeitos da permeabilidade e tonici-
estilo adotado para o ensino dos equilíbrios hidroele-              dade nas diferenças de composição entre os líqui-
trolítico (EHE) e acidobásico (EAB) por mais de duas                dos intracelular e extracelular.
décadas (1975 a 1998). Do ponto de vista acadêmico,              3. Ter noções de equilíbrio hídrico.
a maneira como o assunto é apresentado pode estar                4. Reconhecer a importância das chamadas perdas
sujeita a muitas críticas, mas esta foi a melhor manei-             para o terceiro espaço.
ra encontrada para ensinar médicos residentes e es-              5. Reconhecer e tratar os principais distúrbios do equi-
tudantes. Incluir os dois assuntos em um texto de re-               líbrio hídrico (desidratação, edema e intoxicação
visão, sem estendê-lo excessivamente, foi outro de-                 hídrica).
safio. Assim, temos consciência de que a manuten-                6. Reconhecer e tratar os principais distúrbios do equi-
ção de uma fluência de estilo pode ter deixado a de-                líbrio eletrolítico (hipo e hipernatremia, hipo e hi-
sejar, uma vez que, em determinados momentos, sem-                  perpotassemia, hipo e hipercalcemia, hipo e hiper-
pre com a preocupação da extensão do texto, ele se                  magnesemia).
torna mais próximo do estilo que se lê em manuais.
        Os principais objetivos relativos ao EHE, a se-                 Os principais objetivos relativos ao EAB, a se-
rem atingidos pelo leitor, podem ser enumerados como             rem atingidos pelo leitor, podem ser enumerados como
a seguir:                                                        a seguir:
1. Reconhecer os compartimentos hídricos e a água                1. Reconhecer os dois mecanismos básicos que os
   total do organismo.                                              sistemas orgânicos utilizam para a manutenção do

                                                                                                                          451
PRB Évora; CL Reis; MA Ferez; DA Conte & LV Garcia




   EAB: cota fixa de ácidos da dieta e destino do CO2     quantidade de tecido adiposo subcutâneo. A água do
   gerado como produto final do metabolismo.              organismo pode ser dividida em compartimentos:
2. Deduzir a Equação de Henderson-Hasselbalch             a) Intracelular - 40% do peso corpóreo,
   (Tampão bicarbonato, componente metabólico ou          b) Extracelular - 20% do peso corpóreo (Intersticial
   não respiratório/função renal; componente respirató-      5% e Intravascular 15%).
   rio/função pulmonar).
3. Conhecer os mecanismos de excreção do H+.                      O líquido intersticial não pode ser medido dire-
4. Reconhecer as evidências de que o organismo            tamente por isótopos usados nas dosagens de diluição
   animal possui mecanismos naturais de defesa con-       do indicador, porém consiste na diferença entre o lí-
   tra a acidose mais eficientes do que os mecanis-       quido extracelular total e o volume localizado no es-
   mos de defesa contra a alcalose.                       paço intravascular.
5. Conhecer os principais sistemas tampões além do                Os três compartimentos que compõem a água
   tampão bicarbonato.                                    total do organismo também diferem em composição.
6. Conceituar “Base-Excess” e Reserva Alcalina.           O potássio (K+), o cálcio (Ca2+) e o magnésio (Mg2+)
7. Entender as interrelações entre o EAB e EHE atra-      representam os principais cátions na água intracelu-
   vés do conceito do “Anion Gap”.                        lar, e os fosfatos e as proteínas, os principais ânions.
8. Saber interpretar uma gasometria, diagnosticando       Grande parte do sódio (Na+) é eliminada desse com-
   os desvios do EAB.                                     partimento por processos que requerem energia (Bom-
9. Reconhecer os fatores que podem influenciar os         ba Na+-K+ ou Na+-K+ ATPase). Por outro lado, o
   resultados de uma gasometria.                          sódio é o principal cátion do líquido extracelular (LEC),
10. Conhecer as causas mais comuns dos desvios do         enquanto o Cl- e o HCO3- representam os principais
     EAB: alcalose respiratória, acidose respiratória,    ânions. A importância do Na+ está relacionada com o
     Síndrome da Angústia Respiratória do Adulto          controle que ele exerce na distribuição da água em
     (SARA), acidose metabólica e alcalose metabólica.    todo o organismo. O número de moléculas de Na+ por
                                                          unidade de água determina a osmolalidade do LEC.
11. Saber tratar os distúrbios do EAB.
                                                          Se o Na+ é perdido, a água é excretada na tentativa
12. Conhecer os efeitos deletérios da acidose aguda.
                                                          de manter a osmolalidade normal, e se o Na+ é retido,
13. Conhecer os efeitos deletérios da alcalose aguda.
                                                          a água também deve ser retida para diluí-lo. A quan-
                                                          tidade total de Na+ existente no organismo é de apro-
1. EQUILÍBRIO HIDROELETROLÍTICO                           ximadamente 4000 mEq, porém, a maior parte dessa
   E SEUS DESVIOS                                         quantidade encontra-se no esqueleto.
                                                                  Para fins didáticos, as composições iônicas do
1.1 COMPARTIMENTOS HÍDRICOS E TONICIDADE
                                                          plasma e do líquido intersticial podem ser considera-
1.1.1 Água total do organismo                             das idênticas, embora possa haver pequenas diferen-
       Embora a concentração dos íons de uma solu-        ças, resultantes da concentração desigual de proteína.
ção seja rapidamente determinada laboratorialmente,       O plasma tem um conteúdo muito maior de proteína, e
é bom ressaltar que os volumes dos vários comparti-       esses ânions orgânicos exigem um aumento na con-
mentos hídricos têm uma importância ainda maior no        centração total de cátions. A concentração dos ânions
tratamento cirúrgico. Embora a extensão e as distor-      inorgânicos é algo menor no plasma do que no inters-
ções presentes nestes volumes hídricos não sejam          tício. Essas relações são estabelecidas pelo equilíbrio
prontamente determinadas por medida direta, é es-         de Gibbs-Donnan.
sencial um conhecimento das várias subdivisões da         1.1.2 Permeabilidade e tonicidade
água total do organismo para compreender e tratar os             As diferenças na composição entre o líquido
problemas hidroeletrolíticos mais complexos.              intracelular (LIC) e o LEC são mantidas ativamente
       A água tritiada foi utilizada como isótopo para    pela membrana celular. Essa é uma membrana semi-
determinar a água do organismo. A água representa         permeável, uma vez que é totalmente permeável à
50 a 60% do peso corporal, estando presente, em maior     água, porém é seletivamente permeável a outras
quantidade, nas pessoas magras, e, em menor quanti-       substâncias. Embora o número total de osmoles seja
dade, nas obesas. As mulheres têm uma percentagem         igual em ambos os lados da membrana celular, a pres-
menor de água total no organismo devido à maior           são osmótica efetiva é determinada por substâncias

452
EAB e EHE




que não podem passar através da membrana semi-             ção do organismo existentes entre adultos normais.
permeável. Isso é bem estabelecido no limite da célu-      Assim, uma única medida do peso corporal, geralmente,
la capilar, entre o plasma e o líquido intersticial. A     tem pouco valor no cálculo da água total. No entanto,
passagem limitada das proteínas plasmáticas é res-         no contexto da unidade de tratamento intensivo, as
ponsável pela pressão osmótica eficaz, geralmente,         mudanças do peso a curto prazo devem-se, em gran-
conhecida como pressão coloidosmótica desse com-           de parte, mais às alterações na água total do organis-
partimento. Analogamente, as substâncias cuja pas-         mo, mesmo se o valor absoluto da água total perma-
sagem é limitada pela membrana celular, tais como o        necer incerto; o conhecimento da direção e da intensi-
sódio, contribuem para a pressão osmótica eficaz do        dade da alteração desse parâmetro pode revestir-se
LEC. É importante ter em mente que a água atraves-         de grande importância no diagnóstico e tratamento de
sa livremente todas as membranas celulares. Isso sig-      distúrbios complexos do EHE. Quando não se dispõe
nifica que o movimento da água através da membra-          de camas-balanças, ou quando não se podem fazer
na celular equalizará sempre a pressão osmótica efi-       pesagens fiéis devido à condição do paciente, torna-
caz no interior e no exterior da célula. Se houver alte-   se necessário fazer determinações do balanço hídrico
ração da pressão osmótica eficaz no LEC, haverá uma        (BH). O BH diário, incluindo uma estimativa das per-
redistribuição de água entre os compartimentos. Es-        das por evaporação, pode ser acrescentado ou sub-
ses desvios da água orgânica resultam de alterações        traído, sendo que o BH cumulativo resultante, reflete
na composição, e não alterações no volume, de ma-          as alterações da água total do organismo.
neira que a água intracelular é muito menos afetada                O BH teve aplicação clínica limitada devido às
pelos aumentos ou diminuições do LEC do que pela           dificuldades em se medir o conteúdo hídrico dos ali-
pressão osmótica.                                          mentos sólidos e das fezes, a água e as perdas pela
       A pressão osmótica de uma solução é referida        evaporação. Na verdade, alguns desses problemas são
em termos de osmoles ou miliosmoles, e está relacio-       simplificados no pós-operatório (PO), uma vez que
nada com o número de partículas osmoticamente ati-         quase todo o aporte de água é intravenoso, sendo fa-
vas, presentes na solução. Portanto, 1 mMol de NaCl,       cilmente medido. Devido à ausência de ingestão por
que se dissocia em Na+ e Cl-, contribui com dois           via oral, as fezes não são freqüentes e o débito urinário
miliosmoles. Assim, 1 mMol de uma substância não           pode ser medido com facilidade. As perdas por eva-
ionizada, tal como a glicose ou a uréia, contribuirá com   poração são inferiores a 1000 ml/dia nos pacientes
um mOsm. Quando se consideram os problemas hi-             afebris e ainda menores, quando se umidificam as vias
droeletrolíticos, os termos tais como osmol ou milios-     aéreas com vapor aquecido, e nos pacientes febris
mol não são tão freqüentemente empregados como o           existem cálculos que possibilitam avaliar as perdas
são o equivalente e o milequivalente. O equivalente        aproximadas. No ambiente com ar condicionado, mui-
de um íon é o seu peso atômico, expresso em gramas,        tos pacientes febris ainda perderão menos que dois
dividido pela sua valência. Quando se trata de íons        litros por dia através da pele e da respiração. A hiper-
univalentes, 1 mEq é igual a 1 mMol. No caso dos           ventilação dos pacientes com febre elevada pode eli-
íons divalentes, (um) mMol é igual a dois mEq. Esses       minar até três litros de água por dia, porém isso é
conceitos são importantes para o entendimento do           incomum. As queimaduras graves são uma exceção
equilíbrio eletrolítico corpóreo, uma vez que, em qual-    óbvia, porém, à exceção desse grupo de pacientes,
quer solução, o número total de cátions expressos em       podem ser feitas aproximações razoáveis da perda
mEq deve ser igual ao número de ânions, também             evaporativa de água que, por sua vez, possibilita o
expressos em mEq.                                          cálculo do BH diário e cumulativo, a partir da ingesta
1.1.3 Balanço hídrico                                      de líquidos e de registros de débito.
         O peso corporal tornou-se uma medida bas-                 Uma vez que as pesagens seriadas ou o BH
tante importante, porque as alterações agudas refle-       geram informações principalmente sobre as alterações
tem aumentos ou diminuições na água total do orga-         na água total do organismo, outros meios são impor-
nismo. Como foi observado anteriormente, a água to-        tantes para diagnosticar um decréscimo ou um ex-
tal do organismo representa 50 a 60% do peso corpo-        cesso no volume absoluto. O volume plasmático é a
ral. Em um adulto de 70 quilos essa fração seria de 35     única medida de volume clinicamente disponível, po-
a 42 litros de água, uma ampla faixa que está relacio-     rém pode ter um valor limitado, uma vez que os valo-
nada com a idade, o sexo e as diferenças na composi-       res normais previstos variam consideravelmente. O

                                                                                                               453
PRB Évora; CL Reis; MA Ferez; DA Conte & LV Garcia




exame clínico do paciente é essencial, e certos sinais    minui (“resolução do terceiro espaço”), após a estabi-
e sintomas indicam a existência de anormalidade no        lização do paciente, ocorre uma auto-infusão de líqui-
volume hídrico do organismo.                              do que, se não for eliminada por uma função renal
       O sistema cardiovascular é o indicador mais        adequada, pode transformar-se em edema intersticial
sensível, e uma Pressão Venosa Central (PVC) abai-        com conseqüente quadro de SARA. Este problema
xo de 3 cmH20, taquicardia e até mesmo hipotensão         tem grande importância na mortalidade de pacientes
indicam um déficit de volume. Na Unidade de Tera-         traumatizados após 48 a 72 horas de estabilizado o
pia Intensiva (UTI) o excesso de volume é mais co-        quadro inicial de choque hipovolêmico. Se o paciente
mum, uma vez que os pacientes recebem, durante a          não apresentar boa diurese, deve-se restringir líqui-
ressuscitação, grandes volumes de líquido por via en-     dos, usar diuréticos e até processos dialíticos.
dovenosa. São sinais bem reconhecidos de sobrecar-
ga hídrica: a PVC aumentada, o Débito Cardíaco (DC)       1.2 DISTÚRBIOS DO EQUILÍBRIO HÍDRICO
elevado, ritmo de galope cardíaco, uma segunda bu-
lha pulmonar hiperfonética, a congestão pulmonar e        1.2.1 Desidratação
algumas vezes o edema.                                           a) Definição
       O Sistema Nervoso Central (SNC) pode for-
                                                                 A desidratação é uma diminuição na quanti-
necer evidências de déficit na água total do organis-
                                                          dade total de água corpórea com hiper, iso ou hipoto-
mo, tais como apatia, reflexos tendinosos, profundos
                                                          nicidade dos fluidos orgânicos.Os testes de laborató-
e diminuídos, estupor ou coma. Porém, os excessos
                                                          rio mostram Hb e Ht, uréia, creatinina, proteínas e
isotônicos exercem pouco ou nenhum efeito na fun-
                                                          densidade específica da urina elevados, e sódio uriná-
ção do SNC.
                                                          rio baixo (a não ser que haja doença renal primária).
       Os sinais teciduais são tradicionalmente usa-
dos para avaliar a hidratação, porém podem aparecer              b) Etiologia
lentamente. O turgor cutâneo diminuído, os olhos                 Perdas gastrintestinais (diarréia, vômitos, as-
encovados e a língua seca são sinais tardios de déficit   piração gástrica); perdas geniturinárias (poliúria de
de líquido, assim como o edema subcutâneo é um si-        qualquer etiologia, doença de Addison, diabetes, tera-
nal tardio de sobrecarga.                                 pêutica com diuréticos, etc.); perdas pela pele
       Finalmente, deve-se salientar que o conhecimen-    (sudorese abundante, queimaduras, etc.); ingestão in-
to da composição das várias secreções orgânicas pode      suficiente (numerosas etiologias).
ser de grande valia para um raciocínio mais dirigido             c) Sinais e Sintomas
diante de alterações do EHE. Essas composições po-
                                                                 Sede (com perda de 2% do peso corpóreo); pre-
dem ser obtidas em tabelas próprias, ou pela análise
                                                          coces (mucosas secas, pele intertriginosa seca, perda
bioquímica de alíquotas dessas secreções.
                                                          da elasticidade da pele, oligúria); tardios (taquicardia,
1.1.4 A importância das perdas para o tercei-             hipotensão postural, pulso fraco, obnubilação, febre,
ro espaço                                                 coma); morte (com perda de 15% do peso corpóreo)
       É possível ocorrer uma desidratação por seqües-           d) Conduta
tro interno de líquido. Como já se descreveu, os com-            1) corrigir o problema primário; 2) a diferença
partimentos normais são o LEC (IV + INT) e o LIC.         entre o peso prévio ao processo mórbido e o peso
Quando ocorrem lesões, como as queimaduras, trau-         atual (na possibilidade de obtenção), corresponde ao
ma acidental e cirurgia, o LEC é seqüestrado na área      grau de desidratação e o volume a ser reposto; 3) se
de lesão, formando um “terceiro” espaço líquido anor-     não for possível a utilização do peso como parâmetro,
mal. Esta perda se faz a expensas do LEC normal e         estimar o grau de desidratação, combinando a história
reduz o seu volume efetivo, produzindo hemoconcen-        com os sinais e sintomas e exames de laboratório; clas-
tração e hipovolemia. A terapêutica imediata com          sifica-se, deste modo, a desidratação em: Leve (per-
soluções salinas ou balanceadas em sais e plasma,         da de 3% do peso corpóreo); Moderada (perda de 5
restaura os volumes plasmático e do interstício. As       a 8%) e; Grave (perda de 10%); 4) reponha o volume
perdas para o terceiro espaço devem ser repostas          perdido, representado pela perda do peso corpóreo,
como uma perda externa, uma vez que o líquido se-         dando 1/2 do volume total a repor nas primeiras doze
qüestrado não tem nenhum valor do ponto de vista          horas, dependendo do estado clínico; 5) determine o
volêmico do paciente. À medida que este espaço di-        estado iônico do paciente e reponha sal de acordo com

454
EAB e EHE




as necessidades, utilizando soluções eletrolíticas ade-           c) Conduta
quadas; 6) quando houver desidratação grave, use so-              Restrição hídrica, reposição de sódio (admi-
luções eletrolíticas em grandes quantidades, não espe-     nistração de sal hipertônico em pequenas quantida-
re pelos resultados das determinações eletrolíticas.       des - 300 ml de NaCL a 3%), uso cuidadoso de
                                                           diurético osmótico (manitol) e administração lenta de
1.2.2 Edema
                                                           glicose hipertônica. Nenhuma tentativa deverá ser
       O edema não é, por si só, uma emergência. A         feita para uma “reposição calculada do déficit de
sua presença, no entanto, é indicativa de doença de        sódio”, baseada no volume do LEC e na unida-
base, cuja natureza deve ser elucidada. As causas car-     de de déficit de sódio, porque resultará numa
díacas, hepáticas ou renal são as mais comuns. Não se      grave sobrecarga. O tempo com a perda insensível
deve dar diuréticos até que se tenham analisados os        de água pelos pulmões, juntamente com o fluxo de
múltiplos fatores que podem levar ao edema. Os diuré-      urina, pode, por si só, levar o paciente gradualmente
ticos empregados sem critério podem induzir distúr-        ao normal.
bios eletrolíticos, coma hepático, azotemia e arritmias.
                                                           1.3 DISTÚRBIOS DO EQUILÍBRIO ELETROLÍTICO
1.2.3 Intoxicação hídrica
                                                           1.3.1 Alterações do sódio
       a) Definição
       É o oposto direto da hipertonicidade (por so-              O sódio é o cátion que existe em maior quanti-
brecarga de solutos), causada pela excessiva inges-        dade nos líquidos extracelulares. Os íons de sódio par-
tão de água na presença de baixa diurese.                  ticipam da manutenção do EH, da transmissão dos
       A fonte de água pode ser a ingestão oral, mas,      impulsos nervosos e da contração muscular. A sua
mais freqüentemente, é uma má orientação e exces-          concentração normal no LEC varia entre 136 e
siva terapêutica parenteral com glicose e água. As         144mEq/l. O EHE é regido por um princípio fisiológi-
irrigações dos colos, particularmente as destinadas a      co importante: a água vai para onde for o sódio. Quan-
reduzir a distensão pós-operatória, podem resultar em      do os rins retêm sódio, a água também é retida. Por
retenção substâncial de volumes de água.                   outro lado, e a sua excreção é acompanhada pela ex-
       Os pacientes com enfermidades crônicas, de-         creção de água. Este é o princípio da maioria dos diuré-
bilitantes, com câncer, insuficiência cardíaca conges-     ticos. Quando a ingestão de sódio diminui, ou quando
tiva ou enfermidade hepática ou renal, são propensos       o paciente perde líquidos, o organismo procura reter
a ter um LEC expandido e algum grau de hipotonici-         sódio por ação da aldosterona nos túbulos renais, onde
dade antes de vir à cirurgia ou de sofrer um trauma        promove a reabsorção do sódio.
acidental. Esses pacientes estão particularmente su-
jeitos a reter excesso de água no pós-operatório e a       1.3.1.1 Hiponatremia
expandir, e, posteriormente, diluir o LEC.                        Pode ser resultado da deficiência corpórea do só-
       b) Quadro clínico                                   dio, uma diluição por excesso de água, ou uma combi-
                                                           nação dos dois fatores. A causa mais comum é a ex-
       As náuseas, a astenia e uma queda do volume
                                                           creção ineficiente de água frente ao excesso de admi-
urinário são os sintomas mais precoces, seguidos por
convulsão e coma. Sempre ocorrerá rápido aumento de        nistração (freqüentemente induzida iatrogênicamente)
peso, podendo observar-se edema periférico e pulmo-               Etiologia - é importante tentar diferenciar o tipo
nar. Os achados laboratoriais incluirão rápida queda       de hiponatremia presente, isto é, super-hidratação ou
na concentração do Na+ sérico e na osmolalidade plas-      deficiência de sódio, já que a causa básica e o trata-
mática. A urina pode conter substanciais quantidades       mento são muito diferentes.
de sódio que, em presença de uma baixa concentração               A depleção de sódio (hiponatremia) é en-
plasmática, indicam uma inapropriada excreção de           contrada quando as perdas de fluidos que contêm Na+
sódio, devido ao excesso de volume do LEC, se esti-        com continuada ingestão de água: perdas gastrin-
verem afastadas doença renal e insuficiência adrenal.      testinais (diarréia, vômito); perdas pela pele (le-
       A velocidade de queda do sódio plasmático pa-       sões exsudativas da pele, queimaduras, sudorese); se-
rece ser de maior importância do que seu valor abso-       qüestros no corpo (obstrução intestinal); perda re-
luto. O edema cerebral é a causa do coma e das con-        nal (primária ou secundária a estados de depleção,
vulsões, sendo encontrados, comumente, valores de          incluindo as perdas por diuréticos e na doença de
Na+ inferiores a 120 mEq/l.                                Addison).

                                                                                                               455
PRB Évora; CL Reis; MA Ferez; DA Conte & LV Garcia




       A hiponatremia dilucional pode ocorrer na:             ca). As mucosas e a boca estão secas. A sede está
Insuficiência Cardíaca Congestiva (ICC), cirrose, do-         presente, mas pode ser ocultada pela náusea e vômi-
ença renal com oligúria, síndrome de secreção inade-          tos. A fraqueza muscular e as cãibras são comuns.
quada do Hormônio Anti-Diurético (HAD), doença                Pode ocorrer febre (maior que 40ºC graus em alguns
de Addison.                                                   casos). Sinais e sintomas neurológicos, incluindo tre-
       Outras causas incluem: síndrome de hipona-             mor, hiperreflexia profunda, memória alterada, confu-
tremia familiar (assintomática, vista em muitos tipos         são e alucinações podem estar presentes.
de doenças de depleção); sódio sérico artificial baixo,             Conduta - pesar o paciente e tratar a doença
como nas hiperlipidemias, hiperglicemias e hiperpro-          primária. Estimar a porcentagem de perdas em ter-
teinemia do mieloma múltiplo.                                 mos de peso corpóreo, planejar a reposição de apro-
       Sinais e sintomas - dificuldade na concentra-          ximadamente metade do volume nas primeiras oito a
ção mental, alterações da personalidade, confusão,            doze horas. O edema cerebral pode complicar a re-
delírio, coma, oligúria.                                      posição muito rápida.
       Conduta - tratar a doença de base, pesar o pa-
                                                                     Nota: uma estimativa grosseira da osmolalidade
ciente, determinar se a hiponatremia é secundária à
                                                              sérica pode ser obtida pela seguinte fórmula:
perda de sal ou à sobrecarga de água.
       Nos casos de hiponatremia por depleção sali-
                                                                 Osmolalidade = 2(Na+ + K+) + Uréia + Glicemia
na, repor o sódio, calculando o seu déficit com base
                                                                                               5.6        18
no volume da água total (60% do peso para os ho-
mens e 50% do peso para as mulheres). A prática               1.3.2 Alterações do potássio
revela que a reposição à base apenas do LEC (20%
                                                                     O potássio é o principal cátion intracelular que
do peso corpóreo) retarda a resolução do problema.
                                                              regula a excitabilidade neuromuscular e a contratili-
       A hiponatremia por excesso de água é tratada
                                                              dade muscular. O potássio é necessário para a for-
como intoxicação hídrica: repor sódio só em caso com
                                                              mação do glicogênio, para a síntese protéica e para a
menos de 110 mEq/l, manitol (observar cuidadosamen-
                                                              correção do desequilíbrio acidobásico. A sua impor-
te sinais de ICC).
                                                              tância no EAB é importante, porque os íons K+ com-
       A síndrome de hiponatremia familiar e sódio
                                                              petem com os íons H+. Por conseguinte, na acidose,
baixo artificial não necessita, em geral, de tratamento.
                                                              ocorre eliminação de um H+ para cada K+ retido. Na
1.3.1.2 Hipernatremia                                         alcalose, dá-se o contrário. A regulagem do potássio
       Está, geralmente, associada à desidratação com         está a cargo, principalmente, dos rins. Quando a al-
Na+ superior a 150 mEq/l.                                     dosterona aumenta, a urina elimina maior quantidade
       Etiologia - perda de água superior à de só-            de potássio e o nível de potássio no sangue pode dimi-
dio: diarreia e vômitos, insuficiência renal, diabetes        nuir. Outro mecanismo regulador baseia-se na per-
insipidus, diabetes mellitus, febre, insolação, hiperven-     muta com o Na+ nos túbulos renais. A retenção de
tilação; reposição insuficiente das perdas hídri-             sódio é acompanhada pela eliminação de potássio.
cas: diminuição da ingestão hídrica
por náuseas, vômitos ou incapacida-         Tabela I - Diagnóstico diferencial de hiponatremia
de física; administração de sobre-
carga de soluto: suplementação de                                   Depleção de sódio           Excesso de água
                                                                   (Hiponatremia real)      (Hiponatremia dilucional)
proteínas e sal, na alimentação, por
sonda, envenenamento acidental por                      Uréia             elevada                    normal
sal de cozinha, diuréticos osmóticos,           Hematócrito               elevado               normal ou baixo
diálise; excesso de esteróides.             Pressão Arterial        geralmente baixa                 normal
       Sinais e Sintomas - a detec-
                                                        Pulso              rápido                    normal
ção clínica precoce pode ser difícil,
porque o plasma hipertônico atrai                        Pele          fria, pastosa             normal, úmida
água das células, escondendo os si-                Mucosas                 secas                    úmidas
nais de colapso circulatório, vistos na      Turgor cutâneo              diminuído                   normal
desidratação hiponatrêmica. O tur-                     Edema              ausente              às vezes, presente
gor cutâneo pode ser normal (em                         Urina      pouca, concentrada      normal ou poliúrica, diluída
oposição à desidratação hiponatrêmi-

456
EAB e EHE




       Os níveis séricos normais de potássio oscilam         ção a tal problema. Os pacientes digitalizados são es-
entre 3,5 a 5 mEq/l. Ressalte-se que os valores plas-        pecialmente suscetíveis às arritmias, se hipopotassê-
máticos representam os valores extracelulares. Sua           micos, e também necessitam de tratamento intensivo
normalidade ou o seu aumento não significam altera-          para esta alteração eletrolítica. Deve-se prevenir a
ções globais dos seus valores, isto porque ele predo-        hipopotassemia após tratamento para acidose em ge-
mina no LIC. Já o seu valor plasmático é importante          ral, e da acidose diabética, em especial.
no caso de hiperpotassemia, porque é o aumento dos
seus níveis extracelulares que pode levar à parada           1.3.3 Alterações do cálcio
cardíaca diastólica.                                                O cálcio ocupa o quinto lugar entre os elemen-
                                                             tos mais abundantes no corpo humano. O organismo
1.3.2.1 Hiperpotassemia
                                                             precisa do cálcio para a integridade e estrutura das
        Etiologia - insuficiência renal aguda, doença
                                                             membranas celulares, condução adequada dos estí-
de Addison, acidose, transfusões e hemólise, lesões
                                                             mulos cardíacos, coagulação sangüínea e formação e
por esmagamento de membros e outras causas de
                                                             crescimento ósseos. O cálcio se encontra nos líquidos
degradação de proteínas, grande ingestão de K+ fren-
                                                             orgânicos sob três formas diferentes: 10 cálcio io-
te à insuficiência renal, entre outras.
                                                             nizado (4,5 mg/100ml); 20 cálcio não difusível, for-
        Sinais e Sintomas - fraqueza muscular, parali-
                                                             mando complexos com ânions protéicos (5mg/100ml)
sia flácida, diminuição de ruídos hidroaéreos, parestesias
                                                             e; 3) sais de cálcio, tais como citrato e fosfato de cál-
(face, língua, pés, mãos), irritabilidade muscular,
                                                             cio (q mg/100ml). Alguns laboratórios clínicos indi-
arritmias cardíacas e outras alterações do Eletrocar-
                                                             cam os níveis de cálcio em mEq/l. O cálcio contido
diograma (ECG) (onda T “em campânula”, comple-
                                                             nos líquidos orgânicos representa uma pequena por-
xos QRS alargados), parada cardíaca em diástole.
                                                             centagem do cálcio total, sendo que a maior parte dele
        Conduta - gluconato ou cloreto de cálcio, bi-
                                                             se encontra nos ossos e dentes.
carbonato de sódio, solução polarizante sem K
                                                                    O cálcio contido no LEC é regulado pela ação
(glicose-insulina), resinas de troca iônica (Kayexalate,
                                                             dos hormônios das paratireóides e tireóides. O hor-
Sorcal), diálise.
                                                             mônio da paratireóide regula o equilíbrio entre o cál-
1.3.2.2 Hipopotassemia                                       cio contido nos ossos, a absorção de cálcio pelo trato
       Etiologia - perdas gastrintestinais (diarréia,        gastrintestinal e a eliminação do cálcio pelos rins. A
fístula Gastrintestinal (GI), vômitos); perdas genitu-       tireocalcitonina, produzida pela tireóide, também de-
rinárias (acidose tubular renal e outras doenças re-         sempenha um certo papel na determinação dos níveis
nais, doença de Cushing, síndrome de Cohn, uso de            séricos do cálcio, porque inibe a reabsorção do cálcio
diuréticos); ingestão insuficiente (notar que há perda       dos ossos.
obrigatória nas fezes); desvio iônico (alcalose).            1.3.3.1 Hipocalcemia
       Sinais e Sintomas - neuromusculares (fra-                    Etiologia - perda de tecido da paratireóide após
queza muscular, parestesias); renais (concentração           tireoidectomia, hipoparatireoidismo idiopático, insufi-
prejudicada, poliúria); gastrintestinais (náuseas, íleo      ciência renal (raramente sintomática).
adinâmico); SNC (irritabilidade, letargia, coma); car-              Sinais e Sintomas - parestesias (especialmen-
díacos (arritmias tipo bigeminismo e/ou trigeminismo,        te perorais e nas mãos e pés); labilidade emocional;
onda U ao ECG)                                               miastenia e cãibras; diarréia e poliúria; disfagia; estri-
       Conduta - via oral (KCl xarope, K eferves-            dor laríngeo e broncoespasmo, convulsões; arritmias
cente ou em comprimidos); via endovenosa (aumen-             cardíacas e intervalo Q-T aumentado; espasmo car-
tando-se a concentração de K+ nas soluções eletrolí-         popedal (espontâneo ou com uso de manguito de pres-
ticas usuais, solução polarizante: G-I-K).                   são durante três minutos, inflado acima da pressão
      Nota: a reposição do K+ se faz de maneira              sistólica - Sinal de Trousseau); contração do músculo
empírica, sendo um esquema usual a reposição de 40           facial após leve golpe na frente da orelha - Sinal de
a 60 mEq/L por via EV (Endovenosa) a velocidades             Chvostek; opistótono.
não maiores do que 30-40 mEq/hora.                                  Conduta - a reposição é empírica, usando-se
      Casos especiais - os cirróticos são especial-          tantas ampolas de gluconato de cálcio quantas forem
mente suscetíveis às complicações da hipopotasse-            necessárias, até o desaparecimento dos sinais clíni-
mia e devem ser tratados agressivamente com rela-            cos. A infusão venosa deve ser lenta. Nos casos de

                                                                                                                  457
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hipoparatireoidismo, pode-se utilizar extrato de para-            A regulagem dos níveis de magnésio é indireta,
tireóide (100 a 200 unidades USP) por via EV. No           estando a cargo da eliminação renal, além de depen-
tratamento pós-controle da fase aguda, deve-se acres-      der do hormônio das paratireóides. As alterações dos
centar cálcio oral e Vitamina D.                           níveis de magnésio são, freqüentemente, associadas
                                                           a doenças graves e manifestam-se por sinais sugesti-
      Nota importante: se não houver resposta ao
                                                           vos de alterações das funções neuromusculares.
tratamento com cálcio, considerar a possibilidade de
hipomagnesemia.                                            1.3.4.1 Hipermagnesemia
1.3.3.2 Hipercalcemia                                             Etiologia - o excesso de magnésio é quase sem-
                                                           pre o resultado de uma insuficiência renal e inabilida-
       Etiologia - hiperparatireoidismo, neoplasias
                                                           de em excretar o que foi absorvido do alimento ou
(carcinoma, leucemia, linfoma, mieloma múltiplo),
                                                           infundido. Ocasionalmente, o uso do sulfato de mag-
sarcoidose, intoxicação por Vitamina D, hipo e hiper-
                                                           nésio, como catártico, pode ser absorvido o bastante
tireoidismo, síndrome do “milk-alkali”, insuficiência
                                                           para produzir uma intoxicação, particularmente da
adrenal.
                                                           função renal comprometida.
       Sinais e Sintomas - fraqueza, anorexia e vô-
                                                                  Sinais e Sintomas - fraqueza muscular, queda
mitos, constipação, sonolência, estupor, coma, cefaléia
                                                           da pressão sangüínea, sedação e estado de confusão
occipital, intervalo Q-T e segmento ST supranivelados
                                                           mental. O ECG mostra aumento do intervalo P-R, alar-
no ECG, arritmias.
                                                           gamento dos complexos QRS e elevação das ondas
       Conduta - o objetivo final do tratamento deve ser   T. A morte, geralmente, resulta da paralisia dos mús-
dirigido para eliminar a causa, se possível. O trata-      culos respiratórios.
mento de urgência das crises hipercalcêmicas inclui: hi-          Conduta - o tratamento é dirigido no sentido de
dratação com Soro Fisiológico (SF) e diurese forçada       melhorar a insuficiência renal. O cálcio age como
com diuréticos (pode ser suficiente nos casos leves).      antagonista do magnésio e pode ser empregado por
       O sulfato de sódio (0,12 M) um (1) litro em 4-6     via parenteral para benefício temporário. Pode estar
horas, seguido de uma infusão adicional de três litros     indicado na diálise peritoneal ou extracorpórea.
em vinte e quatro (24) horas. O sulfato de sódio é
mais eficiente que o SF, porém podem ocorrer hiper-        1.3.4.2 Hipomagnesemia
natremia, hipopotassemia e hipomagnesemia, apesar                  Etiologia - pode ser encontrado no alcoolismo
de sua ação ser de curta duração.                          crônico em associação com “delirium tremens”, cir-
       Outra opção para o tratamento da hipercalcemia      rose, pancreatite, acidose diabética, jejum prolonga-
grave são os fosfatos (K2HPO4 - 1,5 g em infusão           do, diarréia, má absorção, aspiração gastrintestinal pro-
EV, correndo durante 7 horas). Os fosfatos podem           longada, diurese exagerada, hiperaldosteronismo pri-
causar efeitos cardíacos letais, sendo a sua adminis-      mário e hiperparatireoidismo, particularmente depois
tração Via Oral (VO) mais segura. Além disso os            de paratireoidectomia e quando largas doses de Vita-
fosfatos podem causar insuficiência renal por depósi-      mina D e cálcio são consumidas.
to de cálcio no rim. São especialmente perigosos nos               Sinais e Sintomas - hiperirritabilidade neuro-
pacientes com uremia.                                      muscular e do SNC com movimentos atetóticos, ba-
       Os glicocorticóides podem ser úteis nos casos       lismos, tremores amplos (“flapping”), sinal de Babinski,
de metástases ósseas, porém não são efetivos nos           nistagmo, taquicardia e arritmias ventriculares, hiper-
casos de hipercalcemia causada pelo excesso do hor-        tensão e distúrbios vasomotores. Confusão, desorien-
mônio da paratireóide.                                     tação e inquietação podem estar em destaque.
                                                                   Conduta - infusão parenteral de soluções ele-
1.3.4 Alterações do magnésio
                                                           trolíticas, contendo magnésio (10 a 40 mEq/l/dia, du-
      O magnésio ocupa o segundo lugar, por ordem          rante o período de maior gravidade, seguindo-se ma-
de importâncias, entre os cátions do LIC. Ele é in-        nutenção com 10 mEq/dia). O sulfato de magnésio
dispensável para as atividades enzimáticas e neu-          pode também ser dado por via IM (4 a 8 g / 66 a
roquímicas, assim como para a excitabilidade dos           133mEq, diariamente, divididos em quatro doses; os
músculos. Seus níveis plasmáticos variam entre 1,5 e       níveis séricos devem ser monitorizados para prevenir
2,5 mEq/l.                                                 a concentração superior a 5 - 5,5 mEq/l).

458
EAB e EHE




2. EQUILÍBRIO ACIDOBÁSICO (EAB) E                               O ácido carbônico pode ser representado pela
   SEUS DESVIOS                                          constante 0.03 pela pressão parcial de C02 do sangue
                                                         arterial, surgindo, no denominador da equação, um gás
2.1 Introdução - Alguns conceitos fisiológicos,          que expressa a ventilação.
     fundamentais                                                                         HCO -       3
       A avaliação acidobásica do sangue é feita na                  pH = pK + log
                                                                                           0.03 X PaCO2
grande maioria dos doentes que são atendidos em UTI,
qualquer que seja a patologia de base. A sua avalia-          Assim, é possível concluir que a manutenção
ção é fundamental, pois, além dos desvios do equilí-     do pH depende, fundamentalmente da função renal
brio acidobásico, propriamente dito, pode fornecer       (numerador da equação) e da função respiratória (de-
dados sobre a função respiratória do doente e sobre      nominador da equação).
as condições de perfusão tecidual.
       Os sistemas orgânicos enfrentam dois desafios            Função Renal (componente não respiratório ou metabólico)
                                                         pH =
básicos para a manutenção do EAB. O primeiro é a                    Função Respiratória (componente respiratório)
disposição da cota fixa de ácidos, ingerida na dieta            O termo “metabólico” é um erro consagrado
diária. O segundo é o destino dado ao CO2 gerado         pelo uso, uma vez que que ambos os componentes da
como produto final do metabolismo. Para manter o         Equação de Henderson - Hasselbach envolvem um
pH em limites compatíveis com os processos vitais, o     processo metabólico. Este erro histórico será preser-
organismo lança mão de uma série de mecanismos           vado, falando-se em distúrbios metabólicos e dis-
bioquímicos, com destaque para o papel desempenha-       túrbios respiratórios do EAB.
do pelo chamado sistema tampão.                                 Considerando-se estes conceitos, os mecanis-
       O sistema tampão do organismo pode ser divi-      mos de excreção do H+ podem assim ser resumidos:
dido em três grandes componentes: bicarbonato/áci-       a) a excreção pulmonar do íon H+ é indireta; o pul-
do carbônico, proteína e fosfatos. As substâncias tam-      mão só excreta substâncias voláteis, isto é, subs-
pões são responsáveis pelo fato de que pH uma solu-         tâncias que podem ser convertidas em gases;
ção se modifica menos do que deveria pela adição ou      b) a excreção renal não apresenta esta limitação, sendo
subtração de íons H+. Com a queda do pH da solu-            coadjuvada pelas bases tampões;
ção, estas substâncias aceitam os íons H + para          c) a média de excreção de CO2 pelos pulmões pode
entregá-los novamente, quando aumenta o pH, desta           ser mudada rapidamente, em qualquer direção, por
maneira, agem contra as modificações abruptas da            alterações apropriadas da ventilação alveolar, po-
reação. Entre os tampões do espaço extracelular, o          rém a hipoventilação, no sentido de poupar H+ não
bicarbonato e as proteínas plasmáticas desempenham          é um mecanismo tão eficiente quanto a hiperventi-
um papel relevante, enquanto a hemoglobina e os             lação que elimina este mesmo íon de maneira efi-
fosfatos estão em primeiro plano no compartimento           ciente, no início de um quadro acidótico;
intracelular. Graças a estes sistemas de tamponamento,   d) a função renal pela excreção de H+ e eletrólitos
pequenas alterações do EAB manifestam-se por um             influencia o estado acidobásico do LEC, porém um
deslocamento do equilíbrio da reação dos tampões com        período de horas é necessário para que esta influ-
atenuação de modificações significativas da concen-         ência seja significante.
tração dos íons H+ livres ou do pH. O tampão bicar-
bonato é o mais importante:                                     Um outro detalhe interessante da fisiologia do
                                                         EAB são as evidências de que o organismo animal,
CO2 + H20            H2CO3             H+ + HCO3-        na sua evolução, adquiriu mecanismos naturais de de-
                                                         fesa contra a acidose mais eficientes do que os me-
        A partir desta reação química, é possível de-    canismos contra a alcalose:
duzir a Equação de Henderson - Hasselbach,               a) características próprias da função renal que elimi-
fundamental para o entendimento do equilíbrio acido-        na o H+ e reabsorve o HCO3-;
básico:                                                  b) curva da dissociação da Hb: na acidose, a curva se
                                HCO3-                       desvia para a direita, diminuindo a afinidade da Hb
              pH = pK + log                                 pelo oxigênio e, na alcalose, ela se desvia para a
                                H2CO3-                      esquerda, aumentando a afinidade;

                                                                                                                    459
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c) a hiperventilação com alcalose respiratória, des-           hipobicarbonatemia. Como o álcali perdido é subs-
   viando a reação do CO2 com a água para a es-                tituído por ânions ácidos (fosfato, acetoacetato,
   querda, é um mecanismo natural de compensação               cloreto, etc.), segue-se que qualquer ácido, exceto
   da acidose metabólica, que pode ocorrer normal-             o HCl, substitui o ânion HCO3-, facilmente medido,
   mente, por exemplo, no exercício físico. A ocor-            por ânions que não são medidos rotineiramente. Por
   rência do fenômeno inverso é possível na teoria,            este motivo criou-se o conceito de “diferença de
   mas a depressão respiratória, produzindo uma aci-           ânions” (“ânion gap”, DA), que reflete o balanço
   dose respiratória para compensar uma alcalose me-           entre o cátion rotineiramente medido (Na+) e os
   tabólica, só ocorreria com um BE>+40, uma situa-            ânions rotineiramente medidos (Cl- + HCO3-).
   ção praticamente impossível;
d) isto reflete em uma maior dificuldade do tratamen-           DA = (“anion gap”) = (Na+) - (Cl- + HCO3-)
   to da alcalose metabólica, como se observa na prá-              Como as acidoses por HCl efetuam uma troca
   tica diária da terapia intensiva.                        igual de HCO3- perdido por Cl- retido, sem alterar
        Os conceitos de reserva alcalina e “Base            necessariamente o Na+ sérico, a DA permanece dentro
Excess” (BE) merecem um pequeno comentário. A               da faixa normal (12 ± 2 mEq/l), dessa maneira, defi-
reserva alcalina (capacidade de ligação de CO2) é a         nindo uma acidose hiperclorêmica ou com DA nor-
quantidade total de CO2 de uma amostra de plasma,           mal. Todas as outras formas de acidose aumentam o
separada anaerobicamente, após equilibrá-la com 40          “anion gap”, ao substituir o HCO3- por ânions diver-
mmHg de pCO2 à temperatura ambiente (usa-se de              sos do Cl-. Uma análise crítica do conceito de “anion
preferência o bicarbonato padrão em mMol/l) (Esco-          gap” demonstra sua pouca utilização na prática diá-
la americana, liderada por Davenport).                      ria. Qual seria a sua real utilidade? Diagnóstico dife-
        O excesso de bases (BE = Base Excess) é igual       rencial entre tipos de acidoses, permitindo pensar em
à concentração de bases do sangue em mEq/l, ti-             diagnósticos menos comuns? Como índice prognósti-
tuladas por um ácido forte a um pH de 7,40, com uma         co? Uma utilidade real seria como controle de quali-
pCO2 de 40 mmHg e a uma temperatura de 370C                 dade de dosagens laboratoriais, já que não existe a
(Escola dinamarquesa, liderada por Sigaard-                 situação de “anion gap” aumentado, que ocorre só na
Andersen).                                                  condição de erros de dosagem. Como, alguns apare-
        Com a crescente simplificação da análise do         lhos de origem americana mostram a “grande vanta-
EAB por aparelhos de alto rendimento, a determina-          gem” de fornecer diretamente o valor do “anion gap”,
ção de parâmetros isolados, como a reserva alcalina,        pressente-se até um possível lance comercial. Final-
em comparação com um levantamento completo do               mente, merecem menções os Nomogramas de Gamble
EAB, passou para um segundo plano.                          para a ilustração e integração entre o EAB e o EHE.
        Existem importantes interrelações entre o EAB
e o EHE.                                                    b) Lei da isosmolaridade - Determina que a osmo-
a) Lei da eletroneutralidade - Estabelece que a                laridade é a mesma, nos sistemas de líquidos dos
   soma das cargas negativas dos ânions deve ser igual         organismos, entre os quais a água passa livremen-
   à soma das cargas positivas dos cátions. No plas-           te. Seu valor normal é em torno de 285 mOsm/l, e,
   ma, há 154 mEq/L de cátions e, conseqüentemen-              se o número de partículas dissolvidas aumenta em
   te, 154 mEq de ânions. Em todas as circunstâncias,          um compartimento a água mobilizar-se-á em dire-
   o sódio responsabiliza-se pela maior parte dos equi-        ção a ele até que um novo equilíbrio da osmolarida-
   valentes catiônicos. Portanto, o bicarbonato consti-        de seja estabelecido.
   tui-se no elo entre o EAB e o EHE, já que ele faz        c) Lei fisiológica do equilíbrio acidobásico - Afir-
   parte destas duas entidades. Para que se mante-             ma que o organismo tende a manter o pH do san-
   nha a eletroneutralidade, quando ocorre uma que-            gue em torno de um valor normal. Em relação a
   da do bicarbonato, ocorre um aumento do cloreto e           esta lei, um fato importante é a interação entre o
   vice-versa. Assim, a interação entre prótons e              potássio e o H+ em relação ao intra e extracelular.
   ânions, de um modo cumulativo com os componen-              No caso de uma acidose, na tentativa de manter o
   tes normais do soro, resulta em padrões de eletrólitos      pH do sangue, o potássio sai da célula com a en-
   que possibilitam a classificação de todas as acidoses       trada do H+, ocorrendo o contrário na alcalose, ou
   metabólicas. Os prótons consomem as reservas de             seja, saída do H+ e entrada do potássio para o com-
   álcali, manifestando sua presença sob a forma de            partimento intracelular.

460
EAB e EHE




2.2 Diagnóstico dos distúrbios do equilíbrio aci-                análise da gasometria venosa: 1) a pO2 venosa,
    dobásico pela análise gasométrica                            quando comparada com a pO2 arterial, dá uma idéia
                                                                 do débito cardíaco (diferença arteriovenosa gran-
        Por tratar-se de um texto apenas com preten-
                                                                 de com pO2 venoso baixo significa baixo débito,
sões didáticas, antes da apresentação das causas dos
                                                                 com os tecidos extraindo muito o oxigênio da hemo-
distúrbios do EAB, que seria a seqüência lógica, se-
                                                                 globina pelo fluxo lento, sendo esta uma situação
rão apresentados os princípios diagnósticos. Esta in-
                                                                 ainda favorável para se tentar a reversão de um esta-
versão tem se mostrado útil, pois torna fácil a dedu-
                                                                 do de choque) e; 2) a diferença arteriovenosa pe-
ção posterior das variadas causas de desequilíbrio
                                                                 quena, com progressivo aumento da pO2 venosa,
acidobásico.
                                                                 indica um “shunt” sistêmico, ou seja, um agrava-
        O diagnóstico das alterações do EAB é feito
                                                                 mento das trocas teciduais); portanto, o principal
pela análise dos valores obtidos através da gasometria
                                                                 dado fornecido pela gasometria venosa é a pO2.
sangüínea. Como em todo exame laboratorial, exis-
                                                                     Pelo acima exposto, fica claro que o diagnósti-
tem fatores que podem influenciar seus resulta-
                                                              co dos distúrbios do EAB deve embasar-se nos valo-
dos, como veremos a seguir
                                                              res da gasometria arterial.
a) em pacientes conscientes, a punção arterial pode
                                                                     Antes da análise das possibilidades diagnósti-
    resultar em hiperventilação, pelo temor induzido pelo
                                                              cas da gasometria arterial, é importante que se defi-
    procedimento;
                                                              nam os valores normais de seus parâmetros. Para Ri-
b) a heparina é ácida e, ao menos teoricamente, pode
                                                              beirão Preto, Manço & Terra Filho definiram, por
    influenciar os valores do pH, pCO2 e pO2, em amos-
                                                              amostragem, os seguintes valores normais (Tabela II):
    tras pequenas;
c) a presença de leucocitose e grande número de pla-
    quetas reduzirá o valor do pO2, dando a falsa im-
                                                               Tabela II - Valores normais da gasometria arterial *
    pressão de hipoxemia. A queda na pO2 é negligen-
    ciável, se a amostra é armazenada em gelo e ana-
    lisada dentro de uma hora. Presumivelmente, o              pH = 7,35 a 7,45              CO2 = 23 a 27 mMol/L
    metabolismo, em andamento, dos elementos celu-             pO2 = 70 a 90 mmHg            HCO3 = 22 a 26 mEq/L
    lares do sangue pode consumir O2 e reduzir a pO2;          pCO2 = 35 a 45 mmHg           BE = -3.5 a +4,5 mEq/l
d) o resfriamento aumenta o pH e a saturação de oxi-
    gênio, e diminui a pO2;                                                       Sat O2 = 95 a 97%
e) o halotano aumenta falsamente os valores do pO2,           *Informação pessoal: Manço & Terra-Filho
    porque o eletrodo para o pO2, no aparelho de gaso-
    metria, também responde ao halotano.
        Ainda sob o ponto de vista da análise gasomé-                 Pela gasometria arterial, é possível o diagnósti-
trica, alguns detalhes merecem destaque:                      co dos desvios do componente respiratório (O2/oxige-
a) a adoção da escola dinamarquesa (Sigaard-                  nação e pCO2/ventilação) e do componente metabóli-
    Andersen) é praticamente uma unanimidade inter-           co (BE e HCO3-). (Figura 1)
    nacional;                                                         Um nomograma clássico bastante útil é o apre-
b) quando se solicita uma gasometria sangüínea, o pH,         sentado por West em seu livro, “Fisiopatologia Pul-
    a pO2 e a pCO2 são obtidos por medida eletrônica          monar Moderna” (Figura 2). Este nomograma permi-
    direta; os valores do CO2 total, HCO3, BE, SatO2          te o diagnóstico diferencial de praticamente todos os
    são obtidos por medida indireta, através de leitura       tipos de insuficiência respiratória, sendo complemen-
    no nomograma de Sigaard-Andersen;                         tar aos dados da Figura 1. Trata-se de um nomograma
c) como os distúrbios envolvem mecanismos renais e            Ventilação (pCO2) / Oxigenação (pO2). Como todas
    respiratórios, o diagnóstico deve ser com base na         as insuficiências respiratórias caracterizam-se pela hi-
    gasometria do sangue arterial;                            póxia, o diagnóstico diferencial é dado pelo padrão
d) a amostra venosa não permite a análise da função           ventilatório, ou seja, pela variação da pCO2.
    respiratória e sua colheita está sujeita a erros; para    a) Na hipoventilação pura, o aumento da pCO2 arte-
    fins científicos, deve, inclusive, ser colhida na arté-       rial é extremamente rápido, atingindo valores su-
    ria pulmonar, onde o sangue venoso é misto; porém,            periores a 80 mmHg com vasodilatação cerebral e
    duas informações práticas podem ser obtidas pela              falência cardiorrespiratória.

                                                                                                                    461
PRB Évora; CL Reis; MA Ferez; DA Conte & LV Garcia




                                                                                Hiperventilação
                                                     1. pO2     e pCO2
                                                                                Alcalose respiratória


                                                                                Hipoventilação
                         COMPONENTE                  2. pO2     e pCO2
                         RESPIRATÓRIO                                           Acidose Respiratória
                            (Pulmões)
                                                                            Alterações da V/Q + PEEP)
                                                     3. pO2     e pCO2      Alterações da difusão
                                                                            Aumento do Qs/Qt
                                                                                     (SARA)




                                                            -
                         COMPONENTE                  1. HCO3     e BE < - 3,5     Acidose Metabólica
                         NÃO RESPIRA-
                         TÓRIO ( Rins )              2. HCO3     e BE > + 3,5     Alcalose metabólica


                         Figura 1 - Interpretação da gasometria arterial.




                       PCO2 (mmHg)                                                      A = Hipoventilação pura
                                                                                        B = DPOC
                                                                                        C = Pneumopatia restritiva
                                                                                        D = SARA
                       100                                                              E = SARA + O2
                                                                            F
                                                                                        F = DPOC + O2
                       80            A


                       60            B


                      40            C


                      20            D                                            E


                                                                                  100          P
                                                                                              PCO2 (mmHg)
                                                         50
                     Figura 2 - Nomograma pCO2 / pO2 (West) - Diagnóstico diferencial de todas as modalidades
                     de insuficiência respiratória.



462
EAB e EHE




b) Nos casos de descompensação da doença pulmo-            láctica/ácido láctico, acidose diabética/corpos cetôni-
   nar obstrutiva crônica (DPOC), o aumento da pCO2        cos, cetose de jejum, azotemia por IRA/ácido sulfúri-
   arterial é mais lento, dificilmente atingindo valores   co, ácido fosfórico), Crônica: azotemia/IRC.
   superiores a 77 – 75 mmHg.                                     • Por perda de bicarbonato: Aguda (diar-
c) Nas pneumopatias restritivas, a pCO2 permanece          réia); Crônica (fístula pancreática, acidose tubular
   normal, porque existe uma compensação pela ca-          renal).
   racterística hiperventilação destas doenças.
                                                           2.3.4 Alcalose metabólica
d) Na Síndrome da Angústia Respiratória do Adulto
   (SARA), ocorre uma queda da pCO2 arterial como                 • Por perda de ácido forte: Aguda (vômi-
   uma conseqüência do efeito “shunt” (áreas bem           tos), Crônica/perda de potássio (diarréia crônica,
   perfundidas e mal ventiladas com alta difusibilidade    corticóides, diuréticos).
   do CO2).                                                       • Por ganho de bicarbonato: Aguda exó-
E) Com o tratamento adequado da SARA, a oxige-             gena (infusão de bicarbonato); Aguda endógena
   nação pode melhorar, porém uma não observância          (“stress”); Crônica (ingestão de antiácidos).
   da normalização da pCO2 pode significar que ain-               Existem situações clínicas importantes que
   da persistem áreas bem perfundidas e mal ventila-       apresentam padrões de alterações do EAB que me-
   das, levando, ainda, ao efeito “shunt”.
                                                           recem um breve comentário.
F) O excesso de oxigênio oferecido a pacientes por-        a) Estado de choque - A regra é a ocorrência de
   tadores de DPOC pode levar a uma elevação da               acidose metabólica devida à má perfusão tecidual
   pCO2, inclusive atingindo valores superiores a 80
                                                              com conseqüente metabolismo celular anaeróbio.
   mmHg. Isto se deve ao fato de a ventilação destes          Em uma fase inicial, existe a tentativa de compen-
   pacientes ser controlada por quimiorreceptores             sação respiratória, e, em fase final a regra é uma
   aórticos e carotídeos, que respondem à hipóxia e à
                                                              acidose mista.
   acidose.                                                b) Parada cardíaca - Ocorre acidose metabólica e
2.3. Causas mais comuns dos distúrbios do EAB                 respiratória, respectivamente, pela parada brusca
                                                              de oxigenação tecidual e da ventilação pulmonar.
      De um modo bastante simplificado, as causas
                                                              Nestes casos, os pacientes devem ser hiperventila-
mais comuns dos distúrbio do EAB podem ser agru-
                                                              dos, pois o tratamento da acidose é feito com o
padas conforme relato abaixo.
                                                              bicarbonato de sódio que é doador de CO2.
2.3.1 Acidose respiratória                                 c) Circulação extracorpórea (CEC) - Por melhor
       • Aguda: por comprometimento do SNC (po-               que seja sua técnica, vários são os mecanismos
liomielite anterior e aguda, intoxicações exógenas, co-       que elevam a uma inadequada perfusão tecidual
mas, traumas); por comprometimento anatômico ou               (hipofluxo, hipotermia, hiperatividade simpática e
funcional da caixa torácica (ossos e músculos).               ausência de fluxo pulsátil) com conseqüente aci-
       • Crônica: por lesões pulmonares (insuficiên-          dose metabólica. Por outro lado, o uso de oxigênio
cia respiratória crônica)                                     puro no oxigenador leva, muitas vezes, a uma acen-
                                                              tuada diminuição do CO2. A alcalose metabólica
2.3.2 Alcalose respiratória                                   pode ocorrer pelo excesso de bicarbonato admi-
       • Aguda: estimulação do Centro Respiratório            nistrado durante a CEC ou, no pós-operatório, pela
Bulbar (CRB) (encefalites, emoção, febre e infecções          perda excessiva de potássio muito comum durante
sistêmicas, intoxicação por salicilato, hipoxemia); re-       a derivação cardiopulmonar. Um outro problema
flexos (choque); por estimulação de receptores torá-          digno de menção é a ocorrência de alcalose meta-
cicos (atelectasia, pneumopatias agudas).                     bólica tardia (48-72 horas no pós-operatório). Pode
       • Crônica: vários mecanismos (assistência              ocorrer pelo metabolismo do citrato ou do lactato
ventilatória, insuficiência hepática/amônia, lesões do        da solução de Ringer-Lactato no perfusato. Exis-
SNC, infecções, hipoxemia, hipertireoidismo)                  tem evidências de que esta alcalose seja mais de-
                                                              vida ao citrato do anticoagulante do sangue poli-
2.3.3 Acidose metabólica                                      transfundido, do que ao uso do Ringer-Lactato.
      • Por adição de ácido forte: Aguda exóge-            d) Politransfusão sangüínea - O sangue estocado
na (infusão de NH4Cl); Aguda endógena (acidose                possui uma considerável carga de radicais ácidos,

                                                                                                              463
PRB Évora; CL Reis; MA Ferez; DA Conte & LV Garcia




    devida, em grande parte, a um acúmulo de ácidos            aguda ou fístula pancreática. A alcalose metabóli-
    orgânicos (ácido cítrico do anticoagulante e o ácido       ca pode ocorrer por perda de suco gástrico ou per-
    láctico gerado pela hipotermia da estocagem e pela         da de potássio (diarréia, tumores vilosos do reto,
    hipóxia). Se ocorrer acidose metabólica, deve-se           tumores do pâncreas, fístulas biliares, uso excessi-
    proceder à alcalinização, antes feita rotineiramente       vo de laxativos).
    e, hoje, conforme as necessidades mostradas por
    gasometrias seriadas. Além disso, o sangue estoca-      2.4 Tratamento dos distúrbios do EAB
    do tem os seus níveis de 2,3 difosfoglicerato (2,3
                                                            2.4.1 Princípios gerais
    DPG) diminuídos, o que leva a um deslocamento
    da curva de dissociação da hemoglobina para a es-              Alguns preceitos devem ser seguidos para um
    querda com aumento da sua afinidade pelo oxigê-         adequado tratamento dos desvios do EAB, lembran-
    nio, piorando a oxigenação periférica e, conseqüen-     do-se sempre que a gasometria é um exame subsidiá-
    temente, agravando a acidose metabólica. Pode ocor-     rio que deve ser analisado em conjunto com os dados
    rer, mais tardiamente, uma alcalose metabólica de-      clínicos do paciente.
    vida à metabolização do citrato pelo fígado.            a) O tratamento deve fundamentar-se em dosagens
e) Alimentação parenteral - No início desta técnica            freqüentes e seriadas dos gases e do pH sangüíneo.
    de suporte nutricional a acidose metabólica era uma     b) Não confiar de forma absoluta em qualquer resul-
    grave e freqüente complicação, que ocorria porque          tado de laboratório.
    alguns aminoácidos essenciais – hisitidina, lisina,     c) Não corrigir as alterações muito rapidamente;
    ornitina e arginina – encontravam-se nas soluções sob   d) normalizar, inicialmente, o volume sanguíneo e a
    a forma de cloridrato. Esta complicação tornou-se          perfusão tecidual.
    mais rara com as soluções de aminoácidos mais           e) Não corrigir o pH, o cálcio e o potássio isoladamente.
    recentes que substituem o cloridrato por aspartato.     2.4.2 Tratamento da acidose respiratória
f) Insuficiência renal crônica - A regra é a existên-             Oxigenação e ventilação adequadas: manuten-
    cia de acidose metabólica por adição de ácidos for-     ção das vias aéreas livres, correção da hipóxia e/ou
    tes (sulfúrico e fosfórico) devido à azotemia. Pode     hipercapnia, remoção de secreções e tratamento das
    ocorrer ainda acidose metabólica pela subtração do      infecções respiratórias, quando presentes. Um erro
    bicarbonato, devida à chamada acidose tubular re-       freqüente é a administração de bicarbonato de sódio
    nal. Este distúrbio é raro, freqüentemente associa-     com base apenas no valor do pH.
    da a síndromes genéticas, e são de dois tipos: distal
    devido a uma incapacidade do túbulo distal de man-      2.4.3 Tratamento da alcalose respiratória
    ter gradiente máximo de H+ entre a luz tubular e o             O objetivo é combater a hiperventilação com
    sangue, e proximal devido a uma deficiência de          sedação de pacientes ansiosos e histéricos. É um dis-
    reabsorção do bicarbonato no início do néfron. Os       túrbio freqüente em pacientes submetidos a assistên-
    pacientes portadores de insuficiência renal crôni-      cia respiratória, principalmente se curarizados. A di-
    ca, em geral, adaptam-se à acidose metabólica.          minuição da hipoventilação pode ser tentada pelo au-
g) Diabetes mellitus - Ocorre acidose metabólica            mento do espaço morto, diminuição do volume cor-
    por adição de ácidos devidos aos corpos cetônicos       rente e pela utilização da Ventilação Mandatória In-
    (ácidos acetoacético e betaidroxibutírico). Muitas      termitente (IMV), que tem por característica a nor-
    vezes só o emprego da insulina é o suficiente para      malização da pCO2, uma vez que permite a respira-
    o seu tratamento pela diminuição da produção dos        ção espontânea, intercalada pelo auxílio do respirador.
    corpos cetônicos, sem a necessidade do emprego
    de bicarbonato.                                         2.4.4 Tratamento da Síndrome da Angústia
h) Afecções gastrintestinais - Nelas, as principais         Respiratória Aguda (SARA)
    alterações podem ser divididas em três grupos:                 Não é objetivo deste texto discutir esta entida-
    acidose metabólica, alcalose metabólica e perda de      de em detalhes. A SARA é um problema de “barreira
    potássio. A acidose metabólica pode ocorrer por         alveolocapilar”, causada pela presença de edema pul-
    perda de bicarbonato nas diarréias graves e nas         monar intersticial. Caracteriza-se por diminuição da
    fístulas pancreáticas. A acidose pode ainda ocor-       capacidade residual funcional, alteração da relação
    rer devido a um estado de choque secundário, por        ventilação/perfusão (V/Q) e aumento do “shunt” pul-
    exemplo, a uma trombose mesentérica, pancreatite        monar (Qs/Qt).

464
EAB e EHE




        Basicamente, seu tratamento consiste em ins-       setenta, a utilização do cloridrato de arginina foi utili-
talar-se assistência respiratória com a associação de      zado no Centro de Terapia Intensiva do Hospital das
Ventilação Mandatória Intermitente (IMV) “Intermitent      Clínicas de Ribeirão Preto. A sua administração era
Mandatory Ventilation” com Pressão Expiratória Posi-       empírica (7,5 g/12 horas), uma vez que só a sua fra-
tiva Final (PEEP) “Positive End Expiratory Pressure”,      ção catabolizada seria acidificante. Conseguiam-se
restrição hídrica, diuréticos, processos dialíticos, me-   reversões parciais da alcalose metabólica, que se re-
tilprednisolona, albumina humana (apenas nas fases         cuperava algumas horas depois. Com o tempo, pas-
iniciais, para aumentar a pressão coloidosmótica e aju-    sou-se a utilizar mais a reposição de cloreto de potás-
dar a diminuir o edema pulmonar intersticial, pois, em     sio em associação com a acetazolamida, a qual, inibin-
fases avançadas, pode extravasar para o alvéolo, con-      do a anidrase carbônica, aumenta a excreção urinária
tribuindo para a formação de membrana hialina), anti-      de bicarbonato. A experiência com HCl foi pequena e
bióticos. A utilização do nutroprussiato de sódio, na      nunca se utilizou o NH4Cl por ser neurotóxico.
tentativa de reduzir a hipertensão pulmonar, pode
piorar a “shuntagem”, se diminuir muito a pressão ar-      2.5 Efeitos deletérios dos distúrbios do EAB
terial sistêmica. A recente utilização de óxido nítrico           Tanto a acidose como a alcalose apresentam
inalado para reduzir a hipertensão pulmonar de modo        uma série de efeitos indesejáveis, que devem ser de
seletivo é promissora, mas ainda controversa, haven-       pleno conhecimento, e estão representados nas Tabe-
do mais evidências de que não muda a evolução da           las III e IV.
SARA. Os valores da pO 2 e da pCO2 só voltarão à
normalidade com a regressão da situação do “shunt”
                                                            Tabela III - Efeitos deletérios da acidose aguda
pulmonar aumentado.
                                                            - Sobrecarga respiratória.
 2.4.5 Tratamento da acidose metabólica
                                                            - Anorexia, náuseas, vômitos e alterações neurológicas.
       Utiliza-se o bicarbonato de sódio, cuja quanti-
                                                            - Hiperpotassemia.
dade necessária para a correção da acidose, em mEq,
é fornecido pela Fórmula de Mellengard-Astrup:              - Diminuição da responsividade às catecolaminas e de-
                                                              pressão da contratilidade miocárdica.
               0,03 x peso (Kg) x BE                        - Vasoconstrição renal e oligúria.
                       (2 a 3)                              - Resistência à ação da insulina.
       O tratamento da acidose metabólica pode ser
feito por estimativa, caso não se disponha dos dados
gasométricos, utilizando-se, em média, 2 mEq/Kg de          Tabela IV - Efeitos deletérios de alcalose aguda
bicarbonato de sódio como dosagem inicial, seguidos         - Hipocalcemia por diminuição do cálcio ionizável.
de dosagens criteriosas. Erro comum é o emprego                                                                  +
                                                            - Hipopotassemia com aumento da perda urinária de K .
desta solução alcalina em excesso, que pode aumen-                                   +             +
                                                            - Alteração da relação K intracelular/ K extracelular no
tar muito a osmolaridade do sangue, dificultando as           miocárdio, com susceptibilidade a arritmias
trocas celulares, ou, ainda, induzir arritmias cardíacas
                                                            - Aumento da afinidade da Hb pelo O2 (desvio da curva
pela alcalose metabólica. O bicarbonato de sódio é,           de dissociação para a esquerda), com hipóxia
universalmente, o elemento utilizado para tratar a aci-       tecidual.
dose metabólica na parada cardíaca. Tem sido estu-          - Acidose paradoxal do líquor, com piora das condições
dada a utilização do tampão TRIS (THAM), que teria            neurológicas.
a vantagem de não ser doador de gás carbônico e não
necessitar de hiperventilações, além de sua provável
ação superior nas correções das acidoses intracelula-             A alcalose metabólica, cuja importância clínica
res. Como não se observa a utilização rotineira do         costuma ser relegada a um plano secundário, merece
tampão TRIS, pode-se inferir que, em termos de cus-        um lugar de destaque entre os possíveis distúrbios da
to-benefício, não deva haver grandes vantagens so-         homeostase do paciente gravemente enfermo e da-
bre o uso do bicarbonato de sódio,                         queles submetidos a grandes cirurgias. Além de au-
                                                           mentar a afinidade da Hb pelo 02, tem-se dado impor-
2.4.6 Tratamento da alcalose metabólica                    tância à alcalose metabólica como causa de arritmia
      Reposição de cloretos, acetazolamida, cloridrato     cardíaca, principalmente à supraventricular, que não
de arginina, HCl (0,1N), NH4Cl (?). Desde os anos          apresenta boa resposta aos antiarrítmicos convencio-

                                                                                                                 465
PRB Évora; CL Reis; MA Ferez; DA Conte & LV Garcia




nais, admitindo-se, inclusive, a ocorrência de morte                    Conduta: acidoses com BE até 7-8 sem so-
súbita e sua correlação com aumento da mortalidade                brecarga respiratória não necessitam de tratamento,
em pacientes graves.                                              ocorrendo compensação pelo próprio organismo. Ob-
        A Figura 3 apresenta um resumo das possibili-             servar que o valor do pH está abaixo do normal. No
dades diagnósticas e terapêuticas dos distúrbios do               exemplo, não se observam os mecanismos de com-
EAB. Este quadro, associado ao Nomograma de West                  pensação respiratória, e ele é bastante observado nas
(pCO2 / pO2), resume grande parte dos conhecimen-                 acidoses do jejum pré-operatório.
tos utilizados na prática clínica diária.                                Caso 2
2.6. Exercícios gasométricos                                      pH = 7,42; p02 = 99; pCO2 = 21,39; HCO3- = 18,12; BE= -8,0
       Apresentam-se, a seguir, exemplos comentados                      Diagnóstico: acidose metabólica compensa-
de gasometrias arteriais que mais ocorrem na prática              da por alcalose respiratória.
médica. É evidente que a gasometria é um exame                           Conduta: esta é uma resposta natural do or-
complementar que deve ser analisado dentro do                     ganismo, ou seja, a hiperventilação para eliminação
quadro clínico apresentado pelo paciente. Esta par-               indireta H+. Apesar do BE ser semelhante ao do caso
te do texto tem apenas a finalidade de ajudar na inter-           1, neste caso, deve-se tratar a acidose, pois esta deve
pretação prática da gasometria arterial. Os diagnósti-            ser importante a ponto de desencadear os mecanis-
cos e as condutas serão baseados nas Figuras 1 e 3.               mos respiratórios de compensação, que, no exemplo
                                                                  apresentado foi, inclusive, capaz de normalizar o pH.
        Caso 1
                                                                         Caso 3
 pH = 7,30; p02 = 86; pCO2 = 39; HCO3- = 18,12; BE= -7,5.          pH = 7,61; p02 = 91; pCO2 = 4 1; HCO3- = 39,81; BE= + 18
       Diagnóstico: ausência de alterações respira-                      Diagnóstico: ausência de alterações respira-
tórias e acidose metabólica leve.                                 tórias e alcalose metabólica.

                                            DIAGNÓSTICO                              TRATAMENTO

                                                            Hiperventilação             Hipoventilação,

                               1. PO2        e PCO2,                                    sedação Aumento do
                                                            Alcalose respiratória
                                                                                        espaço morto IMV


   COMPONENTE                                               Hipoventilação
   RESPIRATÓRIO                2. PO2        e PCO2                                     Ventilação adequada
      (Pulmões)                                             Acidose respiratória

                                                            Alterações da V/Q           Respirador volumétrico, IMV +
                               3. PO2        e PCO2         Alteração da difusão        PEEP Restrição de líquidos,
                                                            “shunts” A-V                Diuréticos, diálise
                                                                                        Antibióticos, Corticóide


                                                                                        (Fórmula de Meleengard-Astrup)
                                                             Acidose metabólica         NaHCO3 (0,3 x peso (Kg) x BE
   COMPONENTE                1. HCO3-        e BE < - 3,5
                                                                                                        2a3
   NÃO RESPIRA-
                                                                                        Cloretos (KCl), Acetazolamida
    TÓRIO (Rins)
                             2. HCO3-        e BE > + 3,5    Alcalose metabólica        cloridrato de arginina, HCl 0,1 N

   Figura 3 - Resumo das possibilidades diagnósticas e terapêuticas dos distúrbios do equilíbrio acidobásico.



466
EAB e EHE




       Conduta: uma boa parte das alcaloses meta-                 Caso 7
bólicas estão associadas a hipopotassemia e/ou hipo-         pH = 7,30; p02 - 55; PCO2 = 18; HCO3- = 20,2; BE= - 4,0
cloremia, portanto, estes íons devem ser dosados no
plasma.Caso estejam normais, optar por outro agente                Diagnóstico: sempre que houver hipóxia com
acidificante: HCI 0,1 a 0,2 N, cloridrato de arginina.      hipocapnia deve-se pensar em alterações pulmonares
Lembrar que a acetazolamida é de grande utilidade           funcionais (alteração da relação ventilação-perfusão,
no tratamento das alcaloses de adição e que o cloreto       da difusão alveolocapilar, “shunts” arteriovenosos
de amônio tem seu uso limitado pela neurotoxidade.          intrapulmonares). Na prática médica, até prova em
                                                            contrário, trata-se de Insuficiência Respiratória Agu-
      Caso 4                                                da do Adulto (“pulmão de choque”, SARA) devido a
  pH = 7,29; p02 = 60; pCO2 = 57; HCO3- = 26,5; BE= -1      edema pulmonar intersticial.
                                                                   Conduta: procurar tratar a moléstia de base,
      Diagnóstico: acidose respiratória sem altera-         assistência respiratória com respirador volumétrico e
ções metabólicas.                                           IMV + PEEP, metilprednisolona, furosemide, diálise
      Conduta: esta gasometria pode ser perfeita-           albumina humana, quando houver hipoproteinemia nas
mente aceitável para um paciente portador de doença         primeiras fase da SARA.
pulmonar obstrutiva crônica. Caso não se trate de um
paciente enfisematoso, deve-se buscar a causa da
hipoventilação e tratá-la por meio de uma ventilação        3. QUESTÕES DIRIGIDAS
adequada.                                                   3.1 Questões dirigidas sobre o equilíbrio hidro-
      Caso 5:                                                   eletrolítico
pH= 7,45; pO2 = 55; pCO2 = 61; HCO3- = 26,5; BE = +1 9       1. Descreva sucintamente os compartimentos
       Diagnóstico: acidose respiratória e alcalose              hídricos orgânicos.
metabólica.                                                  2. Conceitos de permeabilidade, tonicidade, pressão
       Conduta: devem-se tratar ambos os desvios                 coloidosmótica e pressão osmótica.
do equilíbrio acidobásico. Comumente interpreta-se o         3. Indicadores clínicos para a realização do balanço
presente quadro gasométrico como acidose respira-                hídrico diário no paciente cirúrgico.
tória compensada por alcalose metabólica, o que leva         4. Qual a importância das chamadas perdas para o
a uma conduta inadequada. Costuma-se tratar os dois              terceiro espaço ?
distúrbios, pois sabe-se que os mecanismos naturais          5. Defina desidratação.
de defesa contra a acidose são muito mais eficientes         6. Quais as causas mais comuns de desidratação ?
do que os mecanismos de defesa contra a alcalose.            7. Sinais e sintomas da desidratação.
Por outro lado, se o paciente for um enfisematoso,           8. Conduta geral na desidratação.
pode-se interpretar a alcalose metabólica como uma           9. Princípios terapêuticos do edema.
conseqüência da hipercapnia crônica, devendo-se             10. Definição, diagnóstico e conduta da intoxicação
tratá-la com o emprego de acetazolamida.                         hídrica.
                                                            11. Diagnóstico e conduta na hipernatremia.
      Caso 6                                                12. Diagnóstico e conduta na hiponatremia.
                                                            13. Diagnóstico e conduta na hiperpotassemia.
pH= 7,63; pO2 = 100; pCO2 = 22; HCO3- = 22,36; BE = + 4,5   14. Diagnóstico e conduta na hipopotassemia.
       Diagnóstico: alcalose respiratória e alcalose        15. Diagnóstico e conduta na hipercalcemia.
metabólica leve.                                            16. Diagnóstico e conduta na hipocalcemia.
       Conduta: tratar a alcalose respiratória. Este é      17. Diagnóstico e conduta na hipermagnesemia.
um distúrbio comum que ocorre com o uso de respira-         18. Diagnóstico e conduta na hipomagnesemia.
dores mecânicos e, no caso, poder-se-ia diminuir a
freqüência respiratória ou aumentar o espaço morto.         3.2 Questões dirigidas sobre o equilíbrio acido-
Uma vez que a p02 se apresenta em níveis normais,               básico
talvez não seja conveniente diminuir o volume corren-       1. Quais os dois desafios básicos que os sistemas
te. Caso se trate de uma hiperventilação psicogênica,          orgânicos enfrentam para a manutenção do EAB?
deve-se promover à sedação do paciente ou, se pos-          2. Deduza a Equação de Henderson-Hasselbalch e
sível, fazê-lo respirar em saco fechado.                       discuta a sua importância.

                                                                                                                 467
PRB Évora; CL Reis; MA Ferez; DA Conte & LV Garcia




 3. Quais as características das respostas pulmona-                   mente, alterarem os valores da gasometria ?
    res e renais na eliminação do H+ ?                            13. Cite quais as principais causas da acidose respi-
 4. Quais as principais evidências de que o organis-                  ratória.
    mo animal possui mecanismos naturais de defesa                14. Cite as principais causas da alcalose respiratória.
    contra a acidose mais eficientes do que os meca-              15. Cite as principais causas da acidose metabólica.
    nismos contra a alcalose ?                                    16. Cite as principais causas da alcalose metabólica.
 5. Como pode ser dividido o sistema-tampão do or-                17. Quais as possibilidades terapêuticas para o trata-
    ganismo.                                                          mento da acidose respiratória ?
 6. Qual o conceito de reserva alcalina ?                         18. Quais as possibilidades terapêuticas para o trata-
 7. Qual o conceito de “Base Excess” ?                                mento da alcalose respiratória ?
 8. Qual o conceito de “Anion gap” e qual a sua im-               19. Quais as possibilidades terapêuticas para o trata-
    portância ?                                                       mento da SARA ?
 9. Quais os principais diagnósticos dos distúrbios do            20. Quais as possibilidades terapêuticas para o trata-
    EAB com base na gasometria arterial ?                             mento da acidose metabólica ?
10. Represente e descreva o nomograma pO2/pCO2                    21. Quais as possibilidades terapêuticas para o trata-
    (West). Qual a sua importância prática ?                          mento da alcalose metabólica ?
11. Qual a importância da amostra venosa ?                        22. Quais os principais efeitos deletérios da acidose?
12. Cite os principais fatores que podem, potencial-              23. Quais os principais efeitos deletérios da alcalose?




            EVORA PRB; REIS CL; FEREZ MA; CONTE DA & GARCIA LV. Fluid, electrolyte and acid-base disorders. A
               practical review. Medicina, Ribeirão Preto, 32: 451-469, oct./dec. 1999.

               ABSTRACT: Fluid, electrolyte and acid-base disorders are very important subjects for all
            medical specialties . But their practical learning is, sometimes, very difficult.
               This text intends to discuss this subject based on more than 20 years of didatic experience
            teaching medical students, medical residents and post-doctoral students. The text has only
            didatic pretensions without any academic purpose.

               UNITERMS: Fluid. Water. Electrolytes. Acidosis. Alkalosis. Acid-base Equilibrium. Water-
            Eletrolyte Balance.




        BIBLIOGRAFIA CONSULTADA                                    5 - EVORA PRB. Aspectos práticos sobre o equilíbrio ácido-
                                                                       básico do sangue. Rev Bras Anestesiol 32:123-128,1982.
 1 - AMERICAN COLLEGE OF SURGEONS. Assistência ci-
     rúrgica intensiva: Comitê de cuidados pré e pós-operató-      6 - EVORA PRB. Treatment of the hypocloremic metabolic
     rios. Interamericana, Rio de Janeiro, 1979.                       alkalosis by rectal infusion of chloride. (Letter). Crit Care
                                                                       Med 13: 874, 1985.
 2 - EVORA PRB. Tópicos em terapia intensiva. Associa-
                                                                   7 - EVORA PRB; BONGIOVANI HL; RIBEIRO PJF; BRASIL JCF;
     ção dos Médicos Residentes de Ribeirão Preto e Centro
                                                                       OTAVIANO AG & BOMBONATO R. Alcalose metabólica no
     Acadêmico Rocha Lima da Faculdade de Medicina de Ribei-
                                                                       posoperatório de cirurgia cardíaca com circulação extracor-
     rão Preto USP, Ribeirão Preto, 1978.
                                                                       pórea: Importância do emprego de solução de Ringer-Lactato
3 - EVORA PRB; REIS CL; RIBEIRO PJF; BRASIL JCF; OTAVIANO              e do sangue citratado. Rev Paul Med 103: 88-91, 1985.
     AG & SILVA JRP. Alcalose metabólica. tratamento com so-
                                                                   8 - EVORA PRB.      Equilíbrio acidobásico. Klinikos 2: 26-40,
     lução da aminoácidos contendo cloridrato de arginina. Rev
                                                                       1986.
     Paul Med 97: 25-28, 1981.
                                                                   9 - FAINTUCH J; BIROLINI D & MACHADO AC. Equilíbrio áci-
4 - EVORA PRB; RIBEIRO PJF; BRASIL JCF; SILVA JRP; OTAVIANO
                                                                       do-básico na prática clínica. Manole, São Paulo, 1975.
     AG & REIS CL. Alcalose metabólica hipoclorêmica. Trata-
     mento pela reposição do cloro por via retal. J Pediatr 50:   10 - MAXWELL MH & KLEEMAN CR. Clínica das alterações
     253-254, 1981.                                                    eletrolíticas. 3a ed. Guanabara-Koogan, Rio de Janeiro, 1981.


468
Disturbios equilibrio hidroeletrolitico

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Disturbios equilibrio hidroeletrolitico

  • 1. Medicina, Ribeirão Preto, 32: 451-469, out./dez. 1999 REVISÃO DISTÚRBIOS DO EQUILÍBRIO HIDROELETROLÍTICO E DO EQUILÍBRIO ACIDOBÁSICO – UMA REVISÃO PRÁTICA FLUID, ELECTROLYTE AND ACID-BASE DISORDERS. A PRACTICAL REVIEW Paulo Roberto B. Évora1; Celso Luís dos Reis2; Marcus A. Ferez2; Denise A. Conte2 & Luís Vicente Garcia3 1 Livre Docente em Cirurgia Torácica e Cardiovascular e Coordenador do Laboratório de Função Endotelial da Divisão de Técnica Cirúrgica e Cirurgia Experimental; 2Médicos Assistentes do Centro de Tratamento Intensivo (Campus) do Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto; 3Docente da Disciplina de Dor e Anestesiologia, Diretor do Serviço de Anestesiologia. Departamento de Cirurgia, Ortopedia e Traumatologia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP. CORRESPONDÊNCIA: Paulo Roberto B. Evora – Rua Rui Barbosa, 367, 7º Andar – CEP: 14015-120 – Ribeirão Preto, SP EVORA PRB; REIS CL; FEREZ MA; CONTE DA & GARCIA LV. Distúrbios do equilíbrio hidroeletrolítico e do equilíbrio acidobásico – Uma revisão prática. Medicina, Ribeirão Preto, 32: 451-469, out./dez. 1999. RESUMO: O equilíbrio hidroeletrolítico e o equilíbrio acidobásico são assuntos de importân- cia para todas as especialidades. Porém, seu entendimento prático é, por vezes, revestido de variados graus de dificuldades. No presente texto apresenta-se o assunto apenas como uma visão prática, adquirida em mais de vinte (20) anos de ensino para estudantes, médicos residentes e médicos pós- graduandos. O texto tem apenas a pretensão didática, sem nenhuma preocupação acadêmica. UNITERMOS: Água. Eletrólitos. Acidose. Alcalose. Equilíbrio acidobásico. Equilibrio hidro- eletrolítico. Este é um texto de revisão que representa um 2. Reconhecer os efeitos da permeabilidade e tonici- estilo adotado para o ensino dos equilíbrios hidroele- dade nas diferenças de composição entre os líqui- trolítico (EHE) e acidobásico (EAB) por mais de duas dos intracelular e extracelular. décadas (1975 a 1998). Do ponto de vista acadêmico, 3. Ter noções de equilíbrio hídrico. a maneira como o assunto é apresentado pode estar 4. Reconhecer a importância das chamadas perdas sujeita a muitas críticas, mas esta foi a melhor manei- para o terceiro espaço. ra encontrada para ensinar médicos residentes e es- 5. Reconhecer e tratar os principais distúrbios do equi- tudantes. Incluir os dois assuntos em um texto de re- líbrio hídrico (desidratação, edema e intoxicação visão, sem estendê-lo excessivamente, foi outro de- hídrica). safio. Assim, temos consciência de que a manuten- 6. Reconhecer e tratar os principais distúrbios do equi- ção de uma fluência de estilo pode ter deixado a de- líbrio eletrolítico (hipo e hipernatremia, hipo e hi- sejar, uma vez que, em determinados momentos, sem- perpotassemia, hipo e hipercalcemia, hipo e hiper- pre com a preocupação da extensão do texto, ele se magnesemia). torna mais próximo do estilo que se lê em manuais. Os principais objetivos relativos ao EHE, a se- Os principais objetivos relativos ao EAB, a se- rem atingidos pelo leitor, podem ser enumerados como rem atingidos pelo leitor, podem ser enumerados como a seguir: a seguir: 1. Reconhecer os compartimentos hídricos e a água 1. Reconhecer os dois mecanismos básicos que os total do organismo. sistemas orgânicos utilizam para a manutenção do 451
  • 2. PRB Évora; CL Reis; MA Ferez; DA Conte & LV Garcia EAB: cota fixa de ácidos da dieta e destino do CO2 quantidade de tecido adiposo subcutâneo. A água do gerado como produto final do metabolismo. organismo pode ser dividida em compartimentos: 2. Deduzir a Equação de Henderson-Hasselbalch a) Intracelular - 40% do peso corpóreo, (Tampão bicarbonato, componente metabólico ou b) Extracelular - 20% do peso corpóreo (Intersticial não respiratório/função renal; componente respirató- 5% e Intravascular 15%). rio/função pulmonar). 3. Conhecer os mecanismos de excreção do H+. O líquido intersticial não pode ser medido dire- 4. Reconhecer as evidências de que o organismo tamente por isótopos usados nas dosagens de diluição animal possui mecanismos naturais de defesa con- do indicador, porém consiste na diferença entre o lí- tra a acidose mais eficientes do que os mecanis- quido extracelular total e o volume localizado no es- mos de defesa contra a alcalose. paço intravascular. 5. Conhecer os principais sistemas tampões além do Os três compartimentos que compõem a água tampão bicarbonato. total do organismo também diferem em composição. 6. Conceituar “Base-Excess” e Reserva Alcalina. O potássio (K+), o cálcio (Ca2+) e o magnésio (Mg2+) 7. Entender as interrelações entre o EAB e EHE atra- representam os principais cátions na água intracelu- vés do conceito do “Anion Gap”. lar, e os fosfatos e as proteínas, os principais ânions. 8. Saber interpretar uma gasometria, diagnosticando Grande parte do sódio (Na+) é eliminada desse com- os desvios do EAB. partimento por processos que requerem energia (Bom- 9. Reconhecer os fatores que podem influenciar os ba Na+-K+ ou Na+-K+ ATPase). Por outro lado, o resultados de uma gasometria. sódio é o principal cátion do líquido extracelular (LEC), 10. Conhecer as causas mais comuns dos desvios do enquanto o Cl- e o HCO3- representam os principais EAB: alcalose respiratória, acidose respiratória, ânions. A importância do Na+ está relacionada com o Síndrome da Angústia Respiratória do Adulto controle que ele exerce na distribuição da água em (SARA), acidose metabólica e alcalose metabólica. todo o organismo. O número de moléculas de Na+ por unidade de água determina a osmolalidade do LEC. 11. Saber tratar os distúrbios do EAB. Se o Na+ é perdido, a água é excretada na tentativa 12. Conhecer os efeitos deletérios da acidose aguda. de manter a osmolalidade normal, e se o Na+ é retido, 13. Conhecer os efeitos deletérios da alcalose aguda. a água também deve ser retida para diluí-lo. A quan- tidade total de Na+ existente no organismo é de apro- 1. EQUILÍBRIO HIDROELETROLÍTICO ximadamente 4000 mEq, porém, a maior parte dessa E SEUS DESVIOS quantidade encontra-se no esqueleto. Para fins didáticos, as composições iônicas do 1.1 COMPARTIMENTOS HÍDRICOS E TONICIDADE plasma e do líquido intersticial podem ser considera- 1.1.1 Água total do organismo das idênticas, embora possa haver pequenas diferen- Embora a concentração dos íons de uma solu- ças, resultantes da concentração desigual de proteína. ção seja rapidamente determinada laboratorialmente, O plasma tem um conteúdo muito maior de proteína, e é bom ressaltar que os volumes dos vários comparti- esses ânions orgânicos exigem um aumento na con- mentos hídricos têm uma importância ainda maior no centração total de cátions. A concentração dos ânions tratamento cirúrgico. Embora a extensão e as distor- inorgânicos é algo menor no plasma do que no inters- ções presentes nestes volumes hídricos não sejam tício. Essas relações são estabelecidas pelo equilíbrio prontamente determinadas por medida direta, é es- de Gibbs-Donnan. sencial um conhecimento das várias subdivisões da 1.1.2 Permeabilidade e tonicidade água total do organismo para compreender e tratar os As diferenças na composição entre o líquido problemas hidroeletrolíticos mais complexos. intracelular (LIC) e o LEC são mantidas ativamente A água tritiada foi utilizada como isótopo para pela membrana celular. Essa é uma membrana semi- determinar a água do organismo. A água representa permeável, uma vez que é totalmente permeável à 50 a 60% do peso corporal, estando presente, em maior água, porém é seletivamente permeável a outras quantidade, nas pessoas magras, e, em menor quanti- substâncias. Embora o número total de osmoles seja dade, nas obesas. As mulheres têm uma percentagem igual em ambos os lados da membrana celular, a pres- menor de água total no organismo devido à maior são osmótica efetiva é determinada por substâncias 452
  • 3. EAB e EHE que não podem passar através da membrana semi- ção do organismo existentes entre adultos normais. permeável. Isso é bem estabelecido no limite da célu- Assim, uma única medida do peso corporal, geralmente, la capilar, entre o plasma e o líquido intersticial. A tem pouco valor no cálculo da água total. No entanto, passagem limitada das proteínas plasmáticas é res- no contexto da unidade de tratamento intensivo, as ponsável pela pressão osmótica eficaz, geralmente, mudanças do peso a curto prazo devem-se, em gran- conhecida como pressão coloidosmótica desse com- de parte, mais às alterações na água total do organis- partimento. Analogamente, as substâncias cuja pas- mo, mesmo se o valor absoluto da água total perma- sagem é limitada pela membrana celular, tais como o necer incerto; o conhecimento da direção e da intensi- sódio, contribuem para a pressão osmótica eficaz do dade da alteração desse parâmetro pode revestir-se LEC. É importante ter em mente que a água atraves- de grande importância no diagnóstico e tratamento de sa livremente todas as membranas celulares. Isso sig- distúrbios complexos do EHE. Quando não se dispõe nifica que o movimento da água através da membra- de camas-balanças, ou quando não se podem fazer na celular equalizará sempre a pressão osmótica efi- pesagens fiéis devido à condição do paciente, torna- caz no interior e no exterior da célula. Se houver alte- se necessário fazer determinações do balanço hídrico ração da pressão osmótica eficaz no LEC, haverá uma (BH). O BH diário, incluindo uma estimativa das per- redistribuição de água entre os compartimentos. Es- das por evaporação, pode ser acrescentado ou sub- ses desvios da água orgânica resultam de alterações traído, sendo que o BH cumulativo resultante, reflete na composição, e não alterações no volume, de ma- as alterações da água total do organismo. neira que a água intracelular é muito menos afetada O BH teve aplicação clínica limitada devido às pelos aumentos ou diminuições do LEC do que pela dificuldades em se medir o conteúdo hídrico dos ali- pressão osmótica. mentos sólidos e das fezes, a água e as perdas pela A pressão osmótica de uma solução é referida evaporação. Na verdade, alguns desses problemas são em termos de osmoles ou miliosmoles, e está relacio- simplificados no pós-operatório (PO), uma vez que nada com o número de partículas osmoticamente ati- quase todo o aporte de água é intravenoso, sendo fa- vas, presentes na solução. Portanto, 1 mMol de NaCl, cilmente medido. Devido à ausência de ingestão por que se dissocia em Na+ e Cl-, contribui com dois via oral, as fezes não são freqüentes e o débito urinário miliosmoles. Assim, 1 mMol de uma substância não pode ser medido com facilidade. As perdas por eva- ionizada, tal como a glicose ou a uréia, contribuirá com poração são inferiores a 1000 ml/dia nos pacientes um mOsm. Quando se consideram os problemas hi- afebris e ainda menores, quando se umidificam as vias droeletrolíticos, os termos tais como osmol ou milios- aéreas com vapor aquecido, e nos pacientes febris mol não são tão freqüentemente empregados como o existem cálculos que possibilitam avaliar as perdas são o equivalente e o milequivalente. O equivalente aproximadas. No ambiente com ar condicionado, mui- de um íon é o seu peso atômico, expresso em gramas, tos pacientes febris ainda perderão menos que dois dividido pela sua valência. Quando se trata de íons litros por dia através da pele e da respiração. A hiper- univalentes, 1 mEq é igual a 1 mMol. No caso dos ventilação dos pacientes com febre elevada pode eli- íons divalentes, (um) mMol é igual a dois mEq. Esses minar até três litros de água por dia, porém isso é conceitos são importantes para o entendimento do incomum. As queimaduras graves são uma exceção equilíbrio eletrolítico corpóreo, uma vez que, em qual- óbvia, porém, à exceção desse grupo de pacientes, quer solução, o número total de cátions expressos em podem ser feitas aproximações razoáveis da perda mEq deve ser igual ao número de ânions, também evaporativa de água que, por sua vez, possibilita o expressos em mEq. cálculo do BH diário e cumulativo, a partir da ingesta 1.1.3 Balanço hídrico de líquidos e de registros de débito. O peso corporal tornou-se uma medida bas- Uma vez que as pesagens seriadas ou o BH tante importante, porque as alterações agudas refle- geram informações principalmente sobre as alterações tem aumentos ou diminuições na água total do orga- na água total do organismo, outros meios são impor- nismo. Como foi observado anteriormente, a água to- tantes para diagnosticar um decréscimo ou um ex- tal do organismo representa 50 a 60% do peso corpo- cesso no volume absoluto. O volume plasmático é a ral. Em um adulto de 70 quilos essa fração seria de 35 única medida de volume clinicamente disponível, po- a 42 litros de água, uma ampla faixa que está relacio- rém pode ter um valor limitado, uma vez que os valo- nada com a idade, o sexo e as diferenças na composi- res normais previstos variam consideravelmente. O 453
  • 4. PRB Évora; CL Reis; MA Ferez; DA Conte & LV Garcia exame clínico do paciente é essencial, e certos sinais minui (“resolução do terceiro espaço”), após a estabi- e sintomas indicam a existência de anormalidade no lização do paciente, ocorre uma auto-infusão de líqui- volume hídrico do organismo. do que, se não for eliminada por uma função renal O sistema cardiovascular é o indicador mais adequada, pode transformar-se em edema intersticial sensível, e uma Pressão Venosa Central (PVC) abai- com conseqüente quadro de SARA. Este problema xo de 3 cmH20, taquicardia e até mesmo hipotensão tem grande importância na mortalidade de pacientes indicam um déficit de volume. Na Unidade de Tera- traumatizados após 48 a 72 horas de estabilizado o pia Intensiva (UTI) o excesso de volume é mais co- quadro inicial de choque hipovolêmico. Se o paciente mum, uma vez que os pacientes recebem, durante a não apresentar boa diurese, deve-se restringir líqui- ressuscitação, grandes volumes de líquido por via en- dos, usar diuréticos e até processos dialíticos. dovenosa. São sinais bem reconhecidos de sobrecar- ga hídrica: a PVC aumentada, o Débito Cardíaco (DC) 1.2 DISTÚRBIOS DO EQUILÍBRIO HÍDRICO elevado, ritmo de galope cardíaco, uma segunda bu- lha pulmonar hiperfonética, a congestão pulmonar e 1.2.1 Desidratação algumas vezes o edema. a) Definição O Sistema Nervoso Central (SNC) pode for- A desidratação é uma diminuição na quanti- necer evidências de déficit na água total do organis- dade total de água corpórea com hiper, iso ou hipoto- mo, tais como apatia, reflexos tendinosos, profundos nicidade dos fluidos orgânicos.Os testes de laborató- e diminuídos, estupor ou coma. Porém, os excessos rio mostram Hb e Ht, uréia, creatinina, proteínas e isotônicos exercem pouco ou nenhum efeito na fun- densidade específica da urina elevados, e sódio uriná- ção do SNC. rio baixo (a não ser que haja doença renal primária). Os sinais teciduais são tradicionalmente usa- dos para avaliar a hidratação, porém podem aparecer b) Etiologia lentamente. O turgor cutâneo diminuído, os olhos Perdas gastrintestinais (diarréia, vômitos, as- encovados e a língua seca são sinais tardios de déficit piração gástrica); perdas geniturinárias (poliúria de de líquido, assim como o edema subcutâneo é um si- qualquer etiologia, doença de Addison, diabetes, tera- nal tardio de sobrecarga. pêutica com diuréticos, etc.); perdas pela pele Finalmente, deve-se salientar que o conhecimen- (sudorese abundante, queimaduras, etc.); ingestão in- to da composição das várias secreções orgânicas pode suficiente (numerosas etiologias). ser de grande valia para um raciocínio mais dirigido c) Sinais e Sintomas diante de alterações do EHE. Essas composições po- Sede (com perda de 2% do peso corpóreo); pre- dem ser obtidas em tabelas próprias, ou pela análise coces (mucosas secas, pele intertriginosa seca, perda bioquímica de alíquotas dessas secreções. da elasticidade da pele, oligúria); tardios (taquicardia, 1.1.4 A importância das perdas para o tercei- hipotensão postural, pulso fraco, obnubilação, febre, ro espaço coma); morte (com perda de 15% do peso corpóreo) É possível ocorrer uma desidratação por seqües- d) Conduta tro interno de líquido. Como já se descreveu, os com- 1) corrigir o problema primário; 2) a diferença partimentos normais são o LEC (IV + INT) e o LIC. entre o peso prévio ao processo mórbido e o peso Quando ocorrem lesões, como as queimaduras, trau- atual (na possibilidade de obtenção), corresponde ao ma acidental e cirurgia, o LEC é seqüestrado na área grau de desidratação e o volume a ser reposto; 3) se de lesão, formando um “terceiro” espaço líquido anor- não for possível a utilização do peso como parâmetro, mal. Esta perda se faz a expensas do LEC normal e estimar o grau de desidratação, combinando a história reduz o seu volume efetivo, produzindo hemoconcen- com os sinais e sintomas e exames de laboratório; clas- tração e hipovolemia. A terapêutica imediata com sifica-se, deste modo, a desidratação em: Leve (per- soluções salinas ou balanceadas em sais e plasma, da de 3% do peso corpóreo); Moderada (perda de 5 restaura os volumes plasmático e do interstício. As a 8%) e; Grave (perda de 10%); 4) reponha o volume perdas para o terceiro espaço devem ser repostas perdido, representado pela perda do peso corpóreo, como uma perda externa, uma vez que o líquido se- dando 1/2 do volume total a repor nas primeiras doze qüestrado não tem nenhum valor do ponto de vista horas, dependendo do estado clínico; 5) determine o volêmico do paciente. À medida que este espaço di- estado iônico do paciente e reponha sal de acordo com 454
  • 5. EAB e EHE as necessidades, utilizando soluções eletrolíticas ade- c) Conduta quadas; 6) quando houver desidratação grave, use so- Restrição hídrica, reposição de sódio (admi- luções eletrolíticas em grandes quantidades, não espe- nistração de sal hipertônico em pequenas quantida- re pelos resultados das determinações eletrolíticas. des - 300 ml de NaCL a 3%), uso cuidadoso de diurético osmótico (manitol) e administração lenta de 1.2.2 Edema glicose hipertônica. Nenhuma tentativa deverá ser O edema não é, por si só, uma emergência. A feita para uma “reposição calculada do déficit de sua presença, no entanto, é indicativa de doença de sódio”, baseada no volume do LEC e na unida- base, cuja natureza deve ser elucidada. As causas car- de de déficit de sódio, porque resultará numa díacas, hepáticas ou renal são as mais comuns. Não se grave sobrecarga. O tempo com a perda insensível deve dar diuréticos até que se tenham analisados os de água pelos pulmões, juntamente com o fluxo de múltiplos fatores que podem levar ao edema. Os diuré- urina, pode, por si só, levar o paciente gradualmente ticos empregados sem critério podem induzir distúr- ao normal. bios eletrolíticos, coma hepático, azotemia e arritmias. 1.3 DISTÚRBIOS DO EQUILÍBRIO ELETROLÍTICO 1.2.3 Intoxicação hídrica 1.3.1 Alterações do sódio a) Definição É o oposto direto da hipertonicidade (por so- O sódio é o cátion que existe em maior quanti- brecarga de solutos), causada pela excessiva inges- dade nos líquidos extracelulares. Os íons de sódio par- tão de água na presença de baixa diurese. ticipam da manutenção do EH, da transmissão dos A fonte de água pode ser a ingestão oral, mas, impulsos nervosos e da contração muscular. A sua mais freqüentemente, é uma má orientação e exces- concentração normal no LEC varia entre 136 e siva terapêutica parenteral com glicose e água. As 144mEq/l. O EHE é regido por um princípio fisiológi- irrigações dos colos, particularmente as destinadas a co importante: a água vai para onde for o sódio. Quan- reduzir a distensão pós-operatória, podem resultar em do os rins retêm sódio, a água também é retida. Por retenção substâncial de volumes de água. outro lado, e a sua excreção é acompanhada pela ex- Os pacientes com enfermidades crônicas, de- creção de água. Este é o princípio da maioria dos diuré- bilitantes, com câncer, insuficiência cardíaca conges- ticos. Quando a ingestão de sódio diminui, ou quando tiva ou enfermidade hepática ou renal, são propensos o paciente perde líquidos, o organismo procura reter a ter um LEC expandido e algum grau de hipotonici- sódio por ação da aldosterona nos túbulos renais, onde dade antes de vir à cirurgia ou de sofrer um trauma promove a reabsorção do sódio. acidental. Esses pacientes estão particularmente su- jeitos a reter excesso de água no pós-operatório e a 1.3.1.1 Hiponatremia expandir, e, posteriormente, diluir o LEC. Pode ser resultado da deficiência corpórea do só- b) Quadro clínico dio, uma diluição por excesso de água, ou uma combi- nação dos dois fatores. A causa mais comum é a ex- As náuseas, a astenia e uma queda do volume creção ineficiente de água frente ao excesso de admi- urinário são os sintomas mais precoces, seguidos por convulsão e coma. Sempre ocorrerá rápido aumento de nistração (freqüentemente induzida iatrogênicamente) peso, podendo observar-se edema periférico e pulmo- Etiologia - é importante tentar diferenciar o tipo nar. Os achados laboratoriais incluirão rápida queda de hiponatremia presente, isto é, super-hidratação ou na concentração do Na+ sérico e na osmolalidade plas- deficiência de sódio, já que a causa básica e o trata- mática. A urina pode conter substanciais quantidades mento são muito diferentes. de sódio que, em presença de uma baixa concentração A depleção de sódio (hiponatremia) é en- plasmática, indicam uma inapropriada excreção de contrada quando as perdas de fluidos que contêm Na+ sódio, devido ao excesso de volume do LEC, se esti- com continuada ingestão de água: perdas gastrin- verem afastadas doença renal e insuficiência adrenal. testinais (diarréia, vômito); perdas pela pele (le- A velocidade de queda do sódio plasmático pa- sões exsudativas da pele, queimaduras, sudorese); se- rece ser de maior importância do que seu valor abso- qüestros no corpo (obstrução intestinal); perda re- luto. O edema cerebral é a causa do coma e das con- nal (primária ou secundária a estados de depleção, vulsões, sendo encontrados, comumente, valores de incluindo as perdas por diuréticos e na doença de Na+ inferiores a 120 mEq/l. Addison). 455
  • 6. PRB Évora; CL Reis; MA Ferez; DA Conte & LV Garcia A hiponatremia dilucional pode ocorrer na: ca). As mucosas e a boca estão secas. A sede está Insuficiência Cardíaca Congestiva (ICC), cirrose, do- presente, mas pode ser ocultada pela náusea e vômi- ença renal com oligúria, síndrome de secreção inade- tos. A fraqueza muscular e as cãibras são comuns. quada do Hormônio Anti-Diurético (HAD), doença Pode ocorrer febre (maior que 40ºC graus em alguns de Addison. casos). Sinais e sintomas neurológicos, incluindo tre- Outras causas incluem: síndrome de hipona- mor, hiperreflexia profunda, memória alterada, confu- tremia familiar (assintomática, vista em muitos tipos são e alucinações podem estar presentes. de doenças de depleção); sódio sérico artificial baixo, Conduta - pesar o paciente e tratar a doença como nas hiperlipidemias, hiperglicemias e hiperpro- primária. Estimar a porcentagem de perdas em ter- teinemia do mieloma múltiplo. mos de peso corpóreo, planejar a reposição de apro- Sinais e sintomas - dificuldade na concentra- ximadamente metade do volume nas primeiras oito a ção mental, alterações da personalidade, confusão, doze horas. O edema cerebral pode complicar a re- delírio, coma, oligúria. posição muito rápida. Conduta - tratar a doença de base, pesar o pa- Nota: uma estimativa grosseira da osmolalidade ciente, determinar se a hiponatremia é secundária à sérica pode ser obtida pela seguinte fórmula: perda de sal ou à sobrecarga de água. Nos casos de hiponatremia por depleção sali- Osmolalidade = 2(Na+ + K+) + Uréia + Glicemia na, repor o sódio, calculando o seu déficit com base 5.6 18 no volume da água total (60% do peso para os ho- mens e 50% do peso para as mulheres). A prática 1.3.2 Alterações do potássio revela que a reposição à base apenas do LEC (20% O potássio é o principal cátion intracelular que do peso corpóreo) retarda a resolução do problema. regula a excitabilidade neuromuscular e a contratili- A hiponatremia por excesso de água é tratada dade muscular. O potássio é necessário para a for- como intoxicação hídrica: repor sódio só em caso com mação do glicogênio, para a síntese protéica e para a menos de 110 mEq/l, manitol (observar cuidadosamen- correção do desequilíbrio acidobásico. A sua impor- te sinais de ICC). tância no EAB é importante, porque os íons K+ com- A síndrome de hiponatremia familiar e sódio petem com os íons H+. Por conseguinte, na acidose, baixo artificial não necessita, em geral, de tratamento. ocorre eliminação de um H+ para cada K+ retido. Na 1.3.1.2 Hipernatremia alcalose, dá-se o contrário. A regulagem do potássio Está, geralmente, associada à desidratação com está a cargo, principalmente, dos rins. Quando a al- Na+ superior a 150 mEq/l. dosterona aumenta, a urina elimina maior quantidade Etiologia - perda de água superior à de só- de potássio e o nível de potássio no sangue pode dimi- dio: diarreia e vômitos, insuficiência renal, diabetes nuir. Outro mecanismo regulador baseia-se na per- insipidus, diabetes mellitus, febre, insolação, hiperven- muta com o Na+ nos túbulos renais. A retenção de tilação; reposição insuficiente das perdas hídri- sódio é acompanhada pela eliminação de potássio. cas: diminuição da ingestão hídrica por náuseas, vômitos ou incapacida- Tabela I - Diagnóstico diferencial de hiponatremia de física; administração de sobre- carga de soluto: suplementação de Depleção de sódio Excesso de água (Hiponatremia real) (Hiponatremia dilucional) proteínas e sal, na alimentação, por sonda, envenenamento acidental por Uréia elevada normal sal de cozinha, diuréticos osmóticos, Hematócrito elevado normal ou baixo diálise; excesso de esteróides. Pressão Arterial geralmente baixa normal Sinais e Sintomas - a detec- Pulso rápido normal ção clínica precoce pode ser difícil, porque o plasma hipertônico atrai Pele fria, pastosa normal, úmida água das células, escondendo os si- Mucosas secas úmidas nais de colapso circulatório, vistos na Turgor cutâneo diminuído normal desidratação hiponatrêmica. O tur- Edema ausente às vezes, presente gor cutâneo pode ser normal (em Urina pouca, concentrada normal ou poliúrica, diluída oposição à desidratação hiponatrêmi- 456
  • 7. EAB e EHE Os níveis séricos normais de potássio oscilam ção a tal problema. Os pacientes digitalizados são es- entre 3,5 a 5 mEq/l. Ressalte-se que os valores plas- pecialmente suscetíveis às arritmias, se hipopotassê- máticos representam os valores extracelulares. Sua micos, e também necessitam de tratamento intensivo normalidade ou o seu aumento não significam altera- para esta alteração eletrolítica. Deve-se prevenir a ções globais dos seus valores, isto porque ele predo- hipopotassemia após tratamento para acidose em ge- mina no LIC. Já o seu valor plasmático é importante ral, e da acidose diabética, em especial. no caso de hiperpotassemia, porque é o aumento dos seus níveis extracelulares que pode levar à parada 1.3.3 Alterações do cálcio cardíaca diastólica. O cálcio ocupa o quinto lugar entre os elemen- tos mais abundantes no corpo humano. O organismo 1.3.2.1 Hiperpotassemia precisa do cálcio para a integridade e estrutura das Etiologia - insuficiência renal aguda, doença membranas celulares, condução adequada dos estí- de Addison, acidose, transfusões e hemólise, lesões mulos cardíacos, coagulação sangüínea e formação e por esmagamento de membros e outras causas de crescimento ósseos. O cálcio se encontra nos líquidos degradação de proteínas, grande ingestão de K+ fren- orgânicos sob três formas diferentes: 10 cálcio io- te à insuficiência renal, entre outras. nizado (4,5 mg/100ml); 20 cálcio não difusível, for- Sinais e Sintomas - fraqueza muscular, parali- mando complexos com ânions protéicos (5mg/100ml) sia flácida, diminuição de ruídos hidroaéreos, parestesias e; 3) sais de cálcio, tais como citrato e fosfato de cál- (face, língua, pés, mãos), irritabilidade muscular, cio (q mg/100ml). Alguns laboratórios clínicos indi- arritmias cardíacas e outras alterações do Eletrocar- cam os níveis de cálcio em mEq/l. O cálcio contido diograma (ECG) (onda T “em campânula”, comple- nos líquidos orgânicos representa uma pequena por- xos QRS alargados), parada cardíaca em diástole. centagem do cálcio total, sendo que a maior parte dele Conduta - gluconato ou cloreto de cálcio, bi- se encontra nos ossos e dentes. carbonato de sódio, solução polarizante sem K O cálcio contido no LEC é regulado pela ação (glicose-insulina), resinas de troca iônica (Kayexalate, dos hormônios das paratireóides e tireóides. O hor- Sorcal), diálise. mônio da paratireóide regula o equilíbrio entre o cál- 1.3.2.2 Hipopotassemia cio contido nos ossos, a absorção de cálcio pelo trato Etiologia - perdas gastrintestinais (diarréia, gastrintestinal e a eliminação do cálcio pelos rins. A fístula Gastrintestinal (GI), vômitos); perdas genitu- tireocalcitonina, produzida pela tireóide, também de- rinárias (acidose tubular renal e outras doenças re- sempenha um certo papel na determinação dos níveis nais, doença de Cushing, síndrome de Cohn, uso de séricos do cálcio, porque inibe a reabsorção do cálcio diuréticos); ingestão insuficiente (notar que há perda dos ossos. obrigatória nas fezes); desvio iônico (alcalose). 1.3.3.1 Hipocalcemia Sinais e Sintomas - neuromusculares (fra- Etiologia - perda de tecido da paratireóide após queza muscular, parestesias); renais (concentração tireoidectomia, hipoparatireoidismo idiopático, insufi- prejudicada, poliúria); gastrintestinais (náuseas, íleo ciência renal (raramente sintomática). adinâmico); SNC (irritabilidade, letargia, coma); car- Sinais e Sintomas - parestesias (especialmen- díacos (arritmias tipo bigeminismo e/ou trigeminismo, te perorais e nas mãos e pés); labilidade emocional; onda U ao ECG) miastenia e cãibras; diarréia e poliúria; disfagia; estri- Conduta - via oral (KCl xarope, K eferves- dor laríngeo e broncoespasmo, convulsões; arritmias cente ou em comprimidos); via endovenosa (aumen- cardíacas e intervalo Q-T aumentado; espasmo car- tando-se a concentração de K+ nas soluções eletrolí- popedal (espontâneo ou com uso de manguito de pres- ticas usuais, solução polarizante: G-I-K). são durante três minutos, inflado acima da pressão Nota: a reposição do K+ se faz de maneira sistólica - Sinal de Trousseau); contração do músculo empírica, sendo um esquema usual a reposição de 40 facial após leve golpe na frente da orelha - Sinal de a 60 mEq/L por via EV (Endovenosa) a velocidades Chvostek; opistótono. não maiores do que 30-40 mEq/hora. Conduta - a reposição é empírica, usando-se Casos especiais - os cirróticos são especial- tantas ampolas de gluconato de cálcio quantas forem mente suscetíveis às complicações da hipopotasse- necessárias, até o desaparecimento dos sinais clíni- mia e devem ser tratados agressivamente com rela- cos. A infusão venosa deve ser lenta. Nos casos de 457
  • 8. PRB Évora; CL Reis; MA Ferez; DA Conte & LV Garcia hipoparatireoidismo, pode-se utilizar extrato de para- A regulagem dos níveis de magnésio é indireta, tireóide (100 a 200 unidades USP) por via EV. No estando a cargo da eliminação renal, além de depen- tratamento pós-controle da fase aguda, deve-se acres- der do hormônio das paratireóides. As alterações dos centar cálcio oral e Vitamina D. níveis de magnésio são, freqüentemente, associadas a doenças graves e manifestam-se por sinais sugesti- Nota importante: se não houver resposta ao vos de alterações das funções neuromusculares. tratamento com cálcio, considerar a possibilidade de hipomagnesemia. 1.3.4.1 Hipermagnesemia 1.3.3.2 Hipercalcemia Etiologia - o excesso de magnésio é quase sem- pre o resultado de uma insuficiência renal e inabilida- Etiologia - hiperparatireoidismo, neoplasias de em excretar o que foi absorvido do alimento ou (carcinoma, leucemia, linfoma, mieloma múltiplo), infundido. Ocasionalmente, o uso do sulfato de mag- sarcoidose, intoxicação por Vitamina D, hipo e hiper- nésio, como catártico, pode ser absorvido o bastante tireoidismo, síndrome do “milk-alkali”, insuficiência para produzir uma intoxicação, particularmente da adrenal. função renal comprometida. Sinais e Sintomas - fraqueza, anorexia e vô- Sinais e Sintomas - fraqueza muscular, queda mitos, constipação, sonolência, estupor, coma, cefaléia da pressão sangüínea, sedação e estado de confusão occipital, intervalo Q-T e segmento ST supranivelados mental. O ECG mostra aumento do intervalo P-R, alar- no ECG, arritmias. gamento dos complexos QRS e elevação das ondas Conduta - o objetivo final do tratamento deve ser T. A morte, geralmente, resulta da paralisia dos mús- dirigido para eliminar a causa, se possível. O trata- culos respiratórios. mento de urgência das crises hipercalcêmicas inclui: hi- Conduta - o tratamento é dirigido no sentido de dratação com Soro Fisiológico (SF) e diurese forçada melhorar a insuficiência renal. O cálcio age como com diuréticos (pode ser suficiente nos casos leves). antagonista do magnésio e pode ser empregado por O sulfato de sódio (0,12 M) um (1) litro em 4-6 via parenteral para benefício temporário. Pode estar horas, seguido de uma infusão adicional de três litros indicado na diálise peritoneal ou extracorpórea. em vinte e quatro (24) horas. O sulfato de sódio é mais eficiente que o SF, porém podem ocorrer hiper- 1.3.4.2 Hipomagnesemia natremia, hipopotassemia e hipomagnesemia, apesar Etiologia - pode ser encontrado no alcoolismo de sua ação ser de curta duração. crônico em associação com “delirium tremens”, cir- Outra opção para o tratamento da hipercalcemia rose, pancreatite, acidose diabética, jejum prolonga- grave são os fosfatos (K2HPO4 - 1,5 g em infusão do, diarréia, má absorção, aspiração gastrintestinal pro- EV, correndo durante 7 horas). Os fosfatos podem longada, diurese exagerada, hiperaldosteronismo pri- causar efeitos cardíacos letais, sendo a sua adminis- mário e hiperparatireoidismo, particularmente depois tração Via Oral (VO) mais segura. Além disso os de paratireoidectomia e quando largas doses de Vita- fosfatos podem causar insuficiência renal por depósi- mina D e cálcio são consumidas. to de cálcio no rim. São especialmente perigosos nos Sinais e Sintomas - hiperirritabilidade neuro- pacientes com uremia. muscular e do SNC com movimentos atetóticos, ba- Os glicocorticóides podem ser úteis nos casos lismos, tremores amplos (“flapping”), sinal de Babinski, de metástases ósseas, porém não são efetivos nos nistagmo, taquicardia e arritmias ventriculares, hiper- casos de hipercalcemia causada pelo excesso do hor- tensão e distúrbios vasomotores. Confusão, desorien- mônio da paratireóide. tação e inquietação podem estar em destaque. Conduta - infusão parenteral de soluções ele- 1.3.4 Alterações do magnésio trolíticas, contendo magnésio (10 a 40 mEq/l/dia, du- O magnésio ocupa o segundo lugar, por ordem rante o período de maior gravidade, seguindo-se ma- de importâncias, entre os cátions do LIC. Ele é in- nutenção com 10 mEq/dia). O sulfato de magnésio dispensável para as atividades enzimáticas e neu- pode também ser dado por via IM (4 a 8 g / 66 a roquímicas, assim como para a excitabilidade dos 133mEq, diariamente, divididos em quatro doses; os músculos. Seus níveis plasmáticos variam entre 1,5 e níveis séricos devem ser monitorizados para prevenir 2,5 mEq/l. a concentração superior a 5 - 5,5 mEq/l). 458
  • 9. EAB e EHE 2. EQUILÍBRIO ACIDOBÁSICO (EAB) E O ácido carbônico pode ser representado pela SEUS DESVIOS constante 0.03 pela pressão parcial de C02 do sangue arterial, surgindo, no denominador da equação, um gás 2.1 Introdução - Alguns conceitos fisiológicos, que expressa a ventilação. fundamentais HCO - 3 A avaliação acidobásica do sangue é feita na pH = pK + log 0.03 X PaCO2 grande maioria dos doentes que são atendidos em UTI, qualquer que seja a patologia de base. A sua avalia- Assim, é possível concluir que a manutenção ção é fundamental, pois, além dos desvios do equilí- do pH depende, fundamentalmente da função renal brio acidobásico, propriamente dito, pode fornecer (numerador da equação) e da função respiratória (de- dados sobre a função respiratória do doente e sobre nominador da equação). as condições de perfusão tecidual. Os sistemas orgânicos enfrentam dois desafios Função Renal (componente não respiratório ou metabólico) pH = básicos para a manutenção do EAB. O primeiro é a Função Respiratória (componente respiratório) disposição da cota fixa de ácidos, ingerida na dieta O termo “metabólico” é um erro consagrado diária. O segundo é o destino dado ao CO2 gerado pelo uso, uma vez que que ambos os componentes da como produto final do metabolismo. Para manter o Equação de Henderson - Hasselbach envolvem um pH em limites compatíveis com os processos vitais, o processo metabólico. Este erro histórico será preser- organismo lança mão de uma série de mecanismos vado, falando-se em distúrbios metabólicos e dis- bioquímicos, com destaque para o papel desempenha- túrbios respiratórios do EAB. do pelo chamado sistema tampão. Considerando-se estes conceitos, os mecanis- O sistema tampão do organismo pode ser divi- mos de excreção do H+ podem assim ser resumidos: dido em três grandes componentes: bicarbonato/áci- a) a excreção pulmonar do íon H+ é indireta; o pul- do carbônico, proteína e fosfatos. As substâncias tam- mão só excreta substâncias voláteis, isto é, subs- pões são responsáveis pelo fato de que pH uma solu- tâncias que podem ser convertidas em gases; ção se modifica menos do que deveria pela adição ou b) a excreção renal não apresenta esta limitação, sendo subtração de íons H+. Com a queda do pH da solu- coadjuvada pelas bases tampões; ção, estas substâncias aceitam os íons H + para c) a média de excreção de CO2 pelos pulmões pode entregá-los novamente, quando aumenta o pH, desta ser mudada rapidamente, em qualquer direção, por maneira, agem contra as modificações abruptas da alterações apropriadas da ventilação alveolar, po- reação. Entre os tampões do espaço extracelular, o rém a hipoventilação, no sentido de poupar H+ não bicarbonato e as proteínas plasmáticas desempenham é um mecanismo tão eficiente quanto a hiperventi- um papel relevante, enquanto a hemoglobina e os lação que elimina este mesmo íon de maneira efi- fosfatos estão em primeiro plano no compartimento ciente, no início de um quadro acidótico; intracelular. Graças a estes sistemas de tamponamento, d) a função renal pela excreção de H+ e eletrólitos pequenas alterações do EAB manifestam-se por um influencia o estado acidobásico do LEC, porém um deslocamento do equilíbrio da reação dos tampões com período de horas é necessário para que esta influ- atenuação de modificações significativas da concen- ência seja significante. tração dos íons H+ livres ou do pH. O tampão bicar- bonato é o mais importante: Um outro detalhe interessante da fisiologia do EAB são as evidências de que o organismo animal, CO2 + H20 H2CO3 H+ + HCO3- na sua evolução, adquiriu mecanismos naturais de de- fesa contra a acidose mais eficientes do que os me- A partir desta reação química, é possível de- canismos contra a alcalose: duzir a Equação de Henderson - Hasselbach, a) características próprias da função renal que elimi- fundamental para o entendimento do equilíbrio acido- na o H+ e reabsorve o HCO3-; básico: b) curva da dissociação da Hb: na acidose, a curva se HCO3- desvia para a direita, diminuindo a afinidade da Hb pH = pK + log pelo oxigênio e, na alcalose, ela se desvia para a H2CO3- esquerda, aumentando a afinidade; 459
  • 10. PRB Évora; CL Reis; MA Ferez; DA Conte & LV Garcia c) a hiperventilação com alcalose respiratória, des- hipobicarbonatemia. Como o álcali perdido é subs- viando a reação do CO2 com a água para a es- tituído por ânions ácidos (fosfato, acetoacetato, querda, é um mecanismo natural de compensação cloreto, etc.), segue-se que qualquer ácido, exceto da acidose metabólica, que pode ocorrer normal- o HCl, substitui o ânion HCO3-, facilmente medido, mente, por exemplo, no exercício físico. A ocor- por ânions que não são medidos rotineiramente. Por rência do fenômeno inverso é possível na teoria, este motivo criou-se o conceito de “diferença de mas a depressão respiratória, produzindo uma aci- ânions” (“ânion gap”, DA), que reflete o balanço dose respiratória para compensar uma alcalose me- entre o cátion rotineiramente medido (Na+) e os tabólica, só ocorreria com um BE>+40, uma situa- ânions rotineiramente medidos (Cl- + HCO3-). ção praticamente impossível; d) isto reflete em uma maior dificuldade do tratamen- DA = (“anion gap”) = (Na+) - (Cl- + HCO3-) to da alcalose metabólica, como se observa na prá- Como as acidoses por HCl efetuam uma troca tica diária da terapia intensiva. igual de HCO3- perdido por Cl- retido, sem alterar Os conceitos de reserva alcalina e “Base necessariamente o Na+ sérico, a DA permanece dentro Excess” (BE) merecem um pequeno comentário. A da faixa normal (12 ± 2 mEq/l), dessa maneira, defi- reserva alcalina (capacidade de ligação de CO2) é a nindo uma acidose hiperclorêmica ou com DA nor- quantidade total de CO2 de uma amostra de plasma, mal. Todas as outras formas de acidose aumentam o separada anaerobicamente, após equilibrá-la com 40 “anion gap”, ao substituir o HCO3- por ânions diver- mmHg de pCO2 à temperatura ambiente (usa-se de sos do Cl-. Uma análise crítica do conceito de “anion preferência o bicarbonato padrão em mMol/l) (Esco- gap” demonstra sua pouca utilização na prática diá- la americana, liderada por Davenport). ria. Qual seria a sua real utilidade? Diagnóstico dife- O excesso de bases (BE = Base Excess) é igual rencial entre tipos de acidoses, permitindo pensar em à concentração de bases do sangue em mEq/l, ti- diagnósticos menos comuns? Como índice prognósti- tuladas por um ácido forte a um pH de 7,40, com uma co? Uma utilidade real seria como controle de quali- pCO2 de 40 mmHg e a uma temperatura de 370C dade de dosagens laboratoriais, já que não existe a (Escola dinamarquesa, liderada por Sigaard- situação de “anion gap” aumentado, que ocorre só na Andersen). condição de erros de dosagem. Como, alguns apare- Com a crescente simplificação da análise do lhos de origem americana mostram a “grande vanta- EAB por aparelhos de alto rendimento, a determina- gem” de fornecer diretamente o valor do “anion gap”, ção de parâmetros isolados, como a reserva alcalina, pressente-se até um possível lance comercial. Final- em comparação com um levantamento completo do mente, merecem menções os Nomogramas de Gamble EAB, passou para um segundo plano. para a ilustração e integração entre o EAB e o EHE. Existem importantes interrelações entre o EAB e o EHE. b) Lei da isosmolaridade - Determina que a osmo- a) Lei da eletroneutralidade - Estabelece que a laridade é a mesma, nos sistemas de líquidos dos soma das cargas negativas dos ânions deve ser igual organismos, entre os quais a água passa livremen- à soma das cargas positivas dos cátions. No plas- te. Seu valor normal é em torno de 285 mOsm/l, e, ma, há 154 mEq/L de cátions e, conseqüentemen- se o número de partículas dissolvidas aumenta em te, 154 mEq de ânions. Em todas as circunstâncias, um compartimento a água mobilizar-se-á em dire- o sódio responsabiliza-se pela maior parte dos equi- ção a ele até que um novo equilíbrio da osmolarida- valentes catiônicos. Portanto, o bicarbonato consti- de seja estabelecido. tui-se no elo entre o EAB e o EHE, já que ele faz c) Lei fisiológica do equilíbrio acidobásico - Afir- parte destas duas entidades. Para que se mante- ma que o organismo tende a manter o pH do san- nha a eletroneutralidade, quando ocorre uma que- gue em torno de um valor normal. Em relação a da do bicarbonato, ocorre um aumento do cloreto e esta lei, um fato importante é a interação entre o vice-versa. Assim, a interação entre prótons e potássio e o H+ em relação ao intra e extracelular. ânions, de um modo cumulativo com os componen- No caso de uma acidose, na tentativa de manter o tes normais do soro, resulta em padrões de eletrólitos pH do sangue, o potássio sai da célula com a en- que possibilitam a classificação de todas as acidoses trada do H+, ocorrendo o contrário na alcalose, ou metabólicas. Os prótons consomem as reservas de seja, saída do H+ e entrada do potássio para o com- álcali, manifestando sua presença sob a forma de partimento intracelular. 460
  • 11. EAB e EHE 2.2 Diagnóstico dos distúrbios do equilíbrio aci- análise da gasometria venosa: 1) a pO2 venosa, dobásico pela análise gasométrica quando comparada com a pO2 arterial, dá uma idéia do débito cardíaco (diferença arteriovenosa gran- Por tratar-se de um texto apenas com preten- de com pO2 venoso baixo significa baixo débito, sões didáticas, antes da apresentação das causas dos com os tecidos extraindo muito o oxigênio da hemo- distúrbios do EAB, que seria a seqüência lógica, se- globina pelo fluxo lento, sendo esta uma situação rão apresentados os princípios diagnósticos. Esta in- ainda favorável para se tentar a reversão de um esta- versão tem se mostrado útil, pois torna fácil a dedu- do de choque) e; 2) a diferença arteriovenosa pe- ção posterior das variadas causas de desequilíbrio quena, com progressivo aumento da pO2 venosa, acidobásico. indica um “shunt” sistêmico, ou seja, um agrava- O diagnóstico das alterações do EAB é feito mento das trocas teciduais); portanto, o principal pela análise dos valores obtidos através da gasometria dado fornecido pela gasometria venosa é a pO2. sangüínea. Como em todo exame laboratorial, exis- Pelo acima exposto, fica claro que o diagnósti- tem fatores que podem influenciar seus resulta- co dos distúrbios do EAB deve embasar-se nos valo- dos, como veremos a seguir res da gasometria arterial. a) em pacientes conscientes, a punção arterial pode Antes da análise das possibilidades diagnósti- resultar em hiperventilação, pelo temor induzido pelo cas da gasometria arterial, é importante que se defi- procedimento; nam os valores normais de seus parâmetros. Para Ri- b) a heparina é ácida e, ao menos teoricamente, pode beirão Preto, Manço & Terra Filho definiram, por influenciar os valores do pH, pCO2 e pO2, em amos- amostragem, os seguintes valores normais (Tabela II): tras pequenas; c) a presença de leucocitose e grande número de pla- quetas reduzirá o valor do pO2, dando a falsa im- Tabela II - Valores normais da gasometria arterial * pressão de hipoxemia. A queda na pO2 é negligen- ciável, se a amostra é armazenada em gelo e ana- lisada dentro de uma hora. Presumivelmente, o pH = 7,35 a 7,45 CO2 = 23 a 27 mMol/L metabolismo, em andamento, dos elementos celu- pO2 = 70 a 90 mmHg HCO3 = 22 a 26 mEq/L lares do sangue pode consumir O2 e reduzir a pO2; pCO2 = 35 a 45 mmHg BE = -3.5 a +4,5 mEq/l d) o resfriamento aumenta o pH e a saturação de oxi- gênio, e diminui a pO2; Sat O2 = 95 a 97% e) o halotano aumenta falsamente os valores do pO2, *Informação pessoal: Manço & Terra-Filho porque o eletrodo para o pO2, no aparelho de gaso- metria, também responde ao halotano. Ainda sob o ponto de vista da análise gasomé- Pela gasometria arterial, é possível o diagnósti- trica, alguns detalhes merecem destaque: co dos desvios do componente respiratório (O2/oxige- a) a adoção da escola dinamarquesa (Sigaard- nação e pCO2/ventilação) e do componente metabóli- Andersen) é praticamente uma unanimidade inter- co (BE e HCO3-). (Figura 1) nacional; Um nomograma clássico bastante útil é o apre- b) quando se solicita uma gasometria sangüínea, o pH, sentado por West em seu livro, “Fisiopatologia Pul- a pO2 e a pCO2 são obtidos por medida eletrônica monar Moderna” (Figura 2). Este nomograma permi- direta; os valores do CO2 total, HCO3, BE, SatO2 te o diagnóstico diferencial de praticamente todos os são obtidos por medida indireta, através de leitura tipos de insuficiência respiratória, sendo complemen- no nomograma de Sigaard-Andersen; tar aos dados da Figura 1. Trata-se de um nomograma c) como os distúrbios envolvem mecanismos renais e Ventilação (pCO2) / Oxigenação (pO2). Como todas respiratórios, o diagnóstico deve ser com base na as insuficiências respiratórias caracterizam-se pela hi- gasometria do sangue arterial; póxia, o diagnóstico diferencial é dado pelo padrão d) a amostra venosa não permite a análise da função ventilatório, ou seja, pela variação da pCO2. respiratória e sua colheita está sujeita a erros; para a) Na hipoventilação pura, o aumento da pCO2 arte- fins científicos, deve, inclusive, ser colhida na arté- rial é extremamente rápido, atingindo valores su- ria pulmonar, onde o sangue venoso é misto; porém, periores a 80 mmHg com vasodilatação cerebral e duas informações práticas podem ser obtidas pela falência cardiorrespiratória. 461
  • 12. PRB Évora; CL Reis; MA Ferez; DA Conte & LV Garcia Hiperventilação 1. pO2 e pCO2 Alcalose respiratória Hipoventilação COMPONENTE 2. pO2 e pCO2 RESPIRATÓRIO Acidose Respiratória (Pulmões) Alterações da V/Q + PEEP) 3. pO2 e pCO2 Alterações da difusão Aumento do Qs/Qt (SARA) - COMPONENTE 1. HCO3 e BE < - 3,5 Acidose Metabólica NÃO RESPIRA- TÓRIO ( Rins ) 2. HCO3 e BE > + 3,5 Alcalose metabólica Figura 1 - Interpretação da gasometria arterial. PCO2 (mmHg) A = Hipoventilação pura B = DPOC C = Pneumopatia restritiva D = SARA 100 E = SARA + O2 F F = DPOC + O2 80 A 60 B 40 C 20 D E 100 P PCO2 (mmHg) 50 Figura 2 - Nomograma pCO2 / pO2 (West) - Diagnóstico diferencial de todas as modalidades de insuficiência respiratória. 462
  • 13. EAB e EHE b) Nos casos de descompensação da doença pulmo- láctica/ácido láctico, acidose diabética/corpos cetôni- nar obstrutiva crônica (DPOC), o aumento da pCO2 cos, cetose de jejum, azotemia por IRA/ácido sulfúri- arterial é mais lento, dificilmente atingindo valores co, ácido fosfórico), Crônica: azotemia/IRC. superiores a 77 – 75 mmHg. • Por perda de bicarbonato: Aguda (diar- c) Nas pneumopatias restritivas, a pCO2 permanece réia); Crônica (fístula pancreática, acidose tubular normal, porque existe uma compensação pela ca- renal). racterística hiperventilação destas doenças. 2.3.4 Alcalose metabólica d) Na Síndrome da Angústia Respiratória do Adulto (SARA), ocorre uma queda da pCO2 arterial como • Por perda de ácido forte: Aguda (vômi- uma conseqüência do efeito “shunt” (áreas bem tos), Crônica/perda de potássio (diarréia crônica, perfundidas e mal ventiladas com alta difusibilidade corticóides, diuréticos). do CO2). • Por ganho de bicarbonato: Aguda exó- E) Com o tratamento adequado da SARA, a oxige- gena (infusão de bicarbonato); Aguda endógena nação pode melhorar, porém uma não observância (“stress”); Crônica (ingestão de antiácidos). da normalização da pCO2 pode significar que ain- Existem situações clínicas importantes que da persistem áreas bem perfundidas e mal ventila- apresentam padrões de alterações do EAB que me- das, levando, ainda, ao efeito “shunt”. recem um breve comentário. F) O excesso de oxigênio oferecido a pacientes por- a) Estado de choque - A regra é a ocorrência de tadores de DPOC pode levar a uma elevação da acidose metabólica devida à má perfusão tecidual pCO2, inclusive atingindo valores superiores a 80 com conseqüente metabolismo celular anaeróbio. mmHg. Isto se deve ao fato de a ventilação destes Em uma fase inicial, existe a tentativa de compen- pacientes ser controlada por quimiorreceptores sação respiratória, e, em fase final a regra é uma aórticos e carotídeos, que respondem à hipóxia e à acidose mista. acidose. b) Parada cardíaca - Ocorre acidose metabólica e 2.3. Causas mais comuns dos distúrbios do EAB respiratória, respectivamente, pela parada brusca de oxigenação tecidual e da ventilação pulmonar. De um modo bastante simplificado, as causas Nestes casos, os pacientes devem ser hiperventila- mais comuns dos distúrbio do EAB podem ser agru- dos, pois o tratamento da acidose é feito com o padas conforme relato abaixo. bicarbonato de sódio que é doador de CO2. 2.3.1 Acidose respiratória c) Circulação extracorpórea (CEC) - Por melhor • Aguda: por comprometimento do SNC (po- que seja sua técnica, vários são os mecanismos liomielite anterior e aguda, intoxicações exógenas, co- que elevam a uma inadequada perfusão tecidual mas, traumas); por comprometimento anatômico ou (hipofluxo, hipotermia, hiperatividade simpática e funcional da caixa torácica (ossos e músculos). ausência de fluxo pulsátil) com conseqüente aci- • Crônica: por lesões pulmonares (insuficiên- dose metabólica. Por outro lado, o uso de oxigênio cia respiratória crônica) puro no oxigenador leva, muitas vezes, a uma acen- tuada diminuição do CO2. A alcalose metabólica 2.3.2 Alcalose respiratória pode ocorrer pelo excesso de bicarbonato admi- • Aguda: estimulação do Centro Respiratório nistrado durante a CEC ou, no pós-operatório, pela Bulbar (CRB) (encefalites, emoção, febre e infecções perda excessiva de potássio muito comum durante sistêmicas, intoxicação por salicilato, hipoxemia); re- a derivação cardiopulmonar. Um outro problema flexos (choque); por estimulação de receptores torá- digno de menção é a ocorrência de alcalose meta- cicos (atelectasia, pneumopatias agudas). bólica tardia (48-72 horas no pós-operatório). Pode • Crônica: vários mecanismos (assistência ocorrer pelo metabolismo do citrato ou do lactato ventilatória, insuficiência hepática/amônia, lesões do da solução de Ringer-Lactato no perfusato. Exis- SNC, infecções, hipoxemia, hipertireoidismo) tem evidências de que esta alcalose seja mais de- vida ao citrato do anticoagulante do sangue poli- 2.3.3 Acidose metabólica transfundido, do que ao uso do Ringer-Lactato. • Por adição de ácido forte: Aguda exóge- d) Politransfusão sangüínea - O sangue estocado na (infusão de NH4Cl); Aguda endógena (acidose possui uma considerável carga de radicais ácidos, 463
  • 14. PRB Évora; CL Reis; MA Ferez; DA Conte & LV Garcia devida, em grande parte, a um acúmulo de ácidos aguda ou fístula pancreática. A alcalose metabóli- orgânicos (ácido cítrico do anticoagulante e o ácido ca pode ocorrer por perda de suco gástrico ou per- láctico gerado pela hipotermia da estocagem e pela da de potássio (diarréia, tumores vilosos do reto, hipóxia). Se ocorrer acidose metabólica, deve-se tumores do pâncreas, fístulas biliares, uso excessi- proceder à alcalinização, antes feita rotineiramente vo de laxativos). e, hoje, conforme as necessidades mostradas por gasometrias seriadas. Além disso, o sangue estoca- 2.4 Tratamento dos distúrbios do EAB do tem os seus níveis de 2,3 difosfoglicerato (2,3 2.4.1 Princípios gerais DPG) diminuídos, o que leva a um deslocamento da curva de dissociação da hemoglobina para a es- Alguns preceitos devem ser seguidos para um querda com aumento da sua afinidade pelo oxigê- adequado tratamento dos desvios do EAB, lembran- nio, piorando a oxigenação periférica e, conseqüen- do-se sempre que a gasometria é um exame subsidiá- temente, agravando a acidose metabólica. Pode ocor- rio que deve ser analisado em conjunto com os dados rer, mais tardiamente, uma alcalose metabólica de- clínicos do paciente. vida à metabolização do citrato pelo fígado. a) O tratamento deve fundamentar-se em dosagens e) Alimentação parenteral - No início desta técnica freqüentes e seriadas dos gases e do pH sangüíneo. de suporte nutricional a acidose metabólica era uma b) Não confiar de forma absoluta em qualquer resul- grave e freqüente complicação, que ocorria porque tado de laboratório. alguns aminoácidos essenciais – hisitidina, lisina, c) Não corrigir as alterações muito rapidamente; ornitina e arginina – encontravam-se nas soluções sob d) normalizar, inicialmente, o volume sanguíneo e a a forma de cloridrato. Esta complicação tornou-se perfusão tecidual. mais rara com as soluções de aminoácidos mais e) Não corrigir o pH, o cálcio e o potássio isoladamente. recentes que substituem o cloridrato por aspartato. 2.4.2 Tratamento da acidose respiratória f) Insuficiência renal crônica - A regra é a existên- Oxigenação e ventilação adequadas: manuten- cia de acidose metabólica por adição de ácidos for- ção das vias aéreas livres, correção da hipóxia e/ou tes (sulfúrico e fosfórico) devido à azotemia. Pode hipercapnia, remoção de secreções e tratamento das ocorrer ainda acidose metabólica pela subtração do infecções respiratórias, quando presentes. Um erro bicarbonato, devida à chamada acidose tubular re- freqüente é a administração de bicarbonato de sódio nal. Este distúrbio é raro, freqüentemente associa- com base apenas no valor do pH. da a síndromes genéticas, e são de dois tipos: distal devido a uma incapacidade do túbulo distal de man- 2.4.3 Tratamento da alcalose respiratória ter gradiente máximo de H+ entre a luz tubular e o O objetivo é combater a hiperventilação com sangue, e proximal devido a uma deficiência de sedação de pacientes ansiosos e histéricos. É um dis- reabsorção do bicarbonato no início do néfron. Os túrbio freqüente em pacientes submetidos a assistên- pacientes portadores de insuficiência renal crôni- cia respiratória, principalmente se curarizados. A di- ca, em geral, adaptam-se à acidose metabólica. minuição da hipoventilação pode ser tentada pelo au- g) Diabetes mellitus - Ocorre acidose metabólica mento do espaço morto, diminuição do volume cor- por adição de ácidos devidos aos corpos cetônicos rente e pela utilização da Ventilação Mandatória In- (ácidos acetoacético e betaidroxibutírico). Muitas termitente (IMV), que tem por característica a nor- vezes só o emprego da insulina é o suficiente para malização da pCO2, uma vez que permite a respira- o seu tratamento pela diminuição da produção dos ção espontânea, intercalada pelo auxílio do respirador. corpos cetônicos, sem a necessidade do emprego de bicarbonato. 2.4.4 Tratamento da Síndrome da Angústia h) Afecções gastrintestinais - Nelas, as principais Respiratória Aguda (SARA) alterações podem ser divididas em três grupos: Não é objetivo deste texto discutir esta entida- acidose metabólica, alcalose metabólica e perda de de em detalhes. A SARA é um problema de “barreira potássio. A acidose metabólica pode ocorrer por alveolocapilar”, causada pela presença de edema pul- perda de bicarbonato nas diarréias graves e nas monar intersticial. Caracteriza-se por diminuição da fístulas pancreáticas. A acidose pode ainda ocor- capacidade residual funcional, alteração da relação rer devido a um estado de choque secundário, por ventilação/perfusão (V/Q) e aumento do “shunt” pul- exemplo, a uma trombose mesentérica, pancreatite monar (Qs/Qt). 464
  • 15. EAB e EHE Basicamente, seu tratamento consiste em ins- setenta, a utilização do cloridrato de arginina foi utili- talar-se assistência respiratória com a associação de zado no Centro de Terapia Intensiva do Hospital das Ventilação Mandatória Intermitente (IMV) “Intermitent Clínicas de Ribeirão Preto. A sua administração era Mandatory Ventilation” com Pressão Expiratória Posi- empírica (7,5 g/12 horas), uma vez que só a sua fra- tiva Final (PEEP) “Positive End Expiratory Pressure”, ção catabolizada seria acidificante. Conseguiam-se restrição hídrica, diuréticos, processos dialíticos, me- reversões parciais da alcalose metabólica, que se re- tilprednisolona, albumina humana (apenas nas fases cuperava algumas horas depois. Com o tempo, pas- iniciais, para aumentar a pressão coloidosmótica e aju- sou-se a utilizar mais a reposição de cloreto de potás- dar a diminuir o edema pulmonar intersticial, pois, em sio em associação com a acetazolamida, a qual, inibin- fases avançadas, pode extravasar para o alvéolo, con- do a anidrase carbônica, aumenta a excreção urinária tribuindo para a formação de membrana hialina), anti- de bicarbonato. A experiência com HCl foi pequena e bióticos. A utilização do nutroprussiato de sódio, na nunca se utilizou o NH4Cl por ser neurotóxico. tentativa de reduzir a hipertensão pulmonar, pode piorar a “shuntagem”, se diminuir muito a pressão ar- 2.5 Efeitos deletérios dos distúrbios do EAB terial sistêmica. A recente utilização de óxido nítrico Tanto a acidose como a alcalose apresentam inalado para reduzir a hipertensão pulmonar de modo uma série de efeitos indesejáveis, que devem ser de seletivo é promissora, mas ainda controversa, haven- pleno conhecimento, e estão representados nas Tabe- do mais evidências de que não muda a evolução da las III e IV. SARA. Os valores da pO 2 e da pCO2 só voltarão à normalidade com a regressão da situação do “shunt” Tabela III - Efeitos deletérios da acidose aguda pulmonar aumentado. - Sobrecarga respiratória. 2.4.5 Tratamento da acidose metabólica - Anorexia, náuseas, vômitos e alterações neurológicas. Utiliza-se o bicarbonato de sódio, cuja quanti- - Hiperpotassemia. dade necessária para a correção da acidose, em mEq, é fornecido pela Fórmula de Mellengard-Astrup: - Diminuição da responsividade às catecolaminas e de- pressão da contratilidade miocárdica. 0,03 x peso (Kg) x BE - Vasoconstrição renal e oligúria. (2 a 3) - Resistência à ação da insulina. O tratamento da acidose metabólica pode ser feito por estimativa, caso não se disponha dos dados gasométricos, utilizando-se, em média, 2 mEq/Kg de Tabela IV - Efeitos deletérios de alcalose aguda bicarbonato de sódio como dosagem inicial, seguidos - Hipocalcemia por diminuição do cálcio ionizável. de dosagens criteriosas. Erro comum é o emprego + - Hipopotassemia com aumento da perda urinária de K . desta solução alcalina em excesso, que pode aumen- + + - Alteração da relação K intracelular/ K extracelular no tar muito a osmolaridade do sangue, dificultando as miocárdio, com susceptibilidade a arritmias trocas celulares, ou, ainda, induzir arritmias cardíacas - Aumento da afinidade da Hb pelo O2 (desvio da curva pela alcalose metabólica. O bicarbonato de sódio é, de dissociação para a esquerda), com hipóxia universalmente, o elemento utilizado para tratar a aci- tecidual. dose metabólica na parada cardíaca. Tem sido estu- - Acidose paradoxal do líquor, com piora das condições dada a utilização do tampão TRIS (THAM), que teria neurológicas. a vantagem de não ser doador de gás carbônico e não necessitar de hiperventilações, além de sua provável ação superior nas correções das acidoses intracelula- A alcalose metabólica, cuja importância clínica res. Como não se observa a utilização rotineira do costuma ser relegada a um plano secundário, merece tampão TRIS, pode-se inferir que, em termos de cus- um lugar de destaque entre os possíveis distúrbios da to-benefício, não deva haver grandes vantagens so- homeostase do paciente gravemente enfermo e da- bre o uso do bicarbonato de sódio, queles submetidos a grandes cirurgias. Além de au- mentar a afinidade da Hb pelo 02, tem-se dado impor- 2.4.6 Tratamento da alcalose metabólica tância à alcalose metabólica como causa de arritmia Reposição de cloretos, acetazolamida, cloridrato cardíaca, principalmente à supraventricular, que não de arginina, HCl (0,1N), NH4Cl (?). Desde os anos apresenta boa resposta aos antiarrítmicos convencio- 465
  • 16. PRB Évora; CL Reis; MA Ferez; DA Conte & LV Garcia nais, admitindo-se, inclusive, a ocorrência de morte Conduta: acidoses com BE até 7-8 sem so- súbita e sua correlação com aumento da mortalidade brecarga respiratória não necessitam de tratamento, em pacientes graves. ocorrendo compensação pelo próprio organismo. Ob- A Figura 3 apresenta um resumo das possibili- servar que o valor do pH está abaixo do normal. No dades diagnósticas e terapêuticas dos distúrbios do exemplo, não se observam os mecanismos de com- EAB. Este quadro, associado ao Nomograma de West pensação respiratória, e ele é bastante observado nas (pCO2 / pO2), resume grande parte dos conhecimen- acidoses do jejum pré-operatório. tos utilizados na prática clínica diária. Caso 2 2.6. Exercícios gasométricos pH = 7,42; p02 = 99; pCO2 = 21,39; HCO3- = 18,12; BE= -8,0 Apresentam-se, a seguir, exemplos comentados Diagnóstico: acidose metabólica compensa- de gasometrias arteriais que mais ocorrem na prática da por alcalose respiratória. médica. É evidente que a gasometria é um exame Conduta: esta é uma resposta natural do or- complementar que deve ser analisado dentro do ganismo, ou seja, a hiperventilação para eliminação quadro clínico apresentado pelo paciente. Esta par- indireta H+. Apesar do BE ser semelhante ao do caso te do texto tem apenas a finalidade de ajudar na inter- 1, neste caso, deve-se tratar a acidose, pois esta deve pretação prática da gasometria arterial. Os diagnósti- ser importante a ponto de desencadear os mecanis- cos e as condutas serão baseados nas Figuras 1 e 3. mos respiratórios de compensação, que, no exemplo apresentado foi, inclusive, capaz de normalizar o pH. Caso 1 Caso 3 pH = 7,30; p02 = 86; pCO2 = 39; HCO3- = 18,12; BE= -7,5. pH = 7,61; p02 = 91; pCO2 = 4 1; HCO3- = 39,81; BE= + 18 Diagnóstico: ausência de alterações respira- Diagnóstico: ausência de alterações respira- tórias e acidose metabólica leve. tórias e alcalose metabólica. DIAGNÓSTICO TRATAMENTO Hiperventilação Hipoventilação, 1. PO2 e PCO2, sedação Aumento do Alcalose respiratória espaço morto IMV COMPONENTE Hipoventilação RESPIRATÓRIO 2. PO2 e PCO2 Ventilação adequada (Pulmões) Acidose respiratória Alterações da V/Q Respirador volumétrico, IMV + 3. PO2 e PCO2 Alteração da difusão PEEP Restrição de líquidos, “shunts” A-V Diuréticos, diálise Antibióticos, Corticóide (Fórmula de Meleengard-Astrup) Acidose metabólica NaHCO3 (0,3 x peso (Kg) x BE COMPONENTE 1. HCO3- e BE < - 3,5 2a3 NÃO RESPIRA- Cloretos (KCl), Acetazolamida TÓRIO (Rins) 2. HCO3- e BE > + 3,5 Alcalose metabólica cloridrato de arginina, HCl 0,1 N Figura 3 - Resumo das possibilidades diagnósticas e terapêuticas dos distúrbios do equilíbrio acidobásico. 466
  • 17. EAB e EHE Conduta: uma boa parte das alcaloses meta- Caso 7 bólicas estão associadas a hipopotassemia e/ou hipo- pH = 7,30; p02 - 55; PCO2 = 18; HCO3- = 20,2; BE= - 4,0 cloremia, portanto, estes íons devem ser dosados no plasma.Caso estejam normais, optar por outro agente Diagnóstico: sempre que houver hipóxia com acidificante: HCI 0,1 a 0,2 N, cloridrato de arginina. hipocapnia deve-se pensar em alterações pulmonares Lembrar que a acetazolamida é de grande utilidade funcionais (alteração da relação ventilação-perfusão, no tratamento das alcaloses de adição e que o cloreto da difusão alveolocapilar, “shunts” arteriovenosos de amônio tem seu uso limitado pela neurotoxidade. intrapulmonares). Na prática médica, até prova em contrário, trata-se de Insuficiência Respiratória Agu- Caso 4 da do Adulto (“pulmão de choque”, SARA) devido a pH = 7,29; p02 = 60; pCO2 = 57; HCO3- = 26,5; BE= -1 edema pulmonar intersticial. Conduta: procurar tratar a moléstia de base, Diagnóstico: acidose respiratória sem altera- assistência respiratória com respirador volumétrico e ções metabólicas. IMV + PEEP, metilprednisolona, furosemide, diálise Conduta: esta gasometria pode ser perfeita- albumina humana, quando houver hipoproteinemia nas mente aceitável para um paciente portador de doença primeiras fase da SARA. pulmonar obstrutiva crônica. Caso não se trate de um paciente enfisematoso, deve-se buscar a causa da hipoventilação e tratá-la por meio de uma ventilação 3. QUESTÕES DIRIGIDAS adequada. 3.1 Questões dirigidas sobre o equilíbrio hidro- Caso 5: eletrolítico pH= 7,45; pO2 = 55; pCO2 = 61; HCO3- = 26,5; BE = +1 9 1. Descreva sucintamente os compartimentos Diagnóstico: acidose respiratória e alcalose hídricos orgânicos. metabólica. 2. Conceitos de permeabilidade, tonicidade, pressão Conduta: devem-se tratar ambos os desvios coloidosmótica e pressão osmótica. do equilíbrio acidobásico. Comumente interpreta-se o 3. Indicadores clínicos para a realização do balanço presente quadro gasométrico como acidose respira- hídrico diário no paciente cirúrgico. tória compensada por alcalose metabólica, o que leva 4. Qual a importância das chamadas perdas para o a uma conduta inadequada. Costuma-se tratar os dois terceiro espaço ? distúrbios, pois sabe-se que os mecanismos naturais 5. Defina desidratação. de defesa contra a acidose são muito mais eficientes 6. Quais as causas mais comuns de desidratação ? do que os mecanismos de defesa contra a alcalose. 7. Sinais e sintomas da desidratação. Por outro lado, se o paciente for um enfisematoso, 8. Conduta geral na desidratação. pode-se interpretar a alcalose metabólica como uma 9. Princípios terapêuticos do edema. conseqüência da hipercapnia crônica, devendo-se 10. Definição, diagnóstico e conduta da intoxicação tratá-la com o emprego de acetazolamida. hídrica. 11. Diagnóstico e conduta na hipernatremia. Caso 6 12. Diagnóstico e conduta na hiponatremia. 13. Diagnóstico e conduta na hiperpotassemia. pH= 7,63; pO2 = 100; pCO2 = 22; HCO3- = 22,36; BE = + 4,5 14. Diagnóstico e conduta na hipopotassemia. Diagnóstico: alcalose respiratória e alcalose 15. Diagnóstico e conduta na hipercalcemia. metabólica leve. 16. Diagnóstico e conduta na hipocalcemia. Conduta: tratar a alcalose respiratória. Este é 17. Diagnóstico e conduta na hipermagnesemia. um distúrbio comum que ocorre com o uso de respira- 18. Diagnóstico e conduta na hipomagnesemia. dores mecânicos e, no caso, poder-se-ia diminuir a freqüência respiratória ou aumentar o espaço morto. 3.2 Questões dirigidas sobre o equilíbrio acido- Uma vez que a p02 se apresenta em níveis normais, básico talvez não seja conveniente diminuir o volume corren- 1. Quais os dois desafios básicos que os sistemas te. Caso se trate de uma hiperventilação psicogênica, orgânicos enfrentam para a manutenção do EAB? deve-se promover à sedação do paciente ou, se pos- 2. Deduza a Equação de Henderson-Hasselbalch e sível, fazê-lo respirar em saco fechado. discuta a sua importância. 467
  • 18. PRB Évora; CL Reis; MA Ferez; DA Conte & LV Garcia 3. Quais as características das respostas pulmona- mente, alterarem os valores da gasometria ? res e renais na eliminação do H+ ? 13. Cite quais as principais causas da acidose respi- 4. Quais as principais evidências de que o organis- ratória. mo animal possui mecanismos naturais de defesa 14. Cite as principais causas da alcalose respiratória. contra a acidose mais eficientes do que os meca- 15. Cite as principais causas da acidose metabólica. nismos contra a alcalose ? 16. Cite as principais causas da alcalose metabólica. 5. Como pode ser dividido o sistema-tampão do or- 17. Quais as possibilidades terapêuticas para o trata- ganismo. mento da acidose respiratória ? 6. Qual o conceito de reserva alcalina ? 18. Quais as possibilidades terapêuticas para o trata- 7. Qual o conceito de “Base Excess” ? mento da alcalose respiratória ? 8. Qual o conceito de “Anion gap” e qual a sua im- 19. Quais as possibilidades terapêuticas para o trata- portância ? mento da SARA ? 9. Quais os principais diagnósticos dos distúrbios do 20. Quais as possibilidades terapêuticas para o trata- EAB com base na gasometria arterial ? mento da acidose metabólica ? 10. Represente e descreva o nomograma pO2/pCO2 21. Quais as possibilidades terapêuticas para o trata- (West). Qual a sua importância prática ? mento da alcalose metabólica ? 11. Qual a importância da amostra venosa ? 22. Quais os principais efeitos deletérios da acidose? 12. Cite os principais fatores que podem, potencial- 23. Quais os principais efeitos deletérios da alcalose? EVORA PRB; REIS CL; FEREZ MA; CONTE DA & GARCIA LV. Fluid, electrolyte and acid-base disorders. A practical review. Medicina, Ribeirão Preto, 32: 451-469, oct./dec. 1999. ABSTRACT: Fluid, electrolyte and acid-base disorders are very important subjects for all medical specialties . But their practical learning is, sometimes, very difficult. This text intends to discuss this subject based on more than 20 years of didatic experience teaching medical students, medical residents and post-doctoral students. The text has only didatic pretensions without any academic purpose. UNITERMS: Fluid. Water. Electrolytes. Acidosis. Alkalosis. Acid-base Equilibrium. Water- Eletrolyte Balance. BIBLIOGRAFIA CONSULTADA 5 - EVORA PRB. Aspectos práticos sobre o equilíbrio ácido- básico do sangue. Rev Bras Anestesiol 32:123-128,1982. 1 - AMERICAN COLLEGE OF SURGEONS. Assistência ci- rúrgica intensiva: Comitê de cuidados pré e pós-operató- 6 - EVORA PRB. Treatment of the hypocloremic metabolic rios. Interamericana, Rio de Janeiro, 1979. alkalosis by rectal infusion of chloride. (Letter). Crit Care Med 13: 874, 1985. 2 - EVORA PRB. Tópicos em terapia intensiva. Associa- 7 - EVORA PRB; BONGIOVANI HL; RIBEIRO PJF; BRASIL JCF; ção dos Médicos Residentes de Ribeirão Preto e Centro OTAVIANO AG & BOMBONATO R. Alcalose metabólica no Acadêmico Rocha Lima da Faculdade de Medicina de Ribei- posoperatório de cirurgia cardíaca com circulação extracor- rão Preto USP, Ribeirão Preto, 1978. pórea: Importância do emprego de solução de Ringer-Lactato 3 - EVORA PRB; REIS CL; RIBEIRO PJF; BRASIL JCF; OTAVIANO e do sangue citratado. Rev Paul Med 103: 88-91, 1985. AG & SILVA JRP. Alcalose metabólica. tratamento com so- 8 - EVORA PRB. Equilíbrio acidobásico. Klinikos 2: 26-40, lução da aminoácidos contendo cloridrato de arginina. Rev 1986. Paul Med 97: 25-28, 1981. 9 - FAINTUCH J; BIROLINI D & MACHADO AC. Equilíbrio áci- 4 - EVORA PRB; RIBEIRO PJF; BRASIL JCF; SILVA JRP; OTAVIANO do-básico na prática clínica. Manole, São Paulo, 1975. AG & REIS CL. Alcalose metabólica hipoclorêmica. Trata- mento pela reposição do cloro por via retal. J Pediatr 50: 10 - MAXWELL MH & KLEEMAN CR. Clínica das alterações 253-254, 1981. eletrolíticas. 3a ed. Guanabara-Koogan, Rio de Janeiro, 1981. 468