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V. C. Andrews
Sementes do Passado
LIBRO PRIMERO
FOXWORTH HALL
E assim chegou o verão em que
eu tinha 52 anos, e Chris 54,
finalmente se cumpria a
promessa de riqueza que nossa
mãe havia nos feito há muito
tempo, quando Chris e eu
tínhamos 14 e 12 anos
respectivamente.
Nós dois ficamos em pé
comtemplando aquela enorme
e espantosa casa que
esperávamos nunca mais voltar
a ver. Mesmo não sendo uma
reprodução exata da Foxworth
Hall original, me senti
estremecer por dentro. Que
preço havíamos pagado Chris e
eu para estarmos ali, onde nos
falávamos neste momento,
donos provisoriamente daquela
gigantesca casa que devia ter
permanecido em ruínas. Há
muito tempo atrás eu tinha
acreditado que viveríamos
naquela casa como um príncipe
e uma princesa, e que teríamos
o mesmo poder do Rei Midas,
mas um pouco mais
controlado. Não voltei a
acreditar em contos de fadas.
Como se tivesse acontecido no
dia anterior, recordei aquela
desagradável noite de verão,
fracamente iluminada pela
mística luz da lua cheia e
estrelas mágicas em um céu de
veludo, quando chegamos a
este lugar pela primeira vez,
com esperança de que somente
coisas boas nos aconteceriam, e
acabamos encontrando somente
o pior.
Naquela ocasião Chris e eu
éramos tão jovens, inocentes e
crentes que acreditamos em
nossa mãe, nos a amávamos,
nos deixamos guiar por ela, nós
e nossos irmão gêmeos de
apenas 5 anos, por uma noite
de certo modo horrível que
fazia naquela mansão chamada
Foxworth Hall. A partir
daquele dia, todos os nossos
dias seriam iluminados pelo
verde, símbolo da riqueza e
pelo amarelo da felicidade.
Que fé tão cega tínhamos
quando a seguíamos de perto.
Trancados naquela sombria e
triste casa no alto da escada,
brincando em um sótão escuro
e empoeirado, havíamos
mantido a confiança nas
promessas de nossa mãe de que
um dia possuiríamos Foxworth
Hall e todas suas fabulosas
riquezas.
Apesar de suas promessas, um
velho avô, cruel e desumano,
com um perverso, mas doente
coração, que se recusava a
parar de bater para que quatro
jovens corações, cheios de
esperanças, pudessem viver, de
modo que esperávamos e
esperávamos o dia em que ele
morreria, até que se passaram
mais de 3 longos anos sem que
mamãe cumprisse sua
promessa.
Promessa que só foi cumprida
no dia em que ela morreu - e se
fez sua ultima vontade –
quando Foxworth Hall ficou
sob nosso controle. Ela deixou
a mansão a Bart, seu neto
favorito, e meu filho e de seu
próprio segundo marido, mas
até que Bart completasse 25
anos, as propriedades estavam
sob custodia de Chris.
A reconstrução da mansão foi
começada antes que ela fosse
até a Califórnia para morar ao
lado de nossa casa, mas depois
de sua morte os últimos
retoques da nova Foxworth
Hall foram deixados de lado.
Durante 15 anos, a casa
permaneceu vazia, cuidada por
guardas e administrada
legalmente por vários
advogados que sempre ligavam
ou escreviam a Chris para
discutir com eles os problemas
que iam surgindo.
A mansão aguardava, ansiosa
talvez, pelo dia em que Bart
decidisse viver ali, como
suponhamos que um dia ele
faria. E agora ele nos cedia ela
por um curto espaço de tempo
para que fosse nossa até que ele
chegasse e tomasse posse de
tudo.
Sempre existe uma armadilha
em cada (ganga) oferecida,
sussurrava minha mente.
E sentia o chamariz que nos
oferecia para termos um laço
de novo. Havíamos Chris e eu
percorrido um caminho tão
longo com o único fim de
completar a volta do circulo,
regressando ao principio?
Qual seria desta vez a
armadilha?
Não, não repetia a mim mesma
uma e outra vez, minha
natureza receosa, sempre
insegura, estava me
dominando. Teríamos o ouro
sem felpa!! Algum dia afinal
tínhamos que receber nossa
recompensa. A noite havia
terminado: nosso dia havia
chegado finalmente, e agora
estávamos de pé, com a luz dos
sonhos que havíamos realizado.
Estarmos aqui, planejando
viver nessa casa,
repentinamente causou-me uma
amargura familiar a minha
boca. Todo o prazer
desapareceu. Estava vivendo
um pesadelo que não
desapareceria quando abrisse
meus olhos. Afastei tal
sentimento e sorri para Chris,
apertando-lhe os dedos.
Contemplei a reconstruída
Foxworth Hall, que se
levantava onde houvera cinzas
da antiga mansão, para
enfrentarnos e confurdirnos de
novo com sua majestuosidade,
seu formidável tamanho, sua
sensação de abrigar o mar e
suas numerosas janelas negras
com pálpebras pesadas sobre
olhos furiosos. Levantava-se
imponente e ampla,
estendendo-se por várias
centenas de metros quadrados
em uma grandeza tão
magnífica que intimidava.
Era maior que muitos hotéis,
construída de forma gigantesca,
com uma enorme sessão central
de onde partiam alas que se
projetavam em direção norte e
sul, leste e oeste.
Estava construída com tijolos
rosados. As numerosas janelas
negras faziam jogo com o
telhado de ardósia. Quatro
colunas coríntias de cor branca
sustentavam o gracioso pórtico
da fachada. Sobre a porta
principal se percebia uma
espécie de fogos de artifício
produzido pelos cristais.
Pranchas enormes de metal
com o escudo de armas
adornavam as portas e
convertiam aquilo que poderia
ser sinistro em algo elegante e
menos sombrio
Isso deveria ter me animado, se
o sol não tivesse se ocultado
atrás de uma nuvem escura que
fora empurrada pelo vento.
Olhei para o céu que agora
estava tempestuoso e cheio de
presságios ruins, anunciando a
chuva e o vento. As arvores do
bosque que circundava a
mansão começaram a balançar
de tal maneira que os pássaros
levantaram vôo alarmados,
fazendo muito barulho
enquanto procuravam abrigo.
Os prados verdes, conservados
sem mácula, em seguida
ficaram talheres de ramitas
roda e folhas quedas, e as
flores, abertas em seus quadros
dispostos de maneira
geométrica, eram fustigados
sem piedade contra o chão.
Tremi e pensei: «me diga outra
vez, Christopher querido, que
tudo sairá bem. Diga-me isso
outra vez, porque agora que o
sol se foi e a tormenta se
aproxima, já não posso
acreditá-lo.»
Ele olhou também para cima,
pressentindo minha crescente
ansiedade, meu pouco desejo
de seguir adiante, apesar da
promessa formulada ao Bart,
meu segundo filho. Fazia sete
anos que os psiquiatras nos
haviam dito que seu tratamento
estava tendo êxito e que Bart
era normal por completo e
podia viver sua vida entre a
sociedade sem necessidade de
nenhuma terapia.
Com a intenção de me animar,
o braço do Chris se elevou para
me rodear os ombros, e seus
lábios roçaram minha
bochecha.
-Acabará por dar um bom
resultado para todos nós. Sei
que será assim. Já não haverá
bonecas do Dresde apanhadas
na habitação do apartamento de
cobertura, pendentes de que os
majores façam o correto. Agora
nós somos os adultos,
controlamos nossas vidas. Até
que Bart alcance a idade fixada
para receber sua herança, você
e eu somos os amos; o doutor
Christopher Sheffield e sua
esposa, do Manin County,
Califórnia. Ninguém nos
conhecerá como irmão e irmã.
Não suspeitarão que somos
legítimos descendentes dos
Foxworth. Deixamos detrás de
nós todos nossos problemas.
Cathy, esta é nossa
oportunidade. Aqui, nesta casa,
podemos reparar todo o dano
que nos causaram e a nossos
filhos, em especial ao Bart.
Não governaremos com
vontade de aço e punho de
ferro, ao estilo do Malcolm, a
não ser com amor, compaixão e
inteligência.
Chris me rodeava com seu
braço, me estreitando contra
seu flanco, e isso me fez reunir
as forças suficientes para
contemplar a casa sob uma
nova luz. Era formosa. Pelo
bem do Bart, ficaríamos até
que cumprisse os vinte e cinco
anos e, passado esse dia, Chris
e eu partiríamos,
acompanhados pela Cindy para
o Hawai, onde sempre
tínhamos querido passar nossa
vida, perto do mar e as brancas
praias. Sim, assim devia
ocorrer. Sorridente, voltei-me
para o Chris:
-Tem razão. Não tenho medo
desta casa nem de nenhuma
outra.
Ele riu brandamente e baixou
seu braço até minha cintura, me
apressando para que avançasse.
Pouco depois de ter finalizado
seus estudos no instituto, meu
filho maior, Jory, transladou-se
a Nova Iorque para reunir-se
com sua avó, madame Marisha,
em cuja companhia de balé se
integrou. Logo foi mencionado
pelos críticos em seus artigos e
conseguia papéis principais.
Sua apaixonada pela infância,
Melodie, tinha escapado ao
este para reunir-se com ele.
À idade de vinte anos meu Jory
se casou com o Melodie, um
ano mais jovem que ele. juntos
tinham lutado e trabalhado para
alcançar o topo. Formavam o
casal de dança mais notável do
país, com uma coordenação
bela e perfeita, como se um
pudesse penetrar na memore do
outro com um brilho do olhar.
Durante cinco anos tinham
permanecido na crista do êxito.
Cada representação provocava
elogiosos comentários de
crítica e público. Seus
programas de televisão lhes
proporcionaram uma audiência
maior da que jamais tivessem
obtido somente com atuações
em teatros.
Madame Marisha havia
falecido enquanto dormia fazia
dois anos, embora nos
consolávamos sabendo que
tinha vivido oitenta e sete anos
e tinha trabalhado até o mesmo
dia de sua morte.
Por volta dos dezessete anos,
meu segundo filho, Bart,
transformou-se quase
magicamente, deixando de ser
um estudante torpe para
converter-se no mais brilhante
de sua escola. Nessa época Jory
se estabeleceu em Nova Iorque.
Naquele momento pensei que a
ausência do Jory tinha
provocado que Bart saísse de
sua carapaça e que mostrasse
interesse por aprender. Dois
dias antes se graduou na
Faculdade de Direito do
Harvard, e ele foi o aluno que
pronunciou o discurso de
despedida de fim de carreira.
Chris e eu nos tínhamos
reunido com o Melodie e Jory
em Boston, e no enorme
paraninfo da Faculdade de
Direito do Harvard tínhamos
presenciado como Bart recebia
seu diploma de graduação.
Cindy, nossa filha adotiva, não
nos acompanhava, pois se
encontrava então na Carolina
do Sul, na casa de seu melhor
amiga. Tinha-me causado uma
nova dor saber que Bart seguia
sentindo ciúmes de uma garota
que tinha feito todo o possível
por obter sua aprovação,
especialmente quando ele não
tinha tratado absolutamente de
ganhar a dela. Outro desgosto
adicional para mim foi
comprovar que Cindy não se
liberou de sua antipatia por
volta do Bart durante o tempo
suficiente para assistir à
cerimônia.
-Não! -havia-me dito ela por
telefone-. Não me importa que
Bart me tenha enviado um
convite! Só o tem feito para
presumir. Pode pôr dez títulos
detrás de seu nome e eu
seguirei sem admirá-lo nem
simpatizar com ele. Não
poderia depois de quanto me
tem feito. Explica a jory e ao
Melodie o porquê, para não
ferir seus sentimentos, mas não
tem que dar explicações ao
Bart; ele já sabe.
Eu estava sentada entre o Chris
e jory, assombrada de que meu
filho, que em casa se mostrava
tão reticente, caprichoso e
pouco dado a comunicar-se
com outros, pudesse haver-se
elevado até o primeiro lugar de
sua classe e ser renomado
valedictorian. Suas serenas
palavras criaram um feitiço
contagioso. Olhei de esguelha
ao Chris, que, pletórico de
orgulho, devolveu-me o olhar
com uma piscada.
-Quem o tivesse adivinhado? É
formidável, Cathy. Não está
orgulhosa? Eu sim o estou.
Sim, sim, é obvio, orgulhava-
me ver o Bart lá encima.
Entretanto, sabia que o Bart do
podio não era o Bart que todos
conhecíamos em casa.
Possivelmente agora estava
são, era completamente
normal, como tinham
assegurado os médicos.
Não obstante, a meu modo de
ver, ainda existiam pequenos
indícios de que Bart não tinha
trocado de forma tão radical
como seus médicos pensavam.
justo antes de nos separar me
havia dito:
-Deve estar ali, mãe, quando eu
assuma minha independência.
-Nem sequer tinha mencionado
a probabilidade de que Chris
me acompanhasse-. Para mim,
o importante é que você esteja
ali.
Sempre tinha tido que esforçar-
se por pronunciar o nome do
Chris.
-Convidaremos ao Jory e a sua
esposa, e, é obvio, também a
Cindy. -Fez uma careta quando
nomeou à moça.
Eu não conseguia compreender
como podia haver alguém que
sentisse tal animosidade por
uma garota tão linda e doce
como nossa querida filha
adotiva. Me teria resultado
impossível amar mais a Cindy
embora tivesse sido carne de
minha carne, e sangue de meu
Christopher Doll. Em certo
modo, desde que a tínhamos
acolhido em nosso lar, quando
só tinha dois anos, tínhamo-la
considerado- nossa filha, quão
única verdadeiramente
podíamos declarar que
pertencia a ambos.
Cindy tinha dezesseis anos e
era muito mais sensual do que
eu tinha sido a sua idade. A
diferença se devia a que ela não
tinha sofrido tantas privações
como eu. Suas vitaminas as
tinha recebido do ar fresco e a
luz do sol, elementos que
tinham sido negados a quatro
meninos prisioneiros. Cindy
tinha desfrutado do melhor;
bons mantimentos, exercício...
Em troca, a nós só nos tinha
devotado o pior.
Chris perguntou se ficaríamos
fora todo o dia, esperando que
a copiosa chuva nos empapasse
antes de entrar. Atirava de mim
para dentro, me animando com
sua acalmada confiança.
Lentamente, enquanto os
trovões começavam a retumbar
aproximando-se com rapidez e
no céu carregado e escuro
ziguezagueava a eletricidade de
terríveis relâmpagos,
aproximamo-nos do grande
pórtico do Foxworth Hall.
Observei detalhes que antes me
tinham acontecido
inadvertidos. O chão do pórtico
estava talher por teselas de três
tonalidades distintas de
vermelho, que formavam um
mosaico em que se desenhava
um esplendoroso sol, que
conjuntaba com o sol do cristal
que aparecia na parte superior
das dobre portas principais.
Olhei aquelas resplandecentes
janelas e me alegrei. Não
estavam ali antes.
Possivelmente seria como
Chris havia predito.
-Deixa de procurar algo que
nos roube o prazer deste dia,
Catherine. Vejo-o em seu rosto,
em seus olhos. juro e dou
minha palavra de honra de que
abandonaremos esta casa e
partiremos para o Hawai logo
que Bart tenha celebrado sua
festa. Se uma vez ali se
aproximar um furacão e envia
uma onda gigante que barra
nosso lar, seguro que terá
ocorrido porque você terá
esperado que tal desgraça
aconteça.
Fez-me rir.
-Não se esqueça do vulcão
-disse sonriendo maliciosa-.
Poderia nos arrojar lava
ardente. -Ele riu e me deu uma
palmada brincalhona no
traseiro.
-Para! Por favor, por favor. Em
10 de agosto estaremos no
avião, mas te aposto a que
então se preocupará pelo Jory,
pelo Bart, e te perguntará que
estará fazendo nesta casa,
completamente sozinho.
Nesse momento recordei algo
que tinha esquecido. No
interior do Foxworth Hall nos
aguardava a surpresa que Bart
tinha prometido que
encontraríamos. Olhou-me de
forma estranha quando me
disse:
-Mãe, ficará pasmada quando
vir... -Fez uma pausa, sorriu, e
o notei inquieto-. viajei de
avião até ali todos os verões só
para comprovar como partiam
as obras e me assegurar de que
a casa não estava desatendida e
abandonada à deterioração e a
ruína. ditei ordens aos
decoradores de interiores para
que lhe dêem o aspecto exato
que estava acostumado a ter,
exceto em meu escritório.
Quero que seja muito moderna,
com todo o conforto eletrônico
que eu necessitarei. Mas se
quer pode modificar algumas
costure para fazê-la mais
agradável.
Agradável? Como podia
resultar agradável uma casa
como essa? Sabia o que se
sentia ao estar encerrada
dentro, engolida, apanhada
para sempre. Estremeci-me
para ouvir o ruído de meus
saltos altos junto ao som
apagado dos sapatos do Chris
enquanto nos aproximávamos
das portas negras com seus
brasões decorados com os
emblemas heráldicos.
Perguntei-me se Bart teria
procurado até encontrar, entre
os antepassados do Foxworth,
os títulos aristocráticos e os
brasões que ele desejava
desesperadamente e parecia
necessitar. Em cada uma das
negras portas tinha pesados
aldabones de cobre e, entre as
portas, um pequeno pulsador
quase invisível, que fazia soar
um timbre.
-Estou seguro de que esta casa
está cheia de aparelhos
modernos que sobressaltariam
aos genuínos habitantes dos
lares históricos da Virginia
-sussurrou Chris.
Sem dúvida, Chris tinha razão.
Bart estava apaixonado por
passado, mas ainda mais
encaprichado com o futuro.
Não havia engenho eletrônico
saído ao mercado que ele não
comprasse.
Chris tirou do bolso a chave da
porta que Bart lhe tinha
entregue no mesmo instante em
que tomamos o avião de
Boston. Chris me sorriu
quando introduziu a grande
chave de latão na fechadura.
antes de completar o giro, a
porta se abriu silenciosamente.
Assustada, retrocedi um passo.
Chris me empurrou de novo
para frente, enquanto falava
com cortesia ao velho que nos
convidou a entrar com um
gesto.
-Passem -disse com voz débil
mas rouca, ao tempo que nos
examinava de cima abaixo-.
Seu filho telefonou e me pediu
que lhes esperasse. Estou
contratado para ajudar..., por
assim dizê-lo.
Observei com atenção ao fraco
ancião que se inclinava de tal
modo que sua cabeça se
projetava de forma desajeitada,
e parecia que se achava
escalando uma montanha
incluso estando sobre uma
superfície plaina. Tinha o
cabelo descolorido, nem cinza
nem loiro. Seus olhos eram de
um aquoso azul pálido, as
bochechas esvaídas, os olhos
afundados, como se tivesse
padecido tremendos
sofrimentos durante muitos,
muitíssimos anos. Havia algo
nele que me resultava familiar.
Minhas pernas, como se de
repente fossem de Chumbo,
negavam-se a mover-se. O
feroz vento agitava a larga saia
de meu vestido branco do
verão, elevando-a-o suficiente
para mostrar meus quadris no
momento em que punha um pé
dentro do fastuoso vestíbulo do
Fênix chamado Foxworth Hall.
Chris permanecia muito perto
de mim. Soltou-me a mão para
rodear com o braço meus
ombros.
-Sou o doutor Christopher
Sheffield, e esta senhora é
minha esposa. -Apresentou-nos
com seu amável estilo-. Como
está você?
O enxuto ancião parecia
relutante a tender a mão para
estreitar a forte e moréia do
Chris. Em seus magros e
velhos lábios se desenhava uma
sonrisilla torcida, cínica, que
duplicava a malícia de uma
sobrancelha povoada.
-Encantado de lhe conhecer,
doutor Sheffield.
Eu era incapaz de apartar a
vista daquele velho curvado de
olhos azuis. Havia algo em seu
sorriso, seu cabelo fino com
grandes mechas chapeadas,
aqueles olhos com suas
surpreendentes pestanas
escuras... Papai!
pareceria-se com nosso pai se
tivesse vivido o tempo
suficiente para chegar a ser tão
velho como esse homem que
tínhamos diante de nós e
tivesse sofrido toda classe de
torturas conhecidos pela
humanidade. Recordava a meu
papaíto, meu adorável e bonito
pai -que tinha sido o gozo de
mim juventude. Como tinha
rogado voltar a lhe ver algum
dia.
A velha mão fibrosa foi
agarrada firmemente pelo
Chris, e foi então quando o
velho nos disse quem era ele.
-Sou seu velho tio perdido,
conforme se acreditava, nos
Alpes suíços, faz agora
cinqüenta e sete anos.
Joel FOXWORTH
Rapidamente Chris disse todas
as frases adequadas para
dissimular a impressão que,
sem dúvida, traslucieron nossos
rostos.
-assustou você a minha esposa
-explicou cortesmente-. Seu
nome de solteira era Foxworth,
e até agora ela tinha acreditado
que todos os membros de sua
família materna tinham
morrido.
Um leve sorriso de soslaio
flutuou como uma sombra na
cara de «tio Joel» antes de que
nela aparecesse o gesto piedoso
e benigno dos excelsamente
puros de coração.
-Compreendo -disse o ancião
com uma voz lhe sussurrem
que soava como um vento
ligeiro fazendo ranger de forma
desagradável as folhas mortas.
Nas profundidades cerúleas dos
lacrimosos olhos do Joel
aninhavam escuras sombras
sinistras. Sabia que Chris
consideraria que minha
imaginação estava trabalhando
outra vez mais do devido.
«Não há sombras, não há
sombras, não há sombras ... »,
tentava me convencer, salvo
aquelas que eu mesma me
criava.
Para afugentar as suspeitas que
despertava em mim esse velho
que declarava ser um dos dois
irmãos de minha mãe, observei
com atenção o vestíbulo que
tão freqüentemente se utilizou
como sala de baile. Ouvi como
o vento aumentava sua
intensidade à medida que os
trovões se aproximavam
indicando que a tempestade
estava quase em cima de nós.
OH! Lancei um suspiro por
aquele dia em que eu tinha
doze anos e contemplava a
chuva, desejando dançar
naquela mesma sala com o
homem que era o segundo
marido de minha mãe e que
mais tarde seria o pai de meu
segundo filho, Bart: um suspiro
pela jovem cheia de fé que fui
então, tão confiada em que o
mundo era um lugar belo e
bondoso.
O que me pareceu
impressionante quando era só
uma menina, não era nada em
comparação com quanto tinha
visto depois de que Chris e eu
tivéssemos viajado por toda a
Europa e visitado a Ásia e
Egito. Entretanto, o vestíbulo
me pareceu mais elegante e
grandioso do que me tinha
parecido quando eu tinha doze
anos.
Era uma pena que aquele
esplendor ainda me afligisse.
Olhei ao redor e senti temor a
meu pesar. Uma angústia
estranha se apoderava de meu
coração e fazia que palpitasse
com mais força e que meu
sangue corresse mais às pressas
e ardentemente. Contemplei as
três aranhas de cristal e ouro,
cada uma das quais media mais
de quarenta e cinco decímetros
de diâmetro e sustentava sete
fileiras de velas. Quantas filas
tinha havido antes? Cinco?
Três? Não podia recordá-lo.
Observei os grandes espelhos
do Marcos dourados, que
rodeavam o vestíbulo,
refletindo o delicioso
mobiliário Luis XIV onde
aqueles que não dançavam
podiam acomodar-se para
conversar.
Não tinha que ser assim! As
coisas passadas nunca são
como se recordam... por que
esse segundo Foxworth Hall
me intimidava ainda mais que
o original?
Então reparei em algo mais,
algo que não esperava ver.
Aquelas escadas dobre que
formavam curva, dispostas uma
à direita e outra à esquerda de
um vasto espaço de mármore
de quadros vermelhos e
brancos, não eram as mesmas
escadas, restauradas, mas as
mesmas? Não tinha
presenciado eu como o
incêndio tinha consumido
Foxworth Hall até deixá-lo
convertido em rescaldos
vermelhos e fumaça? As oito
chaminés tinham agüentado,
firmes, assim como as escadas
de mármore. Os corrimões de
desenho e o passamanes de
pau-rosa deveram queimar-se e
ser substituídos. Traguei para
desfazer o nó que me tinha
formado na garganta. Tivesse
desejado que a casa fosse nova,
totalmente nova, que nada
ficasse do velho.
Joel me observava atentamente,
demonstrando assim que minha
cara revelava mais que a do
Chris. Quando nossos olhares
se cruzaram, ele desviou
imediatamente a sua antes de
fazer um gesto para nos indicar
que lhe seguíssemos. O ancião
nos mostrou as formosas
habitações do primeiro piso
enquanto eu permanecia
aturdida, sem fala, e Chris
formulava todas as perguntas
necessárias antes de que nos
acomodássemos em um dos
salões da planta inferior e Joel
começasse a nos relatar sua
própria história.
Durante o percurso se deteve
na enorme cozinha para nos
preparar um lanche como
lanche. Rechaçou a ajuda do
Chris e nos serve uma bandeja
com chá e uns deliciosos
sanduíches. Chris estava
faminto e em poucos minutos
tinha despachado seis
sanduíches e se dispunha a
agarrar outro quando Joel lhe
serve uma segunda taça de chá.
Em troca eu tinha pouco
apetite, o que era de esperar.
Limitei-me a comer um pouco
e a sorver um pouco de chá,
que estava muito quente e era
muito forte, ansiosa por ouvir a
história que Joel ia contar nos.
Sua voz era débil, com aqueles
ásperos tons baixos que faziam
acreditar que estava resfriado e
lhe resultava difícil falar.
Entretanto, esqueci em seguida
o tom desagradável de sua voz
quando procedeu a explicar o
que eu sempre tinha querido
saber sobre nossos avós e a
infância de nossa mãe. Não
demorou para fazer-se evidente
que tinha odiado muito a seu
pai, e então comecei a sentir
certa simpatia para ele.
-dirigia-se você a seu pai por
seu nome de pilha? -Foi a
primeira pergunta que expus
desde que ele iniciou sua
narração, e minha voz soou
como um sussurro assustado,
como se o próprio Malcolm
pudesse estar espreitando,
escutando desde algum lugar
próximo.
Seus lábios magros se
moveram para torcer-se em um
grotesco sorriso zombador.
-Naturalmente. Meu irmão
Mau era quatro anos maior que
eu, e sempre referíamos a
nosso pai por seu nome,
embora nunca em sua presença;
não tínhamos tanto coragem.
Não podíamos lhe chamar
«pai» porque não era um pai de
verdade. lhe chamar «papai»
parecia ridículo porque tivesse
indicado uma relação afetuosa,
que nem tínhamos nem
desejávamos. Quando
devíamos nos dirigir a ele,
chamávamo-lhe «pai», embora
em realidade procurávamos
não ser vistos nem ouvidos por
ele. Desaparecíamos quando se
achava aqui. Além de um
despacho na casa, tinha um
escritório na Cidade, da que
dirigia a maioria de seus
negócios. Sempre estava
trabalhando, sentado detrás de
uma pesada mesa de escritório
que supunha uma espécie de
barreira para nós. Inclusive
quando se encontrava em casa,
as arrumava para mostrar-se
distante, intocável. Nunca
estava ocioso, mas sim
ocupava seu tempo efetuando
chamadas telefônicas desde seu
escritório para que nós não
pudéssemos escutar seus
transações.
»Falava pouco com nossa mãe,
mas a ela não parecia lhe
importar. Em estranhas
ocasiões lhe vimos sustentar a
nossa hermanita, bebê ainda,
em seu regaço. Quando assim
ocorria, escondíamo-nos e o
observávamos com estranhos
desejos em nossos peitos.
Depois falávamos disso, nos
perguntando por que sentíamos
ciúmes do Corine, posto que
ela era freqüentemente
castigada com a mesma
severidade que nós. Sin-
embargo nosso pai se mostrava
pesaroso quando a castigava a
ela. Para compensar alguma
humilhação, alguma surra, ou
havê-la encerrado no
apartamento de cobertura, um
de seus modos favoritos de nos
castigar, acostumava dar de
presente ao Corine uma custosa
peça de joalheria, uma boneca
ou um brinquedo caro. Ela
desfrutava de quanto uma
menina pudesse desejar, mas se
obrava mal lhe tirava o que ela
mais apreciava e o doava à
igreja de que era protetor.
Corine chorava e procurava
conquistar de novo seu afeto,
mas ele podia voltar-se contra
ela com a mesma facilidade
com que se inclinava em seu
favor.
»Quando Mal e eu tentávamos
conseguir algum obséquio de
consolação, ele nos voltava as
costas e nos dizia que nos
levássemos como homens e
não como meninos. Nós dois
acreditávamos que sua mãe
sabia muito bem como enrolar
a nosso pai para obter dele o
que desejava. Em troca nós
fomos incapazes de atuar com
doçura, de lhe persuadir.
Podia imaginar a minha mãe de
menina, correndo por essa
formosa mas sinistra casa,
crescendo entre coisas luxuosas
e caras. Por essa razão quando
mais tarde se casou com papai,
que ganhava um salário
modesto, ela seguia sem
preocupar-se com o que
gastava.
Eu continuava sentada ali,
escutando assombrada as
palavras do Joel.
-Corine e nossa mãe não
simpatizavam. À medida que
meu irmão e eu crescemos,
constatamos que nossa mãe
invejava a beleza de sua
própria filha, e seus muitos
encantos, que lhe permitiriam
converter a qualquer homem
em seu brinquedo. Corine era
excepcionalmente formosa.
Inclusive nós, seus irmãos,
percebíamos o poder que ela
chegaria a alcançar algum dia.
-Joel colocou as mãos abertas
sobre suas pernas. Suas mãos
eram nodosas, mas de algum
jeito conservavam certo resto
de elegância, possivelmente
porque as movia com graça ou
talvez porque eram pálidas-.
Observem toda esta
grandiosidade e beleza e
imaginem uma família cujos
membros, atormentados,
lutavam por liberar-se das
cadeias com que Malcolm nos
amarrava. Inclusive nossa mãe,
que tinha herdado uma fortuna
de seus próprios pais, estava
sujeita a um estrito controle.
»Mau escapou do negócio
bancário, que detestava e no
que Malcolm lhe tinha forçado
a participar, e lançando-se em
sua moto para as montanhas,
para ficar ali em uma cabana de
troncos que ambos tínhamos
construído. Convidávamos a
nossas amigas e fazíamos todo
aquilo que sabíamos que nosso
pai desaprovaria, desafiando,
deliberadamente, sua absoluta
autoridade.
»Um terrível dia do verão, Mal
se despenhou por um
precipício; tiveram que extrair
seu corpo do terreno baixo.
Tinha então vinte e um anos, e
eu, dezessete. Nesse momento
me senti meio morto, vazio e
só sem meu irmão. Meu pai se
dirigiu para mim depois do
funeral de Mal para me
anunciar que deveria ocupar o
posto de meu irmão maior e
trabalhar em um de seus
bancos para aprender o
necessário sobre o mundo
financeiro. Tivesse podido
muito bem me ordenar que me
cortasse as mãos e os pés.
Aquela mesma noite fugi de
casa.
Em torno de nós, a enorme
casa parecia aguardar
silenciosa, muito silenciosa.
Também a tempestade parecia
conter a respiração, embora,
conforme contemplei através
da janela, o pesado céu cinza
aparecia cada vez mais denso e
fechado. Movi-me
ligeiramente, me aproximando
mais ao Chris no elegante sofá.
Frente a nós, em uma poltrona
de respaldo alto, Joel
permanecia sentado, calado,
como se estivesse apanhado em
suas melancólicas lembranças e
Chris e eu tivéssemos deixado
de existir para ele.
-Onde foi você? -perguntou
Chris, deixando sua taça de chá
e acomodando-se antes de
cruzar as pernas. Sua mão.
procurou a minha-. Deveu ser
difícil para um moço de
dezessete anos sentir-se só e
livre...
Joel voltou bruscamente para a
realidade e parecia assombrado
por achar-se de novo na odiada
casa de sua infância.
-Não resultou fácil. Não sabia
fazer nada prático, mas tinha
muito talento para a música.
Arrolei-me em um vapor de
carga e trabalhei como
marinheiro para me pagar a
viagem a França. Pela primeira
vez em minha vida, tive
calosidades nas mãos. Uma vez
na França, encontrei trabalho
em um local noturno onde
ganhava uns francos à semana.
Não demorei para me cansar
das largas horas perdidas ali e
parti a Suíça, com a intenção
de ver mundo e nunca retornar
a casa. Encontrei outro trabalho
como músico de um local
noturno em um pequeno hotel
suíço perto da fronteira italiana
e logo uni aos grupos de
esquiadores alpinos. Passava a
maior parte de meu tempo livre
esquiando, e durante o verão,
fazendo excursões ou
passeando em bicicleta. Um
dia, uns bons amigos me
pediram que lhes
acompanhasse em uma
aventura um pouco arriscada
que consistia em esquiar
montanha abaixo de um pico
muito elevado. Teria então uns
dezenove anos.
»Durante o trajeto perdi o
controle e caí de cabeça em
uma profunda greta de gelo.
Como os outros quatro partiam
diante de mim rendo e
gritando-os uns aos outros, não
se deram conta disso. Rompi-
me a perna na queda. Estive ali
tendido durante um dia e meio,
quase inconsciente, até que
duas monges que viajavam de
burro ouviram meus débeis
gritos de ajuda. Conseguiram
me tirar dali, embora eu não o
recordo bem, pois estava
exânime pela fome e
enlouquecida pela dor. Quando
recuperei o sentido, achava-me
em seu monastério, e uns rostos
bondosos me sorriam. O
convento se encontrava na
parte italiana dos Alpes, e eu
não sabia nenhuma palavra de
italiano. Ensinaram-me latim
enquanto minha perna rota se
curava, e depois aproveitei meu
limitado talento artístico para
pintar murais e decorar
manuscritos com ilustrações
religiosas. Às vezes tocava o
órgão. Quando a perna teve
sanado e pude caminhar,
descobri que me agradava
aquela vida tranqüila, as tarefas
artísticas que me
encarregavam, a música que
tocava à saída e o pôr-do-sol, a
silenciosa rotina dos
sossegados dias de rezas,
trabalho e abnegação. Fiquei e,
com o tempo, converti-me em
um deles. Naquele monastério,
no alto das montanhas,
encontrei ao fim a paz.
Sua história tinha terminado.
Continuou sentado, olhando ao
Chris. Logo dirigiu seus olhos
pálidos, mas ardentes, para
mim. Sobressaltada por seu
olhar penetrante, tentei não
tremer para não manifestar a
repugnância que aquele homem
me inspirava. Ele eu não
gostava, embora se parecesse
um pouco ao pai a quem tanto
tinha amado. De fato não tinha
nenhum motivo para sentir
aversão para o Joel. Suspeitei
que aquele sentimento o
provocavam minha própria
ansiedade e o temor de que
estivesse a par de que Chris era
realmente meu irmão e não
meu marido. O tinha contado
Bart? Teria advertido o
parecido do Chris com os
Foxworth? Não podia sabê-lo.
Joel me sorria, desdobrando
seu caduco encanto para me
conquistar. Era o bastante
sensato para intuir que não era
ao Chris a quem tinha que
convencer.
-por que retornou você?
-perguntou Chris.
De novo Joel se esforçou em
sorrir.
-Um dia, um jornalista
americano foi ao monastério
para escrever uma história a
respeito do que representava
ser monge no mundo moderno
de hoje. Posto que eu era o
único que falava inglês ali,
estava acostumado a atuar
como representante de outros.
Perguntei casualmente a aquele
homem se tinha ouvido falar
dos Foxworth da Virginia. É
obvio, assim era, já que
Malcolm tinha acumulado uma
grande fortuna e
freqüentemente participava da
vida política. Foi então quando
me inteirei de sua morte e da
de minha mãe. Quando o
jornalista partiu, não podia
evitar pensar nesta casa e em
minha irmã. Os anos se fundem
com facilidade uns com outros
quando todos os dias são iguais
e não há calendários à vista.
portanto, decidi retornar e falar
com minha irmã para tratar de
conhecê-la melhor. O jornalista
não tinha mencionado se ela se
casou. Quando já levava quase
um ano no povo, agasalhado
em um motel, inteirei-me de
que a casa original se
incendiou uma noite de Natal,
que minha irmã tinha sido
internada em um manicômio e
que a tremenda fortuna dos
Foxworth lhe tinha sido legada.
Quando Bart se apresentou
aquele verão, soube o resto:
como morreu minha irmã,
como herdou ele...
Baixou os olhos com modéstia:
-Bart é um jovem notável; eu
desfruto com sua companhia.
antes de que ele viesse, estava
acostumado a passar boa parte
de meu tempo aqui acima,
conversando com o guardião,
quem me falou do Bart e suas
freqüentes visitas para dar
instruções aos construtores e os
decoradores, a quem tinha
expresso seu desejo de
conseguir que esta casa tivesse
um aspecto idêntico a anterior.
Propu-me estar presente
quando Bart acudisse a
próxima vez. Conhecemo-nos,
expliquei-lhe quem era eu, e
ele pareceu alegrar-se muito.
Essa é toda a história.
Realmente? Olhei-o com
dureza. Teria retornado
pensando obter uma parte da
fortuna que Malcolm tinha
deixado? ele poderia destruir a
vontade de minha mãe e ficar
com um bom pedaço para si?
Se assim era, perguntava-me
por que ao Bart não tinha
inquietado inteirar-se de que
Joel estava vivo.
Não traduzi meus pensamentos
com palavras, mas sim me
limitei a permanecer sentada,
enquanto Joel se sumia em um
comprido silencio taciturno.
Chris se levantou.
-foi um dia muito ocupado para
nós, Joel, e minha esposa está
muito cansada. você poderia
nos indicar que habitações
vamos ocupar para que
possamos nos refrescar e
descansar?
Joel ficou em pé imediatamente
desculpando-se por mostrar
uma hospitalidade tão pobre e
em seguida nos acompanhou
até a escada.
-eu adorarei ver de novo ao
Bart. Foi muito generoso ao me
oferecer alojamento nesta casa.
Entretanto, todas estas
habitações me recordam muito
a meus pais. Meu dormitório se
acha em cima da garagem,
perto das dependências dos
serventes.
justo naquele momento soou o
telefone. Joel me tendeu isso.
-É seu filho maior que chama
de Nova Iorque -disse com sua
voz fria e áspera-. Podem usar
o telefone do primeiro salão se
ambos querem falar com ele.
Chris se apressou a desprender
o auricular de outro telefone
enquanto eu saudava o Jory.
Sua voz feliz dissipou algo a
tristeza e a depressão que me
embargavam.
-Mamãe, papai, consegui
cancelar alguns pequenos
compromissos, e Mel e eu
estamos livres para viajar até aí
em avião e estar com vós. Os
dois estamos cansados e
necessitamos umas férias.
Além disso, nós gostaríamos de
jogar uma olhada a essa casa de
que tanto ouvimos falar. É
realmente como a original?
OH, sim, muito.
Eu transbordava de alegria
porque Jory e Melodie se
reuniriam conosco. Quando
Cindy e Bart chegassem,
voltaríamos a ser uma família,
vivendo sob o mesmo teto, algo
que eu não tinha conhecido
desde fazia muito tempo.
-Não, naturalmente que não me
importa renunciar à cena
durante uma temporada
-assegurou com tom desenvolto
respondendo a minha
pergunta-. Estou cansado.
Inclusive noto meus ossos
debilitados pela fadiga. A
ambos convém um bom
descanso ... e temos notícias
para vós.
Não disse nada mais.
Penduramos, e Chris e eu
sorríamos. Joel se tinha
retirado para nos deixar sós e
reaparecia de novo.
aproximava-se com passo
inseguro e vacilante a uma
mesa de estilo francês, sobre a
que havia um grande vaso de
mármore que continha um
buquê de flores seca, enquanto
falava do conjunto de
habitações que Bart tinha
planejado para meu uso.
Olhou-me primeiro e depois ao
Chris, antes de acrescentar:
-E para você também, doutor
Sheffield.
Joel voltou seus lacrimosos
olhos para estudar minha
expressão, encontrando ao
parecer algo nela que lhe
agradava.
Enlaçando meu braço com o do
Chris, encaminhei-me para a
escada que nos conduziria
acima, outra vez a aquele
segundo piso onde tudo tinha
começado; o maravilhoso e
pecaminoso amor que entre o
Chris e eu tinha nascido na
penumbra do poeirento e
ruinoso apartamento de
cobertura, um lugar escuro
cheio de móveis velhos e
trastes, com papel floreado na
parede e promessas rotas a
nossos pés.
LEMBRANÇAS
Quando nos achávamos em
metade da escada, detive-me
para olhar para baixo,
desejando ver algo que antes
tivesse escapado a minha
atenção. Inclusive durante a
narração do Joel e nosso frugal
lanche, eu não tinha deixado de
observar quanto tinha visto
com antecedência. Da
habitação onde tínhamos
estado, tinha podido olhar
facilmente para o vestíbulo,
decorado com os espelhos e o
elegante mobiliário francês
disposto ordenadamente em
pequenos grupos que tratavam,
em vão, de criar um ambiente
de intimidade. O chão de
mármore brilhava como o
cristal por causa dos muitos
polimentos. Senti o
entristecedor desejo de dançar,
dançar, e fazer piruetas até cair.
Chris se impacientava e atirava
de mim para cima, até que por
fim chegamos a grande
rotunda. De novo olhei para
baixo, para a sala de dance-
vestíbulo.
-Cathy, perdeste-te em suas
lembranças? -murmurou Chris,
ligeiramente contrariado-. Não
chegou já o momento de que
ambos esqueçamos o passado e
sigamos para frente? Vamos,
deve estar muito cansada.
As lembranças iam a minha
mente com rapidez e fúria;
Cory, Carrie, Bartholomew
Winslow. Pressentia-os a todos
ao redor, susurrantes,
susurrantes. Voltei a olhar ao
Joel, que nos havia dito que
não queria que lhe
chamássemos tio Joel. Aquele
distinto título estava reservado
para meus filhos.
Seu aspecto devia ser como o
que teve Malcolm, embora seus
olhos eram mais brandos,
menos penetrantes que aqueles
que nós tínhamos visto naquele
enorme retrato, tamanho
natural, do Malcolm na sala de
«troféus». Me disse que não
todos os olhos azuis eram
cruéis e desumanos. Em
realidade, eu devia saber o
melhor que ninguém.
Estudei abertamente o rosto
avejentado que tinha ante mim,
no qual ainda podiam apreciá-
los rasgos do jovem que tinha
sido. Seus finos cabelos
deveram ser loiros, e sua cara,
muito semelhante a de meu pai,
e a de seu filho. Ao pensar em
tal parecido, relaxei-me e me
obriguei a avançar um passo
para lhe abraçar.
-Bem vindo ao lar, Joel.
Seu velho corpo frágil me
resultou frio e quebradiço entre
meus braços. Notei sua
bochecha áspera quando meus
lábios depositaram um beijo
nela. encolheu-se e se separou
de mim como se se sentisse
poluído por meu contato;
possivelmente tinha medo das
mulheres. Apartei-me com
brutalidade, lamentando então
ter tentado me mostrar cálida e
amistosa. O contato corporal
estava proibido aos Foxworth a
menos que existisse um
certificado de primeiro
matrimônio. Senti-me alterada
e meu olhar procurou a do
Chris. «Tranqüila -disseram-
me seus OLHOS-, tudo sairá
bem.»
-Minha esposa está muito
cansada -recordou com
suavidade Chris-. tivemos um
programa muito apertado, com
a graduação de nosso filho
menor, as festas e a viagem.
Joel rompeu o prolongado e
tenso silêncio que mantinha a
todos de pé na rotunda a meia
luz, e mencionou que Bart
tinha previsto contratar
serventes. De fato já tinha
telefonado a uma agência de
emprego e anunciado que nós
entrevistaríamos a algumas
pessoas em seu nome. Seu
murmúrio era tão inaudível que
logo que entendi o que disse;
sobre tudo, porque minha
mente estava muito ocupada
com especulações enquanto
olhava fixamente para a asa
norte, para aquela habitação
isolada do fundo onde
tínhamos sido encerrados.
Estaria ainda igual? Teria
ordenado Bart que se
colocassem ali duas camas
dobre, entre o amontoado de
móveis escuros e antigos?
Esperava e rogava que não
fosse assim.
de repente Joel pronunciou
umas palavras para as que não
estava preparada.
-Parece-te com sua mãe,
Catherine.
Olhei-o fixamente, com o rosto
inexpressivo, ressentida pelo
que ele possivelmente
considerava um completo.
Permaneceu imóvel, como se
aguardasse uma ordem
silenciosa, nos olhando a mim
e ao Chris antes de dá-la volta
para nos conduzir até nossa
habitação. O sol, que tinha
brilhado de modo
resplandecente quando
chegamos era já uma
lembrança remota, ao começar
a chuva a cair copiosamente
sobre o telhado de piçarra com
uma força dura e firme
semelhante a das balas. Os
trovões rugiam e estalavam
sobre nossas cabeças, e os
relâmpagos rasgavam o céu,
crepitando cada poucos
segundos. Cobri-me nos braços
do Chris, estremecida ante o
que me parecia a ira de Deus.
Depois dos cristais das janelas
os hilillos de água caíam do
canelone do telhado formando
regueros que logo alagariam os
jardins e arrasariam quanto
estava vivo e era formoso.
Suspirei e me senti miserável
por ter retornado ao lugar que
me fazia sentir de novo jovem
e tremendamente vulnerável.
-Sim, sim -murmurou Joel-,
igual a Corine. -Seus olhos me
examinaram com atenção uma
vez mais, e depois baixou a
cabeça com tal lentidão que
puderam ter transcorrido cinco
minutos, ou acaso cinco
segundos.
Possivelmente os monges
ficam freqüentemente em pé
com as cabeças inclinadas,
rezando, sumidos em uma
adoração silenciosa; talvez isso
era o que aquilo significava. Eu
não sabia nada absolutamente
sobre monastérios e a classe de
vida que os monges levavam.
-Temos que desfazer a
bagagem -disse Chris, mais
enérgico-. Minha esposa está
esgotada. Necessita um banho
e uma sesta, já que as viagens
sempre fazem que se sinta
cansada e suja. -Perguntei-me
por que se incomodava em dar
explicações.
Com passo lento, arrastando os
pés, Joel nos conduziu
finalmente pelo comprido
corredor. Girou e, para minha
consternação e angústia,
encaminhou-se para a asa sul
onde se achavam as suntuosas
habitações que antigamente
tinha ocupado nossa mãe. Em
outro tempo, eu tinha desejado
ansiosamente dormir em sua
gloriosa cama de cisne, me
sentar a seu penteadeira
comprido, me inundar em sua
banheira de mármore negro,
embutida no chão e rodeada de
espelhos.
Joel se parou ante a dobro
porta, sobre os dois degraus
largos, atapetados, curvados
para fora formando meias luas.
Esboçou um sorriso estranho.
-A asa de sua mãe -disse.
Detive-me diante daquela porta
que tão bem recordava. Senti-
me transtornada e olhei com
desespero ao Chris. A chuva se
acalmou até converter-se em
um persistente tamborilo
staccato. Joel abriu um batente
da porta e entrou no
dormitório. Chris aproveitou a
oportunidade para me
sussurrar:
-Para ele somos só marido e
mulher, Cathy..., é tudo o que
sabe.
Com lágrimas nos olhos, entrei
naquela habitação, onde, para
minha surpresa, encontrei o
que supunha se queimou no
incêndio: a cama! Ali se
achava a cama em forma de
cisne, cujos cortinados de
fantasia rosa eram
graciosamente sustentados
pelos extremos das plumas das
asas, transformadas em dedos.
A curvatura do pescoço e o
olho de rubi vigilante e
sonolento que custodiava aos
ocupantes da cama, eram
idênticos aos que tinha o cisne
que eu recordava.
Contemplei-a sem dar crédito a
meus olhos. Dormir naquela
cama? me deitar na cama onde
minha mãe tinha jazido nos
braços do Bartholomew
Winslow, seu segundo marido,
homem que eu lhe tinha
roubado e que era o pai de meu
filho Bart? Aquele homem
ainda aparecia em meus
pesadelos e me enchia de
remorsos. Não! Não poderia
dormir naquela cama! jamais!
No passado tinha ansiado me
deitar nesse mesmo leito com o
Bartholomew Winslow. Que
jovem e estúpida fui então ao
acreditar que o material
proporcionava realmente a
felicidade, e que se ele fosse só
meu já nada mais desejaria na
vida.
-Não é uma maravilha essa
cama? -perguntou Joel detrás
de mim-. Bart se encarregou
pessoalmente de encontrar
artesãos que esculpissem a
cabeceira de forma de cisne.
Conforme me comentou,
olhavam-no como se de um
louco se tratasse. Mas contatou
com alguns homens velhos que
estiveram encantados de poder
construir algo que
consideraram criativo e
economicamente rentável. Ao
parecer, Bart dispunha de
descrições que detalhavam que
o cisne devia- de ter a cabeça
volta, um olho sonolento com
um rubi e plumas em forma de
dedos para sustentar os
cortinados transparentes da
cama. OH!, que alvoroço
armou quando não o fizeram
bem a primeira vez. Depois
quis que houvesse um pequeno
cisne aos pés da cama; para ti,
Catherine, para ti.
Chris falou com voz severo.
-Joel, o que te contou
realmente Bart?
colocou-se a meu lado e me
rodeou os ombros com seu
braço, me protegendo do Joel,
de tudo. junto a ele, eu teria
vivido em uma choça com teto
de palha, em uma loja de
campanha ou em uma cova. Ele
me dava vigor.
O velho esboçou um sorriso
débil e sarcástico ao dar-se
conta da atitude protetora do
Chris.
-Bart me explicou toda a
história de sua família. Sempre
necessitou a um homem mais
velho que ele com quem falar.
Fez uma pausa significativa,
dirigindo um olhar ao Chris,
que não podia deixar de aceitar
a insinuação. Embora se
esforçava por dominar-se, vi-o
franzir ligeiramente o
sobrecenho. Joel parecia sentir
complacência em continuar.
-Bart me contou como sua mãe
e os irmãos dela foram
encerrados sob chave durante
mais de três anos, até que esta
fugiu com sua irmã, Carrie,
quão gêmea ficava viva, a
Carolina do Sul. Também me
disse que você, Catherine,
demorou anos em encontrar o
marido adequado que melhor
se acomodasse a suas
necessidades. Por isso agora
está casada com o... doutor
Christopher Sheffield.
Suas palavras continham tantas
alusões veladas que bastaram
para me fazer estremecer com
um frio súbito.
Joel saiu por fim da habitação e
fechou a porta com suavidade.
Então Chris pôde me
proporcionar a segurança que
eu necessitava se tinha que
permanecer nesse dormitório,
embora só fosse uma noite.
Beijou-me, abraçou-me,
acariciou-me as costas e o
cabelo; tranqüilizou-me até que
fui capaz de contemplar o
conjunto de habitações às que
Bart se empenhou em dotar do
luxo que antes tinham tido.
-trata-se só de uma cama, uma
reprodução da original -disse
Chris brandamente, com olhos
quentes e pormenorizados-.
Nossa mãe não se deitou nesta
cama, meu carinho. Recorda
que Bart leu seus escritos.
Tudo está disposto assim
porque você construiu o
modelo para que ele o seguisse.
Descreveu essa cama te
recreando de tal modo nos
detalhes que ele certamente
acreditou que desejava que
suas habitações fossem como
as que estava acostumado a ter
nossa mãe. Possivelmente
segue desejando-o
inconscientemente, e Bart sabe.
nos perdoe aos dois pelo
engano, se acaso me equivocar.
Deve pensar que sua única
intenção foi te agradar
decorando esta habitação tal e
como estava antes, e que para
isso gastou muito dinheiro.
Aturdida, negava que alguma
vez tivesse desejado o que ela
tinha, mas não me acreditou.
-Seus desejos, Catherine!
Desejava ter quanto ela
possuía! Sei, seus filhos
também. portanto, não nos
culpe por ser capazes de
interpretar seus desejos,
embora você os dissimule com
subterfúgios inteligentes.
Tivesse querido lhe odiar por
me conhecer tão bem.
Entretanto, rodeei-lhe com
meus braços e apertei a cara
contra o peitilho de sua camisa,
tremendo e tratando de ocultar
a verdade, inclusive a mim
mesma.
-Chris, não seja duro comigo
-solucei-. Surpreendeu-me
tanto ver que estas habitações
tinham quase o mesmo aspecto
que quando nós entrávamos
para roubar... e seu marido...
Chris me abraçou com força.
-O que te parece Joel?
-perguntei.
Refletiu antes de responder:
-Eu gosto, Cathy. Parece
sincero e sem dúvida agradece
que estejamos dispostos a
permitir que fique aqui.
-Há-lhe dito que podia ficar?
-murmurei.
-Claro, por que não? Nos
partiremos logo que Bart faça
vinte e cinco anos, quando se
independice. Além disso, pensa
na maravilhosa oportunidade
que nos brinda de saber mais
sobre os Foxworth. Joel pode
nos explicar detalhes que
rememoramos a respeito da
juventude de nossa mãe e a
vida da família naquela época.
Possivelmente quando
conhecermos todos os dados
compreenderão o que incitou a
ela a nos trair e por que o avô
nos desejava a morte. Tenho a
impressão de que no passado se
oculta uma horrível verdade
que torturou o cérebro do
Malcolm de tal forma que lhe
impulsionou a dominar os
instintos naturais de nossa mãe
de manter com vida a seus
próprios filhos.
Em minha opinião, Joel já
havia dito o suficiente abaixo.
Eu não queria me inteirar de
nada mais. Malcolm Foxworth
tinha sido um desses estranhos
seres humanos sem consciência
e incapazes de sentir remorsos
por qualquer malote ação
cometida. Não havia
justificação para ele nem
possibilidade de entendê-lo.
Em atitude suplicante, Chris
me olhou fixamente aos olhos
expondo seu coração e sua
alma às injúrias de meu
desprezo.
-Eu gostaria de saber algo mais
sobre a juventude de nossa
mãe, Cathy, para compreender
o que lhe levou a ser como era.
Feriu-nos tão profundamente
que considero que nenhum de
nós se recuperará até que
consigamos entender a razão.
Eu a perdoei, mas não consigo
esquecer. Desejo conhecer as
causas para poder te ajudar a
perdoá-la...
-Servirá isso de algo?
-perguntei com sarcasmo-. Já é
muito tarde para compreender
ou perdoar a nossa mãe, e, para
ser sincera, não desejo
encontrar a compreensão, pois,
se a encontro, possivelmente
não fique mais remedeio que
perdoá-la.
Chris deixou cair os braços aos
lados do corpo. deu-se a volta e
se afastou de mim a grandes
pernadas.
-vou procurar nossa bagagem.
Toma um banho enquanto isso.
Quando tiver terminado eu já
teria desempacotado tudo.
-deteve-se na soleira, sem
voltar-se para me olhar-. Tenta
com todas suas forças,
aproveitar a situação para te
reconciliar com o Bart. Não se
perdeu toda esperança de
recuperação, Cathy. Já o ouviu
na cerimônia de graduação.
Esse moço tem uma habilidade
notável para a oratória.
Pronunciou um discurso
inteligente. Agora é um líder,
Cathy, quando antes não era
mais que um ser tímido e
introvertido. Devemos
considerar uma bênção que ao
fim Bart tenha saído de sua
concha.
Baixei a cabeça com
humildade.
-Sim, farei o que possa. me
perdoe, Chris, por me mostrar
tão teimosa uma vez mais.
Chris sorriu e partiu. No
banheiro dela», contigüo a um
magnífico vestidor, despi-me
com lentidão enquanto se
enchia a banheira de mármore
negro que se encontrava a ras
do chão. Rodeavam-me
espelhos com o Marcos
dourados que refletiam minha
nudez. Estava orgulhosa de
minha figura, ainda esbelta e
firme, e de meus peitos que não
penduravam fláccidos.
Despojada da roupa, elevei os
braços para me tirar as poucas
forquilhas que ficavam em
meus cabelos. Imaginei a
minha mãe como deveu estar
aí, de pé, fazendo o mesmo que
eu enquanto pensava em seu
segundo marido, mais jovem
que ela. teria se perguntado
alguma vez onde se achava ele
as noites que passava comigo?
Teria sabido ela quem era a
amante do Bart antes de que eu
o revelasse na festa de Natal?
Confiava em que assim fosse.
Duas horas depois de um jantar
nada notável, contemplava
tombada na cama que tinha
alimentado meus sonhos como
se despia Chris. Fiel a sua
palavra, tinha desfeito a
bagagem, pendurado nossos
trajes e guardado a roupa
interior na cômoda. Parecia
cansado, e o notei ligeiramente
infeliz.
-Joel me há dito que manhã
virão alguns serventes para as
entrevistas. Espero que se sinta
disposta para as fazer.
Incorporei-me, assombrada.
-Supunha que Bart contrataria
pessoalmente a seus serventes.
-Não, deixou-o para ti.
-Vá...
Chris pendurou seu traje no
galã de noite de cobre, que se
parecia com o que tinha
utilizado o pai do Bart quando
ele vivia aqui ou no outro
Foxworth Hall.
Estava enfeitiçada. Totalmente
nu, Chris se encaminhou por
volta do quarto de banho
«dele».
-Tomarei banho rapidamente e
voltarei para seu lado. Não
durma até que eu tenha
terminado.
Deitei-me e observei com
atenção, muito excitada, a
habitação em penumbra. Senti-
me como se fora minha mãe,
sabendo que havia quatro
meninos encerrados com chave
no apartamento de cobertura,
experimentando o pânico e o
sentimento de culpa que
certamente lhe assaltavam
enquanto vivia seu malvado
velho pai, cuja presença se
intuía ameaçadora inclusive
quando não estava diante.
«Nascido mau, perverso,
infame», sussurrava-me uma
vocecilla uma e outra vez.
Fechei os olhos e tentei deter
aquela loucura. Não ouvia
vozes nem música de balé. Não
ouvia nada. Tampouco
cheirava o aroma seco e
bolorento do apartamento de
cobertura. Era impossível,
porque eu tinha cinqüenta e
dois anos, não doze, treze,
quatorze ou quinze.
Os antigos aromas tinham
desaparecido. Só cheirava a
pintura fresca, madeira jovem,
papel de parede recém aplicado
e tecidos. Tudo era -tapetes,
tapeçarias, mobiliário- novo;
tudo exceto as antiguidades do
primeiro piso. Não se tratava
do autêntico Foxworth Hall,
mas sim de uma imitação.
Entretanto, não podia evitar me
perguntar por que tinha
retornado Joel se tanto gostava
de ser monge. Não era possível
que desejasse dinheiro da
herança, posto que se tinha
acostumado à austeridade
monacal. Além de querer ver
seus familiares, devia existir
outra boa razão que justificasse
sua presença na casa. Apesar
de que a gente do povo lhe
anunciou que nossa mãe tinha
morrido, decidiu ficar. Acaso
esperava a oportunidade de
conhecer o Bart? O que tinha
encontrado no Bart que lhe
tinha feito permanecer mais
tempo? É obvio, era
impensável que se devesse a
que meu filho lhe ofereceu o
posto de mordomo até que nós
contratássemos um de verdade.
Suspirei. por que estava
convertendo todo isso em um
mistério quando havia por meio
uma fortuna? Sempre parecia
que o dinheiro era a razão que
motivava qualquer ação.
A fadiga me fechava os olhos.
Afugentei o sonho. Necessitava
esse tempo para pensar no
manhã e nesse tio surto de um
nada. Tínhamos ganho por fim
quanto mamãe nos tinha
prometido, somente para perdê-
lo por causa da intervenção do
Joel? Se ele não tentava
impugnar o testamento de
mamãe, e nós conseguíamos
conservar o que tínhamos,
levaria isso um preço marcado?
Pela manhã Chris e eu
descendemos pelo lado direito
da escada dobro, sentindo que
tínhamos chegado a «ser nós
mesmos» e que controlávamos
por fim nossas vidas. Chris me
agarrou a mão e a apertou,
adivinhando, por minha
expressão, que a casa já não me
intimidava.
Encontramos ao Joel na
cozinha, trabalhando em
excesso-se em preparar o café
da manhã. Levava um
comprido avental branco e na
cabeça um gorro alto de
cozinheiro, que, por alguma
razão inexplicável, resultava
ridículo em um homem frágil,
alto e velho como’ ele. «Só os
homens gordos deveriam ser
chefs», pensei, embora
agradecia que ele tivesse
assumido uma tarefa que nunca
me gostou.
-Espero que vocês gostem dos
ovos Benedict -disse Joel sem
nos olhar.
Surpreendeu-me comprovar
que o prato que tinha
cozinhado era delicioso. Chris
repetiu. Depois Joel nos
ensinou as habitações, ainda
sem decorar. Dirigiu-me um
sorriso malicioso quando disse:
-Bart me explicou que prefere
as habitações com um
mobiliário cômodo e informal.
Deseja que mobílie estas salas
vazias de um modo
confortável, imprimindo nelas
seu estilo inimitável.
Estava burlando-se de mim?
Ele sabia que Chris e eu nos
achávamos de forma
temporária na casa. Então me
dava conta de que
possivelmente Bart me
necessitasse para lhe ajudar a
decorar a casa e que lhe
resultava difícil me pedir isso
ele mesmo.
Quando perguntei ao Chris se
Joel podia impugnar o
testamento de mamãe e tirar ao
Bart o dinheiro que ele
considerava indispensável para
sua estimativa, Chris cabeceou
admitindo que em realidade
ignorava os detalhes legais que
existiam quando um herdeiro
que se acreditava difundo
aparecia com vida.
-Bart poderia lhe entregar o
dinheiro suficiente para que
vivesse com desafogo os
poucos anos que ficam –disse
eu, pinçando em meu cérebro
para recordar todas as palavras
da última vontade de minha
mãe em seu testamento. Não
mencionava a seus irmãos
maiores, a quem ela supunha
mortos.
Quando saí de meus
pensamentos, Joel estava de
novo na cozinha. Tinha
encontrado na despensa
suficientes provisões para
alimentar a um regimento.
Respondeu a uma pergunta que
Chris tinha formulado e eu não
tinha ouvido com voz sombria.
-Naturalmente, a casa não é
exatamente a mesma; já
ninguém usa pernos, a não ser
pregos de ferro. Pus todos os
móveis velhos em meu
alojamento. Eu não pertenço
realmente a este lugar, de modo
que ficarei nas habitações
destinadas aos serventes, em
cima da garagem.
-Repito-te que não deveria
fazer isso -disse Chris
franzindo o sobrecenho-. Não
seria justo permitir que um
membro da família viva de
forma tão austera.
Tínhamos visto a enorme
garagem, e as dependências de
quão serventes mais que
austeras, eram pequenas.
«lhe deixe!», quis dizer, mas
guardei silêncio. antes de que
me desse conta do que estava
acontecendo, Chris já tinha
instalado ao Joel no segundo
piso da asa oeste. Suspirei,
lamentando que Joel vivesse
sob o mesmo teto que nós.
Entretanto, estava segura de
que tudo iria bem; assim que
nossa curiosidade ficasse
satisfeita e Bart celebrasse seu
aniversário, partiríamos com a
Cindy para o Hawai.
ao redor das duas da tarde,
Chris e eu entrevistamos na
biblioteca ao homem e a
mulher que acudiram,
avalizados por excelentes
referências. Não encontrei
nenhuma falta neles, exceto
algo furtivo em seus olhos.
Incomodou-me e inquietou a
maneira em que olhavam ao
Chris e a mim.
-Sinto muito -desculpou-se
Chris, interpretando o ligeiro
gesto de negativa que fiz-, mas
já escolhemos outro casal.
O matrimônio se levantou para
partir. A mulher se deu a volta
na soleira para me dirigir um
olhar largo e significativo.
-Vivo no povo, senhora
Sheffield -disse fríamente, há
só cinco anos, mas ouvi falar
muito dos Foxworth que vivem
na colina.
Suas palavras me fizeram
voltar a cabeça para outro lado.
-Sim,, estou seguro de que
assim é -atalhou Chris com
cortante secura.
A mulher emitiu um som
depreciativo antes de fechar de
uma portada.
A seguir se apresentou um
homem alto e aristocrático, de
porte militar, vestido de um
modo impecável até o último
detalhe. Entrou dando grandes
passos e aguardou
respetuosamente até que Chris
lhe indicou que se sentasse.
-Meu nome é Trevor
Mainstream Majors -declarou
com um estilo britânico
vigoroso-. Nasci no Liverpool
faz cinqüenta e nove anos.
Casei-me em Londres quando
tinha vinte e seis e minha
esposa morreu faz três anos.
Meus dois filhos vivem na
Carolina do Norte... Por isso
estou aqui, esperando poder
trabalhar na Virginia para
visitar meus filhos em meus
dias livres.
-Onde trabalhou você depois de
deixar aos Johnston?
-Perguntou Chris, olhando os
informe do homem-. Parece
possuir você excelentes
referências até faz um ano.
Trevor Majors trocou suas
largas pernas de posição e se
ajustou a gravata antes de
responder com toda cortesia:
-Trabalhei para os Millerson,
que deixaram a colina faz
aproximadamente seis meses.
Silêncio. Eu tinha ouvido
minha mãe mencionar aos
Millerson muitas vezes. Os
batimentos do coração de meu
coração se aceleraram.
-Durante quanto tempo esteve
você ao serviço dos Millerson?
-perguntou Chris cordialmente,
como se não sentisse nenhum
receio, apesar de ter advertido
meu ansioso olhar.
-Não muito, sir. Viviam cinco
de seus filhos na casa, que
sempre estava cheia de
sobrinhos e sobrinhas, amigos
a quem convidava. Eu era o
único servente. Além de fazer
de cozinheiro e chofer, cuidava
da casa, a lavagem da roupa...,
e é um orgulho e um prazer
para os ingleses ocupar-se
também do jardim. Como
chofer dos cinco meninos, a
quem levava e trazia da escola,
as classes de baile, os
acontecimentos esportivos, os
cinemas e outras atividades,
passava tanto tempo na estrada
que estranha vez tinha
oportunidade de preparar uma
comida decente. Um dia, o
senhor Millerson se queixou de
que não tinha segado a grama
nem arrancada os hierbajos do
jardim, e de que não tinha
desfrutado de uma boa comida
em casa desde fazia duas
semanas. Repreendeu-me com
severidade porque o jantar se
atrasava. Senhor, isso foi
muito! Sua esposa me tinha
ordenado que a aguardasse no
automóvel enquanto ela fazia
suas compras; depois me
enviou a recolher aos meninos
ao cinema.... e entretanto se
supunha que eu devia servir o
jantar. Disse-lhe ao senhor
Millerson que eu não era um
robô capaz de fazer mil coisas
e tudo ao mesmo tempo..., e me
parti. Estava tão zangado que
me ameaçou com não me dar
boas referências jamais. Mas se
esperar você alguns dias, lhe
acontecerá o aborrecimento e
se dará conta de que eu realizei
meu trabalho o melhor que
pude face às difíceis
circunstâncias...
Suspirei, olhei ao Chris e lhe
fiz furtivamente um sinal. Esse
homem era perfeito. Chris nem
sequer me olhou.
-Acredito que você encaixará
muito bem, senhor Majors.
Contrataremo-lhe durante um
período de prova de um mês, e
se, transcorrido esse tempo,
não encontramos satisfatório
seu trabalho, daremos por
rescindido o contrato. -Olhou-
me-. Quer dizer, se minha
esposa estiver de acordo...
Levantei-me e assenti em
silêncio. Necessitávamos
serventes. Não tinha intenção
de passar minhas férias tirando
o pó e limpando a enorme
mansión.’
-Senhor, senhora, se o
desejarem vocês, me chamem
simplesmente Trevor. Será uma
honra e um prazer servir nesta
casa. -ficou em pé de um salto
no instante em que eu me
levantei, e depois, quando
Chris o fez, ambos se
estreitaram a mão-. Realmente
será um prazer -disse enquanto
nos sorria satisfeito.
Em três dias contratamos a três
serventes, o que resultou
bastante fácil, posto que Bart
os pagaria com generosidade.
Ao entardecer de nosso quinto
dia na mansão, achava-me de
pé junto ao Chris na terraço,
olhando as montanhas que nos
rodeavam, contemplando
aquela mesma lua antiga que
estava acostumado a nos
contemplar a sua vez enquanto
estávamos tombados no
telhado do velho Foxworth
Hall. Quando tinha quinze
anos, acreditava que era o
único e enorme olho de Deus.
Outros lugares me brindaram
luas românticas, claros de lua
que conseguiam que se
desvanecessem meus temores e
culpas. Em troca, nesse lugar
sentia que a lua era um juiz
severo disposto a nos condenar
incesantemente, uma e outra
vez.
-Que noite mais bela, não crie?
-disse Chris me rodeando a
cintura com seu braço-. Eu
gosto desta terraço que Bart
acrescentou a nossas
habitações. Não estorva a
aparência exterior, pois se
encontra em um lado, e fixa lhe
no panorama que oferece das
montanhas.
As nebulosas montanhas
azuladas tinham representado
sempre para mim uma cerca
dentada que nos mantinha
apanhados, como prisioneiros
da esperança. Inclusive nesse
momento, via em seus topos
uma barreira entre minha
pessoa e a liberdade. «meu
deus, se estiver aí acima, me
ajude a resistir nas próximas
semanas.»
Ao dia seguinte, perto das
doze, Chris e eu, junto com o
Joel, observávamos do pórtico
de entrada como o Jaguar
vermelho, de afiado desenho,
subia veloz pela levantada
estrada lhe serpenteiem que
levava ao Foxworth Hall.
Bart conduzia a grande
velocidade, desafiador, como
se desafiasse à morte. Eu me
sentia desfalecer enquanto via
como tomava as perigosas
curvas.
-Deus sabe que deveria ter
mais sentido comum -grunhiu
Chris-. Sempre foi propenso
aos acidentes..., e fixa lhe
como conduz, como se tivesse
um seguro de imortalidade.
-Alguns o têm -replicou Joel
enigmáticamente. Lancei-lhe
um olhar inquisitivo, e depois
voltei a olhar o esportivo
vermelho, que havia flanco
uma pequena fortuna. Bart
comprava cada ano um carro
novo, sempre de cor vermelha.
Tinha provado todos os
automóveis de luxo para
descobrir qual gostava mais.
Aquele era seu favorito, até o
momento, conforme nos tinha
informado em uma breve carta.
Freou com um chiado,
queimando borracha e
manchando a curvada avenida
com largos sinais negros. Ao
tempo que saudava com a mão,
Bart se tirou os óculos de sol,
sacudiu a cabeça para pôr em
sua ordem alvoroçados cachos
escuros e, prescindindo da
porta saltou de seu conversível.
tirou-se as luvas e os arrojou
descuidadamente no assento.
Subiu correndo os degraus e
me agarrou entre seus fortes
braços para plantar vários
beijos em minhas bochechas.
Eu estava assombrada por sua
afetuosa saudação. Respondi-
lhe ansiosamente. No instante
em que meus lábios tocaram
sua bochecha, deixou-me no
chão e me separou dele como
se em seguida se cansou de
mim.
ficou de pé a pleno sol.
Observei ao jovem alto, de
brilhante inteligência, cujos
olhos castanhos denotavam
energia. Suas costas era larga, e
seu corpo musculoso se
estreitava em uns esbeltos
quadris e largas pernas. Estava
tão atrativo com seu traje
branco informal...
-Tem um aspecto estupendo,
mãe, simplesmente formidável.
-Seus olhos escuros me
examinaram de cima abaixo-.
Obrigado por te pôr esse
vestido vermelho; é minha cor
favorita.
Agarrei a mão ao Chris.
-Obrigado, Bart, escolhi-o
precisamente por ti.
«Agora poderia dizer alguma
palavra amável ao Chris»,
pensei. Esperei-o. Entretanto,
Bart ignorou ao Chris e se
voltou para o Joel.
-Olá, tio Joel. Não é certo que
minha mãe é tão formosa como
te disse?
A mão do Chris apertou a
minha com tanta força que me
fez mal. Bart sempre
encontrava a maneira de
desprezar ao único pai que
podia recordar.
-Sim, Bart, sua mãe é muito
bela -respondeu Joel com sua
voz rouca-. De fato, é
exatamente como imagino que
minha irmã Corine era a sua
idade.
-Bart, saúda você...
-interrompi-me. Estive a ponto
de dizer «pai» mas sabia que
Bart negaria tal relação com
rudeza. De modo que pinjente
«Chris».
Voltando seus olhos escuros, e
selvagens em ocasiões, para o
Chris, olhou-o um instante e
proferiu um áspero «olá!».
-Você parece não envelhecer
-disse com tom acusador.
-Sinto muito que assim seja,
Bart -repôs Chris com
indiferença-. Mas o tempo
cumprirá pontual com sua
tarefa.
-Esperemos que seja assim.
EU tivesse sido capaz de
esbofetear ao Bart nesse
momento.
Esquecendo nossa presença,
Bart se deu a volta para
contemplar os prados, a casa,
os frondosos maciços de flores,
os exuberantes arbustos, os
atalhos do jardim, as banheiras
para os pássaros e outros
objetos de adorno, e sorriu com
o orgulho de um proprietário.
-É grande, realmente grande,
tal como esperava que fosse.
procurei por todo mundo e não
encontrei nenhuma mansão que
possa comparar-se com o
Foxworth Hall.
Seus olhos escuros se voltaram,
e nossos olhares se cruzaram.
-Já sei o que está pensando,
mãe. Sei que esta não é ainda a
melhor casa, mas um dia o
será. Proponho-me construir e
acrescentar novas asas para que
esta mansão exceda em
brilhantismo a qualquer palácio
da Europa. Concentrarei todas
minhas energias em converter
Foxworth Hall em um edifício
proeminente.
-A quem vais impressionar
quando o tiver conseguido?
-perguntou Chris-. O mundo já
não admira as mansões nem as
grandes riquezas, nem respeita
a quem as tem obtido por
herança.
OH, maldita seja! Chris
estranha vez pronunciava
palavras tão duras. por que
havia dito aquilo? O rosto do
Bart se acendeu sob seu intenso
bronzeado.
-Pretendo aumentar minha
fortuna com meus próprios
esforços! -exclamou Bart,
colérico, aproximando-se do
Chris.
Dado que Bart era mais magro
que Chris, parecia dominar a
este em estatura. Contemplei
como o homem a quem
considerava meu marido
olhava fixamente, com olhos
desafiadores, a meu filho.
-estive fazendo isso mesmo
para ti -disse Chris.
Ante minha surpresa, Bart se
mostrou agradado.
-Insinúas que como fiduciário
te preocupaste que acrescentar
minha parte da herança?
-sim; não resultou difícil
-respondeu Chris, lacônico-. O
dinheiro atrai mais dinheiro, e
os investimentos que realizei
em seu nome deram magníficos
resultados.
-Seguro que eu poderia havê-lo
feito melhor.
Chris sorriu com ironia.
-Devi supor que me
agradeceria isso desta maneira.
Eu os olhava, angustiada por
ambos. Chris era um homem
amadurecido, seguro de si
mesmo, que sabia quem e o
que era; em troca Bart, ainda
lutava por se encontrar a si
mesmo e por fazer um lugar no
mundo.
«meu filho, meu filho, quando
aprenderá a te comportar com
humildade e gratidão?» Muitas
noites eu tinha visto o Chris
fazer contas, tentando decidir
quais eram os melhores
investimentos, como se ele
soubesse que antes ou depois
Bart o acusaria de um pobre
conhecimento financeiro.
-Não demorará para ter a
oportunidade de te pôr a prova
a ti mesmo -acrescentou Chris.
voltou-se para mim-. Cathy,
demos um passeio até o lago.
-Esperem um minuto
-exclamou Bart a quem ao
parecer enfurecia que nos
partíssemos quando ele
acabava de chegar a casa. Eu
me debatia entre o desejo de
fugir com o Chris e o de
agradar a meu filho-. Onde está
Cindy?
-Logo chegará -respondi-.
Nestes momentos se acha em
casa de uma amiga.
Possivelmente te interesse
saber que Jory e Melodie
passarão aqui suas férias.
Bart se limitou a me olhar
atentamente, talvez apavorado
ante a idéia de encontrar-se
com seu irmão. Depois uma
estranha excitação substituiu a
todas as demais emocione em
seu belo rosto bronzeado.
-Bart -prossegui, resistindo à
vontade do Chris de me afastar
de uma conhecida fonte de
problemas-, a casa é realmente
formosa. As inovações que
introduziste para melhorá-la
resultaram maravilhosas.
Pareceu surpreso de novo.
-Mãe, quer dizer que não é
exatamente igual? Eu...
acreditava que o era...
-OH, não, Bart. Antes não
havia uma terraço em nossa
habitação.
Bart se voltou rapidamente
para seu tio avô.
-Você disse que antes estava
ali!
Joel avançou um passo,
sonriendo cinicamente.
-Bart, meu filho, não menti.
Nunca minto. A casa original
tinha esse balcão. A mãe de
meu pai ordenou que o
construíram. Por esse balcão
entrava sigilosamente seu
amante, sem que os serventes o
advertissem. Mais tarde, fugiu-
se com esse mesmo amante
sem despertar a seu marido,
quem fechava com uma chave
que escondia a porta do
dormitório que ambos
compartilhavam. Quando
Malcolm se converteu em
proprietário, mandou que se
derrubasse o balcão. Mas esta
terraço acrescenta certo
encanto a aquele lado da casa.
Satisfeito, Bart se dirigiu
novamente ao Chris e a mim.
-Vê-o, mãe?, você não sabe
absolutamente nada da casa.
Tio Joel é o perito. Ele me há
descrito com todo detalhe o
mobiliário, os quadros. Quando
acabarmos, não só não teremos
a mesma casa, mas também
será melhor que a original.
Bart não tinha trocado.
Continuava obcecado; ainda
desejava ser uma cópia exata
do Malcolm Foxworth, se não
em seu aspecto físico, sim em
personalidade e resolução de
ser o homem mais rico do
mundo, sem lhe importar o que
tivesse que fazer para
conseguir tal título.
MEU SEGUNDO FILHO
Pouco depois de que Bart
tivesse chegado a casa,
começou a elaborar
complicados planos para sua
próxima festa de aniversário.
Para minha surpresa e
satisfação, descobri que tinha
feito muitos amigos durante as
férias do verão que tinha
passado na Virginia. Estava
acostumado a nos afligir que
dedicasse poucos dias de suas
férias a estar conosco em
Califórnia, lugar ao que eu
considerava que ele pertencia.
Mas, ao parecer, conhecia
muitas pessoas das que nunca
tínhamos ouvido falar, e tinha
cercado amizade com meninos
e garotas na universidade a
quem desejava convidar para
que compartilhassem sua
celebração.
Tinham transcorrido só uns
dias desde que chegamos ao
Foxworth Hall, e já a
monotonia de estar sem nada
que fazer exceto comer,
dormir, ler, ver a televisão e
vagabundear pelos jardins e
bosques, inquietava-me.
Ansiava escapar dali logo que
fosse possível. O profundo
silêncio das montanhas me
capturava em seu feitiço de
isolamento e desespero; o
silêncio excitava meus nervos.
Queria ouvir vozes, muitas
vozes, o timbre do telefone,
receber visitas, conversar com
alguém; mas ninguém nos
visitava. Chris e eu devíamos
evitar nos relacionar com as
pessoas que tinham conhecido
bem aos Foxworth. Por outro
lado desejava convidar à festa a
antigos amigos de Nova Iorque
e Califórnia, mas não me
atrevia a fazê-lo sem seu
consentimento. Perambulava
intranqüila pelos grandes
salões, algumas vezes
acompanhada do Chris.
Passeávamos pelo jardim,
caminhávamos pelos bosques,
algumas vezes em silêncio,
outras em alegre conversação.
Chris tinha reatado sua velha
afeição à aquarela, atividade
que lhe mantinha ocupado, e
posei para ele de boa vontade
quando me pediu isso. Em
troca, era improvável que
voltasse a dançar nunca mais.
De todas formas fazia meus
exercícios de balé para me
manter ágil e esbelta. Em certa
ocasião Joel entrou na salita de
estar enquanto, apoiada em
uma cadeira, realizava os
exercícios vestida com umas
malhas vermelhas. Ouvi um
ruído na soleira da porta aberta
e, quando me voltei lhe
surpreendi me olhando de
marco em marco, como se me
tivesse encontrado nua.
-O que ocorre? -perguntei
preocupada-. aconteceu algo
terrível?
Abriu suas magras, largas e
pálidas mãos, enquanto
examinava com desprezo meu
corpo.
-Não crie que é algo major para
tentar ser sedutora?
-Alguma vez ouviste falar do
exercício, Joel? -pinjente
impaciente-. Não tem por que
entrar nesta asa. Se te mantiver
longe desta zona, seus olhos
não terão que escandalizar-se.
-Não respeita a alguém mais
velho e sábio que você
-replicou mordaz.
-Se for assim, peço-te perdão,
mas suas palavras e sua
expressão me ofendem. Se
quisermos que haja paz nesta
casa durante nossa estadia,
permanece afastado de mim,
Joel, enquanto me encontre em
minhas habitações. Aqui
dispomos de espaço mais que
suficiente para preservar nossa
intimidade sem necessidade de
fechar as portas.
Muito erguido, Joel deu a volta
e se retirou, não sem que antes
percebesse eu a indignação que
traslucían seus olhos. Observei-
o enquanto partia, me expondo
se não me equivocava respeito
a ele. Talvez era um ancião
inofensivo que se misturava
sem má intenção nos assuntos
alheios. Entretanto, não lhe
chamei para me desculpar.
Tirei-me as malhas, pu-me
umas calças curtas e uma blusa
e, me confortando com o
pensamento da próxima
chegada do Jory e sua mulher,
saí para procurar o Chris.
Detive-me junto à porta do
despacho do Bart e ouvi que
falava com seu fornecedor,
fazendo planos para um
mínimo de duzentos
convidados. lhe escutar fez que
me sentisse aturdida. «OH,
Bart, não te dá conta de que
alguns não virão, e se o fazem,
que Deus nos atira.»
Enquanto continuava ali,
imóvel, ouvi que Bart nomeava
a alguns de seus convocados,
muitos dos quais eram
europeus, pessoas notáveis a
quem tinha conhecido em suas
viagens. Durante seus dias
universitários, Bart se tinha
mostrado incansável em seus
esforços por ver mundo e
relacionar-se com gente
importante que governava e
dominava já fosse com um
poder político, o cérebro ou sua
habilidade financeira. Eu
atribuía sua inquietação a sua
incapacidade para sentir-se
feliz em um lugar concreto,
pois sempre ansiava o campo
contigüo mais verde, e o de
mais à frente...
-Todos virão -disse à pessoa
com quem falava por telefone-.
Quando lerem meu convite,
não poderão rechaçá-la.
Depois de pendurar o auricular,
girou a poltrona para encarar-se
comigo.
-Mãe! Está espiando?
-É um costume que aprendi de
ti, querido. -Fez uma careta-.
Bart, por que não limita essa
festa à família somente?
Convida a seus melhores
amigos se o desejar. Nossos
vizinhos não acudirão, pois,
segundo o que minha mãe
estava acostumada nos contar,
eles nunca simpatizaram com
os Foxworth, já que fomos
muito capitalistas quando eles
possuíam muito pouco. Os
Foxworth viajavam enquanto
os do povo deviam permanecer
aqui. Por favor, não inclua à
sociedade local, embora Joel te
haja dito que são amigos deles
e, portanto, teus e nossos.
-Teme que tirem o chapéu seus
pecados, mãe? -perguntou Bart,
sem nenhuma misericórdia.
em que pese a que estava
acostumada a sua crueldade,
rebelei-me. Tão terrível
resultava que Chris e eu
vivêssemos juntos como
marido e mulher? Não
apareciam nos periódicos
delitos muito piores que o
nosso?
-OH, vamos, mãe, não tome
assim. Sejamos felizes para
variar. -Seu semblante se
alegrou, excitado, como se
nada do que eu dissesse
pudesse empanar sua agitação-.
Mãe, confia em mim, por
favor. Estou encarregando o
melhor de tudo. Quando se
difundir a notícia, o que não
demorará para ocorrer, pois a
meu fornecedor, o melhor da
Virginia, gosta de fanfarronear,
ninguém se negará a participar
de minha festa. Inteirarão-se de
que estou contratando gente de
Nova Iorque e Hollywood para
nos divertir, e ainda mais, estou
seguro de que todos quererão
ver dançar ao Jory e Melodie.
A surpresa e a felicidade me
invadiram.
-Pediste-lhes que o façam?
-Não, mas como vão recusar
meu irmão e minha cunhada?
Olhe, mãe, organizarei a festa
ao ar livre, no jardim, à luz da
lua. Os prados estarão
iluminados com globos
dourados. Instalarei fontes em
qualquer parte, e umas luzes de
cores jogarão com a água dos
fornecedores. Servirá-se
champanha importado, e
qualquer licor que possa
imaginar. A comida será
deliciosa. Estou fazendo
construir um teatro em meio de
um mundo maravilhoso de
fantasia, onde as mesas se
cobrirão com belas malhas de
tudas as cores. Haverá flores
em abundância por toda parte.
Demonstrarei ao mundo o que
um Foxworth sabe fazer.
E assim prosseguiu,
entusiasmado. Quando saí de
seu escritório e achei ao Chris
falando com um dos
jardineiros, sentia-me feliz,
tranqüila. Possivelmente
durante esse verão Bart se
encontraria finalmente a si
mesmo.
Seria como Chris sempre havia
predito; junto com a fortuna,
Bart herdaria o orgulho e a
vaidade necessários e se
encontraria a si mesmo... E que
Deus quisesse que encontrasse
deste modo a prudência.
Dois dias depois, estava de
novo em seu escritório, sentada
em uma de suas luxuosas e
amaciadas poltronas de couro,
assombrada de que tivesse sido
capaz de realizar tantas coisas
em tão curto espaço de tempo.
Ao parecer, toda a equipe de
escritório tinha estado disposto
para ser instalado no momento
em que ele estivesse presente
para dirigir a convocação. O
pequeno dormitório situado
detrás da biblioteca, onde
nosso odiado avô tinha vivido
até sua morte, acondicionou-se
como sala para os arquivos. A
habitação onde as enfermeiras
do avô se alojaram, converteu-
se em um escritório para a
secretária do Bart, se alguma
vez encontrava uma que
cumprisse seus severos
requisitos. Um ordenador
dominava uma mesa de
escritório larga, curvada,
conectado com duas
impressoras que trabalhavam
em duas cartas distintas,
inclusive enquanto Bart e eu
conversávamos. Surpreendeu-
me ver que Bart escrevia a
máquina mais depressa que eu.
O matraqueio das impressoras
ficava amortecido por umas
grosas -cobertas de plástico.
Orgulhoso, Bart me mostrou
como se mantinha em contato
com o mundo enquanto
permanecia em casa, tão solo
pulsando botões e unindo-se a
um programa chamado «A
Fonte». Então me inteirei de
que se dedicou durante dois
meses de um verão a estudar
como se programavam os
ordenadores.
-Olhe, -mãe, posso levar a cabo
minhas compras, dar ordens e
me aproveitar dos dados
técnicos dos peritos por meio
deste ordenador. Ocuparei meu
tempo assim até que abra
minha própria assinatura legal.
Por um momento se sumiu em
suas reflexões, com expressão
dúbia. Eu seguia acreditando
que Bart tinha estudado no
Harvard impulsionado pelo
desejo de emular a seu pai. Em
realidade, as leis não lhe
interessavam, pois o único que
lhe importava na vida era
conseguir dinheiro.
-Acaso não tem já suficiente
dinheiro, Bart? O que terá que
não possa comprar?
Em seus escuros olhos
apareceu algo maliciosamente
infantil e doce.
-Respeito, mãe. Eu não possuo
o talento que você e Jory
demonstram. Não posso dançar
e não sou capaz de desenhar
com graça uma flor e muito
menos um corpo humano.
-Estava aludindo ao Chris e sua
afeição à pintura-. Quando
visito um museu, sinto-me
frustrado ante a admiração que
as obras despertam em outros.
Não encontro nada
maravilhoso na Mona Lisa; só
vejo um rosto suave, uma
mulher de aspecto mas bem
corrente que não podia inspirar
muita paixão. Não aprecio a
música clássica, nenhuma
classe de música, embora me
asseguraram que tenho uma
voz bastante boa para cantar.
Estava acostumado a tentá-lo e
cantava quando era pequeno;
um menino bastante tolo,
verdade? Deve te haver rido
um milhão de vezes comigo.
-Fez uma careta de súplica, e
depois abriu os braços em
gesto implorante-. Como
careço de aptidões artísticas,
centro-me nas coisas que
compreendo facilmente, as que
representam os dólares e os
centavos. Quando Miro ao
redor nos museus, os únicos
objetos que sei valorar são as
jóias.
Seus escuros olhos faiscaram.
-Só posso apreciar o brilho e o
resplendor dos diamantes, os
rubis, as esmeraldas, as
pérolas... Ouro, montanhas de
ouro, isso sim posso
compreendê-lo. Descubro a
beleza no ouro, a prata, o cobre
e o petróleo. Sabe que visitei
Washington com a única
finalidade de ver como
convertiam o ouro em moedas?
E senti certo deleite, como se
algum dia todo esse ouro
devesse ser meu.
desvaneceu-se minha
admiração, e me invadiu uma
grande compaixão para ele.
-E o que há sobre mulheres,
Bart? E do amor, a família, os
bons amigos? Não espera te
apaixonar algum dia e te casar?
Olhou-me com o rosto
inexpressivo durante uns
segundos, tamborilando com as
pontas de seus fortes dedos, de
unhas quadradas, sobre a
superfície da mesa antes de
levantar-se e ficar de pé, ante
uma janela, contemplando os
jardins e as montanhas
vagamente azuis.
-tive experiências sexuais, mãe.
Não esperava desfrutar com o
sexo, mas me equivoquei. Senti
que meu corpo traía minha
vontade. Mas nunca estive
apaixonado. Custa-me
imaginar que pudesse me
dedicar por inteiro a uma só
mulher quando há tantas belas
e bem dispostas. Vejo uma
formosa moça que passa a meu
lado, dou-me a volta,
contemplo-a e me encontro
com que ela se tornou e me
olhe também fixamente.
Resulta fácil conseguir que se
metam em minha cama... Não
há nenhum estímulo. -Fez uma
pausa e voltou a cabeça para
me olhar-. Eu utilizo às
mulheres, mãe, e em algumas
ocasione me envergonho de
mim mesmo. As tomo, as
rechaço, e inclusive simulo não
as conhecer quando as encontro
outra vez. Todas terminam me
odiando.
Sustentou o olhar de meus
assombrados olhos em atitude
desafiadora.
-Não está escandalizada?
-perguntou com amabilidade-.
Ou acaso sou o tipo sórdido
que sempre creíste que seria?
Traguei saliva, esperando que
esta vez saberia dar a resposta
acertada. No passado, parecia
que nunca houvesse dito o que
convinha. Duvidei de que
ninguém pudesse pronunciar as
palavras que fizessem trocar o
modo de ser do Bart e no que
ele queria converter-se, se é
que ele mesmo sabia.
-Suponho que é um produto de
sua época -comecei com voz
suave, sem recriminações-. Sua
geração quase me inspira
lástima, já que estão perdendo
esse aspecto tão formoso do
amor. Onde estão os
sentimentos em sua maneira de
tomar a uma garota, Bart? O
que dá às mulheres com as que
te deita? Não sabe que se
necessita tempo para construir
uma relação amorosa
duradoura? Isso não se
consegue em uma noite. Os
encontros de uma noite não
criam compromissos. Pode
olhar um corpo formoso,
desejá-lo, mas isso não é amor.
Seus ardentes olhos mostravam
tal interesse que eu me animei
a prosseguir, especialmente
quando Bart perguntou:
-Como explica você o amor?
Era uma armadilha que me
tendia, pois ele sabia que os
amores de minha vida tinham
tido um final desgraçado.
Entretanto, respondi, com a
esperança de lhe liberar de
todos os enganos que com
segurança cometeria.
-Não explicarei o amor, Bart.
Não acredito que haja ninguém
capaz de fazê-lo. O amor
cresce dia detrás dia pela
relação com outra pessoa que
compreende suas necessidades,
e cujas necessidades
compreende. inicia-se como
um balbuceio vacilante que te
chega ao coração e te faz
vulnerável a quanto é formoso.
Percebe beleza ali onde
anteriormente tinha visto
fealdade. Sente-se
resplandecente em seu interior
e é muito feliz sem conhecer a
razão. Aprecia o que no
passado ignorava. Quando seus
olhos se encontram com os de
quem amas, vê refletidos neles
seus sentimentos, esperanças e
desejos, e se sente ditoso só por
estar com aquela pessoa.
Embora não haja contato físico,
notas o calor de estar junto a
quem ocupa seus pensamentos.
Então, um dia surge o contato,
embora nem sequer se trate de
um contato íntimo: sua mão
roça a sua e se sente feliz.
Começa a crescer a excitação,
de modo que desejas estar com
aquela pessoa, não para fazer o
amor, mas sim só deseja
permanecer a seu lado, sentir
como aumentam os
sentimentos de um para o
outro. Em outras palavras
compartilha sua vida antes de
compartilhar o corpo. É nesse
instante quando te expõe
seriamente gozar do sexo com
aquela pessoa. Começa a
sonhar nisso e, entretanto,
pospô-lo, esperando, esperando
o momento adequado. Quer
que esse amor perdure, que
nunca termine. Por isso te
aproxima lenta, muito
lentamente para a experiência
definitiva de sua vida, até que
pressente que aquela pessoa
não te defraudará, consciente
de que te será fiel, que poderá
confiar nela..., inclusive
quando estiver longe de ti. Há
confiança, satisfação, paz e
felicidade quando se
experimenta o amor autêntico.
Estar apaixonado é como
acender uma luz em uma
habitação às escuras; de
repente todo se faz brilhante e
visível. jamais está sozinho
porque se sente amado, e você
também ama.
Detive-me para recuperar o
fôlego. Seu interesse me deu
valor para prosseguir.
-Eu quero isso para ti, Bart,
mais que todos os milhões de
toneladas de ouro do mundo,
mais que todas as jóias
guardadas em caixas fortes. Eu
gostaria que encontrasse uma
moça maravilhosa a quem
amar. Esquece o dinheiro. Já
tem suficiente. Abre os olhos,
olhe ao redor, descobre a
formosura da vida e esquece
sua obsessão pelo dinheiro...
Meditabundo, Bart disse:
-De modo que é assim como as
mulheres sentem o amor e o
sexo. Sempre me tinha
perguntado isso. Não é assim
como o vê um homem. Não
obstante, o que há dito é
interessante.
voltou-se antes de prosseguir.
-Certamente, ignoro o que
quero da vida, além de mais
dinheiro. Alguns opinam que
serei um excelente advogado
graças a minha habilidade
dialética. Entretanto,, custa-me
decidir que especialidade
prefiro. Não quero exercer de
advogado criminalista, como
foi meu pai, já que teria que
defender freqüentemente a
pessoas cuja culpabilidade me
consta. Seria incapaz de fazê-
lo. Por outro lado, o direito
administrativo me resulta
aborrecido. considerei intervir
em política, atividade que
encontro fascinante, mas meu
condenado passado psicológico
pode empanar meu histórico...
portanto, como posso participar
de política?
Elevando-se desde detrás da
mesa do despacho, adiantou-se
para agarrar minha mão entre
as suas.
-Eu gosto do que contaste. me
fale mais de seus amores, do
homem que mais amaste. Foi
Julián, seu primeiro marido?
Ou talvez aquele maravilhoso
doutor chamado Paul? Acredito
que, se pudesse lhe recordar,
amaria-lhe. casou-se contigo
para me dar seu nome.
Desejaria evocar sua imagem,
como faz Jory, mas não posso.
Jory o recorda muito bem, e
inclusive recorda ter visto meu
pai. -Suas maneiras se
tornaram mais veementes
enquanto se inclinava para
cravar seu olhar na minha-.
Dava que amou mais a meu
pai, que ele foi o único que de
verdade conquistou seu
coração. Não me diga que lhe
utilizou exclusivamente para te
vingar de sua mãe nem que
aproveitou seu amor para
escapar do de seu próprio
irmão!
Eu não podia falar. Seus
ardentes e ásperos olhos
escuros me escrutinavam.
-Não te dá conta de que você e
seu irmão conseguistes arruinar
e poluir minha vida com sua
incestuosa relação? Rogava
que algum dia o abandonasse,
mas segue com ele. assumi o
fato de que estão obcecados o
um pelo outro. Possivelmente
desfrutam mais de sua relação
porque transgride a vontade de
Deus.
Apanhada de novo! Levantei-
me, consciente de que se serviu
de sua doce voz para me atrair
para seu anzol.
-Sim, amei a seu pai, Bart, não
o duvide nem por um instante.
Admito que desejava vingar a
dor que nossa mãe nos tinha
causado, e que por isso,
persegui a meu padrasto.
Entretanto, quando o tive
compreendi que o amava tanto
como ele a mim, e me dava
conta de que lhe tinha feito cair
em uma armadilha em que eu
também tinha sido agarrada.
Não podia casar-se comigo.
Nos -amava a minha mãe e a
meu, embora de distinta forma.
Estava dividido entre ambas.
Considerei que o melhor modo
de acabar com sua indecisão
era ficando grávida. Apesar
disso, não tomou nenhuma
determinação. Só quando
aquela noite expliquei e ele
aceitou como certo que sua
esposa me tinha tido
prisioneira, revolveu-se contra
ela e assegurou que se casaria
comigo. Eu tinha suposto que o
dinheiro de minha mãe ataria a
ela para sempre, mas ele se
casou comigo.
Dispunha-me a partir. Bart não
pronunciou nenhuma palavra
que me indicasse quais eram
seus pensamentos. Já na porta,
voltei-me para lhe olhar.
sentou-se de novo na poltrona
de seu escritório, acotovelado
sobre a mesa, com a cabeça
apoiada nas mãos.
-Crie que alguém me amará
alguma vez por mim mesmo e
não por meu dinheiro, mãe?
Aquilo me partiu o coração.
-Sim, Bart. Mas por estes
arredores não encontrará
nenhuma mulher que
desconheça que é muito rico.
por que não te parte? te
estabeleça no nordeste ou o
oeste, onde ninguém saberá
que é rico, especialmente se
trabalhar como um advogado
corrente...
Elevou então o olhar.
-troquei legalmente meu
sobrenome, mãe.
O desassossego se apropriou de
mim e, embora intuía a
resposta, perguntei:
-Qual é agora seu sobrenome?
-Foxworth -respondeu,
confirmando minhas suspeitas-.
depois de tudo, não posso ser
um Winslow se meu pai não
era seu marido. Por outro lado,
manter o sobrenome Sheffield
resulta enganoso, pois Paul não
era meu pai, como tampouco o
é seu irmão, graças a Deus.
Estremeci-me, cheia de
apreensão. Esse era o primeiro
passo que lhe conduziria a
converter-se em outro
Malcolm, o que eu mais temia.
-Tivesse-me gostado que
escolhesse Winslow como
sobrenome, Bart. Tivesse
agradado a seu defunto pai.
-Sim, com certeza que sim
-disse, categórico-. Considerei-
o muito seriamente, mas ao
escolher o sobrenome Winslow
tivesse posto em perigo meu
direito legítimo no nome do
Foxworth. É um bom nome,
mãe, respeitado por todos
exceto por esses populares, que
de todos os modos não contam
para nada. Acredito que
Foxworth Hall me pertence de
verdade, sem remorso, sem
culpa. -Em seus olhos
resplandeceu um brilho de
felicidade-. Sabe?, tio Joel está
de acordo comigo. Não todo
mundo me odeia e acredita que
valho menos que Jory. Fez uma
pausa para estudar minha
reação. Tratei de me mostrar
impassível, e ele pareceu
defraudado-. Vete, mãe.
Espera-me um dia cheio de
trabalho.
Expus a sua ira, me entretendo
o tempo suficiente para dizer:
-Quero que não esqueça, Bart,
enquanto está aqui, encerrado
neste despacho, que sua família
te ama muitíssimo e deseja o
melhor para ti. Se possuir mais
dinheiro te fará sentir mais
satisfeito de ti mesmo, então, te
converta no homem mais rico
do mundo. Quão único nós
desejamos é que seja feliz.
Encontra seu oco, aquele onde
encaixe; isso é o mais
importante.
Depois de fechar a porta do
despacho, encaminhei-me para
a escada e quase me choquei
com o Joel. No azul de seus
olhos lacrimosos faiscou por
um momento uma expressão de
culpa. Supus que tinha estado
nos escutando. Mas não tinha
feito eu o mesmo?
-Desculpa por não te haver
visto na penumbra, Joel.
-Não era minha intenção
escutar detrás da porta -disse,
com um olhar peculiar-.
Aqueles que esperam ouvir o
mal não ficarão defraudados.
afastou-se deslizando-se como
um velho rato de igreja, magro
pela falta de suficiente
alimento para saciar suas ânsias
de causar problemas. Fez-me
sentir culpado, envergonhada e
receosa, como sempre, de
qualquer que se chamasse
Foxworth.
Certamente, tinha motivos para
isso.
MEU PRIMEIRO FILHO
Seis dias antes da festa, Chris e
eu fomos receber ao Jory e
Melodie ao aeroporto local,
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  • 1.
  • 2. V. C. Andrews Sementes do Passado LIBRO PRIMERO FOXWORTH HALL E assim chegou o verão em que eu tinha 52 anos, e Chris 54, finalmente se cumpria a promessa de riqueza que nossa mãe havia nos feito há muito tempo, quando Chris e eu
  • 3. tínhamos 14 e 12 anos respectivamente. Nós dois ficamos em pé comtemplando aquela enorme e espantosa casa que esperávamos nunca mais voltar a ver. Mesmo não sendo uma reprodução exata da Foxworth Hall original, me senti estremecer por dentro. Que preço havíamos pagado Chris e eu para estarmos ali, onde nos falávamos neste momento, donos provisoriamente daquela
  • 4. gigantesca casa que devia ter permanecido em ruínas. Há muito tempo atrás eu tinha acreditado que viveríamos naquela casa como um príncipe e uma princesa, e que teríamos o mesmo poder do Rei Midas, mas um pouco mais controlado. Não voltei a acreditar em contos de fadas. Como se tivesse acontecido no dia anterior, recordei aquela desagradável noite de verão, fracamente iluminada pela
  • 5. mística luz da lua cheia e estrelas mágicas em um céu de veludo, quando chegamos a este lugar pela primeira vez, com esperança de que somente coisas boas nos aconteceriam, e acabamos encontrando somente o pior. Naquela ocasião Chris e eu éramos tão jovens, inocentes e crentes que acreditamos em nossa mãe, nos a amávamos, nos deixamos guiar por ela, nós e nossos irmão gêmeos de
  • 6. apenas 5 anos, por uma noite de certo modo horrível que fazia naquela mansão chamada Foxworth Hall. A partir daquele dia, todos os nossos dias seriam iluminados pelo verde, símbolo da riqueza e pelo amarelo da felicidade. Que fé tão cega tínhamos quando a seguíamos de perto. Trancados naquela sombria e triste casa no alto da escada, brincando em um sótão escuro e empoeirado, havíamos
  • 7. mantido a confiança nas promessas de nossa mãe de que um dia possuiríamos Foxworth Hall e todas suas fabulosas riquezas. Apesar de suas promessas, um velho avô, cruel e desumano, com um perverso, mas doente coração, que se recusava a parar de bater para que quatro jovens corações, cheios de esperanças, pudessem viver, de modo que esperávamos e esperávamos o dia em que ele
  • 8. morreria, até que se passaram mais de 3 longos anos sem que mamãe cumprisse sua promessa. Promessa que só foi cumprida no dia em que ela morreu - e se fez sua ultima vontade – quando Foxworth Hall ficou sob nosso controle. Ela deixou a mansão a Bart, seu neto favorito, e meu filho e de seu próprio segundo marido, mas até que Bart completasse 25
  • 9. anos, as propriedades estavam sob custodia de Chris. A reconstrução da mansão foi começada antes que ela fosse até a Califórnia para morar ao lado de nossa casa, mas depois de sua morte os últimos retoques da nova Foxworth Hall foram deixados de lado. Durante 15 anos, a casa permaneceu vazia, cuidada por guardas e administrada legalmente por vários advogados que sempre ligavam
  • 10. ou escreviam a Chris para discutir com eles os problemas que iam surgindo. A mansão aguardava, ansiosa talvez, pelo dia em que Bart decidisse viver ali, como suponhamos que um dia ele faria. E agora ele nos cedia ela por um curto espaço de tempo para que fosse nossa até que ele chegasse e tomasse posse de tudo.
  • 11. Sempre existe uma armadilha em cada (ganga) oferecida, sussurrava minha mente. E sentia o chamariz que nos oferecia para termos um laço de novo. Havíamos Chris e eu percorrido um caminho tão longo com o único fim de completar a volta do circulo, regressando ao principio? Qual seria desta vez a armadilha? Não, não repetia a mim mesma uma e outra vez, minha
  • 12. natureza receosa, sempre insegura, estava me dominando. Teríamos o ouro sem felpa!! Algum dia afinal tínhamos que receber nossa recompensa. A noite havia terminado: nosso dia havia chegado finalmente, e agora estávamos de pé, com a luz dos sonhos que havíamos realizado. Estarmos aqui, planejando viver nessa casa, repentinamente causou-me uma amargura familiar a minha
  • 13. boca. Todo o prazer desapareceu. Estava vivendo um pesadelo que não desapareceria quando abrisse meus olhos. Afastei tal sentimento e sorri para Chris, apertando-lhe os dedos. Contemplei a reconstruída Foxworth Hall, que se levantava onde houvera cinzas da antiga mansão, para enfrentarnos e confurdirnos de novo com sua majestuosidade, seu formidável tamanho, sua
  • 14. sensação de abrigar o mar e suas numerosas janelas negras com pálpebras pesadas sobre olhos furiosos. Levantava-se imponente e ampla, estendendo-se por várias centenas de metros quadrados em uma grandeza tão magnífica que intimidava. Era maior que muitos hotéis, construída de forma gigantesca, com uma enorme sessão central de onde partiam alas que se
  • 15. projetavam em direção norte e sul, leste e oeste. Estava construída com tijolos rosados. As numerosas janelas negras faziam jogo com o telhado de ardósia. Quatro colunas coríntias de cor branca sustentavam o gracioso pórtico da fachada. Sobre a porta principal se percebia uma espécie de fogos de artifício produzido pelos cristais. Pranchas enormes de metal com o escudo de armas
  • 16. adornavam as portas e convertiam aquilo que poderia ser sinistro em algo elegante e menos sombrio Isso deveria ter me animado, se o sol não tivesse se ocultado atrás de uma nuvem escura que fora empurrada pelo vento. Olhei para o céu que agora estava tempestuoso e cheio de presságios ruins, anunciando a chuva e o vento. As arvores do bosque que circundava a mansão começaram a balançar
  • 17. de tal maneira que os pássaros levantaram vôo alarmados, fazendo muito barulho enquanto procuravam abrigo. Os prados verdes, conservados sem mácula, em seguida ficaram talheres de ramitas roda e folhas quedas, e as flores, abertas em seus quadros dispostos de maneira geométrica, eram fustigados sem piedade contra o chão.
  • 18. Tremi e pensei: «me diga outra vez, Christopher querido, que tudo sairá bem. Diga-me isso outra vez, porque agora que o sol se foi e a tormenta se aproxima, já não posso acreditá-lo.» Ele olhou também para cima, pressentindo minha crescente ansiedade, meu pouco desejo de seguir adiante, apesar da promessa formulada ao Bart, meu segundo filho. Fazia sete anos que os psiquiatras nos
  • 19. haviam dito que seu tratamento estava tendo êxito e que Bart era normal por completo e podia viver sua vida entre a sociedade sem necessidade de nenhuma terapia. Com a intenção de me animar, o braço do Chris se elevou para me rodear os ombros, e seus lábios roçaram minha bochecha. -Acabará por dar um bom resultado para todos nós. Sei que será assim. Já não haverá
  • 20. bonecas do Dresde apanhadas na habitação do apartamento de cobertura, pendentes de que os majores façam o correto. Agora nós somos os adultos, controlamos nossas vidas. Até que Bart alcance a idade fixada para receber sua herança, você e eu somos os amos; o doutor Christopher Sheffield e sua esposa, do Manin County, Califórnia. Ninguém nos conhecerá como irmão e irmã. Não suspeitarão que somos
  • 21. legítimos descendentes dos Foxworth. Deixamos detrás de nós todos nossos problemas. Cathy, esta é nossa oportunidade. Aqui, nesta casa, podemos reparar todo o dano que nos causaram e a nossos filhos, em especial ao Bart. Não governaremos com vontade de aço e punho de ferro, ao estilo do Malcolm, a não ser com amor, compaixão e inteligência.
  • 22. Chris me rodeava com seu braço, me estreitando contra seu flanco, e isso me fez reunir as forças suficientes para contemplar a casa sob uma nova luz. Era formosa. Pelo bem do Bart, ficaríamos até que cumprisse os vinte e cinco anos e, passado esse dia, Chris e eu partiríamos, acompanhados pela Cindy para o Hawai, onde sempre tínhamos querido passar nossa vida, perto do mar e as brancas
  • 23. praias. Sim, assim devia ocorrer. Sorridente, voltei-me para o Chris: -Tem razão. Não tenho medo desta casa nem de nenhuma outra. Ele riu brandamente e baixou seu braço até minha cintura, me apressando para que avançasse. Pouco depois de ter finalizado seus estudos no instituto, meu filho maior, Jory, transladou-se a Nova Iorque para reunir-se com sua avó, madame Marisha,
  • 24. em cuja companhia de balé se integrou. Logo foi mencionado pelos críticos em seus artigos e conseguia papéis principais. Sua apaixonada pela infância, Melodie, tinha escapado ao este para reunir-se com ele. À idade de vinte anos meu Jory se casou com o Melodie, um ano mais jovem que ele. juntos tinham lutado e trabalhado para alcançar o topo. Formavam o casal de dança mais notável do país, com uma coordenação
  • 25. bela e perfeita, como se um pudesse penetrar na memore do outro com um brilho do olhar. Durante cinco anos tinham permanecido na crista do êxito. Cada representação provocava elogiosos comentários de crítica e público. Seus programas de televisão lhes proporcionaram uma audiência maior da que jamais tivessem obtido somente com atuações em teatros.
  • 26. Madame Marisha havia falecido enquanto dormia fazia dois anos, embora nos consolávamos sabendo que tinha vivido oitenta e sete anos e tinha trabalhado até o mesmo dia de sua morte. Por volta dos dezessete anos, meu segundo filho, Bart, transformou-se quase magicamente, deixando de ser um estudante torpe para converter-se no mais brilhante de sua escola. Nessa época Jory
  • 27. se estabeleceu em Nova Iorque. Naquele momento pensei que a ausência do Jory tinha provocado que Bart saísse de sua carapaça e que mostrasse interesse por aprender. Dois dias antes se graduou na Faculdade de Direito do Harvard, e ele foi o aluno que pronunciou o discurso de despedida de fim de carreira. Chris e eu nos tínhamos reunido com o Melodie e Jory em Boston, e no enorme
  • 28. paraninfo da Faculdade de Direito do Harvard tínhamos presenciado como Bart recebia seu diploma de graduação. Cindy, nossa filha adotiva, não nos acompanhava, pois se encontrava então na Carolina do Sul, na casa de seu melhor amiga. Tinha-me causado uma nova dor saber que Bart seguia sentindo ciúmes de uma garota que tinha feito todo o possível por obter sua aprovação, especialmente quando ele não
  • 29. tinha tratado absolutamente de ganhar a dela. Outro desgosto adicional para mim foi comprovar que Cindy não se liberou de sua antipatia por volta do Bart durante o tempo suficiente para assistir à cerimônia. -Não! -havia-me dito ela por telefone-. Não me importa que Bart me tenha enviado um convite! Só o tem feito para presumir. Pode pôr dez títulos detrás de seu nome e eu
  • 30. seguirei sem admirá-lo nem simpatizar com ele. Não poderia depois de quanto me tem feito. Explica a jory e ao Melodie o porquê, para não ferir seus sentimentos, mas não tem que dar explicações ao Bart; ele já sabe. Eu estava sentada entre o Chris e jory, assombrada de que meu filho, que em casa se mostrava tão reticente, caprichoso e pouco dado a comunicar-se com outros, pudesse haver-se
  • 31. elevado até o primeiro lugar de sua classe e ser renomado valedictorian. Suas serenas palavras criaram um feitiço contagioso. Olhei de esguelha ao Chris, que, pletórico de orgulho, devolveu-me o olhar com uma piscada. -Quem o tivesse adivinhado? É formidável, Cathy. Não está orgulhosa? Eu sim o estou. Sim, sim, é obvio, orgulhava- me ver o Bart lá encima. Entretanto, sabia que o Bart do
  • 32. podio não era o Bart que todos conhecíamos em casa. Possivelmente agora estava são, era completamente normal, como tinham assegurado os médicos. Não obstante, a meu modo de ver, ainda existiam pequenos indícios de que Bart não tinha trocado de forma tão radical como seus médicos pensavam. justo antes de nos separar me havia dito:
  • 33. -Deve estar ali, mãe, quando eu assuma minha independência. -Nem sequer tinha mencionado a probabilidade de que Chris me acompanhasse-. Para mim, o importante é que você esteja ali. Sempre tinha tido que esforçar- se por pronunciar o nome do Chris. -Convidaremos ao Jory e a sua esposa, e, é obvio, também a Cindy. -Fez uma careta quando nomeou à moça.
  • 34. Eu não conseguia compreender como podia haver alguém que sentisse tal animosidade por uma garota tão linda e doce como nossa querida filha adotiva. Me teria resultado impossível amar mais a Cindy embora tivesse sido carne de minha carne, e sangue de meu Christopher Doll. Em certo modo, desde que a tínhamos acolhido em nosso lar, quando só tinha dois anos, tínhamo-la considerado- nossa filha, quão
  • 35. única verdadeiramente podíamos declarar que pertencia a ambos. Cindy tinha dezesseis anos e era muito mais sensual do que eu tinha sido a sua idade. A diferença se devia a que ela não tinha sofrido tantas privações como eu. Suas vitaminas as tinha recebido do ar fresco e a luz do sol, elementos que tinham sido negados a quatro meninos prisioneiros. Cindy tinha desfrutado do melhor;
  • 36. bons mantimentos, exercício... Em troca, a nós só nos tinha devotado o pior. Chris perguntou se ficaríamos fora todo o dia, esperando que a copiosa chuva nos empapasse antes de entrar. Atirava de mim para dentro, me animando com sua acalmada confiança. Lentamente, enquanto os trovões começavam a retumbar aproximando-se com rapidez e no céu carregado e escuro ziguezagueava a eletricidade de
  • 37. terríveis relâmpagos, aproximamo-nos do grande pórtico do Foxworth Hall. Observei detalhes que antes me tinham acontecido inadvertidos. O chão do pórtico estava talher por teselas de três tonalidades distintas de vermelho, que formavam um mosaico em que se desenhava um esplendoroso sol, que conjuntaba com o sol do cristal que aparecia na parte superior das dobre portas principais.
  • 38. Olhei aquelas resplandecentes janelas e me alegrei. Não estavam ali antes. Possivelmente seria como Chris havia predito. -Deixa de procurar algo que nos roube o prazer deste dia, Catherine. Vejo-o em seu rosto, em seus olhos. juro e dou minha palavra de honra de que abandonaremos esta casa e partiremos para o Hawai logo que Bart tenha celebrado sua festa. Se uma vez ali se
  • 39. aproximar um furacão e envia uma onda gigante que barra nosso lar, seguro que terá ocorrido porque você terá esperado que tal desgraça aconteça. Fez-me rir. -Não se esqueça do vulcão -disse sonriendo maliciosa-. Poderia nos arrojar lava ardente. -Ele riu e me deu uma palmada brincalhona no traseiro.
  • 40. -Para! Por favor, por favor. Em 10 de agosto estaremos no avião, mas te aposto a que então se preocupará pelo Jory, pelo Bart, e te perguntará que estará fazendo nesta casa, completamente sozinho. Nesse momento recordei algo que tinha esquecido. No interior do Foxworth Hall nos aguardava a surpresa que Bart tinha prometido que encontraríamos. Olhou-me de
  • 41. forma estranha quando me disse: -Mãe, ficará pasmada quando vir... -Fez uma pausa, sorriu, e o notei inquieto-. viajei de avião até ali todos os verões só para comprovar como partiam as obras e me assegurar de que a casa não estava desatendida e abandonada à deterioração e a ruína. ditei ordens aos decoradores de interiores para que lhe dêem o aspecto exato que estava acostumado a ter,
  • 42. exceto em meu escritório. Quero que seja muito moderna, com todo o conforto eletrônico que eu necessitarei. Mas se quer pode modificar algumas costure para fazê-la mais agradável. Agradável? Como podia resultar agradável uma casa como essa? Sabia o que se sentia ao estar encerrada dentro, engolida, apanhada para sempre. Estremeci-me para ouvir o ruído de meus
  • 43. saltos altos junto ao som apagado dos sapatos do Chris enquanto nos aproximávamos das portas negras com seus brasões decorados com os emblemas heráldicos. Perguntei-me se Bart teria procurado até encontrar, entre os antepassados do Foxworth, os títulos aristocráticos e os brasões que ele desejava desesperadamente e parecia necessitar. Em cada uma das negras portas tinha pesados
  • 44. aldabones de cobre e, entre as portas, um pequeno pulsador quase invisível, que fazia soar um timbre. -Estou seguro de que esta casa está cheia de aparelhos modernos que sobressaltariam aos genuínos habitantes dos lares históricos da Virginia -sussurrou Chris. Sem dúvida, Chris tinha razão. Bart estava apaixonado por passado, mas ainda mais encaprichado com o futuro.
  • 45. Não havia engenho eletrônico saído ao mercado que ele não comprasse. Chris tirou do bolso a chave da porta que Bart lhe tinha entregue no mesmo instante em que tomamos o avião de Boston. Chris me sorriu quando introduziu a grande chave de latão na fechadura. antes de completar o giro, a porta se abriu silenciosamente. Assustada, retrocedi um passo. Chris me empurrou de novo
  • 46. para frente, enquanto falava com cortesia ao velho que nos convidou a entrar com um gesto. -Passem -disse com voz débil mas rouca, ao tempo que nos examinava de cima abaixo-. Seu filho telefonou e me pediu que lhes esperasse. Estou contratado para ajudar..., por assim dizê-lo. Observei com atenção ao fraco ancião que se inclinava de tal modo que sua cabeça se
  • 47. projetava de forma desajeitada, e parecia que se achava escalando uma montanha incluso estando sobre uma superfície plaina. Tinha o cabelo descolorido, nem cinza nem loiro. Seus olhos eram de um aquoso azul pálido, as bochechas esvaídas, os olhos afundados, como se tivesse padecido tremendos sofrimentos durante muitos, muitíssimos anos. Havia algo nele que me resultava familiar.
  • 48. Minhas pernas, como se de repente fossem de Chumbo, negavam-se a mover-se. O feroz vento agitava a larga saia de meu vestido branco do verão, elevando-a-o suficiente para mostrar meus quadris no momento em que punha um pé dentro do fastuoso vestíbulo do Fênix chamado Foxworth Hall. Chris permanecia muito perto de mim. Soltou-me a mão para rodear com o braço meus ombros.
  • 49. -Sou o doutor Christopher Sheffield, e esta senhora é minha esposa. -Apresentou-nos com seu amável estilo-. Como está você? O enxuto ancião parecia relutante a tender a mão para estreitar a forte e moréia do Chris. Em seus magros e velhos lábios se desenhava uma sonrisilla torcida, cínica, que duplicava a malícia de uma sobrancelha povoada.
  • 50. -Encantado de lhe conhecer, doutor Sheffield. Eu era incapaz de apartar a vista daquele velho curvado de olhos azuis. Havia algo em seu sorriso, seu cabelo fino com grandes mechas chapeadas, aqueles olhos com suas surpreendentes pestanas escuras... Papai! pareceria-se com nosso pai se tivesse vivido o tempo suficiente para chegar a ser tão velho como esse homem que
  • 51. tínhamos diante de nós e tivesse sofrido toda classe de torturas conhecidos pela humanidade. Recordava a meu papaíto, meu adorável e bonito pai -que tinha sido o gozo de mim juventude. Como tinha rogado voltar a lhe ver algum dia. A velha mão fibrosa foi agarrada firmemente pelo Chris, e foi então quando o velho nos disse quem era ele.
  • 52. -Sou seu velho tio perdido, conforme se acreditava, nos Alpes suíços, faz agora cinqüenta e sete anos. Joel FOXWORTH Rapidamente Chris disse todas as frases adequadas para dissimular a impressão que, sem dúvida, traslucieron nossos rostos. -assustou você a minha esposa -explicou cortesmente-. Seu
  • 53. nome de solteira era Foxworth, e até agora ela tinha acreditado que todos os membros de sua família materna tinham morrido. Um leve sorriso de soslaio flutuou como uma sombra na cara de «tio Joel» antes de que nela aparecesse o gesto piedoso e benigno dos excelsamente puros de coração. -Compreendo -disse o ancião com uma voz lhe sussurrem que soava como um vento
  • 54. ligeiro fazendo ranger de forma desagradável as folhas mortas. Nas profundidades cerúleas dos lacrimosos olhos do Joel aninhavam escuras sombras sinistras. Sabia que Chris consideraria que minha imaginação estava trabalhando outra vez mais do devido. «Não há sombras, não há sombras, não há sombras ... », tentava me convencer, salvo aquelas que eu mesma me criava.
  • 55. Para afugentar as suspeitas que despertava em mim esse velho que declarava ser um dos dois irmãos de minha mãe, observei com atenção o vestíbulo que tão freqüentemente se utilizou como sala de baile. Ouvi como o vento aumentava sua intensidade à medida que os trovões se aproximavam indicando que a tempestade estava quase em cima de nós. OH! Lancei um suspiro por aquele dia em que eu tinha
  • 56. doze anos e contemplava a chuva, desejando dançar naquela mesma sala com o homem que era o segundo marido de minha mãe e que mais tarde seria o pai de meu segundo filho, Bart: um suspiro pela jovem cheia de fé que fui então, tão confiada em que o mundo era um lugar belo e bondoso. O que me pareceu impressionante quando era só uma menina, não era nada em
  • 57. comparação com quanto tinha visto depois de que Chris e eu tivéssemos viajado por toda a Europa e visitado a Ásia e Egito. Entretanto, o vestíbulo me pareceu mais elegante e grandioso do que me tinha parecido quando eu tinha doze anos. Era uma pena que aquele esplendor ainda me afligisse. Olhei ao redor e senti temor a meu pesar. Uma angústia estranha se apoderava de meu
  • 58. coração e fazia que palpitasse com mais força e que meu sangue corresse mais às pressas e ardentemente. Contemplei as três aranhas de cristal e ouro, cada uma das quais media mais de quarenta e cinco decímetros de diâmetro e sustentava sete fileiras de velas. Quantas filas tinha havido antes? Cinco? Três? Não podia recordá-lo. Observei os grandes espelhos do Marcos dourados, que rodeavam o vestíbulo,
  • 59. refletindo o delicioso mobiliário Luis XIV onde aqueles que não dançavam podiam acomodar-se para conversar. Não tinha que ser assim! As coisas passadas nunca são como se recordam... por que esse segundo Foxworth Hall me intimidava ainda mais que o original? Então reparei em algo mais, algo que não esperava ver. Aquelas escadas dobre que
  • 60. formavam curva, dispostas uma à direita e outra à esquerda de um vasto espaço de mármore de quadros vermelhos e brancos, não eram as mesmas escadas, restauradas, mas as mesmas? Não tinha presenciado eu como o incêndio tinha consumido Foxworth Hall até deixá-lo convertido em rescaldos vermelhos e fumaça? As oito chaminés tinham agüentado, firmes, assim como as escadas
  • 61. de mármore. Os corrimões de desenho e o passamanes de pau-rosa deveram queimar-se e ser substituídos. Traguei para desfazer o nó que me tinha formado na garganta. Tivesse desejado que a casa fosse nova, totalmente nova, que nada ficasse do velho. Joel me observava atentamente, demonstrando assim que minha cara revelava mais que a do Chris. Quando nossos olhares se cruzaram, ele desviou
  • 62. imediatamente a sua antes de fazer um gesto para nos indicar que lhe seguíssemos. O ancião nos mostrou as formosas habitações do primeiro piso enquanto eu permanecia aturdida, sem fala, e Chris formulava todas as perguntas necessárias antes de que nos acomodássemos em um dos salões da planta inferior e Joel começasse a nos relatar sua própria história.
  • 63. Durante o percurso se deteve na enorme cozinha para nos preparar um lanche como lanche. Rechaçou a ajuda do Chris e nos serve uma bandeja com chá e uns deliciosos sanduíches. Chris estava faminto e em poucos minutos tinha despachado seis sanduíches e se dispunha a agarrar outro quando Joel lhe serve uma segunda taça de chá. Em troca eu tinha pouco apetite, o que era de esperar.
  • 64. Limitei-me a comer um pouco e a sorver um pouco de chá, que estava muito quente e era muito forte, ansiosa por ouvir a história que Joel ia contar nos. Sua voz era débil, com aqueles ásperos tons baixos que faziam acreditar que estava resfriado e lhe resultava difícil falar. Entretanto, esqueci em seguida o tom desagradável de sua voz quando procedeu a explicar o que eu sempre tinha querido saber sobre nossos avós e a
  • 65. infância de nossa mãe. Não demorou para fazer-se evidente que tinha odiado muito a seu pai, e então comecei a sentir certa simpatia para ele. -dirigia-se você a seu pai por seu nome de pilha? -Foi a primeira pergunta que expus desde que ele iniciou sua narração, e minha voz soou como um sussurro assustado, como se o próprio Malcolm pudesse estar espreitando,
  • 66. escutando desde algum lugar próximo. Seus lábios magros se moveram para torcer-se em um grotesco sorriso zombador. -Naturalmente. Meu irmão Mau era quatro anos maior que eu, e sempre referíamos a nosso pai por seu nome, embora nunca em sua presença; não tínhamos tanto coragem. Não podíamos lhe chamar «pai» porque não era um pai de verdade. lhe chamar «papai»
  • 67. parecia ridículo porque tivesse indicado uma relação afetuosa, que nem tínhamos nem desejávamos. Quando devíamos nos dirigir a ele, chamávamo-lhe «pai», embora em realidade procurávamos não ser vistos nem ouvidos por ele. Desaparecíamos quando se achava aqui. Além de um despacho na casa, tinha um escritório na Cidade, da que dirigia a maioria de seus negócios. Sempre estava
  • 68. trabalhando, sentado detrás de uma pesada mesa de escritório que supunha uma espécie de barreira para nós. Inclusive quando se encontrava em casa, as arrumava para mostrar-se distante, intocável. Nunca estava ocioso, mas sim ocupava seu tempo efetuando chamadas telefônicas desde seu escritório para que nós não pudéssemos escutar seus transações.
  • 69. »Falava pouco com nossa mãe, mas a ela não parecia lhe importar. Em estranhas ocasiões lhe vimos sustentar a nossa hermanita, bebê ainda, em seu regaço. Quando assim ocorria, escondíamo-nos e o observávamos com estranhos desejos em nossos peitos. Depois falávamos disso, nos perguntando por que sentíamos ciúmes do Corine, posto que ela era freqüentemente castigada com a mesma
  • 70. severidade que nós. Sin- embargo nosso pai se mostrava pesaroso quando a castigava a ela. Para compensar alguma humilhação, alguma surra, ou havê-la encerrado no apartamento de cobertura, um de seus modos favoritos de nos castigar, acostumava dar de presente ao Corine uma custosa peça de joalheria, uma boneca ou um brinquedo caro. Ela desfrutava de quanto uma menina pudesse desejar, mas se
  • 71. obrava mal lhe tirava o que ela mais apreciava e o doava à igreja de que era protetor. Corine chorava e procurava conquistar de novo seu afeto, mas ele podia voltar-se contra ela com a mesma facilidade com que se inclinava em seu favor. »Quando Mal e eu tentávamos conseguir algum obséquio de consolação, ele nos voltava as costas e nos dizia que nos levássemos como homens e
  • 72. não como meninos. Nós dois acreditávamos que sua mãe sabia muito bem como enrolar a nosso pai para obter dele o que desejava. Em troca nós fomos incapazes de atuar com doçura, de lhe persuadir. Podia imaginar a minha mãe de menina, correndo por essa formosa mas sinistra casa, crescendo entre coisas luxuosas e caras. Por essa razão quando mais tarde se casou com papai, que ganhava um salário
  • 73. modesto, ela seguia sem preocupar-se com o que gastava. Eu continuava sentada ali, escutando assombrada as palavras do Joel. -Corine e nossa mãe não simpatizavam. À medida que meu irmão e eu crescemos, constatamos que nossa mãe invejava a beleza de sua própria filha, e seus muitos encantos, que lhe permitiriam converter a qualquer homem
  • 74. em seu brinquedo. Corine era excepcionalmente formosa. Inclusive nós, seus irmãos, percebíamos o poder que ela chegaria a alcançar algum dia. -Joel colocou as mãos abertas sobre suas pernas. Suas mãos eram nodosas, mas de algum jeito conservavam certo resto de elegância, possivelmente porque as movia com graça ou talvez porque eram pálidas-. Observem toda esta grandiosidade e beleza e
  • 75. imaginem uma família cujos membros, atormentados, lutavam por liberar-se das cadeias com que Malcolm nos amarrava. Inclusive nossa mãe, que tinha herdado uma fortuna de seus próprios pais, estava sujeita a um estrito controle. »Mau escapou do negócio bancário, que detestava e no que Malcolm lhe tinha forçado a participar, e lançando-se em sua moto para as montanhas, para ficar ali em uma cabana de
  • 76. troncos que ambos tínhamos construído. Convidávamos a nossas amigas e fazíamos todo aquilo que sabíamos que nosso pai desaprovaria, desafiando, deliberadamente, sua absoluta autoridade. »Um terrível dia do verão, Mal se despenhou por um precipício; tiveram que extrair seu corpo do terreno baixo. Tinha então vinte e um anos, e eu, dezessete. Nesse momento me senti meio morto, vazio e
  • 77. só sem meu irmão. Meu pai se dirigiu para mim depois do funeral de Mal para me anunciar que deveria ocupar o posto de meu irmão maior e trabalhar em um de seus bancos para aprender o necessário sobre o mundo financeiro. Tivesse podido muito bem me ordenar que me cortasse as mãos e os pés. Aquela mesma noite fugi de casa.
  • 78. Em torno de nós, a enorme casa parecia aguardar silenciosa, muito silenciosa. Também a tempestade parecia conter a respiração, embora, conforme contemplei através da janela, o pesado céu cinza aparecia cada vez mais denso e fechado. Movi-me ligeiramente, me aproximando mais ao Chris no elegante sofá. Frente a nós, em uma poltrona de respaldo alto, Joel permanecia sentado, calado,
  • 79. como se estivesse apanhado em suas melancólicas lembranças e Chris e eu tivéssemos deixado de existir para ele. -Onde foi você? -perguntou Chris, deixando sua taça de chá e acomodando-se antes de cruzar as pernas. Sua mão. procurou a minha-. Deveu ser difícil para um moço de dezessete anos sentir-se só e livre... Joel voltou bruscamente para a realidade e parecia assombrado
  • 80. por achar-se de novo na odiada casa de sua infância. -Não resultou fácil. Não sabia fazer nada prático, mas tinha muito talento para a música. Arrolei-me em um vapor de carga e trabalhei como marinheiro para me pagar a viagem a França. Pela primeira vez em minha vida, tive calosidades nas mãos. Uma vez na França, encontrei trabalho em um local noturno onde ganhava uns francos à semana.
  • 81. Não demorei para me cansar das largas horas perdidas ali e parti a Suíça, com a intenção de ver mundo e nunca retornar a casa. Encontrei outro trabalho como músico de um local noturno em um pequeno hotel suíço perto da fronteira italiana e logo uni aos grupos de esquiadores alpinos. Passava a maior parte de meu tempo livre esquiando, e durante o verão, fazendo excursões ou passeando em bicicleta. Um
  • 82. dia, uns bons amigos me pediram que lhes acompanhasse em uma aventura um pouco arriscada que consistia em esquiar montanha abaixo de um pico muito elevado. Teria então uns dezenove anos. »Durante o trajeto perdi o controle e caí de cabeça em uma profunda greta de gelo. Como os outros quatro partiam diante de mim rendo e gritando-os uns aos outros, não
  • 83. se deram conta disso. Rompi- me a perna na queda. Estive ali tendido durante um dia e meio, quase inconsciente, até que duas monges que viajavam de burro ouviram meus débeis gritos de ajuda. Conseguiram me tirar dali, embora eu não o recordo bem, pois estava exânime pela fome e enlouquecida pela dor. Quando recuperei o sentido, achava-me em seu monastério, e uns rostos bondosos me sorriam. O
  • 84. convento se encontrava na parte italiana dos Alpes, e eu não sabia nenhuma palavra de italiano. Ensinaram-me latim enquanto minha perna rota se curava, e depois aproveitei meu limitado talento artístico para pintar murais e decorar manuscritos com ilustrações religiosas. Às vezes tocava o órgão. Quando a perna teve sanado e pude caminhar, descobri que me agradava aquela vida tranqüila, as tarefas
  • 85. artísticas que me encarregavam, a música que tocava à saída e o pôr-do-sol, a silenciosa rotina dos sossegados dias de rezas, trabalho e abnegação. Fiquei e, com o tempo, converti-me em um deles. Naquele monastério, no alto das montanhas, encontrei ao fim a paz. Sua história tinha terminado. Continuou sentado, olhando ao Chris. Logo dirigiu seus olhos pálidos, mas ardentes, para
  • 86. mim. Sobressaltada por seu olhar penetrante, tentei não tremer para não manifestar a repugnância que aquele homem me inspirava. Ele eu não gostava, embora se parecesse um pouco ao pai a quem tanto tinha amado. De fato não tinha nenhum motivo para sentir aversão para o Joel. Suspeitei que aquele sentimento o provocavam minha própria ansiedade e o temor de que estivesse a par de que Chris era
  • 87. realmente meu irmão e não meu marido. O tinha contado Bart? Teria advertido o parecido do Chris com os Foxworth? Não podia sabê-lo. Joel me sorria, desdobrando seu caduco encanto para me conquistar. Era o bastante sensato para intuir que não era ao Chris a quem tinha que convencer. -por que retornou você? -perguntou Chris.
  • 88. De novo Joel se esforçou em sorrir. -Um dia, um jornalista americano foi ao monastério para escrever uma história a respeito do que representava ser monge no mundo moderno de hoje. Posto que eu era o único que falava inglês ali, estava acostumado a atuar como representante de outros. Perguntei casualmente a aquele homem se tinha ouvido falar dos Foxworth da Virginia. É
  • 89. obvio, assim era, já que Malcolm tinha acumulado uma grande fortuna e freqüentemente participava da vida política. Foi então quando me inteirei de sua morte e da de minha mãe. Quando o jornalista partiu, não podia evitar pensar nesta casa e em minha irmã. Os anos se fundem com facilidade uns com outros quando todos os dias são iguais e não há calendários à vista. portanto, decidi retornar e falar
  • 90. com minha irmã para tratar de conhecê-la melhor. O jornalista não tinha mencionado se ela se casou. Quando já levava quase um ano no povo, agasalhado em um motel, inteirei-me de que a casa original se incendiou uma noite de Natal, que minha irmã tinha sido internada em um manicômio e que a tremenda fortuna dos Foxworth lhe tinha sido legada. Quando Bart se apresentou aquele verão, soube o resto:
  • 91. como morreu minha irmã, como herdou ele... Baixou os olhos com modéstia: -Bart é um jovem notável; eu desfruto com sua companhia. antes de que ele viesse, estava acostumado a passar boa parte de meu tempo aqui acima, conversando com o guardião, quem me falou do Bart e suas freqüentes visitas para dar instruções aos construtores e os decoradores, a quem tinha expresso seu desejo de
  • 92. conseguir que esta casa tivesse um aspecto idêntico a anterior. Propu-me estar presente quando Bart acudisse a próxima vez. Conhecemo-nos, expliquei-lhe quem era eu, e ele pareceu alegrar-se muito. Essa é toda a história. Realmente? Olhei-o com dureza. Teria retornado pensando obter uma parte da fortuna que Malcolm tinha deixado? ele poderia destruir a vontade de minha mãe e ficar
  • 93. com um bom pedaço para si? Se assim era, perguntava-me por que ao Bart não tinha inquietado inteirar-se de que Joel estava vivo. Não traduzi meus pensamentos com palavras, mas sim me limitei a permanecer sentada, enquanto Joel se sumia em um comprido silencio taciturno. Chris se levantou. -foi um dia muito ocupado para nós, Joel, e minha esposa está muito cansada. você poderia
  • 94. nos indicar que habitações vamos ocupar para que possamos nos refrescar e descansar? Joel ficou em pé imediatamente desculpando-se por mostrar uma hospitalidade tão pobre e em seguida nos acompanhou até a escada. -eu adorarei ver de novo ao Bart. Foi muito generoso ao me oferecer alojamento nesta casa. Entretanto, todas estas habitações me recordam muito
  • 95. a meus pais. Meu dormitório se acha em cima da garagem, perto das dependências dos serventes. justo naquele momento soou o telefone. Joel me tendeu isso. -É seu filho maior que chama de Nova Iorque -disse com sua voz fria e áspera-. Podem usar o telefone do primeiro salão se ambos querem falar com ele. Chris se apressou a desprender o auricular de outro telefone enquanto eu saudava o Jory.
  • 96. Sua voz feliz dissipou algo a tristeza e a depressão que me embargavam. -Mamãe, papai, consegui cancelar alguns pequenos compromissos, e Mel e eu estamos livres para viajar até aí em avião e estar com vós. Os dois estamos cansados e necessitamos umas férias. Além disso, nós gostaríamos de jogar uma olhada a essa casa de que tanto ouvimos falar. É realmente como a original?
  • 97. OH, sim, muito. Eu transbordava de alegria porque Jory e Melodie se reuniriam conosco. Quando Cindy e Bart chegassem, voltaríamos a ser uma família, vivendo sob o mesmo teto, algo que eu não tinha conhecido desde fazia muito tempo. -Não, naturalmente que não me importa renunciar à cena durante uma temporada -assegurou com tom desenvolto respondendo a minha
  • 98. pergunta-. Estou cansado. Inclusive noto meus ossos debilitados pela fadiga. A ambos convém um bom descanso ... e temos notícias para vós. Não disse nada mais. Penduramos, e Chris e eu sorríamos. Joel se tinha retirado para nos deixar sós e reaparecia de novo. aproximava-se com passo inseguro e vacilante a uma mesa de estilo francês, sobre a
  • 99. que havia um grande vaso de mármore que continha um buquê de flores seca, enquanto falava do conjunto de habitações que Bart tinha planejado para meu uso. Olhou-me primeiro e depois ao Chris, antes de acrescentar: -E para você também, doutor Sheffield. Joel voltou seus lacrimosos olhos para estudar minha expressão, encontrando ao
  • 100. parecer algo nela que lhe agradava. Enlaçando meu braço com o do Chris, encaminhei-me para a escada que nos conduziria acima, outra vez a aquele segundo piso onde tudo tinha começado; o maravilhoso e pecaminoso amor que entre o Chris e eu tinha nascido na penumbra do poeirento e ruinoso apartamento de cobertura, um lugar escuro cheio de móveis velhos e
  • 101. trastes, com papel floreado na parede e promessas rotas a nossos pés. LEMBRANÇAS Quando nos achávamos em metade da escada, detive-me para olhar para baixo, desejando ver algo que antes tivesse escapado a minha atenção. Inclusive durante a narração do Joel e nosso frugal lanche, eu não tinha deixado de
  • 102. observar quanto tinha visto com antecedência. Da habitação onde tínhamos estado, tinha podido olhar facilmente para o vestíbulo, decorado com os espelhos e o elegante mobiliário francês disposto ordenadamente em pequenos grupos que tratavam, em vão, de criar um ambiente de intimidade. O chão de mármore brilhava como o cristal por causa dos muitos polimentos. Senti o
  • 103. entristecedor desejo de dançar, dançar, e fazer piruetas até cair. Chris se impacientava e atirava de mim para cima, até que por fim chegamos a grande rotunda. De novo olhei para baixo, para a sala de dance- vestíbulo. -Cathy, perdeste-te em suas lembranças? -murmurou Chris, ligeiramente contrariado-. Não chegou já o momento de que ambos esqueçamos o passado e
  • 104. sigamos para frente? Vamos, deve estar muito cansada. As lembranças iam a minha mente com rapidez e fúria; Cory, Carrie, Bartholomew Winslow. Pressentia-os a todos ao redor, susurrantes, susurrantes. Voltei a olhar ao Joel, que nos havia dito que não queria que lhe chamássemos tio Joel. Aquele distinto título estava reservado para meus filhos.
  • 105. Seu aspecto devia ser como o que teve Malcolm, embora seus olhos eram mais brandos, menos penetrantes que aqueles que nós tínhamos visto naquele enorme retrato, tamanho natural, do Malcolm na sala de «troféus». Me disse que não todos os olhos azuis eram cruéis e desumanos. Em realidade, eu devia saber o melhor que ninguém. Estudei abertamente o rosto avejentado que tinha ante mim,
  • 106. no qual ainda podiam apreciá- los rasgos do jovem que tinha sido. Seus finos cabelos deveram ser loiros, e sua cara, muito semelhante a de meu pai, e a de seu filho. Ao pensar em tal parecido, relaxei-me e me obriguei a avançar um passo para lhe abraçar. -Bem vindo ao lar, Joel. Seu velho corpo frágil me resultou frio e quebradiço entre meus braços. Notei sua bochecha áspera quando meus
  • 107. lábios depositaram um beijo nela. encolheu-se e se separou de mim como se se sentisse poluído por meu contato; possivelmente tinha medo das mulheres. Apartei-me com brutalidade, lamentando então ter tentado me mostrar cálida e amistosa. O contato corporal estava proibido aos Foxworth a menos que existisse um certificado de primeiro matrimônio. Senti-me alterada e meu olhar procurou a do
  • 108. Chris. «Tranqüila -disseram- me seus OLHOS-, tudo sairá bem.» -Minha esposa está muito cansada -recordou com suavidade Chris-. tivemos um programa muito apertado, com a graduação de nosso filho menor, as festas e a viagem. Joel rompeu o prolongado e tenso silêncio que mantinha a todos de pé na rotunda a meia luz, e mencionou que Bart tinha previsto contratar
  • 109. serventes. De fato já tinha telefonado a uma agência de emprego e anunciado que nós entrevistaríamos a algumas pessoas em seu nome. Seu murmúrio era tão inaudível que logo que entendi o que disse; sobre tudo, porque minha mente estava muito ocupada com especulações enquanto olhava fixamente para a asa norte, para aquela habitação isolada do fundo onde tínhamos sido encerrados.
  • 110. Estaria ainda igual? Teria ordenado Bart que se colocassem ali duas camas dobre, entre o amontoado de móveis escuros e antigos? Esperava e rogava que não fosse assim. de repente Joel pronunciou umas palavras para as que não estava preparada. -Parece-te com sua mãe, Catherine. Olhei-o fixamente, com o rosto inexpressivo, ressentida pelo
  • 111. que ele possivelmente considerava um completo. Permaneceu imóvel, como se aguardasse uma ordem silenciosa, nos olhando a mim e ao Chris antes de dá-la volta para nos conduzir até nossa habitação. O sol, que tinha brilhado de modo resplandecente quando chegamos era já uma lembrança remota, ao começar a chuva a cair copiosamente sobre o telhado de piçarra com
  • 112. uma força dura e firme semelhante a das balas. Os trovões rugiam e estalavam sobre nossas cabeças, e os relâmpagos rasgavam o céu, crepitando cada poucos segundos. Cobri-me nos braços do Chris, estremecida ante o que me parecia a ira de Deus. Depois dos cristais das janelas os hilillos de água caíam do canelone do telhado formando regueros que logo alagariam os jardins e arrasariam quanto
  • 113. estava vivo e era formoso. Suspirei e me senti miserável por ter retornado ao lugar que me fazia sentir de novo jovem e tremendamente vulnerável. -Sim, sim -murmurou Joel-, igual a Corine. -Seus olhos me examinaram com atenção uma vez mais, e depois baixou a cabeça com tal lentidão que puderam ter transcorrido cinco minutos, ou acaso cinco segundos.
  • 114. Possivelmente os monges ficam freqüentemente em pé com as cabeças inclinadas, rezando, sumidos em uma adoração silenciosa; talvez isso era o que aquilo significava. Eu não sabia nada absolutamente sobre monastérios e a classe de vida que os monges levavam. -Temos que desfazer a bagagem -disse Chris, mais enérgico-. Minha esposa está esgotada. Necessita um banho e uma sesta, já que as viagens
  • 115. sempre fazem que se sinta cansada e suja. -Perguntei-me por que se incomodava em dar explicações. Com passo lento, arrastando os pés, Joel nos conduziu finalmente pelo comprido corredor. Girou e, para minha consternação e angústia, encaminhou-se para a asa sul onde se achavam as suntuosas habitações que antigamente tinha ocupado nossa mãe. Em outro tempo, eu tinha desejado
  • 116. ansiosamente dormir em sua gloriosa cama de cisne, me sentar a seu penteadeira comprido, me inundar em sua banheira de mármore negro, embutida no chão e rodeada de espelhos. Joel se parou ante a dobro porta, sobre os dois degraus largos, atapetados, curvados para fora formando meias luas. Esboçou um sorriso estranho. -A asa de sua mãe -disse. Detive-me diante daquela porta
  • 117. que tão bem recordava. Senti- me transtornada e olhei com desespero ao Chris. A chuva se acalmou até converter-se em um persistente tamborilo staccato. Joel abriu um batente da porta e entrou no dormitório. Chris aproveitou a oportunidade para me sussurrar: -Para ele somos só marido e mulher, Cathy..., é tudo o que sabe.
  • 118. Com lágrimas nos olhos, entrei naquela habitação, onde, para minha surpresa, encontrei o que supunha se queimou no incêndio: a cama! Ali se achava a cama em forma de cisne, cujos cortinados de fantasia rosa eram graciosamente sustentados pelos extremos das plumas das asas, transformadas em dedos. A curvatura do pescoço e o olho de rubi vigilante e sonolento que custodiava aos
  • 119. ocupantes da cama, eram idênticos aos que tinha o cisne que eu recordava. Contemplei-a sem dar crédito a meus olhos. Dormir naquela cama? me deitar na cama onde minha mãe tinha jazido nos braços do Bartholomew Winslow, seu segundo marido, homem que eu lhe tinha roubado e que era o pai de meu filho Bart? Aquele homem ainda aparecia em meus pesadelos e me enchia de
  • 120. remorsos. Não! Não poderia dormir naquela cama! jamais! No passado tinha ansiado me deitar nesse mesmo leito com o Bartholomew Winslow. Que jovem e estúpida fui então ao acreditar que o material proporcionava realmente a felicidade, e que se ele fosse só meu já nada mais desejaria na vida. -Não é uma maravilha essa cama? -perguntou Joel detrás de mim-. Bart se encarregou
  • 121. pessoalmente de encontrar artesãos que esculpissem a cabeceira de forma de cisne. Conforme me comentou, olhavam-no como se de um louco se tratasse. Mas contatou com alguns homens velhos que estiveram encantados de poder construir algo que consideraram criativo e economicamente rentável. Ao parecer, Bart dispunha de descrições que detalhavam que o cisne devia- de ter a cabeça
  • 122. volta, um olho sonolento com um rubi e plumas em forma de dedos para sustentar os cortinados transparentes da cama. OH!, que alvoroço armou quando não o fizeram bem a primeira vez. Depois quis que houvesse um pequeno cisne aos pés da cama; para ti, Catherine, para ti. Chris falou com voz severo. -Joel, o que te contou realmente Bart?
  • 123. colocou-se a meu lado e me rodeou os ombros com seu braço, me protegendo do Joel, de tudo. junto a ele, eu teria vivido em uma choça com teto de palha, em uma loja de campanha ou em uma cova. Ele me dava vigor. O velho esboçou um sorriso débil e sarcástico ao dar-se conta da atitude protetora do Chris. -Bart me explicou toda a história de sua família. Sempre
  • 124. necessitou a um homem mais velho que ele com quem falar. Fez uma pausa significativa, dirigindo um olhar ao Chris, que não podia deixar de aceitar a insinuação. Embora se esforçava por dominar-se, vi-o franzir ligeiramente o sobrecenho. Joel parecia sentir complacência em continuar. -Bart me contou como sua mãe e os irmãos dela foram encerrados sob chave durante mais de três anos, até que esta
  • 125. fugiu com sua irmã, Carrie, quão gêmea ficava viva, a Carolina do Sul. Também me disse que você, Catherine, demorou anos em encontrar o marido adequado que melhor se acomodasse a suas necessidades. Por isso agora está casada com o... doutor Christopher Sheffield. Suas palavras continham tantas alusões veladas que bastaram para me fazer estremecer com um frio súbito.
  • 126. Joel saiu por fim da habitação e fechou a porta com suavidade. Então Chris pôde me proporcionar a segurança que eu necessitava se tinha que permanecer nesse dormitório, embora só fosse uma noite. Beijou-me, abraçou-me, acariciou-me as costas e o cabelo; tranqüilizou-me até que fui capaz de contemplar o conjunto de habitações às que Bart se empenhou em dotar do luxo que antes tinham tido.
  • 127. -trata-se só de uma cama, uma reprodução da original -disse Chris brandamente, com olhos quentes e pormenorizados-. Nossa mãe não se deitou nesta cama, meu carinho. Recorda que Bart leu seus escritos. Tudo está disposto assim porque você construiu o modelo para que ele o seguisse. Descreveu essa cama te recreando de tal modo nos detalhes que ele certamente acreditou que desejava que
  • 128. suas habitações fossem como as que estava acostumado a ter nossa mãe. Possivelmente segue desejando-o inconscientemente, e Bart sabe. nos perdoe aos dois pelo engano, se acaso me equivocar. Deve pensar que sua única intenção foi te agradar decorando esta habitação tal e como estava antes, e que para isso gastou muito dinheiro.
  • 129. Aturdida, negava que alguma vez tivesse desejado o que ela tinha, mas não me acreditou. -Seus desejos, Catherine! Desejava ter quanto ela possuía! Sei, seus filhos também. portanto, não nos culpe por ser capazes de interpretar seus desejos, embora você os dissimule com subterfúgios inteligentes. Tivesse querido lhe odiar por me conhecer tão bem. Entretanto, rodeei-lhe com
  • 130. meus braços e apertei a cara contra o peitilho de sua camisa, tremendo e tratando de ocultar a verdade, inclusive a mim mesma. -Chris, não seja duro comigo -solucei-. Surpreendeu-me tanto ver que estas habitações tinham quase o mesmo aspecto que quando nós entrávamos para roubar... e seu marido... Chris me abraçou com força. -O que te parece Joel? -perguntei.
  • 131. Refletiu antes de responder: -Eu gosto, Cathy. Parece sincero e sem dúvida agradece que estejamos dispostos a permitir que fique aqui. -Há-lhe dito que podia ficar? -murmurei. -Claro, por que não? Nos partiremos logo que Bart faça vinte e cinco anos, quando se independice. Além disso, pensa na maravilhosa oportunidade que nos brinda de saber mais sobre os Foxworth. Joel pode
  • 132. nos explicar detalhes que rememoramos a respeito da juventude de nossa mãe e a vida da família naquela época. Possivelmente quando conhecermos todos os dados compreenderão o que incitou a ela a nos trair e por que o avô nos desejava a morte. Tenho a impressão de que no passado se oculta uma horrível verdade que torturou o cérebro do Malcolm de tal forma que lhe impulsionou a dominar os
  • 133. instintos naturais de nossa mãe de manter com vida a seus próprios filhos. Em minha opinião, Joel já havia dito o suficiente abaixo. Eu não queria me inteirar de nada mais. Malcolm Foxworth tinha sido um desses estranhos seres humanos sem consciência e incapazes de sentir remorsos por qualquer malote ação cometida. Não havia justificação para ele nem possibilidade de entendê-lo.
  • 134. Em atitude suplicante, Chris me olhou fixamente aos olhos expondo seu coração e sua alma às injúrias de meu desprezo. -Eu gostaria de saber algo mais sobre a juventude de nossa mãe, Cathy, para compreender o que lhe levou a ser como era. Feriu-nos tão profundamente que considero que nenhum de nós se recuperará até que consigamos entender a razão. Eu a perdoei, mas não consigo
  • 135. esquecer. Desejo conhecer as causas para poder te ajudar a perdoá-la... -Servirá isso de algo? -perguntei com sarcasmo-. Já é muito tarde para compreender ou perdoar a nossa mãe, e, para ser sincera, não desejo encontrar a compreensão, pois, se a encontro, possivelmente não fique mais remedeio que perdoá-la. Chris deixou cair os braços aos lados do corpo. deu-se a volta e
  • 136. se afastou de mim a grandes pernadas. -vou procurar nossa bagagem. Toma um banho enquanto isso. Quando tiver terminado eu já teria desempacotado tudo. -deteve-se na soleira, sem voltar-se para me olhar-. Tenta com todas suas forças, aproveitar a situação para te reconciliar com o Bart. Não se perdeu toda esperança de recuperação, Cathy. Já o ouviu na cerimônia de graduação.
  • 137. Esse moço tem uma habilidade notável para a oratória. Pronunciou um discurso inteligente. Agora é um líder, Cathy, quando antes não era mais que um ser tímido e introvertido. Devemos considerar uma bênção que ao fim Bart tenha saído de sua concha. Baixei a cabeça com humildade.
  • 138. -Sim, farei o que possa. me perdoe, Chris, por me mostrar tão teimosa uma vez mais. Chris sorriu e partiu. No banheiro dela», contigüo a um magnífico vestidor, despi-me com lentidão enquanto se enchia a banheira de mármore negro que se encontrava a ras do chão. Rodeavam-me espelhos com o Marcos dourados que refletiam minha nudez. Estava orgulhosa de minha figura, ainda esbelta e
  • 139. firme, e de meus peitos que não penduravam fláccidos. Despojada da roupa, elevei os braços para me tirar as poucas forquilhas que ficavam em meus cabelos. Imaginei a minha mãe como deveu estar aí, de pé, fazendo o mesmo que eu enquanto pensava em seu segundo marido, mais jovem que ela. teria se perguntado alguma vez onde se achava ele as noites que passava comigo? Teria sabido ela quem era a
  • 140. amante do Bart antes de que eu o revelasse na festa de Natal? Confiava em que assim fosse. Duas horas depois de um jantar nada notável, contemplava tombada na cama que tinha alimentado meus sonhos como se despia Chris. Fiel a sua palavra, tinha desfeito a bagagem, pendurado nossos trajes e guardado a roupa interior na cômoda. Parecia cansado, e o notei ligeiramente infeliz.
  • 141. -Joel me há dito que manhã virão alguns serventes para as entrevistas. Espero que se sinta disposta para as fazer. Incorporei-me, assombrada. -Supunha que Bart contrataria pessoalmente a seus serventes. -Não, deixou-o para ti. -Vá... Chris pendurou seu traje no galã de noite de cobre, que se parecia com o que tinha utilizado o pai do Bart quando
  • 142. ele vivia aqui ou no outro Foxworth Hall. Estava enfeitiçada. Totalmente nu, Chris se encaminhou por volta do quarto de banho «dele». -Tomarei banho rapidamente e voltarei para seu lado. Não durma até que eu tenha terminado. Deitei-me e observei com atenção, muito excitada, a habitação em penumbra. Senti- me como se fora minha mãe,
  • 143. sabendo que havia quatro meninos encerrados com chave no apartamento de cobertura, experimentando o pânico e o sentimento de culpa que certamente lhe assaltavam enquanto vivia seu malvado velho pai, cuja presença se intuía ameaçadora inclusive quando não estava diante. «Nascido mau, perverso, infame», sussurrava-me uma vocecilla uma e outra vez. Fechei os olhos e tentei deter
  • 144. aquela loucura. Não ouvia vozes nem música de balé. Não ouvia nada. Tampouco cheirava o aroma seco e bolorento do apartamento de cobertura. Era impossível, porque eu tinha cinqüenta e dois anos, não doze, treze, quatorze ou quinze. Os antigos aromas tinham desaparecido. Só cheirava a pintura fresca, madeira jovem, papel de parede recém aplicado e tecidos. Tudo era -tapetes,
  • 145. tapeçarias, mobiliário- novo; tudo exceto as antiguidades do primeiro piso. Não se tratava do autêntico Foxworth Hall, mas sim de uma imitação. Entretanto, não podia evitar me perguntar por que tinha retornado Joel se tanto gostava de ser monge. Não era possível que desejasse dinheiro da herança, posto que se tinha acostumado à austeridade monacal. Além de querer ver seus familiares, devia existir
  • 146. outra boa razão que justificasse sua presença na casa. Apesar de que a gente do povo lhe anunciou que nossa mãe tinha morrido, decidiu ficar. Acaso esperava a oportunidade de conhecer o Bart? O que tinha encontrado no Bart que lhe tinha feito permanecer mais tempo? É obvio, era impensável que se devesse a que meu filho lhe ofereceu o posto de mordomo até que nós contratássemos um de verdade.
  • 147. Suspirei. por que estava convertendo todo isso em um mistério quando havia por meio uma fortuna? Sempre parecia que o dinheiro era a razão que motivava qualquer ação. A fadiga me fechava os olhos. Afugentei o sonho. Necessitava esse tempo para pensar no manhã e nesse tio surto de um nada. Tínhamos ganho por fim quanto mamãe nos tinha prometido, somente para perdê- lo por causa da intervenção do
  • 148. Joel? Se ele não tentava impugnar o testamento de mamãe, e nós conseguíamos conservar o que tínhamos, levaria isso um preço marcado? Pela manhã Chris e eu descendemos pelo lado direito da escada dobro, sentindo que tínhamos chegado a «ser nós mesmos» e que controlávamos por fim nossas vidas. Chris me agarrou a mão e a apertou, adivinhando, por minha
  • 149. expressão, que a casa já não me intimidava. Encontramos ao Joel na cozinha, trabalhando em excesso-se em preparar o café da manhã. Levava um comprido avental branco e na cabeça um gorro alto de cozinheiro, que, por alguma razão inexplicável, resultava ridículo em um homem frágil, alto e velho como’ ele. «Só os homens gordos deveriam ser chefs», pensei, embora
  • 150. agradecia que ele tivesse assumido uma tarefa que nunca me gostou. -Espero que vocês gostem dos ovos Benedict -disse Joel sem nos olhar. Surpreendeu-me comprovar que o prato que tinha cozinhado era delicioso. Chris repetiu. Depois Joel nos ensinou as habitações, ainda sem decorar. Dirigiu-me um sorriso malicioso quando disse:
  • 151. -Bart me explicou que prefere as habitações com um mobiliário cômodo e informal. Deseja que mobílie estas salas vazias de um modo confortável, imprimindo nelas seu estilo inimitável. Estava burlando-se de mim? Ele sabia que Chris e eu nos achávamos de forma temporária na casa. Então me dava conta de que possivelmente Bart me necessitasse para lhe ajudar a
  • 152. decorar a casa e que lhe resultava difícil me pedir isso ele mesmo. Quando perguntei ao Chris se Joel podia impugnar o testamento de mamãe e tirar ao Bart o dinheiro que ele considerava indispensável para sua estimativa, Chris cabeceou admitindo que em realidade ignorava os detalhes legais que existiam quando um herdeiro que se acreditava difundo aparecia com vida.
  • 153. -Bart poderia lhe entregar o dinheiro suficiente para que vivesse com desafogo os poucos anos que ficam –disse eu, pinçando em meu cérebro para recordar todas as palavras da última vontade de minha mãe em seu testamento. Não mencionava a seus irmãos maiores, a quem ela supunha mortos. Quando saí de meus pensamentos, Joel estava de novo na cozinha. Tinha
  • 154. encontrado na despensa suficientes provisões para alimentar a um regimento. Respondeu a uma pergunta que Chris tinha formulado e eu não tinha ouvido com voz sombria. -Naturalmente, a casa não é exatamente a mesma; já ninguém usa pernos, a não ser pregos de ferro. Pus todos os móveis velhos em meu alojamento. Eu não pertenço realmente a este lugar, de modo que ficarei nas habitações
  • 155. destinadas aos serventes, em cima da garagem. -Repito-te que não deveria fazer isso -disse Chris franzindo o sobrecenho-. Não seria justo permitir que um membro da família viva de forma tão austera. Tínhamos visto a enorme garagem, e as dependências de quão serventes mais que austeras, eram pequenas. «lhe deixe!», quis dizer, mas guardei silêncio. antes de que
  • 156. me desse conta do que estava acontecendo, Chris já tinha instalado ao Joel no segundo piso da asa oeste. Suspirei, lamentando que Joel vivesse sob o mesmo teto que nós. Entretanto, estava segura de que tudo iria bem; assim que nossa curiosidade ficasse satisfeita e Bart celebrasse seu aniversário, partiríamos com a Cindy para o Hawai. ao redor das duas da tarde, Chris e eu entrevistamos na
  • 157. biblioteca ao homem e a mulher que acudiram, avalizados por excelentes referências. Não encontrei nenhuma falta neles, exceto algo furtivo em seus olhos. Incomodou-me e inquietou a maneira em que olhavam ao Chris e a mim. -Sinto muito -desculpou-se Chris, interpretando o ligeiro gesto de negativa que fiz-, mas já escolhemos outro casal.
  • 158. O matrimônio se levantou para partir. A mulher se deu a volta na soleira para me dirigir um olhar largo e significativo. -Vivo no povo, senhora Sheffield -disse fríamente, há só cinco anos, mas ouvi falar muito dos Foxworth que vivem na colina. Suas palavras me fizeram voltar a cabeça para outro lado. -Sim,, estou seguro de que assim é -atalhou Chris com cortante secura.
  • 159. A mulher emitiu um som depreciativo antes de fechar de uma portada. A seguir se apresentou um homem alto e aristocrático, de porte militar, vestido de um modo impecável até o último detalhe. Entrou dando grandes passos e aguardou respetuosamente até que Chris lhe indicou que se sentasse. -Meu nome é Trevor Mainstream Majors -declarou com um estilo britânico
  • 160. vigoroso-. Nasci no Liverpool faz cinqüenta e nove anos. Casei-me em Londres quando tinha vinte e seis e minha esposa morreu faz três anos. Meus dois filhos vivem na Carolina do Norte... Por isso estou aqui, esperando poder trabalhar na Virginia para visitar meus filhos em meus dias livres. -Onde trabalhou você depois de deixar aos Johnston? -Perguntou Chris, olhando os
  • 161. informe do homem-. Parece possuir você excelentes referências até faz um ano. Trevor Majors trocou suas largas pernas de posição e se ajustou a gravata antes de responder com toda cortesia: -Trabalhei para os Millerson, que deixaram a colina faz aproximadamente seis meses. Silêncio. Eu tinha ouvido minha mãe mencionar aos Millerson muitas vezes. Os
  • 162. batimentos do coração de meu coração se aceleraram. -Durante quanto tempo esteve você ao serviço dos Millerson? -perguntou Chris cordialmente, como se não sentisse nenhum receio, apesar de ter advertido meu ansioso olhar. -Não muito, sir. Viviam cinco de seus filhos na casa, que sempre estava cheia de sobrinhos e sobrinhas, amigos a quem convidava. Eu era o único servente. Além de fazer
  • 163. de cozinheiro e chofer, cuidava da casa, a lavagem da roupa..., e é um orgulho e um prazer para os ingleses ocupar-se também do jardim. Como chofer dos cinco meninos, a quem levava e trazia da escola, as classes de baile, os acontecimentos esportivos, os cinemas e outras atividades, passava tanto tempo na estrada que estranha vez tinha oportunidade de preparar uma comida decente. Um dia, o
  • 164. senhor Millerson se queixou de que não tinha segado a grama nem arrancada os hierbajos do jardim, e de que não tinha desfrutado de uma boa comida em casa desde fazia duas semanas. Repreendeu-me com severidade porque o jantar se atrasava. Senhor, isso foi muito! Sua esposa me tinha ordenado que a aguardasse no automóvel enquanto ela fazia suas compras; depois me enviou a recolher aos meninos
  • 165. ao cinema.... e entretanto se supunha que eu devia servir o jantar. Disse-lhe ao senhor Millerson que eu não era um robô capaz de fazer mil coisas e tudo ao mesmo tempo..., e me parti. Estava tão zangado que me ameaçou com não me dar boas referências jamais. Mas se esperar você alguns dias, lhe acontecerá o aborrecimento e se dará conta de que eu realizei meu trabalho o melhor que
  • 166. pude face às difíceis circunstâncias... Suspirei, olhei ao Chris e lhe fiz furtivamente um sinal. Esse homem era perfeito. Chris nem sequer me olhou. -Acredito que você encaixará muito bem, senhor Majors. Contrataremo-lhe durante um período de prova de um mês, e se, transcorrido esse tempo, não encontramos satisfatório seu trabalho, daremos por rescindido o contrato. -Olhou-
  • 167. me-. Quer dizer, se minha esposa estiver de acordo... Levantei-me e assenti em silêncio. Necessitávamos serventes. Não tinha intenção de passar minhas férias tirando o pó e limpando a enorme mansión.’ -Senhor, senhora, se o desejarem vocês, me chamem simplesmente Trevor. Será uma honra e um prazer servir nesta casa. -ficou em pé de um salto no instante em que eu me
  • 168. levantei, e depois, quando Chris o fez, ambos se estreitaram a mão-. Realmente será um prazer -disse enquanto nos sorria satisfeito. Em três dias contratamos a três serventes, o que resultou bastante fácil, posto que Bart os pagaria com generosidade. Ao entardecer de nosso quinto dia na mansão, achava-me de pé junto ao Chris na terraço, olhando as montanhas que nos rodeavam, contemplando
  • 169. aquela mesma lua antiga que estava acostumado a nos contemplar a sua vez enquanto estávamos tombados no telhado do velho Foxworth Hall. Quando tinha quinze anos, acreditava que era o único e enorme olho de Deus. Outros lugares me brindaram luas românticas, claros de lua que conseguiam que se desvanecessem meus temores e culpas. Em troca, nesse lugar sentia que a lua era um juiz
  • 170. severo disposto a nos condenar incesantemente, uma e outra vez. -Que noite mais bela, não crie? -disse Chris me rodeando a cintura com seu braço-. Eu gosto desta terraço que Bart acrescentou a nossas habitações. Não estorva a aparência exterior, pois se encontra em um lado, e fixa lhe no panorama que oferece das montanhas.
  • 171. As nebulosas montanhas azuladas tinham representado sempre para mim uma cerca dentada que nos mantinha apanhados, como prisioneiros da esperança. Inclusive nesse momento, via em seus topos uma barreira entre minha pessoa e a liberdade. «meu deus, se estiver aí acima, me ajude a resistir nas próximas semanas.» Ao dia seguinte, perto das doze, Chris e eu, junto com o
  • 172. Joel, observávamos do pórtico de entrada como o Jaguar vermelho, de afiado desenho, subia veloz pela levantada estrada lhe serpenteiem que levava ao Foxworth Hall. Bart conduzia a grande velocidade, desafiador, como se desafiasse à morte. Eu me sentia desfalecer enquanto via como tomava as perigosas curvas. -Deus sabe que deveria ter mais sentido comum -grunhiu
  • 173. Chris-. Sempre foi propenso aos acidentes..., e fixa lhe como conduz, como se tivesse um seguro de imortalidade. -Alguns o têm -replicou Joel enigmáticamente. Lancei-lhe um olhar inquisitivo, e depois voltei a olhar o esportivo vermelho, que havia flanco uma pequena fortuna. Bart comprava cada ano um carro novo, sempre de cor vermelha. Tinha provado todos os automóveis de luxo para
  • 174. descobrir qual gostava mais. Aquele era seu favorito, até o momento, conforme nos tinha informado em uma breve carta. Freou com um chiado, queimando borracha e manchando a curvada avenida com largos sinais negros. Ao tempo que saudava com a mão, Bart se tirou os óculos de sol, sacudiu a cabeça para pôr em sua ordem alvoroçados cachos escuros e, prescindindo da porta saltou de seu conversível.
  • 175. tirou-se as luvas e os arrojou descuidadamente no assento. Subiu correndo os degraus e me agarrou entre seus fortes braços para plantar vários beijos em minhas bochechas. Eu estava assombrada por sua afetuosa saudação. Respondi- lhe ansiosamente. No instante em que meus lábios tocaram sua bochecha, deixou-me no chão e me separou dele como se em seguida se cansou de mim.
  • 176. ficou de pé a pleno sol. Observei ao jovem alto, de brilhante inteligência, cujos olhos castanhos denotavam energia. Suas costas era larga, e seu corpo musculoso se estreitava em uns esbeltos quadris e largas pernas. Estava tão atrativo com seu traje branco informal... -Tem um aspecto estupendo, mãe, simplesmente formidável. -Seus olhos escuros me examinaram de cima abaixo-.
  • 177. Obrigado por te pôr esse vestido vermelho; é minha cor favorita. Agarrei a mão ao Chris. -Obrigado, Bart, escolhi-o precisamente por ti. «Agora poderia dizer alguma palavra amável ao Chris», pensei. Esperei-o. Entretanto, Bart ignorou ao Chris e se voltou para o Joel. -Olá, tio Joel. Não é certo que minha mãe é tão formosa como te disse?
  • 178. A mão do Chris apertou a minha com tanta força que me fez mal. Bart sempre encontrava a maneira de desprezar ao único pai que podia recordar. -Sim, Bart, sua mãe é muito bela -respondeu Joel com sua voz rouca-. De fato, é exatamente como imagino que minha irmã Corine era a sua idade. -Bart, saúda você... -interrompi-me. Estive a ponto
  • 179. de dizer «pai» mas sabia que Bart negaria tal relação com rudeza. De modo que pinjente «Chris». Voltando seus olhos escuros, e selvagens em ocasiões, para o Chris, olhou-o um instante e proferiu um áspero «olá!». -Você parece não envelhecer -disse com tom acusador. -Sinto muito que assim seja, Bart -repôs Chris com indiferença-. Mas o tempo
  • 180. cumprirá pontual com sua tarefa. -Esperemos que seja assim. EU tivesse sido capaz de esbofetear ao Bart nesse momento. Esquecendo nossa presença, Bart se deu a volta para contemplar os prados, a casa, os frondosos maciços de flores, os exuberantes arbustos, os atalhos do jardim, as banheiras para os pássaros e outros
  • 181. objetos de adorno, e sorriu com o orgulho de um proprietário. -É grande, realmente grande, tal como esperava que fosse. procurei por todo mundo e não encontrei nenhuma mansão que possa comparar-se com o Foxworth Hall. Seus olhos escuros se voltaram, e nossos olhares se cruzaram. -Já sei o que está pensando, mãe. Sei que esta não é ainda a melhor casa, mas um dia o será. Proponho-me construir e
  • 182. acrescentar novas asas para que esta mansão exceda em brilhantismo a qualquer palácio da Europa. Concentrarei todas minhas energias em converter Foxworth Hall em um edifício proeminente. -A quem vais impressionar quando o tiver conseguido? -perguntou Chris-. O mundo já não admira as mansões nem as grandes riquezas, nem respeita a quem as tem obtido por herança.
  • 183. OH, maldita seja! Chris estranha vez pronunciava palavras tão duras. por que havia dito aquilo? O rosto do Bart se acendeu sob seu intenso bronzeado. -Pretendo aumentar minha fortuna com meus próprios esforços! -exclamou Bart, colérico, aproximando-se do Chris. Dado que Bart era mais magro que Chris, parecia dominar a este em estatura. Contemplei
  • 184. como o homem a quem considerava meu marido olhava fixamente, com olhos desafiadores, a meu filho. -estive fazendo isso mesmo para ti -disse Chris. Ante minha surpresa, Bart se mostrou agradado. -Insinúas que como fiduciário te preocupaste que acrescentar minha parte da herança? -sim; não resultou difícil -respondeu Chris, lacônico-. O dinheiro atrai mais dinheiro, e
  • 185. os investimentos que realizei em seu nome deram magníficos resultados. -Seguro que eu poderia havê-lo feito melhor. Chris sorriu com ironia. -Devi supor que me agradeceria isso desta maneira. Eu os olhava, angustiada por ambos. Chris era um homem amadurecido, seguro de si mesmo, que sabia quem e o que era; em troca Bart, ainda lutava por se encontrar a si
  • 186. mesmo e por fazer um lugar no mundo. «meu filho, meu filho, quando aprenderá a te comportar com humildade e gratidão?» Muitas noites eu tinha visto o Chris fazer contas, tentando decidir quais eram os melhores investimentos, como se ele soubesse que antes ou depois Bart o acusaria de um pobre conhecimento financeiro. -Não demorará para ter a oportunidade de te pôr a prova
  • 187. a ti mesmo -acrescentou Chris. voltou-se para mim-. Cathy, demos um passeio até o lago. -Esperem um minuto -exclamou Bart a quem ao parecer enfurecia que nos partíssemos quando ele acabava de chegar a casa. Eu me debatia entre o desejo de fugir com o Chris e o de agradar a meu filho-. Onde está Cindy? -Logo chegará -respondi-. Nestes momentos se acha em
  • 188. casa de uma amiga. Possivelmente te interesse saber que Jory e Melodie passarão aqui suas férias. Bart se limitou a me olhar atentamente, talvez apavorado ante a idéia de encontrar-se com seu irmão. Depois uma estranha excitação substituiu a todas as demais emocione em seu belo rosto bronzeado. -Bart -prossegui, resistindo à vontade do Chris de me afastar de uma conhecida fonte de
  • 189. problemas-, a casa é realmente formosa. As inovações que introduziste para melhorá-la resultaram maravilhosas. Pareceu surpreso de novo. -Mãe, quer dizer que não é exatamente igual? Eu... acreditava que o era... -OH, não, Bart. Antes não havia uma terraço em nossa habitação. Bart se voltou rapidamente para seu tio avô.
  • 190. -Você disse que antes estava ali! Joel avançou um passo, sonriendo cinicamente. -Bart, meu filho, não menti. Nunca minto. A casa original tinha esse balcão. A mãe de meu pai ordenou que o construíram. Por esse balcão entrava sigilosamente seu amante, sem que os serventes o advertissem. Mais tarde, fugiu- se com esse mesmo amante sem despertar a seu marido,
  • 191. quem fechava com uma chave que escondia a porta do dormitório que ambos compartilhavam. Quando Malcolm se converteu em proprietário, mandou que se derrubasse o balcão. Mas esta terraço acrescenta certo encanto a aquele lado da casa. Satisfeito, Bart se dirigiu novamente ao Chris e a mim. -Vê-o, mãe?, você não sabe absolutamente nada da casa. Tio Joel é o perito. Ele me há
  • 192. descrito com todo detalhe o mobiliário, os quadros. Quando acabarmos, não só não teremos a mesma casa, mas também será melhor que a original. Bart não tinha trocado. Continuava obcecado; ainda desejava ser uma cópia exata do Malcolm Foxworth, se não em seu aspecto físico, sim em personalidade e resolução de ser o homem mais rico do mundo, sem lhe importar o que
  • 193. tivesse que fazer para conseguir tal título. MEU SEGUNDO FILHO Pouco depois de que Bart tivesse chegado a casa, começou a elaborar complicados planos para sua próxima festa de aniversário. Para minha surpresa e satisfação, descobri que tinha feito muitos amigos durante as férias do verão que tinha
  • 194. passado na Virginia. Estava acostumado a nos afligir que dedicasse poucos dias de suas férias a estar conosco em Califórnia, lugar ao que eu considerava que ele pertencia. Mas, ao parecer, conhecia muitas pessoas das que nunca tínhamos ouvido falar, e tinha cercado amizade com meninos e garotas na universidade a quem desejava convidar para que compartilhassem sua celebração.
  • 195. Tinham transcorrido só uns dias desde que chegamos ao Foxworth Hall, e já a monotonia de estar sem nada que fazer exceto comer, dormir, ler, ver a televisão e vagabundear pelos jardins e bosques, inquietava-me. Ansiava escapar dali logo que fosse possível. O profundo silêncio das montanhas me capturava em seu feitiço de isolamento e desespero; o silêncio excitava meus nervos.
  • 196. Queria ouvir vozes, muitas vozes, o timbre do telefone, receber visitas, conversar com alguém; mas ninguém nos visitava. Chris e eu devíamos evitar nos relacionar com as pessoas que tinham conhecido bem aos Foxworth. Por outro lado desejava convidar à festa a antigos amigos de Nova Iorque e Califórnia, mas não me atrevia a fazê-lo sem seu consentimento. Perambulava intranqüila pelos grandes
  • 197. salões, algumas vezes acompanhada do Chris. Passeávamos pelo jardim, caminhávamos pelos bosques, algumas vezes em silêncio, outras em alegre conversação. Chris tinha reatado sua velha afeição à aquarela, atividade que lhe mantinha ocupado, e posei para ele de boa vontade quando me pediu isso. Em troca, era improvável que voltasse a dançar nunca mais. De todas formas fazia meus
  • 198. exercícios de balé para me manter ágil e esbelta. Em certa ocasião Joel entrou na salita de estar enquanto, apoiada em uma cadeira, realizava os exercícios vestida com umas malhas vermelhas. Ouvi um ruído na soleira da porta aberta e, quando me voltei lhe surpreendi me olhando de marco em marco, como se me tivesse encontrado nua.
  • 199. -O que ocorre? -perguntei preocupada-. aconteceu algo terrível? Abriu suas magras, largas e pálidas mãos, enquanto examinava com desprezo meu corpo. -Não crie que é algo major para tentar ser sedutora? -Alguma vez ouviste falar do exercício, Joel? -pinjente impaciente-. Não tem por que entrar nesta asa. Se te mantiver
  • 200. longe desta zona, seus olhos não terão que escandalizar-se. -Não respeita a alguém mais velho e sábio que você -replicou mordaz. -Se for assim, peço-te perdão, mas suas palavras e sua expressão me ofendem. Se quisermos que haja paz nesta casa durante nossa estadia, permanece afastado de mim, Joel, enquanto me encontre em minhas habitações. Aqui dispomos de espaço mais que
  • 201. suficiente para preservar nossa intimidade sem necessidade de fechar as portas. Muito erguido, Joel deu a volta e se retirou, não sem que antes percebesse eu a indignação que traslucían seus olhos. Observei- o enquanto partia, me expondo se não me equivocava respeito a ele. Talvez era um ancião inofensivo que se misturava sem má intenção nos assuntos alheios. Entretanto, não lhe chamei para me desculpar.
  • 202. Tirei-me as malhas, pu-me umas calças curtas e uma blusa e, me confortando com o pensamento da próxima chegada do Jory e sua mulher, saí para procurar o Chris. Detive-me junto à porta do despacho do Bart e ouvi que falava com seu fornecedor, fazendo planos para um mínimo de duzentos convidados. lhe escutar fez que me sentisse aturdida. «OH, Bart, não te dá conta de que
  • 203. alguns não virão, e se o fazem, que Deus nos atira.» Enquanto continuava ali, imóvel, ouvi que Bart nomeava a alguns de seus convocados, muitos dos quais eram europeus, pessoas notáveis a quem tinha conhecido em suas viagens. Durante seus dias universitários, Bart se tinha mostrado incansável em seus esforços por ver mundo e relacionar-se com gente importante que governava e
  • 204. dominava já fosse com um poder político, o cérebro ou sua habilidade financeira. Eu atribuía sua inquietação a sua incapacidade para sentir-se feliz em um lugar concreto, pois sempre ansiava o campo contigüo mais verde, e o de mais à frente... -Todos virão -disse à pessoa com quem falava por telefone-. Quando lerem meu convite, não poderão rechaçá-la.
  • 205. Depois de pendurar o auricular, girou a poltrona para encarar-se comigo. -Mãe! Está espiando? -É um costume que aprendi de ti, querido. -Fez uma careta-. Bart, por que não limita essa festa à família somente? Convida a seus melhores amigos se o desejar. Nossos vizinhos não acudirão, pois, segundo o que minha mãe estava acostumada nos contar, eles nunca simpatizaram com
  • 206. os Foxworth, já que fomos muito capitalistas quando eles possuíam muito pouco. Os Foxworth viajavam enquanto os do povo deviam permanecer aqui. Por favor, não inclua à sociedade local, embora Joel te haja dito que são amigos deles e, portanto, teus e nossos. -Teme que tirem o chapéu seus pecados, mãe? -perguntou Bart, sem nenhuma misericórdia. em que pese a que estava acostumada a sua crueldade,
  • 207. rebelei-me. Tão terrível resultava que Chris e eu vivêssemos juntos como marido e mulher? Não apareciam nos periódicos delitos muito piores que o nosso? -OH, vamos, mãe, não tome assim. Sejamos felizes para variar. -Seu semblante se alegrou, excitado, como se nada do que eu dissesse pudesse empanar sua agitação-. Mãe, confia em mim, por
  • 208. favor. Estou encarregando o melhor de tudo. Quando se difundir a notícia, o que não demorará para ocorrer, pois a meu fornecedor, o melhor da Virginia, gosta de fanfarronear, ninguém se negará a participar de minha festa. Inteirarão-se de que estou contratando gente de Nova Iorque e Hollywood para nos divertir, e ainda mais, estou seguro de que todos quererão ver dançar ao Jory e Melodie.
  • 209. A surpresa e a felicidade me invadiram. -Pediste-lhes que o façam? -Não, mas como vão recusar meu irmão e minha cunhada? Olhe, mãe, organizarei a festa ao ar livre, no jardim, à luz da lua. Os prados estarão iluminados com globos dourados. Instalarei fontes em qualquer parte, e umas luzes de cores jogarão com a água dos fornecedores. Servirá-se champanha importado, e
  • 210. qualquer licor que possa imaginar. A comida será deliciosa. Estou fazendo construir um teatro em meio de um mundo maravilhoso de fantasia, onde as mesas se cobrirão com belas malhas de tudas as cores. Haverá flores em abundância por toda parte. Demonstrarei ao mundo o que um Foxworth sabe fazer. E assim prosseguiu, entusiasmado. Quando saí de seu escritório e achei ao Chris
  • 211. falando com um dos jardineiros, sentia-me feliz, tranqüila. Possivelmente durante esse verão Bart se encontraria finalmente a si mesmo. Seria como Chris sempre havia predito; junto com a fortuna, Bart herdaria o orgulho e a vaidade necessários e se encontraria a si mesmo... E que Deus quisesse que encontrasse deste modo a prudência.
  • 212. Dois dias depois, estava de novo em seu escritório, sentada em uma de suas luxuosas e amaciadas poltronas de couro, assombrada de que tivesse sido capaz de realizar tantas coisas em tão curto espaço de tempo. Ao parecer, toda a equipe de escritório tinha estado disposto para ser instalado no momento em que ele estivesse presente para dirigir a convocação. O pequeno dormitório situado detrás da biblioteca, onde
  • 213. nosso odiado avô tinha vivido até sua morte, acondicionou-se como sala para os arquivos. A habitação onde as enfermeiras do avô se alojaram, converteu- se em um escritório para a secretária do Bart, se alguma vez encontrava uma que cumprisse seus severos requisitos. Um ordenador dominava uma mesa de escritório larga, curvada, conectado com duas impressoras que trabalhavam
  • 214. em duas cartas distintas, inclusive enquanto Bart e eu conversávamos. Surpreendeu- me ver que Bart escrevia a máquina mais depressa que eu. O matraqueio das impressoras ficava amortecido por umas grosas -cobertas de plástico. Orgulhoso, Bart me mostrou como se mantinha em contato com o mundo enquanto permanecia em casa, tão solo pulsando botões e unindo-se a um programa chamado «A
  • 215. Fonte». Então me inteirei de que se dedicou durante dois meses de um verão a estudar como se programavam os ordenadores. -Olhe, -mãe, posso levar a cabo minhas compras, dar ordens e me aproveitar dos dados técnicos dos peritos por meio deste ordenador. Ocuparei meu tempo assim até que abra minha própria assinatura legal. Por um momento se sumiu em suas reflexões, com expressão
  • 216. dúbia. Eu seguia acreditando que Bart tinha estudado no Harvard impulsionado pelo desejo de emular a seu pai. Em realidade, as leis não lhe interessavam, pois o único que lhe importava na vida era conseguir dinheiro. -Acaso não tem já suficiente dinheiro, Bart? O que terá que não possa comprar? Em seus escuros olhos apareceu algo maliciosamente infantil e doce.
  • 217. -Respeito, mãe. Eu não possuo o talento que você e Jory demonstram. Não posso dançar e não sou capaz de desenhar com graça uma flor e muito menos um corpo humano. -Estava aludindo ao Chris e sua afeição à pintura-. Quando visito um museu, sinto-me frustrado ante a admiração que as obras despertam em outros. Não encontro nada maravilhoso na Mona Lisa; só vejo um rosto suave, uma
  • 218. mulher de aspecto mas bem corrente que não podia inspirar muita paixão. Não aprecio a música clássica, nenhuma classe de música, embora me asseguraram que tenho uma voz bastante boa para cantar. Estava acostumado a tentá-lo e cantava quando era pequeno; um menino bastante tolo, verdade? Deve te haver rido um milhão de vezes comigo. -Fez uma careta de súplica, e depois abriu os braços em
  • 219. gesto implorante-. Como careço de aptidões artísticas, centro-me nas coisas que compreendo facilmente, as que representam os dólares e os centavos. Quando Miro ao redor nos museus, os únicos objetos que sei valorar são as jóias. Seus escuros olhos faiscaram. -Só posso apreciar o brilho e o resplendor dos diamantes, os rubis, as esmeraldas, as pérolas... Ouro, montanhas de
  • 220. ouro, isso sim posso compreendê-lo. Descubro a beleza no ouro, a prata, o cobre e o petróleo. Sabe que visitei Washington com a única finalidade de ver como convertiam o ouro em moedas? E senti certo deleite, como se algum dia todo esse ouro devesse ser meu. desvaneceu-se minha admiração, e me invadiu uma grande compaixão para ele.
  • 221. -E o que há sobre mulheres, Bart? E do amor, a família, os bons amigos? Não espera te apaixonar algum dia e te casar? Olhou-me com o rosto inexpressivo durante uns segundos, tamborilando com as pontas de seus fortes dedos, de unhas quadradas, sobre a superfície da mesa antes de levantar-se e ficar de pé, ante uma janela, contemplando os jardins e as montanhas vagamente azuis.
  • 222. -tive experiências sexuais, mãe. Não esperava desfrutar com o sexo, mas me equivoquei. Senti que meu corpo traía minha vontade. Mas nunca estive apaixonado. Custa-me imaginar que pudesse me dedicar por inteiro a uma só mulher quando há tantas belas e bem dispostas. Vejo uma formosa moça que passa a meu lado, dou-me a volta, contemplo-a e me encontro com que ela se tornou e me
  • 223. olhe também fixamente. Resulta fácil conseguir que se metam em minha cama... Não há nenhum estímulo. -Fez uma pausa e voltou a cabeça para me olhar-. Eu utilizo às mulheres, mãe, e em algumas ocasione me envergonho de mim mesmo. As tomo, as rechaço, e inclusive simulo não as conhecer quando as encontro outra vez. Todas terminam me odiando.
  • 224. Sustentou o olhar de meus assombrados olhos em atitude desafiadora. -Não está escandalizada? -perguntou com amabilidade-. Ou acaso sou o tipo sórdido que sempre creíste que seria? Traguei saliva, esperando que esta vez saberia dar a resposta acertada. No passado, parecia que nunca houvesse dito o que convinha. Duvidei de que ninguém pudesse pronunciar as
  • 225. palavras que fizessem trocar o modo de ser do Bart e no que ele queria converter-se, se é que ele mesmo sabia. -Suponho que é um produto de sua época -comecei com voz suave, sem recriminações-. Sua geração quase me inspira lástima, já que estão perdendo esse aspecto tão formoso do amor. Onde estão os sentimentos em sua maneira de tomar a uma garota, Bart? O que dá às mulheres com as que
  • 226. te deita? Não sabe que se necessita tempo para construir uma relação amorosa duradoura? Isso não se consegue em uma noite. Os encontros de uma noite não criam compromissos. Pode olhar um corpo formoso, desejá-lo, mas isso não é amor. Seus ardentes olhos mostravam tal interesse que eu me animei a prosseguir, especialmente quando Bart perguntou: -Como explica você o amor?
  • 227. Era uma armadilha que me tendia, pois ele sabia que os amores de minha vida tinham tido um final desgraçado. Entretanto, respondi, com a esperança de lhe liberar de todos os enganos que com segurança cometeria. -Não explicarei o amor, Bart. Não acredito que haja ninguém capaz de fazê-lo. O amor cresce dia detrás dia pela relação com outra pessoa que compreende suas necessidades,
  • 228. e cujas necessidades compreende. inicia-se como um balbuceio vacilante que te chega ao coração e te faz vulnerável a quanto é formoso. Percebe beleza ali onde anteriormente tinha visto fealdade. Sente-se resplandecente em seu interior e é muito feliz sem conhecer a razão. Aprecia o que no passado ignorava. Quando seus olhos se encontram com os de quem amas, vê refletidos neles
  • 229. seus sentimentos, esperanças e desejos, e se sente ditoso só por estar com aquela pessoa. Embora não haja contato físico, notas o calor de estar junto a quem ocupa seus pensamentos. Então, um dia surge o contato, embora nem sequer se trate de um contato íntimo: sua mão roça a sua e se sente feliz. Começa a crescer a excitação, de modo que desejas estar com aquela pessoa, não para fazer o amor, mas sim só deseja
  • 230. permanecer a seu lado, sentir como aumentam os sentimentos de um para o outro. Em outras palavras compartilha sua vida antes de compartilhar o corpo. É nesse instante quando te expõe seriamente gozar do sexo com aquela pessoa. Começa a sonhar nisso e, entretanto, pospô-lo, esperando, esperando o momento adequado. Quer que esse amor perdure, que nunca termine. Por isso te
  • 231. aproxima lenta, muito lentamente para a experiência definitiva de sua vida, até que pressente que aquela pessoa não te defraudará, consciente de que te será fiel, que poderá confiar nela..., inclusive quando estiver longe de ti. Há confiança, satisfação, paz e felicidade quando se experimenta o amor autêntico. Estar apaixonado é como acender uma luz em uma habitação às escuras; de
  • 232. repente todo se faz brilhante e visível. jamais está sozinho porque se sente amado, e você também ama. Detive-me para recuperar o fôlego. Seu interesse me deu valor para prosseguir. -Eu quero isso para ti, Bart, mais que todos os milhões de toneladas de ouro do mundo, mais que todas as jóias guardadas em caixas fortes. Eu gostaria que encontrasse uma moça maravilhosa a quem
  • 233. amar. Esquece o dinheiro. Já tem suficiente. Abre os olhos, olhe ao redor, descobre a formosura da vida e esquece sua obsessão pelo dinheiro... Meditabundo, Bart disse: -De modo que é assim como as mulheres sentem o amor e o sexo. Sempre me tinha perguntado isso. Não é assim como o vê um homem. Não obstante, o que há dito é interessante. voltou-se antes de prosseguir.
  • 234. -Certamente, ignoro o que quero da vida, além de mais dinheiro. Alguns opinam que serei um excelente advogado graças a minha habilidade dialética. Entretanto,, custa-me decidir que especialidade prefiro. Não quero exercer de advogado criminalista, como foi meu pai, já que teria que defender freqüentemente a pessoas cuja culpabilidade me consta. Seria incapaz de fazê- lo. Por outro lado, o direito
  • 235. administrativo me resulta aborrecido. considerei intervir em política, atividade que encontro fascinante, mas meu condenado passado psicológico pode empanar meu histórico... portanto, como posso participar de política? Elevando-se desde detrás da mesa do despacho, adiantou-se para agarrar minha mão entre as suas. -Eu gosto do que contaste. me fale mais de seus amores, do
  • 236. homem que mais amaste. Foi Julián, seu primeiro marido? Ou talvez aquele maravilhoso doutor chamado Paul? Acredito que, se pudesse lhe recordar, amaria-lhe. casou-se contigo para me dar seu nome. Desejaria evocar sua imagem, como faz Jory, mas não posso. Jory o recorda muito bem, e inclusive recorda ter visto meu pai. -Suas maneiras se tornaram mais veementes enquanto se inclinava para
  • 237. cravar seu olhar na minha-. Dava que amou mais a meu pai, que ele foi o único que de verdade conquistou seu coração. Não me diga que lhe utilizou exclusivamente para te vingar de sua mãe nem que aproveitou seu amor para escapar do de seu próprio irmão! Eu não podia falar. Seus ardentes e ásperos olhos escuros me escrutinavam.
  • 238. -Não te dá conta de que você e seu irmão conseguistes arruinar e poluir minha vida com sua incestuosa relação? Rogava que algum dia o abandonasse, mas segue com ele. assumi o fato de que estão obcecados o um pelo outro. Possivelmente desfrutam mais de sua relação porque transgride a vontade de Deus. Apanhada de novo! Levantei- me, consciente de que se serviu
  • 239. de sua doce voz para me atrair para seu anzol. -Sim, amei a seu pai, Bart, não o duvide nem por um instante. Admito que desejava vingar a dor que nossa mãe nos tinha causado, e que por isso, persegui a meu padrasto. Entretanto, quando o tive compreendi que o amava tanto como ele a mim, e me dava conta de que lhe tinha feito cair em uma armadilha em que eu também tinha sido agarrada.
  • 240. Não podia casar-se comigo. Nos -amava a minha mãe e a meu, embora de distinta forma. Estava dividido entre ambas. Considerei que o melhor modo de acabar com sua indecisão era ficando grávida. Apesar disso, não tomou nenhuma determinação. Só quando aquela noite expliquei e ele aceitou como certo que sua esposa me tinha tido prisioneira, revolveu-se contra ela e assegurou que se casaria
  • 241. comigo. Eu tinha suposto que o dinheiro de minha mãe ataria a ela para sempre, mas ele se casou comigo. Dispunha-me a partir. Bart não pronunciou nenhuma palavra que me indicasse quais eram seus pensamentos. Já na porta, voltei-me para lhe olhar. sentou-se de novo na poltrona de seu escritório, acotovelado sobre a mesa, com a cabeça apoiada nas mãos.
  • 242. -Crie que alguém me amará alguma vez por mim mesmo e não por meu dinheiro, mãe? Aquilo me partiu o coração. -Sim, Bart. Mas por estes arredores não encontrará nenhuma mulher que desconheça que é muito rico. por que não te parte? te estabeleça no nordeste ou o oeste, onde ninguém saberá que é rico, especialmente se trabalhar como um advogado corrente...
  • 243. Elevou então o olhar. -troquei legalmente meu sobrenome, mãe. O desassossego se apropriou de mim e, embora intuía a resposta, perguntei: -Qual é agora seu sobrenome? -Foxworth -respondeu, confirmando minhas suspeitas-. depois de tudo, não posso ser um Winslow se meu pai não era seu marido. Por outro lado, manter o sobrenome Sheffield resulta enganoso, pois Paul não
  • 244. era meu pai, como tampouco o é seu irmão, graças a Deus. Estremeci-me, cheia de apreensão. Esse era o primeiro passo que lhe conduziria a converter-se em outro Malcolm, o que eu mais temia. -Tivesse-me gostado que escolhesse Winslow como sobrenome, Bart. Tivesse agradado a seu defunto pai. -Sim, com certeza que sim -disse, categórico-. Considerei- o muito seriamente, mas ao
  • 245. escolher o sobrenome Winslow tivesse posto em perigo meu direito legítimo no nome do Foxworth. É um bom nome, mãe, respeitado por todos exceto por esses populares, que de todos os modos não contam para nada. Acredito que Foxworth Hall me pertence de verdade, sem remorso, sem culpa. -Em seus olhos resplandeceu um brilho de felicidade-. Sabe?, tio Joel está de acordo comigo. Não todo
  • 246. mundo me odeia e acredita que valho menos que Jory. Fez uma pausa para estudar minha reação. Tratei de me mostrar impassível, e ele pareceu defraudado-. Vete, mãe. Espera-me um dia cheio de trabalho. Expus a sua ira, me entretendo o tempo suficiente para dizer: -Quero que não esqueça, Bart, enquanto está aqui, encerrado neste despacho, que sua família te ama muitíssimo e deseja o
  • 247. melhor para ti. Se possuir mais dinheiro te fará sentir mais satisfeito de ti mesmo, então, te converta no homem mais rico do mundo. Quão único nós desejamos é que seja feliz. Encontra seu oco, aquele onde encaixe; isso é o mais importante. Depois de fechar a porta do despacho, encaminhei-me para a escada e quase me choquei com o Joel. No azul de seus olhos lacrimosos faiscou por
  • 248. um momento uma expressão de culpa. Supus que tinha estado nos escutando. Mas não tinha feito eu o mesmo? -Desculpa por não te haver visto na penumbra, Joel. -Não era minha intenção escutar detrás da porta -disse, com um olhar peculiar-. Aqueles que esperam ouvir o mal não ficarão defraudados. afastou-se deslizando-se como um velho rato de igreja, magro pela falta de suficiente
  • 249. alimento para saciar suas ânsias de causar problemas. Fez-me sentir culpado, envergonhada e receosa, como sempre, de qualquer que se chamasse Foxworth. Certamente, tinha motivos para isso. MEU PRIMEIRO FILHO Seis dias antes da festa, Chris e eu fomos receber ao Jory e Melodie ao aeroporto local,