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1 APRESENTAÇÃO


           Este trabalho monográfico integra os objetivos do projeto de pesquisa ―Projetos de
Desenvolvimento e Conflitos Socioambientais no Maranhão‖, realizado no âmbito do Grupo
de Estudos: Desenvolvimento, Modernidade e Meio Ambiente (GEDMMA), que tem como
coordenadores os Professores Horácio Antunes de Sant‘Ana Júnior, Elio de Jesus Pantoja
Alves, Madian de Jesus Frazão Pereira e Bartolomeu Rodrigues Mendonça.
           Tendo como sustentáculo o projeto supracitado, o trabalho aqui apresentado é
resultado de análises acerca das diversas estratégias discursivas e práticas que a Companhia
Vale do Rio Doce1 tem investido buscando consolidar sua imagem de responsável
socialmente e sustentável ambientalmente. Não obstante, grupos sociais são atingidos pelos
discursos da Vale (povos indígenas, quilombolas, camponeses, trabalhadores), cujas práticas
agressivas deflagraram rápidos processos de apropriação de territórios e culturas, levando a
reelaborar identidades, qualificando-as como subdesenvolvidas, e fazendo, portanto, com que
seus significantes e significados, suas cosmologias sejam inferiorizadas e ditas atrasadas. Esse
discurso tem sido naturalizado via conhecimento científico, por mecanismos de internalização
como o marketing ambiental e empresarial da Companhia, cujo ancoradouro são os ideais de
modernidade e progresso.
           A articulação entre mineração e siderurgia tem imposto aos referidos grupos sociais
deslocamentos, realocações, desestruturação do modo de vida, supressão da diversidade
biológica e social. Lembro que o alcance deste trabalho monográfico ―restringe-se‖ à Vale e
que, a partir dela, argumentamos que suas investidas modernas, desenvolvimentistas e
progressistas têm produzido uma verdadeira cadeia produtiva de conflitos ambientais, na
medida em que as estratégias relacionais e discursivas tanto da Vale, quanto dos atingidos,
opõe-se contundentemente, em especial na Amazônia Maranhense.
           Com o fito de obter êxito em tal empreitada, e atendendo a critérios
estéticos/metodológicos de organização do trabalho, dividi a monografia em três eixos
temáticos: 1) Crise ambiental e as sevícias do capital; 2) Territorialização da Vale ao longo da
história; e 3) a discussão dos documentos oficiais da empresa. Os três eixos temáticos são
compostos de sete capítulos, no qual faço, em cada um, diversas discussões de ordem teórica
e contraposições com casos concretos de injustiça ambiental, o que me permitiu conectar as
formações discursivas da Vale com os conflitos ambientais aqui compendiados.

1
    Desde 2007, utiliza o nome fantasia Vale.
17



       No primeiro eixo temático, de forma sintética, analiso o cenário do surgimento da
crise ambiental, pois, é nesse que a reprodução das relações capitalistas encontram limites
ecológicos bem postos para o seu projeto de crescimento infinito. A meu ver, a crise
ambiental é, na verdade, uma crise da civilização burguesa/ocidental que construiu uma ideia
de Natureza antagônica à Sociedade. Se antes, boa parte do mundo ocidental achava que a
raça humana desapareceria por conta de Deus e seu regresso para o ―Juízo Final‖, a partir da
década de 1960, a raça humana, em especial as sociedades ocidentais/ocidentalizadas ―viram‖
em si próprias o inimigo. É claro não faço aqui uma ecologia burguesa que aponta o Homem
como destruidor da Natureza: para mim o homem que destrói a natureza e que se vê inimigo
dela é o homem moderno/desenvolvido, um projeto de homem semeado por Bacon, lapidado
por Descartes, conduzido através das luzes para o abismo. Enfim, este eixo temático é
fundamental para compreender os seguintes.
       No segundo eixo promovo a recuperação histórica e territorial da Companhia Vale do
Rio Doce: desde a fundação da Estrada de Ferro Vitória-Minas, passando pela criação da
estatal no Governo de Getúlio Vargas, bem como sua transição para o regime de privatização
que culminou numa política econômica extremamente agressiva, principalmente a partir da
escolha do Diretor-Presidente Roger Agnelli, hoje ex-presidente.
       Por fim, no terceiro eixo, trago para a discussão reflexões de minha análise sobre os
Relatórios de Sustentabilidade, a Política de Desenvolvimento Sustentável e o Desempenho
da Vale, todos documentos oficiais da Companhia. Nesses documentos, pude constatar que a
Vale deseja a internalização do seu discurso como uma verdade objetiva, sem espaço para
questionamentos ou subjetividades. Paralelamente a isso, busco sempre arrostar com aquilo
que é alegado pela Companhia com exemplos de injustiça ambiental. Também analiso a luz
dos conceitos de campo, habitus e governamentalidade, o discurso e as práticas espaciais da
Vale e suas ações, reações e relações com os agentes sociais envolvidos (Estado, setor
privado, sociedade civil). O conceito de habitus foi fundamental para me ajudar a entender
como as estruturas dos discursos e das práticas se forjam, conduzem representações do espaço
e inserem-se em diversos campos (político, econômico, simbólico, material, epistêmico,
cultural) se intra-articulando e inter-articulando de maneira heterogênea numa verdadeira
disputa pelo poder.
       Enfim, todas as análises e críticas aqui promovidas foram construídas e alicerçadas na
base teórica das ciências humanas, de maneira geral, com destaque epistêmico para Filosofia,
mas procurando a todo instante como cada agente social deixa as suas marcas no espaço, ou
seja, como fazem Geografia.
18



2 CONSIDERAÇÕES INICIAIS: Trabalhadores Explorados, Famílias Despejadas,
Natureza Destruída... Isso Vale?


        Desde 1930, o Estado brasileiro vem assumindo a missão nada fácil de encarregar-se
do desenvolvimento de certos aspectos relativos ao crescimento econômico do país. As obras
necessárias para tanto eram altamente custosas e englobavam desde a infraestrutura necessária
à industrialização até as indústrias pesadas, ou de base, como é o caso da siderurgia.
        O desenvolvimento industrial de grande porte que o Brasil começou a experimentar
nas décadas de 1930 a 1950 intensificou-se na década de 1970, em pleno Regime Militar,
precisamente no governo do general Garrastazu Médici, quando se vivia o ―milagre
econômico‖2. O Estado brasileiro interferia maciçamente na economia nacional, pois os
governos militares estavam determinados a transformar o Brasil num país desenvolvido e
numa ―potência emergente‖. O milagre econômico possibilitou pesados investimentos em
ferrovias, portos, rodovias, hidrelétricas, telecomunicações, indústria de transformação e
mineração.
        No setor de mineração, destaca-se a, então, Companhia Vale do Rio Doce-CVRD,
criada no governo de Getúlio Vargas, em decorrência dos Acordos de Washington3,
precisamente no dia 1º de junho de 1942, através do decreto-lei nº 4.352. Essa companhia foi,
durante 55 (cinqüenta e cinco) anos, controlada pelo Estado brasileiro, todavia, no governo de
Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), foi privatizada, uma vez que o então presidente
lançou mão de uma política econômica em que se inseriam as reformas constitucionais que
visavam à atração do capital estrangeiro para o Brasil.
        A Vale é uma das maiores transnacionais e uma das maiores mineradoras do mundo.
Seu grupo empresarial é composto por pelo menos 27 empresas coligadas, controladas ou

2
  A rigor, a intensa e generalizada internacionalização do capital ocorreu no âmbito da intensa e generalizada
internacionalização do processo produtivo. Os ―milagres econômicos‖ que se sucedem ao longo da Guerra Fria e
depois dela são também momentos mais ou menos notáveis dessa internacionalização (IANNI, 2007, p. 62).
3
  ―A empresa surgiu de um acordo assinado em Washington entre Estados Unidos, Inglaterra e Brasil, em plena
Segunda Guerra Mundial. Estados Unidos e Inglaterra, dedicados ao esforço de guerra contra Hitler,
necessitavam que o Brasil fornecesse minério de ferro para sua indústria de armamentos. Daí surge a proposta de
construção da CVRD. Os Estados Unidos entrariam com um empréstimo e com a tecnologia para montar tanto a
mineradora quanto a siderúrgica, CSN (Companhia Siderúrgica Nacional). A Inglaterra não se oporia a
encampação das empresas, pagando-se uma indenização, e o governo de Getúlio entraria com a matéria-prima,
os trabalhadores e toda a infra-estrutura para o negócio‖ (GODEIRO et al. 2007, pp.10-11). Mais uma vez
tomamos ciência de até onde podem ir as sevícias do capital: do minério de ferro do nosso país saía a matéria-
prima que se transformaria em armamentos contra os nazistas. A construção da Vale já é ―agressiva‖. Repare-se
também na colonialidade do negócio: os EUA fazem empréstimos e a tecnologia; A Inglaterra indenizada; e o
Brasil entra com os trabalhadores, a infraestrutura e a matéria-prima. Um legítimo comércio colonial com as
metrópoles.
19



joint-ventures distribuídas em mais de 30 países, dentre eles Brasil, Angola, Austrália,
Canadá, Chile, Colômbia, Equador, Indonésia, Moçambique, Nova Caledônia e Peru, nos
quais desenvolve atividades de prospecção e pesquisa mineral, mineração, operações
industriais e logística.
        Os segmentos de atuação da Vale são: minerais ferrosos; alumínio e sua cadeia
produtiva (bauxita, alumina e alumínio primário); minerais não ferrosos (minério de cobre,
cloreto de potássio, caulim); siderurgia; e carvão. A empresa investe também no setor
logístico, infraestrutura portuária e transporte ferroviário. Entre os clientes da Vale,
encontram-se os maiores grupos de siderurgia mundial: as italianas Ilva e Lucchini (grupo
russo Severstal); Corus (grupo indiano Tata); ArcelorMittal (França e Holanda); Taiwan
China Steel Corporation; Baosteel (maior grupo de siderurgia chinês); ThyssenKrupp
(Alemanha), Nisshin Steel, Sumitomo, Kobe Steel, JFE Steel, Nippon Steel (Japão); POSCO
(Coréia); Erdemir (Turquia).
        Os minerais ferrosos respondem por 61,6% de sua receita, seguidos de níquel (13,6%),
alumina (5%), cobre (4,7%), serviços de logística (4,6%) e alumínio (3,6%).
        Desde sua privatização a empresa teve lucros de US$ 49,2 bilhões, sendo que US$
13,4 bilhões foram distribuídos a seus acionistas. Nos últimos 10 anos, a Vale foi a quarta
empresa mais rentável entre as grandes companhias (Boston Consulting Group).
        A Vale qualifica-se como uma empresa que transforma recursos minerais em
utensílios necessários para o cotidiano das pessoas. Reflexo da internacionalização do capital,
ela é uma empresa multinacional sediada no Brasil que conta com mais de 100 mil
empregados, entre terceirizados e próprios. No seu discurso, a referida empresa qualifica-se
também como sendo socioambientalmente responsável, considerando-se corresponsável no
desenvolvimento dos empregados e na sustentabilidade do ambiente, sempre levando em
consideração as comunidades em que atua.
        Essa breve descrição da Companhia Vale do Rio Doce – CVRD – permite ter uma
noção sintética da grandeza da Vale, bem como, torna apto extrair informações basilares que
servirão de questionamento: 1) é possível pensar em ―desenvolvimento sustentável‖ no seio
de uma empresa cuja atividade é extremamente agressiva ao ambiente? 2) Será que a Vale
preza pela responsabilidade socioambiental ou trata-se apenas de mais uma tática de
marketing de sua Política Ambiental? 3) A apropriação do discurso moderno de
responsabilidade socioambiental e, por conseguinte, desenvolvimento sustentável, são apenas
mecanismos que visam legitimação ou são perfeitamente conexos com a realidade?
20



        A partir dessas três perguntas pode-se analisar de forma crítica4 e radical5 a temática
da Política Ambiental contemporânea, notadamente, enfocando a referida empresa através de
aspectos teóricos, mas também práticos e pontuais, que permitem averiguar a veracidade dos
discursos, uma vez que os fatos não existem por si só e, destarte, devem ser questionados.
        Esta obra tem como intuito investigar o discurso de responsabilidade socioambiental
empregado pela Vale no período pós-privatização (1997-2010), principalmente em sua
atuação no município de São Luís – MA. Para tanto, a monografia foi dividida em 8 (oito)
seções. Na primeira parte, contextualiza-se historicamente a crise ambiental tendo como
referencial as conferências promovidas pela Organização das Nações Unidas (ONU). Partindo
para analisar o desenvolvimento da companhia de estatal a privada, a territorialização da Vale
na tessitura histórica é abordada na segunda seção. Os Relatórios de Sustentabilidade de
2007 e 2008 - documentos oficiais disponíveis no sítio da empresa, www.vale.com - são
analisados na terceira e quarta parte respectivamente. Através do documento oficial
Desempenho da Vale em 2009, apresentado durante a Assembleia Ordinária de Acionistas
ocorrida no Rio de Janeiro (RJ), sede mundial da Vale, no dia 27 de abril de 2010, a quinta
seção, objetiva avaliar a performance econômica da Vale no ano de 2009, contrapondo com
casos concretos de injustiça socioambiental. Partindo da categoria governamentalidade, do
filósofo Michel Foucault, a sexta parte propõe enfatizar os reflexos da ―governamentalidade
valiana‖ no campo socioambiental no ano de 2010. Procurando identificar como a Vale se
posiciona diante da questão socioambiental e analisando de maneira crítica o discurso, a
sétima seção tem como desígnio avaliar a Política de Desenvolvimento Sustentável
(documento oficial também disponível no sítio eletrônico da empresa). Finalmente a oitava
seção propõe investigar os elementos do campo discursivo pari passu a formação de um
habitus ecológico da empresa, por meio da apropriação do discurso contemporâneo de
desenvolvimento sustentável, da responsabilidade social empresarial e o marketing ambiental,
para obter legitimidade social, jurídica, política e pública de uma empresa que se apresenta
como comprometida com o ambiente.




4
  De acordo com Japiassu e Marcondes (1990) apud Spósito (2004, p. 66) ―a palavra vem do grego kritiké, que
significa a ‗arte de julgar‘‖.
5
 Segundo Japiassu e Marcondes (1990, p. 209) apud Spósito (2004, p. 65) o termo é proveniente do latim tardio
radicalis, e ―diz respeito à raiz das coisas, à sua natureza mais profunda, sem admitir restrição ou limite‖.
21



3 METODOLOGIA


       Na construção da monografia, a metodologia ocupa um lugar de destaque uma vez que
o método, de certa forma, é quem vai mediar a relação entre o que quer conhecer e aquilo que
vai ser reconhecido. Por isso, o método escolhido para servir de ―caminho‖ foi o dialético,
pois ele permite uma maior interação com o objeto estudado, escapa do objetivismo
positivista, da rigidez matemática, permitindo que entendamos o problema problematizando-o
e, assim, criando hipóteses e enfrentando os problemas.
       O método dialético tem como base o movimento e a mudança (POLITZER, 1986). A
realidade é mutável, a história não é estática. Até mesmo o mundo, hoje, tal qual como o
conhecemos e concebemos está destinado a desaparecer, pois nenhuma sociedade é imóvel,
tudo é transformado porque ―o que vemos por toda a parte, na natureza, na história, no
pensamento, é a mudança e o movimento. É por esta constatação que começa a dialética‖
(POLITZER, 1986, p. 119). Dessa forma, a dialética nos permitirá encontrar diferenças de
pensamento, perspectivas, teorias e análises, assim como uma necessidade de investigar o
discurso de responsabilidade socioambiental que a Vale emprega, com ênfase no município de
São Luís, no período pós-privatização (1997-2010). As concepções presentes neste trabalho
são frutos da noção de realidade espaço-temporal vigente na contemporaneidade: uma
―geografia das frases-feitas‖, onde se discursa demasiadamente, mas as práticas produtivas
concretas são extremamente dissonantes do discurso proferido.
       A concretização da monografia somente foi possível, também, primeiramente porque o
―caminho‖ traçado permitiu a todo instante sermos incomodados pelo objeto de pesquisa:
situações novas surgiam, atores sociais remodelavam seus hábitos, o cenário econômico
mundial favorecia as mudanças e os movimentos. Além disso, a escolha dos procedimentos
permitiram o aprofundamento do conteúdo; identificar erros e acertos, suscitou mais
questionamentos, nem todavia, com mais respostas.
       Sendo assim, podem-se avaliar as ações e atividades desenvolvidas pela empresa no
que tange às políticas de responsabilidade ambiental e social. Para tanto, se utilizará como
base o modelo cronológico disponível no site da empresa, www.vale.com, que atesta apenas
os fatos ―politicamente benéficos‖ ou que não ―mancham‖ a imagem da referida empresa.
22



       3.1 Procedimentos Metodológicos


       Para a realização do presente trabalho lançamos mão de alguns procedimentos
metodológicos, a saber:
      Levantamento e análise de material bibliográfico;
      Revisão    bibliográfica     enfocando   temas    como        responsabilidade   ambiental,
desenvolvimento, modernidade, responsabilidade social, desenvolvimento sustentável,
política ambiental e discurso;
      Documentação fotográfica, para ilustrar as informações estudadas bem como para
validação científica do trabalho;
      Obras de consulta relacionadas ao tema de forma geral na Biblioteca Central da
Universidade Federal do Maranhão (UFMA), da Universidade Estadual do Maranhão
(UEMA) e no Núcleo de Documentação, Pesquisa e Extensão Geográfica (NDPEG);
      Jornadas de campo para registro fotográfico no bairro Alto da Esperança, localizado
na área Itaqui-Bacanga, São Luís-MA.
      Realização de entrevistas dirigidas junto a atores sociais.
      Realização de pesquisa na página eletrônica da empresa;
      Por conseguinte, interpretação, análise e tabulação dos dados brutos e informações
obtidas.
23



4 A CRISE AMBIENTAL E AS SEVÍCIAS DO CAPITAL


        Antes de entrar diretamente no mérito da questão, é de suma importância anotar que
um dos mais importantes agentes sociais - o Estado - está atravessando, desde a década de
1990, um processo de transformação gradual no que tange às ações diretas na esfera
econômica, fruto de uma ampliação das táticas e estratégias liberais que alavancariam o
neoliberalismo.
        Os anos 1990, no mundo, marcam o fim da Guerra Fria e o começo de uma nova
ordem política e econômica. A queda do Muro de Berlim, autorizada pelo governo comunista,
é um marco histórico que simboliza o novo momento do mundo. As transformações mundiais
observadas não se resumiam à liderança dos Estados Unidos, mas também são o resultado de
um conjunto de idéias econômicas e políticas que defendiam o livre mercado6 a nível global,
ou seja, o Neoliberalismo.
        ―Mundo Neoliberal‖ é uma das muitas metáforas que podem ser utilizadas para se
entender os anos 1990. Investimentos estrangeiros diretos, não-protecionismo, liberalização
econômica-comercial-financeira e diminuição da participação do Estado na economia, são
algumas das características desse sistema político-econômico. Essa remodelagem do Estado
(de controlador para regulador) permite uma maior gerência e autonomia do setor privado na
economia, que se processa metodologicamente pelos programas de privatização.
        No Brasil, os anos 1990 começam com o governo Collor de Mello, eleito presidente
em 1989. Collor apresentava como sendo seu programa de governo erradicar a inflação,
diminuir a influência do Estado (movimento este internacional) na economia e moralizar a
política. Na economia, Collor lançou um plano homônimo que tinha dentre outras funções
estabilizar a economia e conter a inflação. Em tese, os motivos do Plano Collor eram
justificáveis, mas as medidas tomadas para o atendimento dos objetivos do Plano foram
catastróficas, uma vez que o governo lançou mão do confisco monetário (de contas-correntes
e poupanças) e congelamento de salários e preços. Após um breve período de relativo apoio
popular, o Governo Collor passou por crescente desgaste em sua imagem e, sob fortes
acusações de corrupção. No final das contas, Collor sofreu processo de impeachment e foi
afastado da presidência da República. Itamar Franco assumiu o cargo interinamente.


6
  Em outras palavras É como se fora do mercado, que possui suas próprias regras de funcionamento, não
houvesse possibilidade de existência socioeconômica. Logo ele se absolutiza como única dimensão econômica
possível e pensável, o que nos leva a deduzir que, de um ponto de vista externo do mercado, ou seja, fora do
sistema, exista apenas a exclusão (MORENO, 2005).
24



       Os governos de Itamar Franco e, principalmente, de Fernando Henrique Cardoso,
serão avaliados num outro momento. Importante notar que, entre os anos 1930 e 1990,
indubitavelmente, uma das características do Estado brasileiro foi, e continua sendo, os
investimentos no setor de indústria e infraestrutura. Penteado (2006, p. 01) escreve que:

                       Historicamente a participação do Estado em atividades econômicas privadas pode
                       ser identificada com a criação do Banco do Brasil S/A, primeira sociedade de
                       economia mista fundada pelo Alvará de 12.10.1808, do Príncipe Regente [...] Com o
                       início da industrialização, e sob a égide da Carta de 1937, começaram a ser criadas
                       uma série de sociedades de economia mista, voltadas a atividades econômicas
                       básicas ou de infra-estrutura industrial e de serviços, como [...] a Companhia Vale
                       do Rio Doce (Decreto-Lei n.º4.352/42).


       Todavia, caso queira-se entender os descompassos do modelo neoliberal com o meio
ambiente e, por conseguinte, compreender a lógica dos discursos e a ―Geografia das frases-
feitas‖ é preciso recuar no tempo, antes mesmo do nascimento formal do Neoliberalismo.

                       A partir do final dos anos 40 a integração mundial, pela expansão capitalista em
                       novas bases, estabelece o tema do desenvolvimentismo como questão central, tendo
                       em vista as necessidades de ampliação dos mercados e de superação da ordem
                       anterior. Na América Latina a CEPAL - Comissão Econômica para a América
                       Latina - foi, na década de 50, o grande fórum de debates sobre o tema
                       [desenvolvimentismo], colocando a nu as desvantagens dos países pobres no
                       comércio internacional, e apontando a industrialização como solução para os
                       problemas econômicos, sociais e políticos das regiões atrasadas (CASTRO, 1992,
                       pp. 60-61).


       Sim, os países pobres tinham como matriz de explicação de sua pobreza o fato de
serem pouco industrializados. Era preciso então fomentar a industrialização para que os países
latino-americanos não tivessem tanta desvantagem em relação às nações européias e,
principalmente, em relação aos Estados Unidos. Ou seja, era preciso deixar de ser um país do
primeiro setor (exportador de matérias-primas) e adentrar ao mundo do segundo setor (a
indústria). Como a adesão formal ao neoliberalismo se processou no Brasil apenas nos anos
1990, o grande condutor do desenvolvimento industrial era o Estado. Temos, então, aqui, o
motor do desenvolvimento: a indústria, e o seu condutor: o Estado.
       Em termos mundiais, década de 1960 é o momento do nascimento de uma possível
crise ambiental. A Europa e o Japão recuperavam-se da Segunda Grande Guerra e as tensões
entre EUA e URSS começavam a intensificar-se. Industrialização, modernidade e progresso
confundiam-se com desenvolvimento. Mas, esta década também marca o acirramento do
duelo entre a Economia e a Ecologia, uma vez que se pode pensar em dois modelos de
racionalidade diferentes, talvez até mesmo incompatíveis levando-se em consideração que
25



existe uma espécie de ―limite‖ entre as duas ciências, afinal o racionalismo econômico
burguês desencadeou uma irracionalidade ecológica.

                           La crisis ambiental se hace evidente en los años 60, reflejándose en la irracionalidad
                           ecológica de los patrones dominantes de producción y consumo, y marcando los
                           límites del crecimiento económico. De esta manera, se inicia el debate teórico y
                           político para valorizar a la naturaleza e internalizar las externalidades
                           socioambientales del proceso de desarrollo (LEFF, 2001, p. 150).


        Sendo assim, cresce a constatação de que é preciso respeitar a natureza caso se queira
aproveitar de seus serviços/recursos ecossistêmicos/ambientais. Dessa forma, o ―mundo
ocidental‖ ou ―ocidentalizado‖ investiga novas condições que possibilitassem recondicionar
tanto de forma econômica, quanto de forma ecológica, a Natureza às vontades humanas7,
agora inseridas em limites espaciais, temporais e ambientais. Todavia, enganou-se quem
pensou que esta empreitada representaria uma inversão ou reversão na lógica do sistema: Leff
(2001, p. 150) diz que: ―sin una nueva teoría capaz de orientar el desarrollo sustentable, las
políticas ambientales siguen siendo subsidiarias de las políticas neoliberales‖.
        Sim, o grande fundamentalismo do Ocidente, como dissera Milton Santos, é o
consumismo. Consequentemente, o que promove o consumismo é a produção (a recíproca é
verdadeira também). Então, como pensar numa compatibilização entre capitalismo e Natureza
se 1) o mecanismo que ―rege‖ essa relação é a lógica do mercado8, e 2) se a Natureza é
construída ideologicamente no capitalismo industrial como uma fronteira (SMITH, 1988)?
Por isso, Leff fala em buscar uma nova teoria: afinal, é necessário proteger o ambiente e
questionar a matriz dos problemas ecológicos, que por sua vez, localizam-se na racionalidade
econômica9 e filosófica10. Essa nova teoria estaria fundada no conceito de sustentabilidade11,
e o seu embrião foi lançado no Clube de Roma.

7
  Smith (1988), parte da noção de que além da natureza ser dominada, principalmente no capitalismo, ela
também é produzida pelo homem.
8
  Em seu livro: Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal, o geógrafo
brasileiro Milton Santos (1926-2001) fala que o motor único do mundo é a mais-valia universal.
9
   O Liberalismo Econômico de Adam Smith (1723 - 1790). Este economista estava buscando entender a
―natureza‖ da economia capitalista. Visando o âmago do capitalismo, ele acreditava que as sucessivas inovações
tecnológicas causariam o barateamento da produção e, consequentemente, promoveria condições de mercado
para vencer os competidores. A força do seu pensamento deu embasamento moral e teórico para que a burguesia
pudesse se expandir. Uma das informações mais interessantes da doutrina de Smith, e que nos interessa
majoritariamente em nossa discussão, é tentar entender o que ele estipulava como ―preço natural‖. Uma possível
resposta é entender que Smith interpreta como natural aquilo que é justo, portanto, se é justo é aceitável
(RIBEIRO JUNIOR; OLIVEIRA; SANT‘ANA JÚNIOR, 2009).
10
  A Filosofia de René Descartes (1596-1650): ―[...] é possível chegar a conhecimentos muito úteis para a vida e
de achar, em substituição à filosofia especulativa ensinada nas escolas, uma prática pela qual, conhecendo a
força e a ação do fogo, da água, do ar, dos astros, do céu e de todos os demais corpos que nos cercam, tão
26



        4.1 Primícias de uma Teoria: O Clube de Roma


        O ano de 1968 é chave para se entender a problemática da questão relacional entre
Homem e Natureza. O homo economicus começava a dar-se conta das agressões proferidas
contra a ―Mãe Gentil‖, e questionava-se (mesmo que de forma incipiente) sobre os conceitos
de desenvolvimento humano, crescimento econômico e qualidade de vida, uma vez que
mesmo as grandes potências mundiais, como os EUA, exemplificavam corriqueiramente a
discrepância existente entre progresso técnico e progresso social. Então, se for possível pensar
em um grande marco histórico da política ambiental, este fora o Clube de Roma.

                           Os estudiosos da área ambiental são unânimes em afirmar que o marco das
                           preocupações do homem moderno com o meio ambiente, incorporando questões
                           sociais, políticas, ecológicas e econômicas com uso racional dos recursos, deu-se em
                           1968, com o Clube de Roma. Essa foi uma reunião de notáveis de diversos países e
                           de diversas áreas do conhecimento: biológica, econômica, social, política e
                           industrial. Reuniram-se para discutir o uso dos recursos naturais e o futuro da
                           humanidade. O relatório final chamado ―Limites de Crescimento‖ abalou as
                           convicções da época sobre o valor do desenvolvimento econômico e a sociedade
                           passou a fazer maior pressão sobre os governos acerca da questão ambiental
                           (SANTOS, 2004, p. 17-18).


        O relatório ―Limites do Crescimento‖, expressa aquilo que, possivelmente, povoou a
mente dos participantes do Clube de Roma: o que fazer para compatibilizar o modo de
desenvolvimento capitalista com a proteção do ambiente? Como conjugar crescimento
econômico com meio ambiente? Leff (2001, p. 151) argumenta que:

                           En 1972 se publica Los límites del crecimiento (Meadows Et al., 1972). Este estudio
                           plantea los límites físicos del planeta para proseguir la marcha acumulativa de la
                           contaminación, la explotación de recursos y el crecimiento demográfico, haciendo
                           sonar la alarma ecológica. Un año antes, Georgescu Roegen (1971) publicó La Ley
                           de la Entropía y el Proceso Económico, mostrando los límites físicos que impone la
                           segunda ley de la termodinámica a la expansión de la producción. Se advierte allí
                           que el crecimiento económico se alimenta de la pérdida de productividad y la
                           desorganización de los ecosistemas, enfrentándose a la ineluctable degradación
                           entrópica de los procesos productivos.


        Sim, o título da obra deixa claro: Os Limites do Crescimento. Se limite pode significar
restrição, deduz-se que o modo de produção capitalista necessitava de restrições para



distintamente quanto conhecemos os diversos misteres dos nossos artífices, poderíamos empregá-los igualmente
a todos os usos para os quais são próprios, e desse modo nos tornar como que senhores e possuidores da
natureza” (DESCARTES, 2008, p. 60, os grifos são meus).
11
  ―Sustentabilidade é um termo relativamente antigo, de origem no saber técnico na agricultura no século XIX.
Entrou na rota do uso pelos ecologistas modernos nos anos 80, em cujo debate I. Sacks deu grande contribuição‖
(RUSCHEINSKY, 2003. pp. 39-40).
27



continuar o seu ritmo de acumulação. Mas como pensar em restrição ou limite em um sistema
que tem como um dos seus ideários a liberdade econômica?
       Liberdade e limite são antônimos. Portanto, está-se diante de uma crise ambiental.
Precisam-se encontrar novos modos apropriação do ambiente para a manutenção da
produtividade. Uma das alternativas foi a construção do ideário do desenvolvimento
sustentável.

                       O ideário atual foi semeado no ano de 1950 quando a IUCN (World Conservation
                       Union/International Union Conservation of Nature) apresentou um trabalho que
                       usou pela primeira vez o termo ―desenvolvimento sustentável‖. No entanto, ele
                       difundiu-se, claramente, em 1971, na Reunião de Founeux, agora com o nome de
                       ecodesenvolvimento, formulado basicamente pela escola francesa. Nele estava clara
                       a preocupação com a degradação ambiental, com a condição social dos
                       desprivilegiados, com a falta de saneamento, com o consumo indiscriminado e com
                       a poluição ambiental (SANTOS, 2004, p.19).


       Notadamente, o conceito de desenvolvimento sustentável remonta à década de 1950
(anterior mesmo ao Clube de Roma). Todavia, a questão ambiental naquele momento era um
tanto quanto incipiente. Assim, somente na década de 1970, com a citada reunião e com a
Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente Humano em 1972, o caráter ecológico
é enfatizado.
       Entretanto, a questão ambiental demandava mais do que discussões, conferências ou
estabelecimento de conceitos: era necessária uma política voltada para o campo ambiental.
Ateste-se, desde já, que a política ambiental, tal como foi concebida, não reflete uma mudança
de modelo, pois caso fosse dessa forma, haveria uma série de empecilhos à reprodução do
capital em larga escala, e sendo assim o comércio mundial seria afetado.
       Os EUA foram o primeiro país que lançou mão de uma política ambiental para tentar
compatibilizar proteção ambiental com exploração econômica. De fato, a nação mais
poluidora e consumista do mundo largou na frente objetivando a compactuação entre
crescimento econômico e política ambiental. O resultado foi uma extrema mobilização no seio
da questão ambiental que culminou com o NEPA (National Environmental Policy Act)
estadunidense, de 1970, cuja promulgação é anterior ao próprio relatório do Clube de Roma,
que foi publicado em 1972. Cánepa (1991, p. 259) escreve que:

                       [...] Como culminância de toda essa mobilização, é aprovado pelo Congresso norte-
                       americano, e promulgado em 1969, o National Environmental Protection Act
                       (NEPA). Essa lei é um verdadeiro marco na história da gestão ambiental pelo
                       Estado, não tanto por aquilo pelo qual é mais conhecida — a instituição dos Estudos
                       de Impacto Ambiental (EIAs) e respectivos Relatórios de Impacto Ambiental
                       (RIMA) como instrumentos preferenciais na tomada de decisão e gestão ambiental
                       —, mas, sim, pelo estabelecimento do Conselho da Qualidade Ambiental, órgão
                       diretamente ligado ao Poder Executivo e encarregado de elaborar anualmente, para o
28



                           Presidente dos EUA, o relatório ao Congresso sobre o estado do meio ambiente em
                           todo o território nacional. Trata-se do primeiro passo — mas um passo
                           verdadeiramente gigantesco — no sentido de o Estado assumir, em nome da
                           coletividade, a efetiva propriedade desse bem público que é o meio ambiente,
                           mantendo os cidadãos informados sobre a sua qualidade.


        Ora, se política ambiental estadunidense representou, em termos de lei, um avanço, ela
atestou a continuidade da exploração, só que agora levando em consideração os impactos
causados ao ambiente. Por isso, vieram ao mundo o Planejamento e Gestão Ambiental, os
EIA-RIMA, etc.
        De fato, a sensibilização12 ambiental vem numa crescente desde a década de 1960. O
desafio estava posto: integrar o homo economicus com a preservação e conservação dos
recursos ambientais. Mais do que isso, é apresentado como desafio para a humanidade a
busca de exercício de um duplo papel: abandonar (teoricamente) o caráter de poluidor, para
assumir o de protetor da Natureza, e assim desenvolver equilibradamente sociedade,
ambiente, cultura e tecnologia. A expansão em larga escala da problemática ambiental se
processa com a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente Humano.


        4.2 Os Ecos do Clube de Roma: A Conferência das Nações Unidas sobre Meio
Ambiente Humano


        A partir do Clube de Roma, a questão ambiental no ―mundo ocidental‖ ganhou força,
afinal percebia-se a necessidade de rever hábitos de apropriação dos recursos ambientais, a
fim de que se torne o capitalismo ―sustentável‖, ou seja, que o modelo civilizatório ocidental
de apropriação material do ambiente ocorra em situação de equilíbrio da biosfera13.

                           A realização da Primeira Conferência Mundial do Desenvolvimento e Meio
                           Ambiente, em 1972, em Estocolmo, constitui-se em importantíssimo evento
                           sociopolítico voltado ao tratamento das questões ambientais; se aquele evento
                           significou, por um lado, a primeira tentativa mundial de equacionamento dos
                           problemas ambientais, por outro, significou também a comprovação da elevada
                           degradação em que a biosfera já se encontrava (MENDONÇA, 2005, p. 46).


        Por mais que fossem expostas as mazelas que o capitalismo causava ao ambiente, a
situação não mudou substancialmente, uma vez que a raiz do problema, o sistema, continuou

12
  Será trabalhada aqui sensibilização ambiental, pois quando se utiliza a locução ―consciência ambiental‖
implica em dizer que uns possuem (consciência ambiental) e outros não.
13
  É engraçado perceber que, em tese, os atores do capitalismo buscam a sustentabilidade; mas na prática, ao
contrário de pensarem em uma solução para os problemas da raça humana, fortificam o sistema econômico que
tem por base a insustentabilidade, a amortização da natureza. Daí, melhor falar em capitalismo sustentável que
desenvolvimento sustentável.
29



a apropriar de forma predatória os recursos ambientais. Pior: é justamente nesta década em
que ocorreu o deslocamento de indústrias altamente poluidoras dos países ditos desenvolvidos
para os países chamados de em desenvolvimento/subdesenvolvidos (para utilizar a linguagem
da época), como é o caso do Brasil.
       Voltando um pouco mais no tempo: em 1964, no Brasil, vivíamos o Regime Ditatorial.
Essa época é interessantíssima para se compreender a construção dos discursos. Se pensarmos
bem, o regime ditatorial de direita brasileiro ilustrou, como uma das suas muitas
características espaço-temporais, as grandes obras e projetos de Modernização. Por enquanto,
não se entrará em detalhes. O que cabe anotar é: como pensar numa relação dual entre
proteção ambiental e exploração dos recursos naturais uma vez que o Governo do Brasil
adotara um paradigma industrial altamente contraditório? A postura dual do Governo do
Brasil identificada com a criação da Secretaria do Meio Ambiente, em 1973, é demonstrada
por Leite Lopes (2004, p. 20):

                        Embora o governo brasileiro tenha se pronunciado contra a preocupação e os
                        controles ambientais da conferência – com receio de um cerceamento internacional
                        do processo de industrialização levado a efeito no país desde os anos 30 e 40, e
                        continuado pelo regime militar, que na ocasião vinha apostando tudo no efêmero
                        milagre econômico brasileiro de então – ele, no entanto, não deixou de criar logo no
                        ano seguinte uma secretaria do meio ambiente, subordinada ao Ministério do
                        Interior.


       Sendo assim, a criação da SEMA revela a institucionalização da problemática
ambiental, fato este que pode ser visto como um avanço.

                        Institucionalizada em 1973, a SEMA refletia, por um lado, a demanda de controles
                        ambientais por parte de uma minoria advertida de técnicos governamentais e, por
                        outro, a oportunidade da chancela institucional, para a captação de financiamentos
                        internacionais para os quais as garantias ambientais eram necessárias (LEITE
                        LOPES, 2004, p. 20).


       Alguns projetos de industrialização e modernização representavam um sério risco
ambiental, tal como a intensificação da industrialização do sudeste brasileiro, a zona franca de
Manaus e a Transamazônica. Podem-se citar também outros investimentos como o PGC
(Programa Grande Carajás) e alguns que tiveram o Maranhão como um dos principais
centros: o Consórcio ALUMAR (Alumínio do Maranhão S/A) entre as empresas Billiton
Metais S/A e a ALCOA do Brasil S/A; e a CELMAR (Celulose do Maranhão S/A). Sobre o
PGC, Aquino e Sant‘Ana Júnior (2009, p. 47) explicam que:

                        O Programa Grande Carajás foi concebido para garantir a exploração e
                        comercialização das ricas jazidas de minério localizadas no sudoeste do Pará. Para
                        tanto, além da implantação das minas e das condições para seu funcionamento,
                        dentre as medidas tomadas destacam-se a construção da Estrada de Ferro Carajás,
30



                       que liga as minas ao litoral maranhense, e a construção do Complexo Portuário de
                       São Luís, composto pelos portos do Itaqui, administrado pelo governo do Estado do
                       Maranhão, da Ponta da Madeira, administrado pela Vale, e Porto da Alumar,
                       administrado pela própria Alumar (Consórcio de Alumínio do Maranhão).


       A Conferência de Estocolmo foi um marco histórico demasiado importante para a
Ecologia. Não obstante, se voltarmos no tempo, perceber-se-á que a cientifização e
tecnificação teve início ―a partir dos anos 60 [quando] a ecologia deixou as faculdades de
biologia das universidades e migrou para a consciência das pessoas. O termo científico
transformou-se numa percepção do mundo‖ (SACHS apud LEITE LOPES, 2004, p. 21). O
reflexo disso é a institucionalização de organismos públicos que ―controlem o ambiente‖,
como foi o caso da SEMA.
       Enquanto os Estados Unidos promulgou o NEPA (National Environmental Policy Act)
em 1970, o Brasil esperou mais uma década para ter sua Lei de Política Ambiental (1981),
―promulgando um arcabouço institucional federal, com a secretaria de meio ambiente ligada à
presidência da República (a Sema), com um conselho nacional de meio ambiente (órgão
consultivo e deliberativo), com o Ibama‖ (LEITE LOPES, 2004, p. 22). O porquê desse atraso
deve-se

                       Em primeiro lugar que, a questão ambiental no Brasil, não era prioridade de
                       políticas públicas. Em segundo lugar, a política ambiental não era prioridade do
                       processo de industrialização brasileiro que, baseava-se numa estratégia de
                       substituição de importações, privilegiando setores intensivos em emissão, e no uso
                       direto de recursos naturais (energia e matérias-primas baratas) (LUSTOSA,
                       CÁNEPA e YUONG apud GRIGATO; RIBEIRO, 2006, p. 02)


       Como foi observado, o Brasil caminhou a passos lentos rumo à inserção da esfera
institucional na política ambiental. Sem entrar em muitos detalhes, aqui foi extraído um trecho
da referida Lei que trata da Política Nacional do Meio ambiente.

                       Art. 2º - A Política Nacional do Meio Ambiente tem por objetivo a preservação,
                       melhoria e recuperação da qualidade ambiental propícia à vida, visando assegurar,
                       no País, condições ao desenvolvimento sócio-econômico, aos interesses da
                       segurança nacional e à proteção da dignidade da vida humana [...].


       O brilhantismo com que é tratada, em termos de lei, a Política Ambiental no Brasil é
digno de elogios. No entanto, entre o formalismo da legislação e a aplicação da lei, constata-
se que as ações governamentais deixam a desejar no que tange a redução de impactos
negativos sobre o ambiente. Percebe-se uma (ir)racionalização na forma como os organismos
econômicos tem adotado posturas dúbias em relação ao ambiente. O planejamento em si é
orientado e gestado para a racionalização da reprodução ampliada do capital (OLIVEIRA,
31



1981), ou seja, ele é a ferramenta que permite ao sistema capitalista aumentar racionalmente
os lucros oriundos dos ciclos produtivos. Não obstante, a fiscalização, que deveria ser uma
arma no combate àquela irracionalidade citada, não é executada com eficiência, permitindo
assim a continuação de procedimentos desastrosos e hostis para com os recursos naturais
(sociais). E o principal: estudiosos ligados à ―Nova Direita‖ (neoliberais e neoconservadores)
não vêem a problemática ambiental como multiescalar; estão cegos acerca das forças motrizes
que, de maneira multiescalar, produzem o contexto ambiental. Não enxergam que o problema
é sistêmico e não, unicamente, individual14.


       4.3 A Conceituação da ―Frase Feita‖: A Comissão Mundial para o Meio Ambiente e
Desenvolvimento das Nações Unidas e o Relatório Brundtland


       Desde 1972 até 1987 transcorreram 15 (quinze) anos. Nesse intervalo de tempo
(espaço) a problemática ambiental evoluiu: a discussão ambiental ganhou proporções
internacionais e mundiais. Tudo virou ambiental: tem-se geomorfologia ambiental, sociologia
ambiental, política ambiental, economia ambiental, etc. Ao mesmo tempo, emerge como
paradigma ambiental, aquela locução que dá embasamento para a ―Geografia das frases
feitas‖: o desenvolvimento sustentável. Dessa maneira, recorre-se a categorizações, como é o
caso do ―ambiental‖ vazio, anteriormente citado, ou diz-se que o capitalismo está se
―ecologizando‖ e esvazia-se o debate político sobre a sustentabilidade, bem como a raiz do
problema: o modo de produção capitalista, camuflando assim os discursos de legitimação e
apropriação dos recursos sociais.

                       O debate sobre sustentabilidade está marcado por uma diversidade muito grande de
                       perspectivas epistemológicas e teóricas de abordagem. Tal como ela aparece, em
                       meio a uma questão ambiental construída progressivamente ao longo dos últimos 30
                       anos, a sustentabilidade é uma inovação discursiva emprestada às ciências
                       biológicas. Estas últimas, por sua vez, já a haviam formulado sob uma concepção
                       fortemente economicista dos sistemas vivos, ou seja, à luz de uma analogia entre os
                       processos biológicos e aqueles de determinadas economias, mais especificamente de
                       economias produtoras de excedentes. Nesta perspectiva, a noção de
                       ―sustentabilidade‖ da Biologia pensou os sistemas vivos como compostos de um
                       ―capital/estoque‖ a reproduzir e de um ―excedente/fluxo‖ de biomassa, passível de
                       ser apropriado para fins úteis sem comprometer a massa de ―capital‖ originário. No
                       âmbito do manejo agrícola dos ecossistemas, por exemplo, Conway refere-se à
                       sustentabilidade como ―a capacidade do sistema manter sua produtividade face a
                       grandes distúrbios como aqueles causados por erosão do solo, secas imprevistas e
                       novas pragas‖. Podemos observar toda uma trajetória desse conceito de uma para
                       outra disciplina científica até o mesmo aparecer no final do século XX como uma
                       noção relativamente corrente no debate público. Neste âmbito, tratar-se-á de uma

14
   É só perceber como as campanhas pró-educação ambiental centram-se demasiadamente nas ações
individuais...
32



                       construção discursiva que colocará em pauta os princípios éticos, políticos,
                       utilitários e outros, que orientam a reprodução da base material da sociedade. Ao
                       fazê-lo, essa noção, nos seus múltiplos conteúdos em discussão, pressupõe uma
                       redistribuição de legitimidade entre as práticas de disposição da base material das
                       sociedades. Em função do tipo de definição que prevaleça, estabelecida como
                       hegemônica, as práticas sociais serão divididas em mais ou menos sustentáveis,
                       entre sustentáveis e insustentáveis; portanto, serão legitimadas ou deslegitimadas,
                       retirando-se e atribuindo-se legitimidade a essas diferentes formas de apropriação
                       (ACSELRAD, 2004, p.2-3).


       O desenvolvimento sustentável foi conceituado na referida Comissão Mundial para o
Meio Ambiente e Desenvolvimento, das Nações Unidas, precisamente em 1987, e é definido
como ―aquele que atende às necessidades presentes sem comprometer a possibilidade de as
gerações futuras satisfazerem suas próprias necessidades‖ (CMMAD, 1991, p.46). Acselrad
(2004, p. 3) diz que esse corte intergeracional abdica, sem dúvida, de perceber a diversidade
social no interior do futuro e do próprio presente. Como bem fala Pitombo (2007, p.12):

                       Com a ameaça de degradação ambiental em todo o planeta, a miséria e as privações
                       existentes nos países do chamado Terceiro Mundo, os temas como gestão social,
                       proteção ambiental e desenvolvimento sustentável passaram a merecer, nos últimos
                       anos, grande atenção dos governos, das empresas e dos meios de comunicação.


       De fato, se o ambientalismo ganhou tanta relevância, muito se deve às atividades
agressoras (ao meio ambiente), mas também à formulação do conceito de desenvolvimento
sustentável. Consequentemente, o Relatório ―Nosso Futuro Comum‖, coordenado pela
Primeira Ministra Norueguesa Gro Harlem Brundtland, assinalou a necessária implicação de
limites à economia, além de constatar a extrema necessidade em se rever práticas ambientais
degradantes.

                       Os autores do documento apontaram as várias crises globais (como energia e
                       camada de ozônio) e destacaram a extinção de espécies e o esgotamento de recursos
                       genéticos. Reforçou-se, ainda, o debate sobre o fenômeno da erosão induzida e a
                       perda de florestas (SANTOS, 2004, p. 19).


       A citação acima nos explica a evolução que certas ciências como a biogeografia e a
agroecologia experimentaram. Cada uma, com seu saber, colabora de forma técnica, científica
e informacional para a discussão da temática ambiental. No que tange ao conceito de
sustentabilidade enquanto alternativa para a problemática ambiental, Leff (2001, p. 152-153)
explana que:

                       ―Nuestro futuro común‖ reconoce las disparidades entre naciones y la forma como
                       se acentúan con la crises de la deuda de los países del Tercer Mundo, sin embargo,
                       la Comisión Bruntland busca un terreno común donde platear una política de
                       consenso capaz de disolver las diferentes visiones e intereses de países, pueblos y
                       clases sociales que plasman el campo conflictivo del desarrollo sostenible. […] la
                       ambivalencia del discurso de la sustentabilidad surge de la polisemia del término
33



                         sustainability, que integra dos significados: el primero, traducible como sustentable,
                         implica la internalización de las condiciones ecológicas de soporte del proceso
                         económico; el segundo aduce a la sustentabilidad o perdurabilidad del proceso
                         económico mismo. En este sentido, la sustentabilidad ecológica es condición de la
                         sostenibilidad del proceso económico.


       Seguindo o raciocínio de Leff, o que é sustentável? A internalização das condições
ecológicas de suporte do processo econômico ou a sustentabilidade do processo (modelo)
econômico? É preciso focar na sociedade e romper com a dicotomia sociedade-natureza15
presente nas relações de produção. Por isso que Acselrad (2004, p. 4) alerta que:

                         A sustentabilidade remete a relações entre a sociedade e a base material de sua
                         reprodução. Portanto, não trata-se de uma sustentabilidade dos recursos e do meio
                         ambiente, mas sim das formas sociais de apropriação e uso desses recursos e deste
                         ambiente. Pensar dessa maneira implica certamente em se debruçar sobre a luta
                         social, posto que torna-se visível a vigência de uma disputa entre diferentes modos
                         de apropriação e uso da base material das sociedades.


       Provavelmente, o ecodesenvolvimento negligencia (na prática) a degradação da
natureza, a desigualdade social e a socialização das perdas, tanto econômicas quanto
ecológicas. Sendo assim, o que se observa é que apesar do conceito abarcar o caráter
econômico-ecológico, as práticas produtivas concretas muitas vezes vão de encontro com o
discurso, negligenciando o caráter sociocultural.

                         Da mesma forma, enquanto populações ribeirinhas e migrantes podem ser
                         igualmente qualificadas como populações ―pobres‖, elas apresentam diferentes
                         culturas ecológicas e produzem diferentes impactos ambientais, desafiando, deste
                         modo, o consenso expresso no Relatório Brundtland, na Eco 92 e em publicações
                         oficiais, de que pobreza e degradação ambiental estejam necessária e intimamente
                         relacionadas (LIMA; POZZOBON, 2005, p. 52-53).


       As perspectivas e discussões oriundas da Comissão Mundial para o Meio Ambiente e
Desenvolvimento e do Relatório Brundtland serão enfatizadas novamente na Conferência das
Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, na qual a política ambiental teve
um caráter primordial, principalmente no que tange às questões de planejamento.




15
  A luz do materialismo histórico-dialético a separação entre homem/sociedade/cultura e natureza é uma
construção ideológica ensejada pelo capitalismo (MARX; ENGELS, 2007).
34



        4.4 A consolidação do ideário sustentável: A Conferência das Nações Unidas sobre o
Meio Ambiente e Desenvolvimento


        Depois da Conferência de Estocolmo, em 1972, outro evento histórico da temática
ambiental que marcou época foi a Eco-92, ou Rio-92. Como já fora mencionado, teorizou-se e
discutiu-se muito sobre a política ambiental mundial em 1972. Todavia, as ações
―ecologicamente responsáveis‖ não aconteceram, ou se aconteceram foram em uma escala
mínima. A Natureza foi cada vez mais entendido como recurso16, como meio para se atingir
um fim. No entanto, este fim não versa - da forma que se esperava como resultados práticos
dos debates de cunho ambiental - sobre qualidade de vida satisfatória e atendimento dos
serviços básicos de vida (educação, saúde e moradia).

                          A escolha da cidade do Rio de Janeiro para sediar a conferência mundial foi muito
                          acertada, pois o cenário apresentado pela cidade, quanto pelo país, se constitui em
                          excelente exemplo de como as relações sociais se encontram deterioradas; de como
                          as relações de dependência entre o norte/desenvolvido e sul/não
                          desenvolvido/subdesenvolvido são prejudiciais à vida do Homem e à natureza... à
                          Terra. A onda de seqüestros e epidemias, assim como o tráfico internacional de
                          drogas, por pouco não inviabilizaram a realização da conferência. Possam estes
                          testemunhos de degeneração social ter provocado a reflexão dos conferencistas,
                          sobretudo no âmbito político, para as reais causas e conseqüências da degradação
                          ambiental!!! (MENDONÇA, 2005, p. 47).


        Mendonça aponta um aspecto muito peculiar na conferência de 1992: a escolha do
espaço. O Rio de Janeiro, como afirma o autor, era (e ainda é) um bom exemplo de cidade
para se compreender as desigualdades geradas a partir de um modelo político-econômico
agressivo. É importante também perceber o deslocamento do eixo da Conferência: em 1972, o
lugar de debate era a Suécia, país de cunho religioso protestante, economia próspera (a saber:
papel, produtos químicos e veículos), setor de telecomunicações de elevado desenvolvimento
tecnológico e população que apresenta boa qualidade de vida. Já em 1992, o debate transloca-
se para o Brasil, país cristão/católico, de altíssima diversidade biológica (principalmente na
Amazônia) e cujas desigualdades sociais (de raiz econômica, como a concentração de renda)
são o verdadeiro retrato de nossa história. Outro reflexo foi a introdução de um paradigma da
Educação Ambiental que visa estabelecer convenções e diretrizes que norteiem as práticas
socioambientais.



16
   Destaque-se que a palavra recurso originalmente ―enfatizava o poder de auto-regeneração da natureza e
chamava atenção para a sua criatividade prodigiosa‖ (SHIVA, 2000, p.300). Todavia, o projeto baconiano
(dessacralização da natureza) frequentemente tem extrapolado os limites da natureza, uma vez que limite tem
sido entendido como obstáculo ao desenvolvimento.
35



                            Na Rio 92, o Tratado de Educação Ambiental para Sociedades Sustentáveis e
                            Responsabilidade Global coloca princípios e um plano de ação para educadores
                            ambientais, estabelecendo uma relação entre as políticas públicas de educação
                            ambiental e a sustentabilidade. Enfatizam-se os processos participativos na
                            promoção do meio ambiente, voltados para a sua recuperação, conservação e
                            melhoria, bem como para a melhoria da qualidade de vida (JACOBI, 2003, p. 194)


        Note-se que a educação ambiental já aparece como um modelo de conduta ética
individual e coletiva (LEITE LOPES, 2004). Sim, como disse Jacobi, o conceito de
desenvolvimento sustentável representou um avanço. Contudo, não interessa aqui apenas o
lado conceitual ou teórico, mas sim o lado prático e concreto, uma vez que as referidas
práticas produtivas concretas não têm como foco compatibilizar homem-natureza17, mas sim
salvar o sistema capitalista, mesmo que para isso sacrifique-se a humanidade. Todavia, apesar
do conceito de desenvolvimento sustentável levar em consideração a pluralidade, diversidade,
multiplicidade e heterogeneidade de nações e nacionalidades, define e limita a
sustentabilidade a um modelo de pensamento único. Além disso, negligencia o mundo formal
(como ele pode ser18) em detrimento do mundo real (o mundo como é19).
        Sim, a globalização possibilitou a ampliação da mais valia enquanto motor único e
universal (SANTOS, 2008). Todavia, essa mesma ampliação desencadeou uma crise
ambiental levando a uma incorporação de um discurso do ―ecologicamente correto‖ que dará
embasamento ao desenvolvimento sustentável. Acselrad (2004, p. 13) explana que essa crise
ambiental é fundada numa idéia de objetividade que, por sua vez, imprime ―a perspectiva de
um colapso na relação quantitativa malthusiana entre população e território ou entre o
crescimento econômico material e a base finita de recursos‖. Traduzindo: o objetivismo de
que Acselrad fala conduz a um pensamento único dissonante da visão dialética que o objeto,
os conflitos ambientais, merece. Pode se falar também que os discursos de responsabilidade
socioambiental e desenvolvimento sustentável, pautados no ―ecologicamente correto‖, não


17
  É importante notar que ainda se insiste em uma dicotomia homem-natureza, não percebendo desta forma que,
ainda estaremos imersos na matriz filosófica-econômica do capitalismo que preconiza em seus princípios a
segregação homem-natureza. Contudo, apenas da superação dessa dicotomia, nascerá a possibilidade de uma
Nova História. Aqui cabe lembrar também o ―velho e bom‖ filósofo Karl Marx (1818-1883) quando este nos diz
nos Manuscritos Econômico-Filosóficos (1844): ―O homem vive da Natureza, ou também, a Natureza é o seu
corpo, com o qual tem de manter-se permanente intercâmbio para não morrer.[...] o homem é uma parte da
Natureza‖ (2006, p.116).

18
  Por isso os defensores desta razão falam, no conceito de desenvolvimento sustentável, em ―gerações futuras‖.
Obviamente, o capitalista não tem como principio (ético, moral, filosófico ou econômico) o lucro a longo-prazo:
o lucro deve ser imediato, simultâneo, sincrônico.
19
  É interessante perceber que ao falarem de gerações futuras, os defensores da razão capitalista esquecem-se das
gerações atuais, algo que soa, no mínimo, como algo fora do seu tempo.
36



representam necessariamente uma associação direta entre as práticas econômicas e
ambientais. Enrique Leff (2001, p.149) ensina que:

                       El principio de sustentabilidad emerge en el contexto de la globalización como una
                       nueva visión del proceso civilizatorio de la humanidad. […] la sustentabilidad
                       ecológica aparece así como un criterio normativo para la reconstrucción del orden
                       económico, como una condición para la supervivencia humana y para lograr un
                       desarrollo durable, problematizando los valores sociales y las bases mismas de la
                       producción. El concepto de sustentabilidad emerge así del reconocimiento de la
                       función que cumple la naturaleza como soporte, condición y potencial del proceso
                       de producción.


       De forma brilhante, Leff investiga a bases conceituais da legitimação do crescimento
econômico, questionando a visão mecanicista da razão cartesiana (DESCARTES, 2008) e sua
penetração na teoria econômica. Porto-Gonçalves (2006a) também já alertara sobre a
―amortização da natureza‖, destruição ecológica e degradação ambiental.
       Em quase duas décadas repercutiu-se amplamente ou internacionalmente a questão da
preservação do meio ambiente. A Rio-92 também é um importante marco histórico, pois é
justamente no seio desta conferência que é consagrado o conceito de desenvolvimento
sustentável, em outras palavras materializa-se a questão ambiental.

                       Em 1992 realiza-se a conferência sobre Meio Ambiente da ONU no Rio de Janeiro,
                       20 anos após a de Estocolmo, referida como Rio-92 ou Eco-92. No seu processo de
                       preparação, grande atenção é dada à questão ambiental por ONGs não
                       especializadas, movimentos sociais, associações de moradores, federações
                       empresariais, instituições governamentais. [...] Na realização da conferência
                       destacam-se a reunião paralela das ONGs e associações populares, por um lado; e
                       por outro, compromisso de governos signatários com a Agenda 21, um enorme
                       documento composto de quatro seções, 40 capítulos e dois anexos (a edição
                       brasileira, publicada pelo Senado Federal, tem 598 páginas), dispondo de objetivos,
                       atividades e considerações sobre meios de implementação, de um planejamento de
                       uma cooperação internacional e de ações nacionais e locais em vista do
                       desenvolvimento, do combate à pobreza e da proteção ao meio ambiente (LEITE
                       LOPES, 2004, p.23).


       Essa burocratização da questão ambiental modificou muito pouco a situação ambiental
mundial. A mundialização da temática ambiental a nível global se burocratizou, mas não com
o intuito de corrigir o cerne da questão ambiental. A burocracia passou de espírito do Estado
para espírito do neoliberalismo ambiental, ou seja, debilitam-se as discussões acerca da raiz
do problema e passa-se a estudar apenas os efeitos, e não as causas. As causas, finais, não se
mostraram ser anticientíficas, metafísicas, divinas, mas sim produzidas pelo ―homo
crematisticus”, uma espécie de homem que mercadifica o ambiente e a própria crise
37



ambiental/ecológica para formar preços de mercado, para ganhar dinheiro20. E a apropriação
da problemática ambiental por parte das grandes corporações será observada principalmente
na Rio+10 (HAESBAERT; PORTO-GONÇALVES, 2006).


        4.5 Uma década perdida? A Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável


        Há nove anos, aconteceu aquela que foi a mais recente conferência da ONU: Rio+10.
Realizada em 2002, em Johanesburgo, a Cúpula Mundial sobre o Desenvolvimento
Sustentável teve como principais objetivos integrar as iniciativas das Nações Unidas com
vistas à redução quantitativa do número de pessoas miseráveis (vivem com menos de um
dólar por dia), no mundo, até o ano de 2015 e avaliar quais medidas estabelecidas na Agenda
21 tinham sido alcançadas, o que demonstra ser mais um indício da crise ecológica global.
Esta conferência não foi, nem de perto, a sombra daquilo que havia ficado dez anos atrás, pois
―[...] em Johanesburgo o clima estava mais para aquele do Riocentro em 1992, com um
elevado número de ONGS, já não mais associadas aos movimentos sociais, mas sim a
governos e empresas das quais captam verbas‖ (HAESBAERT; PORTO-GONÇALVES,
2006, p. 126).
        Também foi objetivado nesta cúpula reduzir o número de pessoas que não possuem
acesso à água potável, bem como saneamento básico. Só para se ter uma idéia, conforme a
ONU, um bilhão e cem milhões de pessoas vivem sem acesso adequado à água
(ALMANAQUE ABRIL, 2006, p.72). Além disso:

                           Em 1998, os 20% mais ricos do planeta dispunham de 86% do produto mundial, e os
                           20% mais pobres de apenas 1%. Enquanto isso, a diferença de renda passou de 30
                           para 1, em 1960, para 60 para 1, em 1990, e 74 para 1 em 1997. Explica esse
                           aumento das desigualdades a proliferação do desemprego (segundo a OIT, são 188
                           milhões de desempregados em 2003 – ou seja, 6,2% da força de trabalho mundial),
                           do subemprego, dos circuitos ilegais da economia. [...] Basta verificar que 22% da
                           população mundial, ou seja, 1,3 bilhão de pessoas vivem com menos de um dólar
                           por dia, considerado o limiar da pobreza absoluta (HAESBAERT; PORTO-
                           GONÇALVES, 2006, p. 47).


        Por fim, acordaram também a recuperação, até o ano de 2015, dos estoques de peixe
através do controle da pesca oceânica, visando assegurar a reprodução anterior à captura.
        Diante desse quadro, nada indica, essencialmente, uma mudança radical na forma de
se relacionar com a Natureza; a natureza não produz ricos e pobres, não explora trabalhadores

20
   A crematística é o estudo da formação dos preços de mercado, para ganhar dinheiro; já oikonomia (economia)
é a arte do aprovisionamento material da casa familiar (MARTÍNEZ ALIER, 2007, p. 53).
38



ao contrário do capitalismo: ele apropria-se da força de trabalho e da natureza produzindo-a e
reproduzindo a si mesmo e as suas relações de produção (LEFEBVRE, 1973). A natureza no
capitalismo possui um destino: ser um instrumento da produção, algo exterior, inumano
(SMITH, 1988).
       Apenas acordar e estipular prazos de recuperação de espécies não nos conduz a uma
nova prática socioambiental. Isso porque para que se tenha uma prática revolucionária é
preciso uma teoria revolucionária. E o que nós vimos até aqui é a eterna tentativa de se ajustar
crescimento econômico com proteção ambiental. Proteger o ambiente e crescer
economicamente: missão impossível no capitalismo, pois por onde quer que lancemos olhares
vê-se a desigualdade social, o desenvolvimento desigual (SMITH, 1988), o desajuste
ecológico e a injustiça ambiental. Não estamos sustentando a raça humana, tampouco
protegendo a natureza, mas sim exacerbando os conflitos e os problemas ambientais. Todavia,
homem e natureza não seriam inimigos que precisam ser dominados; e dessa forma não
teríamos conflitos ou problemas, caso tivéssemos outro modelo de racionalidade, outro modo
de produção e de vida.


5 TERRITORIALIZANDO A VALE NA TESSITURA HISTÓRICA: de estatal à
privada, da razia capitalista às políticas de responsabilidade socioambientais


       É preciso mergulhar nos 67 anos de história da Vale, objetivando entender as
mudanças sofridas pela empresa desde o seus primórdios, passando pela criação em 1942, a
privatização em 1997, até o ano de 2010. Dessa forma, pode-se avaliar as ações e atividades
desenvolvidas pela empresa no que tange às políticas de responsabilidade ambiental e social.
Vejamos alguns antecedentes históricos da criação da Vale:

                         Com a primeira Constituição Republicana de 1891, foram totalmente alteradas as
                         regras para a exploração mineral do país. Pela nova Carta, os proprietários das terras
                         onde fossem encontradas reservas minerais, seriam também proprietários destas
                         jazidas. Além disso, a lei permitia que estas reservas fossem exploradas por
                         empresas estrangeiras. A civilização industrial colocava em cena novas descobertas
                         da ciência e através de técnicas recém inventadas, o ferro, um mineral até então
                         pouco valorizado adquiria têmpera de aço. Geólogos e engenheiros mapeavam,
                         então, o subsolo brasileiro, não só em busca do ouro, mas também em busca do ferro
                         e descobriram que o chão de Minas Gerais, compreendido pelo quadrilátero formado
                         pelas cidades de Conselheiro Lafayette, Mariana, Sabará e Itabira, abrigavam três
                         bilhões de toneladas de minério de ferro (BARBOSA, 2002, p. 20).


       Antes da oficialização e da criação propriamente dita da Vale, alguns acontecimentos
primordiais merecem ser lembrados. Em 1901, ocorre a Fundação da Companhia Estrada de
39



Ferro Vitória a Minas (CEFVM), inaugurada oficialmente em treze de maio de 1904, no
trecho entre as estações Cariacica e Alfredo Maia. Já em 1909, é criada a Brazilian Hematite
Syndicate, de capital britânico. Os ingleses compraram todas as terras onde estavam as
reservas conhecidas de minério de ferro em Minas Gerais, estimadas em 2 bilhões de
toneladas (GODEIRO et al., 2007, p. 10). No mesmo ano, a empresa compra a maioria das
ações da CEFVM e sela a união entre os dois grupos, para explorar21 as reservas de minério
de ferro de Minas Gerais. Um ano depois, 1910, são esboçados os primeiros projetos de levar
a ferrovia até Itabira (MG), onde chega em 1943. O empresário Percival Farquhar entra em
cena em 1911, pois controla a Itabira Iron Ore Company, anteriormente conhecida como
Brazilian Hematite Syndicate. Finalmente, no ano de 1940, a Itabira Iron Ore faz o primeiro
embarque de minério de ferro pelo Porto de Vitória, em julho. Como bem escreveu Barbosa
(2002, p. 21):

                           Estas informações fizeram com que grandes mineradoras da Inglaterra, Estados
                           Unidos, Bélgica e França voltassem a atenção para o Brasil, comprando a preços
                           irrisórios, boa parte das jazidas do rio Doce. As minas de Itabira foram adquiridas
                           pela Itabira Iron Ore Company, fundada por engenheiros ingleses. A empresa
                           assumia ainda o controle acionário da Estrada de Ferro Vitória-Minas (EFVM), uma
                           incipiente ferrovia que desde 1903 escoava a produção agrícola do vale do Rio
                           Doce. Em 1919, a Itabira Iron foi comprada pelo empresário norteamericano
                           Percival Farquhar que pretendia conseguir o monopólio da produção e exportação
                           do minério de ferro da região. Com a revolução de 1930, o presidente Getúlio
                           Vargas colocou em prática um discurso que previa a nacionalização das reservas
                           minerais do país, estabelecendo uma luta entre nacionalistas e liberais. Tentando
                           aplacar os ânimos, Percival Farquhar se uniu a empresários brasileiros e
                           nacionalizou a Itabira Iron, transformando-a em duas empresas: Companhia
                           Brasileira de Mineração e Itabira Mineração.


        Frise-se que para uma satisfatória exploração de minério de ferro, pari passu é
necessário investimentos em infra-estrutura, como construção de ferrovias e portos para o
escoamento da produção; e o capital internacional também já está em cena finan 22ciando a
exploração dos recursos.




21
   ―A ideologia produtivista do antropocentrismo europeu, com seu mito de dominação da natureza, acreditou
que produzia minérios, como se pudesse fazê-lo ao seu bel-prazer. Na verdade somos extratores e não produtores
e, com essa caracterização, estamos mais próximos de reconhecer nossos limites diante de algo que não
fazemos‖ (HAESBAERT; PORTO-GONÇALVES, 2006, p. 110).
22
   É bom lembrar que a palavra finança possuía antes da era do desenvolvimento um significado não-
econômico: pagamento para livrar-se do cativeiro ou de um castigo (LUMMIS, 2000, p.115, itálicos meus).
Mas hoje, parece que a finança e seus derivados tornaram-se o próprio cativeiro e castigo de muitos.
40



        5.1 Década de 1940: surge uma gigante


        No início da década de 1940, o então presidente Getúlio Vargas, estimulou as
indústrias de base, como a siderurgia, no intuito de substituir as importações, dando base para
sua política de produção local. A Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) é um ótimo
exemplo dessa atitude. Convém anotar que:

                            O marco histórico do planejamento brasileiro pode ser fixado em 1939. Foi neste
                            ano que o Decreto Lei 1.058 de 19/01/1939 criou o chamado Plano Especial de
                            Obras Públicas e Aparelhamento da Defesa Nacional. Pretendia-se com o Plano
                            Especial, promover a criação de indústrias básicas como a siderurgia, executar obras
                            públicas, consideradas indispensáveis e efetuar o aparelhamento da defesa nacional.
                            O plano era qüinqüenal, prevendo um investimento total de três bilhões de cruzeiros
                            (BARBOSA, 2002, p. 21).


        Posteriormente, em 1º de junho de 1942, em decorrência dos Acordos de Washington,
Getúlio Vargas23 assina o decreto-lei nº 4.352 e cria a Companhia Vale do Rio Doce para
―cobrir a demanda da Inglaterra e dos EUA por minérios de ferro para a fabricação de armas‖
(IBRADES et al. 2007, 34). Foi justamente devido aos Acordos de Washington que o
governo da Grã-Bretanha se dispôs a transferir para o governo brasileiro o controle das
jazidas de minério de ferro pertencentes à Itabira Iron Ore, substituída pela Vale. Em
contrapartida o governo estadunidense se comprometia a um financiamento no valor de 14
milhões de dólares (IBRADES et al. 2007). No mesmo ano, a nova companhia, uma
sociedade anônima de economia mista, encampou as empresas de Farquhar e a Estrada de
Ferro Vitória a Minas. Destaque-se que os acionistas da Itabira Iron Ore foram devidamente
indenizados pelo Tesouro Nacional. Porém, segundo Mauro Santayana (Agência Carta Maior,
2005), os Estados Unidos

                            Exigiram em contrapartida, a cessão das bases do Nordeste para as operações das
                            forças norte-americanas e o envio de tropas brasileiras para a II Guerra Mundial, na
                            Europa. Ali perdemos vidas valiosas [...] não investimos na Vale somente os
                            recursos do Erário; investimos em sangue, investimos em coragem, investimos na
                            dignidade do patriotismo (IBRADES et al. 2007, 34).

23
  Já na década de 1930 Vargas afirmava: ―Nenhum outro dos problemas que dizem respeito ao desenvolvimento
econômico do país sobreleva em importância ao da exploração das nossas jazidas minerais‖. Para tanto, seria
insuficiente a pequena siderurgia, normalmente incapaz de atender a futura demanda a resultar do crescimento
industrial acelerado (DUTRA, 2003). Vê-se então que a extração de minérios era primordial para fomentar a
industrialização e a modernização no Brasil. Assim as companhias deveriam ser ―gigantes‖ para atender à
demanda. O problema é que o mecanismo de oferta-demanda aumenta o consumo, e, aumentando o consumo, é
preciso produzir mais, e, se é preciso produzir mais, necessita-se extrair mais minerais da natureza. Quanto mais
minerais são extraídos da natureza, mais degradação ambiental é provocada e mais os recursos se exaurem.
Sendo assim, a alta procura somada à raridade do produto, não fazem com que o preço caia, mas sim que haja
uma carestia geral. Se o preço aumenta, a degradação com certeza não diminui, e o pior é que os únicos que
poderão ter acesso ao produto encarecido são os consumidores que podem pagar por ele. Creio que a água
potável é um bom exemplo dessa situação.
41




        Em 11 de janeiro de 1943, reuniu-se a Assembleia de constituição definitiva da
Companhia Vale do Rio Doce, que aprovou os estatutos da empresa fixando a sede
administrativa em Itabira (MG) e o domicílio jurídico no Rio de Janeiro (RJ). Israel Pinheiro
foi nomeado o primeiro presidente da empresa. A partir desse momento, as exportações de
ferro cresceriam exponencialmente. Ainda em 1943, a nova empresa foi listada na Bolsa de
Valores do Rio de Janeiro. E dois anos mais tarde, a Vale concluiu as obras do cais de minério
em Vitória (ES). Em 1949, a Vale era responsável por 80% das exportações brasileiras de
minério de ferro devido à grande demanda do mercado internacional por aço no período pós-
guerra; A CVRD também selou um acordo com os japoneses para fornecimento do minério de
ferro necessário à reconstrução do Japão, no pós-guerra (GODEIRO et al., 2007, p.11); ocorre
ainda a Criação do Centro de Estudos Ferroviários, em Vitória (ES), sob orientação de
Eliezer Batista da Silva (pai do bilionário Eike Batista24). É o período em que a
industrialização se volta para a exportação, em substituição à política de importação de
industrializados.

                           Em julho de 1940, a Itabira Mineração efetuou o primeiro embarque de minério de
                           ferro pelo porto de Vitória: 5.750 toneladas, com destino a Baltimore, Estados
                           Unidos, e em 03 de março de 1942, Inglaterra e Estados Unidos assinaram os
                           Acordos de Washington, que definiam as bases para a instalação, no país, de uma
                           produtora e exportadora de minério de ferro. Pelos acordos caberia à Inglaterra
                           comprar e transferir ao governo brasileiro as minas de Itabira e a estrada de ferro
                           Vitória Minas (EFMV), enquanto os Estados Unidos seria responsável pelo
                           financiamento necessário para a implantação deste projeto. Para a mecanização das
                           minas de Itabira, reconstrução da EFVM, que se encontrava em péssimas condições,
                           o governo contou com um empréstimo de US$ 14 milhões concedido pelo
                           EXIMBANK (BAIZ apud BARBOSA, 2002, p. 22).


        Sem dúvida o uso financeiro do dinheiro, como referido acima, é um exemplo da
globalização do capital. Tanto Inglaterra como os EUA se preocupavam em dar mobilidade ao
capital de maneira internacional, ofertando créditos e empréstimos. E isso implica falar em
ingerência no território e na administração das economias nacionais através de um mercado
internacional. Vale lembrar que o referido Eximbank, o Banco de Exportação e Importação

24
   Empresário, dono do Grupo EBX. Sua atuação no Maranhão mais conhecida diz respeito à MPX, uma
empresa do seu grupo responsável pela Usina Termelétrica Porto do Itaqui. Como objetivo de qualquer projeto
de desenvolvimento é, pelo menos em tese, livrar os ditos ―subdesenvolvidos‖ desta imagem virulenta e
inferiorizadora, há que se ressaltar que a UTE Porto do Itaqui é um dos simbolos materiais, permanentemente
acionados por agentes governamentais e empresariais, da saída deste estágio inferior e da possibilidade de
alcançar a modernidade para o Maranhão e, mais especificamente, para duas comunidades rurais: Vila Madureira
e Camboa dos Frades. A totalidade dos moradores do território da Vila Madureira foi deslocada para dar lugar à
termelétrica. Os moradores foram deslocados para o residencial Nova Canaã em Paço do Lumiar (dista 30 km da
capital São Luís e 40 Km da Vila Madureira) o que gerou bastante insatisfação, e os moradores de Camboa dos
Frades enfrentam os impactos da construção da termelétrica (PEREIRA, 2010).
42



dos Estados Unidos, maior credor da Vale, logrou sem êxito, em um cabal exemplo de
ingerência econômica, retirar a autonomia da Vale, tentando reduzir as funções do presidente
da companhia a de um mero supervisor. Baiz (apud BARBOSA, 2002, p. 22) aponta ainda
que:

                       Durante a década de 40, primeira década de sua existência, a empresa experimentou
                       momentos difíceis, carência de infra-estrutura e fortes pressões exercidas pelo seu
                       maior credor o EXIMBANK. A urgência de implantação do projeto, e a escassez de
                       recursos colocam a CVRD face a vários problemas cujas conseqüências redundou
                       no não cumprimento de seu objetivo, exportando em seu primeiro ano apenas
                       291.180 toneladas de minério, seu compromisso de acordo com as cláusulas do
                       acordo firmado, seria de exportar no mínimo 1,5 milhão de toneladas anuais.


       5.2 Década de 1950: a gigante nas mãos do Estado


       Em 1951, após processo eleitoral, Getúlio Vargas assumiu novamente o governo
brasileiro, até o ano de 1954. Extremamente nacionalista e populista, Vargas não mediu
esforços para transformar o Brasil em um país urbano e industrial. Note-se que a visão
progressista de Vargas calca-se na égide do industrialismo como motor do urbanicismo, ou
seja, é preciso deixar para trás o Brasil agrário e rural e transformá-lo num país ―moderno‖,
―desenvolvido‖ e de ―primeiro mundo‖. Continuando, é no governo de Vargas que o Brasil
criou uma das empresas petrolíferas mais importantes do mundo: a Petrobrás. Em 1952,
Getúlio Vargas criou também o BNDE, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico.
Pela sigla do banco, nós temos a noção de que tipo de desenvolvimento Vargas clamava.
Neste período, a companhia consolidou sua posição no Quadrilátero Ferrífero de Minas
Gerais, o berço da Vale (ORGANIZAÇÕES et al, 2010).
       O governo de Juscelino Kubitschek (1956-1960) foi baseado no lema ―50 anos em
05‖, ou seja, JK adotou um discurso altamente desenvolvimentista. Para tanto, lançou mão do
seu Plano Nacional de Desenvolvimento, o Plano de Metas, que beneficiava os setores de
educação, alimentação, indústria de base, transporte e energia.

                       No dia 1º de fevereiro de 1956, após a posse do presidente Juscelino Kubitschek, foi
                       criado por decreto o Conselho de Desenvolvimento como precedente à criação do
                       Programa de Metas, cujas atribuições eram as seguintes:
                       ♦ Estudar as medidas necessárias à coordenação da política econômica do país,
                       particularmente em relação ao seu desenvolvimento econômico;
                       ♦ Elaborar planos e programas que visassem a aumentar a eficiência das atividades
                       governamentais, bem como a fomentar a iniciativa privada.
                       ♦ Analisar relatórios e estatísticas relativas à evolução dos diferentes setores da
                       economia do país com o propósito de integrá-los na formação da produção nacional;
                       ♦ Estudar e preparar anteprojetos de leis, decretos ou atos administrativos julgados
                       necessários à consecução dos objetivos supramencionados;
43



                             ♦ Acompanhar e assistir a implementação, pelos Ministérios e Bancos Oficiais
                             competentes, de medidas e providências concretas cuja adoção houvesse
                             recomendado (REGO et al. apud BARBOSA, 2002, p. 23).


           Juscelino Kubitschek foi um grande entusiasta da industrialização e da substituição de
importações. Em seu governo ele estimulou a produção de máquinas, equipamentos (bens de
capital), insumos, transporte ferroviário, construção civil, fertilizantes e mecanização do
campo.

                             A política do plano dava tratamento preferencial ao capital estrangeiro, financiava os
                             gastos públicos e privados através da expansão dos meios de pagamento e do crédito
                             via empréstimos do BNDE, bem como por meio de avais para tomada de
                             empréstimos no exterior. Aumentava a participação do Estado na formação de
                             capital, estimulando a acumulação privada (REGO et al. apud BARBOSA, 2002, p.
                             24).


           Importante notar o quanto Juscelino priorizava a inserção e predominância do capital
estrangeiro na economia brasileira, em detrimento da política nacionalista getulista. No
governo de JK, o capital estrangeiro penetrou agressivamente o território brasileiro por meio
dos serviços de infraestrutura, em especial no setor de transportes. O ABC25 paulista ganhou
relevância nessa época em virtude das instalações de pólos automotivos na região 26. Outro
ponto importante fora a criação da SUDENE, a Superintendência de Desenvolvimento do
Nordeste.

                             O crescimento industrial que ocorreu a partir do início do governo JK estava
                             estruturado em um tripé formado pelas empresas estatais, pelo capital privado
                             estrangeiro, e como sócio menor, o capital privado nacional. As empresas
                             multinacionais passaram a dominar amplamente a produção industrial brasileira,
                             especialmente os setores mais dinâmicos da indústria de transformação. A criação
                             das empresas multinacionais foi conseqüência direta das características da
                             industrialização no capitalismo monopolista. Dada as escalas de produção e
                             intensidade de capital necessária, foi inevitável a supremacia do capital externo,
                             dominando amplamente os setores industriais mais dinâmicos de nossa economia
                             (REGO et al. apud BARBOSA, 2002, p. 24).


           É na década de 1950, precisamente no ano de 1952, que o Governo brasileiro assumiu
o controle definitivo do sistema operacional da Vale. Barbosa (2002, p. 24) destaca que:

                             Nesta década, a CVRD efetuou obras de infra-estrutura alcançando ganho de
                             produtividade e eficiência operacional. Dentro de uma conjuntura favorável
                             ocasionada pela guerra da Coréia, que impossibilitava a substituição de seu minério,
                             a Vale implementou uma agressiva política de aumento de preços, o que permitiu
                             solucionar seu problema de ordem financeira. Tendo a empresa superado grande


25
     Conurbação composta pelos municípios Santo André, São Bernardo e São Caetano.
26
  Concordamos aqui com o conceito de região proposto por Francisco de Oliveira (1981) fundamentado na
especificidade da reprodução do capital.
44



                            parte dos problemas iniciais, ocorre sua consolidação empresarial, além de seu
                            completo controle operacional pelo governo brasileiro em 1952 (os grifos são meus).


        Em 1953, ocorreu o primeiro embarque de minério de ferro para o Japão e a Vale
utilizou, pela primeira vez, um navio brasileiro, o Siderúrgica Nove, no carregamento de
minério para os Estados Unidos. No ano de 1954, a referida empresa reviu suas práticas
comerciais no exterior e passou a fazer contatos diretos com as siderúrgicas, sem a
intermediação dos traders. Já em 1955, a Vale contratou o serviço da Companhia Boa Vista
de Seguros, que prestou assistência médico-cirúrgica, hospitalar, odontológica e especializada
a acidentados. Um ano depois, 1956, a Vale comprou a Reserva Florestal de Linhares27, do
Governo do Espírito Santo, com área de 23 mil hectares. Data do ano de 1959, a inauguração
do Cais do Paul, no Porto de Vitória, iniciativa da Vale e do Governo do Espírito Santo. Por
fim, em 1960, houve a criação da Companhia Siderúrgica Vatu, primeira subsidiária da Vale
para o beneficiamento de minérios, fabricação e comercialização de ferro-esponja.


        5.3 Década de 1960: atribulações políticas, os planos econômicos militares e a
descoberta de Carajás


        A década de 1960 é de fundamental importância para a compreensão da organização
da exploração mineral da Vale em Carajás. Isso porque é esta década que marcou o início da
prospecção de minérios na Amazônia.

27
   Alinhada à política de recuperação de áreas degradadas, a Vale realiza pesquisas e investe em tecnologia
ambiental na Reserva Natural Vale, em Linhares (ES), onde há intensivo programa de produção de mudas
destinadas à restauração ecossistêmica e à formação de florestas de uso múltiplo. Em 2006, a colheita bruta de
sementes foi de aproximadamente 12 toneladas, que resultaram em cerca de quatro milhões de mudas de 422
espécies da Mata Atlântica. Desde a criação da reserva, foram identificadas 60 novas espécies botânicas em seus
22 mil hectares, uma das últimas áreas protegidas de Mata Atlântica de Tabuleiro no Brasil. O território da
Reserva de Linhares é contíguo ao da Reserva Biológica de Sooterama, administrada pelo Ibama, que delegou a
proteção à Vale há cinco anos. Juntas, representam 48 mil hectares ou 75% da floresta natural do Espírito Santo.
O leitor desinformado poderia realmente pensar que a CVRD protege o meio ambiente caso desconhecesse a
transferência para o referido Estado da empresa chinesa Baosteel, a maior siderúrgica da China, no dia 27 de
agosto de 2009. A Vale relançou com pompa e circunstância o projeto de instalação de uma usina siderúrgica em
Ubu, distrito industrial de Anchieta, município do Espírito Santo. ―A associação de pescadores de Ubu e Parati,
tendo grande parte de seus membros filiados à colônia de pescadores, foi criada para enfrentar os problemas
advindos da deterioração do meio ambiente provocada inicialmente pela Indústria de Mineração Samarco S.A.,
localizada em seu território. [...] Hoje a sua luta tem como objeto os efeitos provocados pelas dragagens em sua
costa, pelas obras de instalação da Petrobrás na região, e pelas sondagens feitas pela VALE para instalação de
um mega porto, ocupando com máquinas e instrumentos de sondagem sua área de pesca e fazendo desaparecer
os peixes, não apenas pelo deslocamento de grandes quantidades de areias (formando bancos em locais onde
viviam os cardumes), como também pela contaminação das águas do mar (areias com resíduos industriais). Ou
seja, o processo de degradação ambiental, provocado pela indústria Samarco, com a contaminação do ar e das
águas, vem sendo agravado pelas obras de construção das instalações da Petrobrás na localidade e das sondagens
da VALE‖ (RAUTA RAMOS et al., 2009, p. 96).
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Conflitos socioambientais causados pela Vale no Maranhão

  • 1. 16 1 APRESENTAÇÃO Este trabalho monográfico integra os objetivos do projeto de pesquisa ―Projetos de Desenvolvimento e Conflitos Socioambientais no Maranhão‖, realizado no âmbito do Grupo de Estudos: Desenvolvimento, Modernidade e Meio Ambiente (GEDMMA), que tem como coordenadores os Professores Horácio Antunes de Sant‘Ana Júnior, Elio de Jesus Pantoja Alves, Madian de Jesus Frazão Pereira e Bartolomeu Rodrigues Mendonça. Tendo como sustentáculo o projeto supracitado, o trabalho aqui apresentado é resultado de análises acerca das diversas estratégias discursivas e práticas que a Companhia Vale do Rio Doce1 tem investido buscando consolidar sua imagem de responsável socialmente e sustentável ambientalmente. Não obstante, grupos sociais são atingidos pelos discursos da Vale (povos indígenas, quilombolas, camponeses, trabalhadores), cujas práticas agressivas deflagraram rápidos processos de apropriação de territórios e culturas, levando a reelaborar identidades, qualificando-as como subdesenvolvidas, e fazendo, portanto, com que seus significantes e significados, suas cosmologias sejam inferiorizadas e ditas atrasadas. Esse discurso tem sido naturalizado via conhecimento científico, por mecanismos de internalização como o marketing ambiental e empresarial da Companhia, cujo ancoradouro são os ideais de modernidade e progresso. A articulação entre mineração e siderurgia tem imposto aos referidos grupos sociais deslocamentos, realocações, desestruturação do modo de vida, supressão da diversidade biológica e social. Lembro que o alcance deste trabalho monográfico ―restringe-se‖ à Vale e que, a partir dela, argumentamos que suas investidas modernas, desenvolvimentistas e progressistas têm produzido uma verdadeira cadeia produtiva de conflitos ambientais, na medida em que as estratégias relacionais e discursivas tanto da Vale, quanto dos atingidos, opõe-se contundentemente, em especial na Amazônia Maranhense. Com o fito de obter êxito em tal empreitada, e atendendo a critérios estéticos/metodológicos de organização do trabalho, dividi a monografia em três eixos temáticos: 1) Crise ambiental e as sevícias do capital; 2) Territorialização da Vale ao longo da história; e 3) a discussão dos documentos oficiais da empresa. Os três eixos temáticos são compostos de sete capítulos, no qual faço, em cada um, diversas discussões de ordem teórica e contraposições com casos concretos de injustiça ambiental, o que me permitiu conectar as formações discursivas da Vale com os conflitos ambientais aqui compendiados. 1 Desde 2007, utiliza o nome fantasia Vale.
  • 2. 17 No primeiro eixo temático, de forma sintética, analiso o cenário do surgimento da crise ambiental, pois, é nesse que a reprodução das relações capitalistas encontram limites ecológicos bem postos para o seu projeto de crescimento infinito. A meu ver, a crise ambiental é, na verdade, uma crise da civilização burguesa/ocidental que construiu uma ideia de Natureza antagônica à Sociedade. Se antes, boa parte do mundo ocidental achava que a raça humana desapareceria por conta de Deus e seu regresso para o ―Juízo Final‖, a partir da década de 1960, a raça humana, em especial as sociedades ocidentais/ocidentalizadas ―viram‖ em si próprias o inimigo. É claro não faço aqui uma ecologia burguesa que aponta o Homem como destruidor da Natureza: para mim o homem que destrói a natureza e que se vê inimigo dela é o homem moderno/desenvolvido, um projeto de homem semeado por Bacon, lapidado por Descartes, conduzido através das luzes para o abismo. Enfim, este eixo temático é fundamental para compreender os seguintes. No segundo eixo promovo a recuperação histórica e territorial da Companhia Vale do Rio Doce: desde a fundação da Estrada de Ferro Vitória-Minas, passando pela criação da estatal no Governo de Getúlio Vargas, bem como sua transição para o regime de privatização que culminou numa política econômica extremamente agressiva, principalmente a partir da escolha do Diretor-Presidente Roger Agnelli, hoje ex-presidente. Por fim, no terceiro eixo, trago para a discussão reflexões de minha análise sobre os Relatórios de Sustentabilidade, a Política de Desenvolvimento Sustentável e o Desempenho da Vale, todos documentos oficiais da Companhia. Nesses documentos, pude constatar que a Vale deseja a internalização do seu discurso como uma verdade objetiva, sem espaço para questionamentos ou subjetividades. Paralelamente a isso, busco sempre arrostar com aquilo que é alegado pela Companhia com exemplos de injustiça ambiental. Também analiso a luz dos conceitos de campo, habitus e governamentalidade, o discurso e as práticas espaciais da Vale e suas ações, reações e relações com os agentes sociais envolvidos (Estado, setor privado, sociedade civil). O conceito de habitus foi fundamental para me ajudar a entender como as estruturas dos discursos e das práticas se forjam, conduzem representações do espaço e inserem-se em diversos campos (político, econômico, simbólico, material, epistêmico, cultural) se intra-articulando e inter-articulando de maneira heterogênea numa verdadeira disputa pelo poder. Enfim, todas as análises e críticas aqui promovidas foram construídas e alicerçadas na base teórica das ciências humanas, de maneira geral, com destaque epistêmico para Filosofia, mas procurando a todo instante como cada agente social deixa as suas marcas no espaço, ou seja, como fazem Geografia.
  • 3. 18 2 CONSIDERAÇÕES INICIAIS: Trabalhadores Explorados, Famílias Despejadas, Natureza Destruída... Isso Vale? Desde 1930, o Estado brasileiro vem assumindo a missão nada fácil de encarregar-se do desenvolvimento de certos aspectos relativos ao crescimento econômico do país. As obras necessárias para tanto eram altamente custosas e englobavam desde a infraestrutura necessária à industrialização até as indústrias pesadas, ou de base, como é o caso da siderurgia. O desenvolvimento industrial de grande porte que o Brasil começou a experimentar nas décadas de 1930 a 1950 intensificou-se na década de 1970, em pleno Regime Militar, precisamente no governo do general Garrastazu Médici, quando se vivia o ―milagre econômico‖2. O Estado brasileiro interferia maciçamente na economia nacional, pois os governos militares estavam determinados a transformar o Brasil num país desenvolvido e numa ―potência emergente‖. O milagre econômico possibilitou pesados investimentos em ferrovias, portos, rodovias, hidrelétricas, telecomunicações, indústria de transformação e mineração. No setor de mineração, destaca-se a, então, Companhia Vale do Rio Doce-CVRD, criada no governo de Getúlio Vargas, em decorrência dos Acordos de Washington3, precisamente no dia 1º de junho de 1942, através do decreto-lei nº 4.352. Essa companhia foi, durante 55 (cinqüenta e cinco) anos, controlada pelo Estado brasileiro, todavia, no governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), foi privatizada, uma vez que o então presidente lançou mão de uma política econômica em que se inseriam as reformas constitucionais que visavam à atração do capital estrangeiro para o Brasil. A Vale é uma das maiores transnacionais e uma das maiores mineradoras do mundo. Seu grupo empresarial é composto por pelo menos 27 empresas coligadas, controladas ou 2 A rigor, a intensa e generalizada internacionalização do capital ocorreu no âmbito da intensa e generalizada internacionalização do processo produtivo. Os ―milagres econômicos‖ que se sucedem ao longo da Guerra Fria e depois dela são também momentos mais ou menos notáveis dessa internacionalização (IANNI, 2007, p. 62). 3 ―A empresa surgiu de um acordo assinado em Washington entre Estados Unidos, Inglaterra e Brasil, em plena Segunda Guerra Mundial. Estados Unidos e Inglaterra, dedicados ao esforço de guerra contra Hitler, necessitavam que o Brasil fornecesse minério de ferro para sua indústria de armamentos. Daí surge a proposta de construção da CVRD. Os Estados Unidos entrariam com um empréstimo e com a tecnologia para montar tanto a mineradora quanto a siderúrgica, CSN (Companhia Siderúrgica Nacional). A Inglaterra não se oporia a encampação das empresas, pagando-se uma indenização, e o governo de Getúlio entraria com a matéria-prima, os trabalhadores e toda a infra-estrutura para o negócio‖ (GODEIRO et al. 2007, pp.10-11). Mais uma vez tomamos ciência de até onde podem ir as sevícias do capital: do minério de ferro do nosso país saía a matéria- prima que se transformaria em armamentos contra os nazistas. A construção da Vale já é ―agressiva‖. Repare-se também na colonialidade do negócio: os EUA fazem empréstimos e a tecnologia; A Inglaterra indenizada; e o Brasil entra com os trabalhadores, a infraestrutura e a matéria-prima. Um legítimo comércio colonial com as metrópoles.
  • 4. 19 joint-ventures distribuídas em mais de 30 países, dentre eles Brasil, Angola, Austrália, Canadá, Chile, Colômbia, Equador, Indonésia, Moçambique, Nova Caledônia e Peru, nos quais desenvolve atividades de prospecção e pesquisa mineral, mineração, operações industriais e logística. Os segmentos de atuação da Vale são: minerais ferrosos; alumínio e sua cadeia produtiva (bauxita, alumina e alumínio primário); minerais não ferrosos (minério de cobre, cloreto de potássio, caulim); siderurgia; e carvão. A empresa investe também no setor logístico, infraestrutura portuária e transporte ferroviário. Entre os clientes da Vale, encontram-se os maiores grupos de siderurgia mundial: as italianas Ilva e Lucchini (grupo russo Severstal); Corus (grupo indiano Tata); ArcelorMittal (França e Holanda); Taiwan China Steel Corporation; Baosteel (maior grupo de siderurgia chinês); ThyssenKrupp (Alemanha), Nisshin Steel, Sumitomo, Kobe Steel, JFE Steel, Nippon Steel (Japão); POSCO (Coréia); Erdemir (Turquia). Os minerais ferrosos respondem por 61,6% de sua receita, seguidos de níquel (13,6%), alumina (5%), cobre (4,7%), serviços de logística (4,6%) e alumínio (3,6%). Desde sua privatização a empresa teve lucros de US$ 49,2 bilhões, sendo que US$ 13,4 bilhões foram distribuídos a seus acionistas. Nos últimos 10 anos, a Vale foi a quarta empresa mais rentável entre as grandes companhias (Boston Consulting Group). A Vale qualifica-se como uma empresa que transforma recursos minerais em utensílios necessários para o cotidiano das pessoas. Reflexo da internacionalização do capital, ela é uma empresa multinacional sediada no Brasil que conta com mais de 100 mil empregados, entre terceirizados e próprios. No seu discurso, a referida empresa qualifica-se também como sendo socioambientalmente responsável, considerando-se corresponsável no desenvolvimento dos empregados e na sustentabilidade do ambiente, sempre levando em consideração as comunidades em que atua. Essa breve descrição da Companhia Vale do Rio Doce – CVRD – permite ter uma noção sintética da grandeza da Vale, bem como, torna apto extrair informações basilares que servirão de questionamento: 1) é possível pensar em ―desenvolvimento sustentável‖ no seio de uma empresa cuja atividade é extremamente agressiva ao ambiente? 2) Será que a Vale preza pela responsabilidade socioambiental ou trata-se apenas de mais uma tática de marketing de sua Política Ambiental? 3) A apropriação do discurso moderno de responsabilidade socioambiental e, por conseguinte, desenvolvimento sustentável, são apenas mecanismos que visam legitimação ou são perfeitamente conexos com a realidade?
  • 5. 20 A partir dessas três perguntas pode-se analisar de forma crítica4 e radical5 a temática da Política Ambiental contemporânea, notadamente, enfocando a referida empresa através de aspectos teóricos, mas também práticos e pontuais, que permitem averiguar a veracidade dos discursos, uma vez que os fatos não existem por si só e, destarte, devem ser questionados. Esta obra tem como intuito investigar o discurso de responsabilidade socioambiental empregado pela Vale no período pós-privatização (1997-2010), principalmente em sua atuação no município de São Luís – MA. Para tanto, a monografia foi dividida em 8 (oito) seções. Na primeira parte, contextualiza-se historicamente a crise ambiental tendo como referencial as conferências promovidas pela Organização das Nações Unidas (ONU). Partindo para analisar o desenvolvimento da companhia de estatal a privada, a territorialização da Vale na tessitura histórica é abordada na segunda seção. Os Relatórios de Sustentabilidade de 2007 e 2008 - documentos oficiais disponíveis no sítio da empresa, www.vale.com - são analisados na terceira e quarta parte respectivamente. Através do documento oficial Desempenho da Vale em 2009, apresentado durante a Assembleia Ordinária de Acionistas ocorrida no Rio de Janeiro (RJ), sede mundial da Vale, no dia 27 de abril de 2010, a quinta seção, objetiva avaliar a performance econômica da Vale no ano de 2009, contrapondo com casos concretos de injustiça socioambiental. Partindo da categoria governamentalidade, do filósofo Michel Foucault, a sexta parte propõe enfatizar os reflexos da ―governamentalidade valiana‖ no campo socioambiental no ano de 2010. Procurando identificar como a Vale se posiciona diante da questão socioambiental e analisando de maneira crítica o discurso, a sétima seção tem como desígnio avaliar a Política de Desenvolvimento Sustentável (documento oficial também disponível no sítio eletrônico da empresa). Finalmente a oitava seção propõe investigar os elementos do campo discursivo pari passu a formação de um habitus ecológico da empresa, por meio da apropriação do discurso contemporâneo de desenvolvimento sustentável, da responsabilidade social empresarial e o marketing ambiental, para obter legitimidade social, jurídica, política e pública de uma empresa que se apresenta como comprometida com o ambiente. 4 De acordo com Japiassu e Marcondes (1990) apud Spósito (2004, p. 66) ―a palavra vem do grego kritiké, que significa a ‗arte de julgar‘‖. 5 Segundo Japiassu e Marcondes (1990, p. 209) apud Spósito (2004, p. 65) o termo é proveniente do latim tardio radicalis, e ―diz respeito à raiz das coisas, à sua natureza mais profunda, sem admitir restrição ou limite‖.
  • 6. 21 3 METODOLOGIA Na construção da monografia, a metodologia ocupa um lugar de destaque uma vez que o método, de certa forma, é quem vai mediar a relação entre o que quer conhecer e aquilo que vai ser reconhecido. Por isso, o método escolhido para servir de ―caminho‖ foi o dialético, pois ele permite uma maior interação com o objeto estudado, escapa do objetivismo positivista, da rigidez matemática, permitindo que entendamos o problema problematizando-o e, assim, criando hipóteses e enfrentando os problemas. O método dialético tem como base o movimento e a mudança (POLITZER, 1986). A realidade é mutável, a história não é estática. Até mesmo o mundo, hoje, tal qual como o conhecemos e concebemos está destinado a desaparecer, pois nenhuma sociedade é imóvel, tudo é transformado porque ―o que vemos por toda a parte, na natureza, na história, no pensamento, é a mudança e o movimento. É por esta constatação que começa a dialética‖ (POLITZER, 1986, p. 119). Dessa forma, a dialética nos permitirá encontrar diferenças de pensamento, perspectivas, teorias e análises, assim como uma necessidade de investigar o discurso de responsabilidade socioambiental que a Vale emprega, com ênfase no município de São Luís, no período pós-privatização (1997-2010). As concepções presentes neste trabalho são frutos da noção de realidade espaço-temporal vigente na contemporaneidade: uma ―geografia das frases-feitas‖, onde se discursa demasiadamente, mas as práticas produtivas concretas são extremamente dissonantes do discurso proferido. A concretização da monografia somente foi possível, também, primeiramente porque o ―caminho‖ traçado permitiu a todo instante sermos incomodados pelo objeto de pesquisa: situações novas surgiam, atores sociais remodelavam seus hábitos, o cenário econômico mundial favorecia as mudanças e os movimentos. Além disso, a escolha dos procedimentos permitiram o aprofundamento do conteúdo; identificar erros e acertos, suscitou mais questionamentos, nem todavia, com mais respostas. Sendo assim, podem-se avaliar as ações e atividades desenvolvidas pela empresa no que tange às políticas de responsabilidade ambiental e social. Para tanto, se utilizará como base o modelo cronológico disponível no site da empresa, www.vale.com, que atesta apenas os fatos ―politicamente benéficos‖ ou que não ―mancham‖ a imagem da referida empresa.
  • 7. 22 3.1 Procedimentos Metodológicos Para a realização do presente trabalho lançamos mão de alguns procedimentos metodológicos, a saber:  Levantamento e análise de material bibliográfico;  Revisão bibliográfica enfocando temas como responsabilidade ambiental, desenvolvimento, modernidade, responsabilidade social, desenvolvimento sustentável, política ambiental e discurso;  Documentação fotográfica, para ilustrar as informações estudadas bem como para validação científica do trabalho;  Obras de consulta relacionadas ao tema de forma geral na Biblioteca Central da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), da Universidade Estadual do Maranhão (UEMA) e no Núcleo de Documentação, Pesquisa e Extensão Geográfica (NDPEG);  Jornadas de campo para registro fotográfico no bairro Alto da Esperança, localizado na área Itaqui-Bacanga, São Luís-MA.  Realização de entrevistas dirigidas junto a atores sociais.  Realização de pesquisa na página eletrônica da empresa;  Por conseguinte, interpretação, análise e tabulação dos dados brutos e informações obtidas.
  • 8. 23 4 A CRISE AMBIENTAL E AS SEVÍCIAS DO CAPITAL Antes de entrar diretamente no mérito da questão, é de suma importância anotar que um dos mais importantes agentes sociais - o Estado - está atravessando, desde a década de 1990, um processo de transformação gradual no que tange às ações diretas na esfera econômica, fruto de uma ampliação das táticas e estratégias liberais que alavancariam o neoliberalismo. Os anos 1990, no mundo, marcam o fim da Guerra Fria e o começo de uma nova ordem política e econômica. A queda do Muro de Berlim, autorizada pelo governo comunista, é um marco histórico que simboliza o novo momento do mundo. As transformações mundiais observadas não se resumiam à liderança dos Estados Unidos, mas também são o resultado de um conjunto de idéias econômicas e políticas que defendiam o livre mercado6 a nível global, ou seja, o Neoliberalismo. ―Mundo Neoliberal‖ é uma das muitas metáforas que podem ser utilizadas para se entender os anos 1990. Investimentos estrangeiros diretos, não-protecionismo, liberalização econômica-comercial-financeira e diminuição da participação do Estado na economia, são algumas das características desse sistema político-econômico. Essa remodelagem do Estado (de controlador para regulador) permite uma maior gerência e autonomia do setor privado na economia, que se processa metodologicamente pelos programas de privatização. No Brasil, os anos 1990 começam com o governo Collor de Mello, eleito presidente em 1989. Collor apresentava como sendo seu programa de governo erradicar a inflação, diminuir a influência do Estado (movimento este internacional) na economia e moralizar a política. Na economia, Collor lançou um plano homônimo que tinha dentre outras funções estabilizar a economia e conter a inflação. Em tese, os motivos do Plano Collor eram justificáveis, mas as medidas tomadas para o atendimento dos objetivos do Plano foram catastróficas, uma vez que o governo lançou mão do confisco monetário (de contas-correntes e poupanças) e congelamento de salários e preços. Após um breve período de relativo apoio popular, o Governo Collor passou por crescente desgaste em sua imagem e, sob fortes acusações de corrupção. No final das contas, Collor sofreu processo de impeachment e foi afastado da presidência da República. Itamar Franco assumiu o cargo interinamente. 6 Em outras palavras É como se fora do mercado, que possui suas próprias regras de funcionamento, não houvesse possibilidade de existência socioeconômica. Logo ele se absolutiza como única dimensão econômica possível e pensável, o que nos leva a deduzir que, de um ponto de vista externo do mercado, ou seja, fora do sistema, exista apenas a exclusão (MORENO, 2005).
  • 9. 24 Os governos de Itamar Franco e, principalmente, de Fernando Henrique Cardoso, serão avaliados num outro momento. Importante notar que, entre os anos 1930 e 1990, indubitavelmente, uma das características do Estado brasileiro foi, e continua sendo, os investimentos no setor de indústria e infraestrutura. Penteado (2006, p. 01) escreve que: Historicamente a participação do Estado em atividades econômicas privadas pode ser identificada com a criação do Banco do Brasil S/A, primeira sociedade de economia mista fundada pelo Alvará de 12.10.1808, do Príncipe Regente [...] Com o início da industrialização, e sob a égide da Carta de 1937, começaram a ser criadas uma série de sociedades de economia mista, voltadas a atividades econômicas básicas ou de infra-estrutura industrial e de serviços, como [...] a Companhia Vale do Rio Doce (Decreto-Lei n.º4.352/42). Todavia, caso queira-se entender os descompassos do modelo neoliberal com o meio ambiente e, por conseguinte, compreender a lógica dos discursos e a ―Geografia das frases- feitas‖ é preciso recuar no tempo, antes mesmo do nascimento formal do Neoliberalismo. A partir do final dos anos 40 a integração mundial, pela expansão capitalista em novas bases, estabelece o tema do desenvolvimentismo como questão central, tendo em vista as necessidades de ampliação dos mercados e de superação da ordem anterior. Na América Latina a CEPAL - Comissão Econômica para a América Latina - foi, na década de 50, o grande fórum de debates sobre o tema [desenvolvimentismo], colocando a nu as desvantagens dos países pobres no comércio internacional, e apontando a industrialização como solução para os problemas econômicos, sociais e políticos das regiões atrasadas (CASTRO, 1992, pp. 60-61). Sim, os países pobres tinham como matriz de explicação de sua pobreza o fato de serem pouco industrializados. Era preciso então fomentar a industrialização para que os países latino-americanos não tivessem tanta desvantagem em relação às nações européias e, principalmente, em relação aos Estados Unidos. Ou seja, era preciso deixar de ser um país do primeiro setor (exportador de matérias-primas) e adentrar ao mundo do segundo setor (a indústria). Como a adesão formal ao neoliberalismo se processou no Brasil apenas nos anos 1990, o grande condutor do desenvolvimento industrial era o Estado. Temos, então, aqui, o motor do desenvolvimento: a indústria, e o seu condutor: o Estado. Em termos mundiais, década de 1960 é o momento do nascimento de uma possível crise ambiental. A Europa e o Japão recuperavam-se da Segunda Grande Guerra e as tensões entre EUA e URSS começavam a intensificar-se. Industrialização, modernidade e progresso confundiam-se com desenvolvimento. Mas, esta década também marca o acirramento do duelo entre a Economia e a Ecologia, uma vez que se pode pensar em dois modelos de racionalidade diferentes, talvez até mesmo incompatíveis levando-se em consideração que
  • 10. 25 existe uma espécie de ―limite‖ entre as duas ciências, afinal o racionalismo econômico burguês desencadeou uma irracionalidade ecológica. La crisis ambiental se hace evidente en los años 60, reflejándose en la irracionalidad ecológica de los patrones dominantes de producción y consumo, y marcando los límites del crecimiento económico. De esta manera, se inicia el debate teórico y político para valorizar a la naturaleza e internalizar las externalidades socioambientales del proceso de desarrollo (LEFF, 2001, p. 150). Sendo assim, cresce a constatação de que é preciso respeitar a natureza caso se queira aproveitar de seus serviços/recursos ecossistêmicos/ambientais. Dessa forma, o ―mundo ocidental‖ ou ―ocidentalizado‖ investiga novas condições que possibilitassem recondicionar tanto de forma econômica, quanto de forma ecológica, a Natureza às vontades humanas7, agora inseridas em limites espaciais, temporais e ambientais. Todavia, enganou-se quem pensou que esta empreitada representaria uma inversão ou reversão na lógica do sistema: Leff (2001, p. 150) diz que: ―sin una nueva teoría capaz de orientar el desarrollo sustentable, las políticas ambientales siguen siendo subsidiarias de las políticas neoliberales‖. Sim, o grande fundamentalismo do Ocidente, como dissera Milton Santos, é o consumismo. Consequentemente, o que promove o consumismo é a produção (a recíproca é verdadeira também). Então, como pensar numa compatibilização entre capitalismo e Natureza se 1) o mecanismo que ―rege‖ essa relação é a lógica do mercado8, e 2) se a Natureza é construída ideologicamente no capitalismo industrial como uma fronteira (SMITH, 1988)? Por isso, Leff fala em buscar uma nova teoria: afinal, é necessário proteger o ambiente e questionar a matriz dos problemas ecológicos, que por sua vez, localizam-se na racionalidade econômica9 e filosófica10. Essa nova teoria estaria fundada no conceito de sustentabilidade11, e o seu embrião foi lançado no Clube de Roma. 7 Smith (1988), parte da noção de que além da natureza ser dominada, principalmente no capitalismo, ela também é produzida pelo homem. 8 Em seu livro: Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal, o geógrafo brasileiro Milton Santos (1926-2001) fala que o motor único do mundo é a mais-valia universal. 9 O Liberalismo Econômico de Adam Smith (1723 - 1790). Este economista estava buscando entender a ―natureza‖ da economia capitalista. Visando o âmago do capitalismo, ele acreditava que as sucessivas inovações tecnológicas causariam o barateamento da produção e, consequentemente, promoveria condições de mercado para vencer os competidores. A força do seu pensamento deu embasamento moral e teórico para que a burguesia pudesse se expandir. Uma das informações mais interessantes da doutrina de Smith, e que nos interessa majoritariamente em nossa discussão, é tentar entender o que ele estipulava como ―preço natural‖. Uma possível resposta é entender que Smith interpreta como natural aquilo que é justo, portanto, se é justo é aceitável (RIBEIRO JUNIOR; OLIVEIRA; SANT‘ANA JÚNIOR, 2009). 10 A Filosofia de René Descartes (1596-1650): ―[...] é possível chegar a conhecimentos muito úteis para a vida e de achar, em substituição à filosofia especulativa ensinada nas escolas, uma prática pela qual, conhecendo a força e a ação do fogo, da água, do ar, dos astros, do céu e de todos os demais corpos que nos cercam, tão
  • 11. 26 4.1 Primícias de uma Teoria: O Clube de Roma O ano de 1968 é chave para se entender a problemática da questão relacional entre Homem e Natureza. O homo economicus começava a dar-se conta das agressões proferidas contra a ―Mãe Gentil‖, e questionava-se (mesmo que de forma incipiente) sobre os conceitos de desenvolvimento humano, crescimento econômico e qualidade de vida, uma vez que mesmo as grandes potências mundiais, como os EUA, exemplificavam corriqueiramente a discrepância existente entre progresso técnico e progresso social. Então, se for possível pensar em um grande marco histórico da política ambiental, este fora o Clube de Roma. Os estudiosos da área ambiental são unânimes em afirmar que o marco das preocupações do homem moderno com o meio ambiente, incorporando questões sociais, políticas, ecológicas e econômicas com uso racional dos recursos, deu-se em 1968, com o Clube de Roma. Essa foi uma reunião de notáveis de diversos países e de diversas áreas do conhecimento: biológica, econômica, social, política e industrial. Reuniram-se para discutir o uso dos recursos naturais e o futuro da humanidade. O relatório final chamado ―Limites de Crescimento‖ abalou as convicções da época sobre o valor do desenvolvimento econômico e a sociedade passou a fazer maior pressão sobre os governos acerca da questão ambiental (SANTOS, 2004, p. 17-18). O relatório ―Limites do Crescimento‖, expressa aquilo que, possivelmente, povoou a mente dos participantes do Clube de Roma: o que fazer para compatibilizar o modo de desenvolvimento capitalista com a proteção do ambiente? Como conjugar crescimento econômico com meio ambiente? Leff (2001, p. 151) argumenta que: En 1972 se publica Los límites del crecimiento (Meadows Et al., 1972). Este estudio plantea los límites físicos del planeta para proseguir la marcha acumulativa de la contaminación, la explotación de recursos y el crecimiento demográfico, haciendo sonar la alarma ecológica. Un año antes, Georgescu Roegen (1971) publicó La Ley de la Entropía y el Proceso Económico, mostrando los límites físicos que impone la segunda ley de la termodinámica a la expansión de la producción. Se advierte allí que el crecimiento económico se alimenta de la pérdida de productividad y la desorganización de los ecosistemas, enfrentándose a la ineluctable degradación entrópica de los procesos productivos. Sim, o título da obra deixa claro: Os Limites do Crescimento. Se limite pode significar restrição, deduz-se que o modo de produção capitalista necessitava de restrições para distintamente quanto conhecemos os diversos misteres dos nossos artífices, poderíamos empregá-los igualmente a todos os usos para os quais são próprios, e desse modo nos tornar como que senhores e possuidores da natureza” (DESCARTES, 2008, p. 60, os grifos são meus). 11 ―Sustentabilidade é um termo relativamente antigo, de origem no saber técnico na agricultura no século XIX. Entrou na rota do uso pelos ecologistas modernos nos anos 80, em cujo debate I. Sacks deu grande contribuição‖ (RUSCHEINSKY, 2003. pp. 39-40).
  • 12. 27 continuar o seu ritmo de acumulação. Mas como pensar em restrição ou limite em um sistema que tem como um dos seus ideários a liberdade econômica? Liberdade e limite são antônimos. Portanto, está-se diante de uma crise ambiental. Precisam-se encontrar novos modos apropriação do ambiente para a manutenção da produtividade. Uma das alternativas foi a construção do ideário do desenvolvimento sustentável. O ideário atual foi semeado no ano de 1950 quando a IUCN (World Conservation Union/International Union Conservation of Nature) apresentou um trabalho que usou pela primeira vez o termo ―desenvolvimento sustentável‖. No entanto, ele difundiu-se, claramente, em 1971, na Reunião de Founeux, agora com o nome de ecodesenvolvimento, formulado basicamente pela escola francesa. Nele estava clara a preocupação com a degradação ambiental, com a condição social dos desprivilegiados, com a falta de saneamento, com o consumo indiscriminado e com a poluição ambiental (SANTOS, 2004, p.19). Notadamente, o conceito de desenvolvimento sustentável remonta à década de 1950 (anterior mesmo ao Clube de Roma). Todavia, a questão ambiental naquele momento era um tanto quanto incipiente. Assim, somente na década de 1970, com a citada reunião e com a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente Humano em 1972, o caráter ecológico é enfatizado. Entretanto, a questão ambiental demandava mais do que discussões, conferências ou estabelecimento de conceitos: era necessária uma política voltada para o campo ambiental. Ateste-se, desde já, que a política ambiental, tal como foi concebida, não reflete uma mudança de modelo, pois caso fosse dessa forma, haveria uma série de empecilhos à reprodução do capital em larga escala, e sendo assim o comércio mundial seria afetado. Os EUA foram o primeiro país que lançou mão de uma política ambiental para tentar compatibilizar proteção ambiental com exploração econômica. De fato, a nação mais poluidora e consumista do mundo largou na frente objetivando a compactuação entre crescimento econômico e política ambiental. O resultado foi uma extrema mobilização no seio da questão ambiental que culminou com o NEPA (National Environmental Policy Act) estadunidense, de 1970, cuja promulgação é anterior ao próprio relatório do Clube de Roma, que foi publicado em 1972. Cánepa (1991, p. 259) escreve que: [...] Como culminância de toda essa mobilização, é aprovado pelo Congresso norte- americano, e promulgado em 1969, o National Environmental Protection Act (NEPA). Essa lei é um verdadeiro marco na história da gestão ambiental pelo Estado, não tanto por aquilo pelo qual é mais conhecida — a instituição dos Estudos de Impacto Ambiental (EIAs) e respectivos Relatórios de Impacto Ambiental (RIMA) como instrumentos preferenciais na tomada de decisão e gestão ambiental —, mas, sim, pelo estabelecimento do Conselho da Qualidade Ambiental, órgão diretamente ligado ao Poder Executivo e encarregado de elaborar anualmente, para o
  • 13. 28 Presidente dos EUA, o relatório ao Congresso sobre o estado do meio ambiente em todo o território nacional. Trata-se do primeiro passo — mas um passo verdadeiramente gigantesco — no sentido de o Estado assumir, em nome da coletividade, a efetiva propriedade desse bem público que é o meio ambiente, mantendo os cidadãos informados sobre a sua qualidade. Ora, se política ambiental estadunidense representou, em termos de lei, um avanço, ela atestou a continuidade da exploração, só que agora levando em consideração os impactos causados ao ambiente. Por isso, vieram ao mundo o Planejamento e Gestão Ambiental, os EIA-RIMA, etc. De fato, a sensibilização12 ambiental vem numa crescente desde a década de 1960. O desafio estava posto: integrar o homo economicus com a preservação e conservação dos recursos ambientais. Mais do que isso, é apresentado como desafio para a humanidade a busca de exercício de um duplo papel: abandonar (teoricamente) o caráter de poluidor, para assumir o de protetor da Natureza, e assim desenvolver equilibradamente sociedade, ambiente, cultura e tecnologia. A expansão em larga escala da problemática ambiental se processa com a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente Humano. 4.2 Os Ecos do Clube de Roma: A Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente Humano A partir do Clube de Roma, a questão ambiental no ―mundo ocidental‖ ganhou força, afinal percebia-se a necessidade de rever hábitos de apropriação dos recursos ambientais, a fim de que se torne o capitalismo ―sustentável‖, ou seja, que o modelo civilizatório ocidental de apropriação material do ambiente ocorra em situação de equilíbrio da biosfera13. A realização da Primeira Conferência Mundial do Desenvolvimento e Meio Ambiente, em 1972, em Estocolmo, constitui-se em importantíssimo evento sociopolítico voltado ao tratamento das questões ambientais; se aquele evento significou, por um lado, a primeira tentativa mundial de equacionamento dos problemas ambientais, por outro, significou também a comprovação da elevada degradação em que a biosfera já se encontrava (MENDONÇA, 2005, p. 46). Por mais que fossem expostas as mazelas que o capitalismo causava ao ambiente, a situação não mudou substancialmente, uma vez que a raiz do problema, o sistema, continuou 12 Será trabalhada aqui sensibilização ambiental, pois quando se utiliza a locução ―consciência ambiental‖ implica em dizer que uns possuem (consciência ambiental) e outros não. 13 É engraçado perceber que, em tese, os atores do capitalismo buscam a sustentabilidade; mas na prática, ao contrário de pensarem em uma solução para os problemas da raça humana, fortificam o sistema econômico que tem por base a insustentabilidade, a amortização da natureza. Daí, melhor falar em capitalismo sustentável que desenvolvimento sustentável.
  • 14. 29 a apropriar de forma predatória os recursos ambientais. Pior: é justamente nesta década em que ocorreu o deslocamento de indústrias altamente poluidoras dos países ditos desenvolvidos para os países chamados de em desenvolvimento/subdesenvolvidos (para utilizar a linguagem da época), como é o caso do Brasil. Voltando um pouco mais no tempo: em 1964, no Brasil, vivíamos o Regime Ditatorial. Essa época é interessantíssima para se compreender a construção dos discursos. Se pensarmos bem, o regime ditatorial de direita brasileiro ilustrou, como uma das suas muitas características espaço-temporais, as grandes obras e projetos de Modernização. Por enquanto, não se entrará em detalhes. O que cabe anotar é: como pensar numa relação dual entre proteção ambiental e exploração dos recursos naturais uma vez que o Governo do Brasil adotara um paradigma industrial altamente contraditório? A postura dual do Governo do Brasil identificada com a criação da Secretaria do Meio Ambiente, em 1973, é demonstrada por Leite Lopes (2004, p. 20): Embora o governo brasileiro tenha se pronunciado contra a preocupação e os controles ambientais da conferência – com receio de um cerceamento internacional do processo de industrialização levado a efeito no país desde os anos 30 e 40, e continuado pelo regime militar, que na ocasião vinha apostando tudo no efêmero milagre econômico brasileiro de então – ele, no entanto, não deixou de criar logo no ano seguinte uma secretaria do meio ambiente, subordinada ao Ministério do Interior. Sendo assim, a criação da SEMA revela a institucionalização da problemática ambiental, fato este que pode ser visto como um avanço. Institucionalizada em 1973, a SEMA refletia, por um lado, a demanda de controles ambientais por parte de uma minoria advertida de técnicos governamentais e, por outro, a oportunidade da chancela institucional, para a captação de financiamentos internacionais para os quais as garantias ambientais eram necessárias (LEITE LOPES, 2004, p. 20). Alguns projetos de industrialização e modernização representavam um sério risco ambiental, tal como a intensificação da industrialização do sudeste brasileiro, a zona franca de Manaus e a Transamazônica. Podem-se citar também outros investimentos como o PGC (Programa Grande Carajás) e alguns que tiveram o Maranhão como um dos principais centros: o Consórcio ALUMAR (Alumínio do Maranhão S/A) entre as empresas Billiton Metais S/A e a ALCOA do Brasil S/A; e a CELMAR (Celulose do Maranhão S/A). Sobre o PGC, Aquino e Sant‘Ana Júnior (2009, p. 47) explicam que: O Programa Grande Carajás foi concebido para garantir a exploração e comercialização das ricas jazidas de minério localizadas no sudoeste do Pará. Para tanto, além da implantação das minas e das condições para seu funcionamento, dentre as medidas tomadas destacam-se a construção da Estrada de Ferro Carajás,
  • 15. 30 que liga as minas ao litoral maranhense, e a construção do Complexo Portuário de São Luís, composto pelos portos do Itaqui, administrado pelo governo do Estado do Maranhão, da Ponta da Madeira, administrado pela Vale, e Porto da Alumar, administrado pela própria Alumar (Consórcio de Alumínio do Maranhão). A Conferência de Estocolmo foi um marco histórico demasiado importante para a Ecologia. Não obstante, se voltarmos no tempo, perceber-se-á que a cientifização e tecnificação teve início ―a partir dos anos 60 [quando] a ecologia deixou as faculdades de biologia das universidades e migrou para a consciência das pessoas. O termo científico transformou-se numa percepção do mundo‖ (SACHS apud LEITE LOPES, 2004, p. 21). O reflexo disso é a institucionalização de organismos públicos que ―controlem o ambiente‖, como foi o caso da SEMA. Enquanto os Estados Unidos promulgou o NEPA (National Environmental Policy Act) em 1970, o Brasil esperou mais uma década para ter sua Lei de Política Ambiental (1981), ―promulgando um arcabouço institucional federal, com a secretaria de meio ambiente ligada à presidência da República (a Sema), com um conselho nacional de meio ambiente (órgão consultivo e deliberativo), com o Ibama‖ (LEITE LOPES, 2004, p. 22). O porquê desse atraso deve-se Em primeiro lugar que, a questão ambiental no Brasil, não era prioridade de políticas públicas. Em segundo lugar, a política ambiental não era prioridade do processo de industrialização brasileiro que, baseava-se numa estratégia de substituição de importações, privilegiando setores intensivos em emissão, e no uso direto de recursos naturais (energia e matérias-primas baratas) (LUSTOSA, CÁNEPA e YUONG apud GRIGATO; RIBEIRO, 2006, p. 02) Como foi observado, o Brasil caminhou a passos lentos rumo à inserção da esfera institucional na política ambiental. Sem entrar em muitos detalhes, aqui foi extraído um trecho da referida Lei que trata da Política Nacional do Meio ambiente. Art. 2º - A Política Nacional do Meio Ambiente tem por objetivo a preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental propícia à vida, visando assegurar, no País, condições ao desenvolvimento sócio-econômico, aos interesses da segurança nacional e à proteção da dignidade da vida humana [...]. O brilhantismo com que é tratada, em termos de lei, a Política Ambiental no Brasil é digno de elogios. No entanto, entre o formalismo da legislação e a aplicação da lei, constata- se que as ações governamentais deixam a desejar no que tange a redução de impactos negativos sobre o ambiente. Percebe-se uma (ir)racionalização na forma como os organismos econômicos tem adotado posturas dúbias em relação ao ambiente. O planejamento em si é orientado e gestado para a racionalização da reprodução ampliada do capital (OLIVEIRA,
  • 16. 31 1981), ou seja, ele é a ferramenta que permite ao sistema capitalista aumentar racionalmente os lucros oriundos dos ciclos produtivos. Não obstante, a fiscalização, que deveria ser uma arma no combate àquela irracionalidade citada, não é executada com eficiência, permitindo assim a continuação de procedimentos desastrosos e hostis para com os recursos naturais (sociais). E o principal: estudiosos ligados à ―Nova Direita‖ (neoliberais e neoconservadores) não vêem a problemática ambiental como multiescalar; estão cegos acerca das forças motrizes que, de maneira multiescalar, produzem o contexto ambiental. Não enxergam que o problema é sistêmico e não, unicamente, individual14. 4.3 A Conceituação da ―Frase Feita‖: A Comissão Mundial para o Meio Ambiente e Desenvolvimento das Nações Unidas e o Relatório Brundtland Desde 1972 até 1987 transcorreram 15 (quinze) anos. Nesse intervalo de tempo (espaço) a problemática ambiental evoluiu: a discussão ambiental ganhou proporções internacionais e mundiais. Tudo virou ambiental: tem-se geomorfologia ambiental, sociologia ambiental, política ambiental, economia ambiental, etc. Ao mesmo tempo, emerge como paradigma ambiental, aquela locução que dá embasamento para a ―Geografia das frases feitas‖: o desenvolvimento sustentável. Dessa maneira, recorre-se a categorizações, como é o caso do ―ambiental‖ vazio, anteriormente citado, ou diz-se que o capitalismo está se ―ecologizando‖ e esvazia-se o debate político sobre a sustentabilidade, bem como a raiz do problema: o modo de produção capitalista, camuflando assim os discursos de legitimação e apropriação dos recursos sociais. O debate sobre sustentabilidade está marcado por uma diversidade muito grande de perspectivas epistemológicas e teóricas de abordagem. Tal como ela aparece, em meio a uma questão ambiental construída progressivamente ao longo dos últimos 30 anos, a sustentabilidade é uma inovação discursiva emprestada às ciências biológicas. Estas últimas, por sua vez, já a haviam formulado sob uma concepção fortemente economicista dos sistemas vivos, ou seja, à luz de uma analogia entre os processos biológicos e aqueles de determinadas economias, mais especificamente de economias produtoras de excedentes. Nesta perspectiva, a noção de ―sustentabilidade‖ da Biologia pensou os sistemas vivos como compostos de um ―capital/estoque‖ a reproduzir e de um ―excedente/fluxo‖ de biomassa, passível de ser apropriado para fins úteis sem comprometer a massa de ―capital‖ originário. No âmbito do manejo agrícola dos ecossistemas, por exemplo, Conway refere-se à sustentabilidade como ―a capacidade do sistema manter sua produtividade face a grandes distúrbios como aqueles causados por erosão do solo, secas imprevistas e novas pragas‖. Podemos observar toda uma trajetória desse conceito de uma para outra disciplina científica até o mesmo aparecer no final do século XX como uma noção relativamente corrente no debate público. Neste âmbito, tratar-se-á de uma 14 É só perceber como as campanhas pró-educação ambiental centram-se demasiadamente nas ações individuais...
  • 17. 32 construção discursiva que colocará em pauta os princípios éticos, políticos, utilitários e outros, que orientam a reprodução da base material da sociedade. Ao fazê-lo, essa noção, nos seus múltiplos conteúdos em discussão, pressupõe uma redistribuição de legitimidade entre as práticas de disposição da base material das sociedades. Em função do tipo de definição que prevaleça, estabelecida como hegemônica, as práticas sociais serão divididas em mais ou menos sustentáveis, entre sustentáveis e insustentáveis; portanto, serão legitimadas ou deslegitimadas, retirando-se e atribuindo-se legitimidade a essas diferentes formas de apropriação (ACSELRAD, 2004, p.2-3). O desenvolvimento sustentável foi conceituado na referida Comissão Mundial para o Meio Ambiente e Desenvolvimento, das Nações Unidas, precisamente em 1987, e é definido como ―aquele que atende às necessidades presentes sem comprometer a possibilidade de as gerações futuras satisfazerem suas próprias necessidades‖ (CMMAD, 1991, p.46). Acselrad (2004, p. 3) diz que esse corte intergeracional abdica, sem dúvida, de perceber a diversidade social no interior do futuro e do próprio presente. Como bem fala Pitombo (2007, p.12): Com a ameaça de degradação ambiental em todo o planeta, a miséria e as privações existentes nos países do chamado Terceiro Mundo, os temas como gestão social, proteção ambiental e desenvolvimento sustentável passaram a merecer, nos últimos anos, grande atenção dos governos, das empresas e dos meios de comunicação. De fato, se o ambientalismo ganhou tanta relevância, muito se deve às atividades agressoras (ao meio ambiente), mas também à formulação do conceito de desenvolvimento sustentável. Consequentemente, o Relatório ―Nosso Futuro Comum‖, coordenado pela Primeira Ministra Norueguesa Gro Harlem Brundtland, assinalou a necessária implicação de limites à economia, além de constatar a extrema necessidade em se rever práticas ambientais degradantes. Os autores do documento apontaram as várias crises globais (como energia e camada de ozônio) e destacaram a extinção de espécies e o esgotamento de recursos genéticos. Reforçou-se, ainda, o debate sobre o fenômeno da erosão induzida e a perda de florestas (SANTOS, 2004, p. 19). A citação acima nos explica a evolução que certas ciências como a biogeografia e a agroecologia experimentaram. Cada uma, com seu saber, colabora de forma técnica, científica e informacional para a discussão da temática ambiental. No que tange ao conceito de sustentabilidade enquanto alternativa para a problemática ambiental, Leff (2001, p. 152-153) explana que: ―Nuestro futuro común‖ reconoce las disparidades entre naciones y la forma como se acentúan con la crises de la deuda de los países del Tercer Mundo, sin embargo, la Comisión Bruntland busca un terreno común donde platear una política de consenso capaz de disolver las diferentes visiones e intereses de países, pueblos y clases sociales que plasman el campo conflictivo del desarrollo sostenible. […] la ambivalencia del discurso de la sustentabilidad surge de la polisemia del término
  • 18. 33 sustainability, que integra dos significados: el primero, traducible como sustentable, implica la internalización de las condiciones ecológicas de soporte del proceso económico; el segundo aduce a la sustentabilidad o perdurabilidad del proceso económico mismo. En este sentido, la sustentabilidad ecológica es condición de la sostenibilidad del proceso económico. Seguindo o raciocínio de Leff, o que é sustentável? A internalização das condições ecológicas de suporte do processo econômico ou a sustentabilidade do processo (modelo) econômico? É preciso focar na sociedade e romper com a dicotomia sociedade-natureza15 presente nas relações de produção. Por isso que Acselrad (2004, p. 4) alerta que: A sustentabilidade remete a relações entre a sociedade e a base material de sua reprodução. Portanto, não trata-se de uma sustentabilidade dos recursos e do meio ambiente, mas sim das formas sociais de apropriação e uso desses recursos e deste ambiente. Pensar dessa maneira implica certamente em se debruçar sobre a luta social, posto que torna-se visível a vigência de uma disputa entre diferentes modos de apropriação e uso da base material das sociedades. Provavelmente, o ecodesenvolvimento negligencia (na prática) a degradação da natureza, a desigualdade social e a socialização das perdas, tanto econômicas quanto ecológicas. Sendo assim, o que se observa é que apesar do conceito abarcar o caráter econômico-ecológico, as práticas produtivas concretas muitas vezes vão de encontro com o discurso, negligenciando o caráter sociocultural. Da mesma forma, enquanto populações ribeirinhas e migrantes podem ser igualmente qualificadas como populações ―pobres‖, elas apresentam diferentes culturas ecológicas e produzem diferentes impactos ambientais, desafiando, deste modo, o consenso expresso no Relatório Brundtland, na Eco 92 e em publicações oficiais, de que pobreza e degradação ambiental estejam necessária e intimamente relacionadas (LIMA; POZZOBON, 2005, p. 52-53). As perspectivas e discussões oriundas da Comissão Mundial para o Meio Ambiente e Desenvolvimento e do Relatório Brundtland serão enfatizadas novamente na Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, na qual a política ambiental teve um caráter primordial, principalmente no que tange às questões de planejamento. 15 A luz do materialismo histórico-dialético a separação entre homem/sociedade/cultura e natureza é uma construção ideológica ensejada pelo capitalismo (MARX; ENGELS, 2007).
  • 19. 34 4.4 A consolidação do ideário sustentável: A Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento Depois da Conferência de Estocolmo, em 1972, outro evento histórico da temática ambiental que marcou época foi a Eco-92, ou Rio-92. Como já fora mencionado, teorizou-se e discutiu-se muito sobre a política ambiental mundial em 1972. Todavia, as ações ―ecologicamente responsáveis‖ não aconteceram, ou se aconteceram foram em uma escala mínima. A Natureza foi cada vez mais entendido como recurso16, como meio para se atingir um fim. No entanto, este fim não versa - da forma que se esperava como resultados práticos dos debates de cunho ambiental - sobre qualidade de vida satisfatória e atendimento dos serviços básicos de vida (educação, saúde e moradia). A escolha da cidade do Rio de Janeiro para sediar a conferência mundial foi muito acertada, pois o cenário apresentado pela cidade, quanto pelo país, se constitui em excelente exemplo de como as relações sociais se encontram deterioradas; de como as relações de dependência entre o norte/desenvolvido e sul/não desenvolvido/subdesenvolvido são prejudiciais à vida do Homem e à natureza... à Terra. A onda de seqüestros e epidemias, assim como o tráfico internacional de drogas, por pouco não inviabilizaram a realização da conferência. Possam estes testemunhos de degeneração social ter provocado a reflexão dos conferencistas, sobretudo no âmbito político, para as reais causas e conseqüências da degradação ambiental!!! (MENDONÇA, 2005, p. 47). Mendonça aponta um aspecto muito peculiar na conferência de 1992: a escolha do espaço. O Rio de Janeiro, como afirma o autor, era (e ainda é) um bom exemplo de cidade para se compreender as desigualdades geradas a partir de um modelo político-econômico agressivo. É importante também perceber o deslocamento do eixo da Conferência: em 1972, o lugar de debate era a Suécia, país de cunho religioso protestante, economia próspera (a saber: papel, produtos químicos e veículos), setor de telecomunicações de elevado desenvolvimento tecnológico e população que apresenta boa qualidade de vida. Já em 1992, o debate transloca- se para o Brasil, país cristão/católico, de altíssima diversidade biológica (principalmente na Amazônia) e cujas desigualdades sociais (de raiz econômica, como a concentração de renda) são o verdadeiro retrato de nossa história. Outro reflexo foi a introdução de um paradigma da Educação Ambiental que visa estabelecer convenções e diretrizes que norteiem as práticas socioambientais. 16 Destaque-se que a palavra recurso originalmente ―enfatizava o poder de auto-regeneração da natureza e chamava atenção para a sua criatividade prodigiosa‖ (SHIVA, 2000, p.300). Todavia, o projeto baconiano (dessacralização da natureza) frequentemente tem extrapolado os limites da natureza, uma vez que limite tem sido entendido como obstáculo ao desenvolvimento.
  • 20. 35 Na Rio 92, o Tratado de Educação Ambiental para Sociedades Sustentáveis e Responsabilidade Global coloca princípios e um plano de ação para educadores ambientais, estabelecendo uma relação entre as políticas públicas de educação ambiental e a sustentabilidade. Enfatizam-se os processos participativos na promoção do meio ambiente, voltados para a sua recuperação, conservação e melhoria, bem como para a melhoria da qualidade de vida (JACOBI, 2003, p. 194) Note-se que a educação ambiental já aparece como um modelo de conduta ética individual e coletiva (LEITE LOPES, 2004). Sim, como disse Jacobi, o conceito de desenvolvimento sustentável representou um avanço. Contudo, não interessa aqui apenas o lado conceitual ou teórico, mas sim o lado prático e concreto, uma vez que as referidas práticas produtivas concretas não têm como foco compatibilizar homem-natureza17, mas sim salvar o sistema capitalista, mesmo que para isso sacrifique-se a humanidade. Todavia, apesar do conceito de desenvolvimento sustentável levar em consideração a pluralidade, diversidade, multiplicidade e heterogeneidade de nações e nacionalidades, define e limita a sustentabilidade a um modelo de pensamento único. Além disso, negligencia o mundo formal (como ele pode ser18) em detrimento do mundo real (o mundo como é19). Sim, a globalização possibilitou a ampliação da mais valia enquanto motor único e universal (SANTOS, 2008). Todavia, essa mesma ampliação desencadeou uma crise ambiental levando a uma incorporação de um discurso do ―ecologicamente correto‖ que dará embasamento ao desenvolvimento sustentável. Acselrad (2004, p. 13) explana que essa crise ambiental é fundada numa idéia de objetividade que, por sua vez, imprime ―a perspectiva de um colapso na relação quantitativa malthusiana entre população e território ou entre o crescimento econômico material e a base finita de recursos‖. Traduzindo: o objetivismo de que Acselrad fala conduz a um pensamento único dissonante da visão dialética que o objeto, os conflitos ambientais, merece. Pode se falar também que os discursos de responsabilidade socioambiental e desenvolvimento sustentável, pautados no ―ecologicamente correto‖, não 17 É importante notar que ainda se insiste em uma dicotomia homem-natureza, não percebendo desta forma que, ainda estaremos imersos na matriz filosófica-econômica do capitalismo que preconiza em seus princípios a segregação homem-natureza. Contudo, apenas da superação dessa dicotomia, nascerá a possibilidade de uma Nova História. Aqui cabe lembrar também o ―velho e bom‖ filósofo Karl Marx (1818-1883) quando este nos diz nos Manuscritos Econômico-Filosóficos (1844): ―O homem vive da Natureza, ou também, a Natureza é o seu corpo, com o qual tem de manter-se permanente intercâmbio para não morrer.[...] o homem é uma parte da Natureza‖ (2006, p.116). 18 Por isso os defensores desta razão falam, no conceito de desenvolvimento sustentável, em ―gerações futuras‖. Obviamente, o capitalista não tem como principio (ético, moral, filosófico ou econômico) o lucro a longo-prazo: o lucro deve ser imediato, simultâneo, sincrônico. 19 É interessante perceber que ao falarem de gerações futuras, os defensores da razão capitalista esquecem-se das gerações atuais, algo que soa, no mínimo, como algo fora do seu tempo.
  • 21. 36 representam necessariamente uma associação direta entre as práticas econômicas e ambientais. Enrique Leff (2001, p.149) ensina que: El principio de sustentabilidad emerge en el contexto de la globalización como una nueva visión del proceso civilizatorio de la humanidad. […] la sustentabilidad ecológica aparece así como un criterio normativo para la reconstrucción del orden económico, como una condición para la supervivencia humana y para lograr un desarrollo durable, problematizando los valores sociales y las bases mismas de la producción. El concepto de sustentabilidad emerge así del reconocimiento de la función que cumple la naturaleza como soporte, condición y potencial del proceso de producción. De forma brilhante, Leff investiga a bases conceituais da legitimação do crescimento econômico, questionando a visão mecanicista da razão cartesiana (DESCARTES, 2008) e sua penetração na teoria econômica. Porto-Gonçalves (2006a) também já alertara sobre a ―amortização da natureza‖, destruição ecológica e degradação ambiental. Em quase duas décadas repercutiu-se amplamente ou internacionalmente a questão da preservação do meio ambiente. A Rio-92 também é um importante marco histórico, pois é justamente no seio desta conferência que é consagrado o conceito de desenvolvimento sustentável, em outras palavras materializa-se a questão ambiental. Em 1992 realiza-se a conferência sobre Meio Ambiente da ONU no Rio de Janeiro, 20 anos após a de Estocolmo, referida como Rio-92 ou Eco-92. No seu processo de preparação, grande atenção é dada à questão ambiental por ONGs não especializadas, movimentos sociais, associações de moradores, federações empresariais, instituições governamentais. [...] Na realização da conferência destacam-se a reunião paralela das ONGs e associações populares, por um lado; e por outro, compromisso de governos signatários com a Agenda 21, um enorme documento composto de quatro seções, 40 capítulos e dois anexos (a edição brasileira, publicada pelo Senado Federal, tem 598 páginas), dispondo de objetivos, atividades e considerações sobre meios de implementação, de um planejamento de uma cooperação internacional e de ações nacionais e locais em vista do desenvolvimento, do combate à pobreza e da proteção ao meio ambiente (LEITE LOPES, 2004, p.23). Essa burocratização da questão ambiental modificou muito pouco a situação ambiental mundial. A mundialização da temática ambiental a nível global se burocratizou, mas não com o intuito de corrigir o cerne da questão ambiental. A burocracia passou de espírito do Estado para espírito do neoliberalismo ambiental, ou seja, debilitam-se as discussões acerca da raiz do problema e passa-se a estudar apenas os efeitos, e não as causas. As causas, finais, não se mostraram ser anticientíficas, metafísicas, divinas, mas sim produzidas pelo ―homo crematisticus”, uma espécie de homem que mercadifica o ambiente e a própria crise
  • 22. 37 ambiental/ecológica para formar preços de mercado, para ganhar dinheiro20. E a apropriação da problemática ambiental por parte das grandes corporações será observada principalmente na Rio+10 (HAESBAERT; PORTO-GONÇALVES, 2006). 4.5 Uma década perdida? A Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável Há nove anos, aconteceu aquela que foi a mais recente conferência da ONU: Rio+10. Realizada em 2002, em Johanesburgo, a Cúpula Mundial sobre o Desenvolvimento Sustentável teve como principais objetivos integrar as iniciativas das Nações Unidas com vistas à redução quantitativa do número de pessoas miseráveis (vivem com menos de um dólar por dia), no mundo, até o ano de 2015 e avaliar quais medidas estabelecidas na Agenda 21 tinham sido alcançadas, o que demonstra ser mais um indício da crise ecológica global. Esta conferência não foi, nem de perto, a sombra daquilo que havia ficado dez anos atrás, pois ―[...] em Johanesburgo o clima estava mais para aquele do Riocentro em 1992, com um elevado número de ONGS, já não mais associadas aos movimentos sociais, mas sim a governos e empresas das quais captam verbas‖ (HAESBAERT; PORTO-GONÇALVES, 2006, p. 126). Também foi objetivado nesta cúpula reduzir o número de pessoas que não possuem acesso à água potável, bem como saneamento básico. Só para se ter uma idéia, conforme a ONU, um bilhão e cem milhões de pessoas vivem sem acesso adequado à água (ALMANAQUE ABRIL, 2006, p.72). Além disso: Em 1998, os 20% mais ricos do planeta dispunham de 86% do produto mundial, e os 20% mais pobres de apenas 1%. Enquanto isso, a diferença de renda passou de 30 para 1, em 1960, para 60 para 1, em 1990, e 74 para 1 em 1997. Explica esse aumento das desigualdades a proliferação do desemprego (segundo a OIT, são 188 milhões de desempregados em 2003 – ou seja, 6,2% da força de trabalho mundial), do subemprego, dos circuitos ilegais da economia. [...] Basta verificar que 22% da população mundial, ou seja, 1,3 bilhão de pessoas vivem com menos de um dólar por dia, considerado o limiar da pobreza absoluta (HAESBAERT; PORTO- GONÇALVES, 2006, p. 47). Por fim, acordaram também a recuperação, até o ano de 2015, dos estoques de peixe através do controle da pesca oceânica, visando assegurar a reprodução anterior à captura. Diante desse quadro, nada indica, essencialmente, uma mudança radical na forma de se relacionar com a Natureza; a natureza não produz ricos e pobres, não explora trabalhadores 20 A crematística é o estudo da formação dos preços de mercado, para ganhar dinheiro; já oikonomia (economia) é a arte do aprovisionamento material da casa familiar (MARTÍNEZ ALIER, 2007, p. 53).
  • 23. 38 ao contrário do capitalismo: ele apropria-se da força de trabalho e da natureza produzindo-a e reproduzindo a si mesmo e as suas relações de produção (LEFEBVRE, 1973). A natureza no capitalismo possui um destino: ser um instrumento da produção, algo exterior, inumano (SMITH, 1988). Apenas acordar e estipular prazos de recuperação de espécies não nos conduz a uma nova prática socioambiental. Isso porque para que se tenha uma prática revolucionária é preciso uma teoria revolucionária. E o que nós vimos até aqui é a eterna tentativa de se ajustar crescimento econômico com proteção ambiental. Proteger o ambiente e crescer economicamente: missão impossível no capitalismo, pois por onde quer que lancemos olhares vê-se a desigualdade social, o desenvolvimento desigual (SMITH, 1988), o desajuste ecológico e a injustiça ambiental. Não estamos sustentando a raça humana, tampouco protegendo a natureza, mas sim exacerbando os conflitos e os problemas ambientais. Todavia, homem e natureza não seriam inimigos que precisam ser dominados; e dessa forma não teríamos conflitos ou problemas, caso tivéssemos outro modelo de racionalidade, outro modo de produção e de vida. 5 TERRITORIALIZANDO A VALE NA TESSITURA HISTÓRICA: de estatal à privada, da razia capitalista às políticas de responsabilidade socioambientais É preciso mergulhar nos 67 anos de história da Vale, objetivando entender as mudanças sofridas pela empresa desde o seus primórdios, passando pela criação em 1942, a privatização em 1997, até o ano de 2010. Dessa forma, pode-se avaliar as ações e atividades desenvolvidas pela empresa no que tange às políticas de responsabilidade ambiental e social. Vejamos alguns antecedentes históricos da criação da Vale: Com a primeira Constituição Republicana de 1891, foram totalmente alteradas as regras para a exploração mineral do país. Pela nova Carta, os proprietários das terras onde fossem encontradas reservas minerais, seriam também proprietários destas jazidas. Além disso, a lei permitia que estas reservas fossem exploradas por empresas estrangeiras. A civilização industrial colocava em cena novas descobertas da ciência e através de técnicas recém inventadas, o ferro, um mineral até então pouco valorizado adquiria têmpera de aço. Geólogos e engenheiros mapeavam, então, o subsolo brasileiro, não só em busca do ouro, mas também em busca do ferro e descobriram que o chão de Minas Gerais, compreendido pelo quadrilátero formado pelas cidades de Conselheiro Lafayette, Mariana, Sabará e Itabira, abrigavam três bilhões de toneladas de minério de ferro (BARBOSA, 2002, p. 20). Antes da oficialização e da criação propriamente dita da Vale, alguns acontecimentos primordiais merecem ser lembrados. Em 1901, ocorre a Fundação da Companhia Estrada de
  • 24. 39 Ferro Vitória a Minas (CEFVM), inaugurada oficialmente em treze de maio de 1904, no trecho entre as estações Cariacica e Alfredo Maia. Já em 1909, é criada a Brazilian Hematite Syndicate, de capital britânico. Os ingleses compraram todas as terras onde estavam as reservas conhecidas de minério de ferro em Minas Gerais, estimadas em 2 bilhões de toneladas (GODEIRO et al., 2007, p. 10). No mesmo ano, a empresa compra a maioria das ações da CEFVM e sela a união entre os dois grupos, para explorar21 as reservas de minério de ferro de Minas Gerais. Um ano depois, 1910, são esboçados os primeiros projetos de levar a ferrovia até Itabira (MG), onde chega em 1943. O empresário Percival Farquhar entra em cena em 1911, pois controla a Itabira Iron Ore Company, anteriormente conhecida como Brazilian Hematite Syndicate. Finalmente, no ano de 1940, a Itabira Iron Ore faz o primeiro embarque de minério de ferro pelo Porto de Vitória, em julho. Como bem escreveu Barbosa (2002, p. 21): Estas informações fizeram com que grandes mineradoras da Inglaterra, Estados Unidos, Bélgica e França voltassem a atenção para o Brasil, comprando a preços irrisórios, boa parte das jazidas do rio Doce. As minas de Itabira foram adquiridas pela Itabira Iron Ore Company, fundada por engenheiros ingleses. A empresa assumia ainda o controle acionário da Estrada de Ferro Vitória-Minas (EFVM), uma incipiente ferrovia que desde 1903 escoava a produção agrícola do vale do Rio Doce. Em 1919, a Itabira Iron foi comprada pelo empresário norteamericano Percival Farquhar que pretendia conseguir o monopólio da produção e exportação do minério de ferro da região. Com a revolução de 1930, o presidente Getúlio Vargas colocou em prática um discurso que previa a nacionalização das reservas minerais do país, estabelecendo uma luta entre nacionalistas e liberais. Tentando aplacar os ânimos, Percival Farquhar se uniu a empresários brasileiros e nacionalizou a Itabira Iron, transformando-a em duas empresas: Companhia Brasileira de Mineração e Itabira Mineração. Frise-se que para uma satisfatória exploração de minério de ferro, pari passu é necessário investimentos em infra-estrutura, como construção de ferrovias e portos para o escoamento da produção; e o capital internacional também já está em cena finan 22ciando a exploração dos recursos. 21 ―A ideologia produtivista do antropocentrismo europeu, com seu mito de dominação da natureza, acreditou que produzia minérios, como se pudesse fazê-lo ao seu bel-prazer. Na verdade somos extratores e não produtores e, com essa caracterização, estamos mais próximos de reconhecer nossos limites diante de algo que não fazemos‖ (HAESBAERT; PORTO-GONÇALVES, 2006, p. 110). 22 É bom lembrar que a palavra finança possuía antes da era do desenvolvimento um significado não- econômico: pagamento para livrar-se do cativeiro ou de um castigo (LUMMIS, 2000, p.115, itálicos meus). Mas hoje, parece que a finança e seus derivados tornaram-se o próprio cativeiro e castigo de muitos.
  • 25. 40 5.1 Década de 1940: surge uma gigante No início da década de 1940, o então presidente Getúlio Vargas, estimulou as indústrias de base, como a siderurgia, no intuito de substituir as importações, dando base para sua política de produção local. A Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) é um ótimo exemplo dessa atitude. Convém anotar que: O marco histórico do planejamento brasileiro pode ser fixado em 1939. Foi neste ano que o Decreto Lei 1.058 de 19/01/1939 criou o chamado Plano Especial de Obras Públicas e Aparelhamento da Defesa Nacional. Pretendia-se com o Plano Especial, promover a criação de indústrias básicas como a siderurgia, executar obras públicas, consideradas indispensáveis e efetuar o aparelhamento da defesa nacional. O plano era qüinqüenal, prevendo um investimento total de três bilhões de cruzeiros (BARBOSA, 2002, p. 21). Posteriormente, em 1º de junho de 1942, em decorrência dos Acordos de Washington, Getúlio Vargas23 assina o decreto-lei nº 4.352 e cria a Companhia Vale do Rio Doce para ―cobrir a demanda da Inglaterra e dos EUA por minérios de ferro para a fabricação de armas‖ (IBRADES et al. 2007, 34). Foi justamente devido aos Acordos de Washington que o governo da Grã-Bretanha se dispôs a transferir para o governo brasileiro o controle das jazidas de minério de ferro pertencentes à Itabira Iron Ore, substituída pela Vale. Em contrapartida o governo estadunidense se comprometia a um financiamento no valor de 14 milhões de dólares (IBRADES et al. 2007). No mesmo ano, a nova companhia, uma sociedade anônima de economia mista, encampou as empresas de Farquhar e a Estrada de Ferro Vitória a Minas. Destaque-se que os acionistas da Itabira Iron Ore foram devidamente indenizados pelo Tesouro Nacional. Porém, segundo Mauro Santayana (Agência Carta Maior, 2005), os Estados Unidos Exigiram em contrapartida, a cessão das bases do Nordeste para as operações das forças norte-americanas e o envio de tropas brasileiras para a II Guerra Mundial, na Europa. Ali perdemos vidas valiosas [...] não investimos na Vale somente os recursos do Erário; investimos em sangue, investimos em coragem, investimos na dignidade do patriotismo (IBRADES et al. 2007, 34). 23 Já na década de 1930 Vargas afirmava: ―Nenhum outro dos problemas que dizem respeito ao desenvolvimento econômico do país sobreleva em importância ao da exploração das nossas jazidas minerais‖. Para tanto, seria insuficiente a pequena siderurgia, normalmente incapaz de atender a futura demanda a resultar do crescimento industrial acelerado (DUTRA, 2003). Vê-se então que a extração de minérios era primordial para fomentar a industrialização e a modernização no Brasil. Assim as companhias deveriam ser ―gigantes‖ para atender à demanda. O problema é que o mecanismo de oferta-demanda aumenta o consumo, e, aumentando o consumo, é preciso produzir mais, e, se é preciso produzir mais, necessita-se extrair mais minerais da natureza. Quanto mais minerais são extraídos da natureza, mais degradação ambiental é provocada e mais os recursos se exaurem. Sendo assim, a alta procura somada à raridade do produto, não fazem com que o preço caia, mas sim que haja uma carestia geral. Se o preço aumenta, a degradação com certeza não diminui, e o pior é que os únicos que poderão ter acesso ao produto encarecido são os consumidores que podem pagar por ele. Creio que a água potável é um bom exemplo dessa situação.
  • 26. 41 Em 11 de janeiro de 1943, reuniu-se a Assembleia de constituição definitiva da Companhia Vale do Rio Doce, que aprovou os estatutos da empresa fixando a sede administrativa em Itabira (MG) e o domicílio jurídico no Rio de Janeiro (RJ). Israel Pinheiro foi nomeado o primeiro presidente da empresa. A partir desse momento, as exportações de ferro cresceriam exponencialmente. Ainda em 1943, a nova empresa foi listada na Bolsa de Valores do Rio de Janeiro. E dois anos mais tarde, a Vale concluiu as obras do cais de minério em Vitória (ES). Em 1949, a Vale era responsável por 80% das exportações brasileiras de minério de ferro devido à grande demanda do mercado internacional por aço no período pós- guerra; A CVRD também selou um acordo com os japoneses para fornecimento do minério de ferro necessário à reconstrução do Japão, no pós-guerra (GODEIRO et al., 2007, p.11); ocorre ainda a Criação do Centro de Estudos Ferroviários, em Vitória (ES), sob orientação de Eliezer Batista da Silva (pai do bilionário Eike Batista24). É o período em que a industrialização se volta para a exportação, em substituição à política de importação de industrializados. Em julho de 1940, a Itabira Mineração efetuou o primeiro embarque de minério de ferro pelo porto de Vitória: 5.750 toneladas, com destino a Baltimore, Estados Unidos, e em 03 de março de 1942, Inglaterra e Estados Unidos assinaram os Acordos de Washington, que definiam as bases para a instalação, no país, de uma produtora e exportadora de minério de ferro. Pelos acordos caberia à Inglaterra comprar e transferir ao governo brasileiro as minas de Itabira e a estrada de ferro Vitória Minas (EFMV), enquanto os Estados Unidos seria responsável pelo financiamento necessário para a implantação deste projeto. Para a mecanização das minas de Itabira, reconstrução da EFVM, que se encontrava em péssimas condições, o governo contou com um empréstimo de US$ 14 milhões concedido pelo EXIMBANK (BAIZ apud BARBOSA, 2002, p. 22). Sem dúvida o uso financeiro do dinheiro, como referido acima, é um exemplo da globalização do capital. Tanto Inglaterra como os EUA se preocupavam em dar mobilidade ao capital de maneira internacional, ofertando créditos e empréstimos. E isso implica falar em ingerência no território e na administração das economias nacionais através de um mercado internacional. Vale lembrar que o referido Eximbank, o Banco de Exportação e Importação 24 Empresário, dono do Grupo EBX. Sua atuação no Maranhão mais conhecida diz respeito à MPX, uma empresa do seu grupo responsável pela Usina Termelétrica Porto do Itaqui. Como objetivo de qualquer projeto de desenvolvimento é, pelo menos em tese, livrar os ditos ―subdesenvolvidos‖ desta imagem virulenta e inferiorizadora, há que se ressaltar que a UTE Porto do Itaqui é um dos simbolos materiais, permanentemente acionados por agentes governamentais e empresariais, da saída deste estágio inferior e da possibilidade de alcançar a modernidade para o Maranhão e, mais especificamente, para duas comunidades rurais: Vila Madureira e Camboa dos Frades. A totalidade dos moradores do território da Vila Madureira foi deslocada para dar lugar à termelétrica. Os moradores foram deslocados para o residencial Nova Canaã em Paço do Lumiar (dista 30 km da capital São Luís e 40 Km da Vila Madureira) o que gerou bastante insatisfação, e os moradores de Camboa dos Frades enfrentam os impactos da construção da termelétrica (PEREIRA, 2010).
  • 27. 42 dos Estados Unidos, maior credor da Vale, logrou sem êxito, em um cabal exemplo de ingerência econômica, retirar a autonomia da Vale, tentando reduzir as funções do presidente da companhia a de um mero supervisor. Baiz (apud BARBOSA, 2002, p. 22) aponta ainda que: Durante a década de 40, primeira década de sua existência, a empresa experimentou momentos difíceis, carência de infra-estrutura e fortes pressões exercidas pelo seu maior credor o EXIMBANK. A urgência de implantação do projeto, e a escassez de recursos colocam a CVRD face a vários problemas cujas conseqüências redundou no não cumprimento de seu objetivo, exportando em seu primeiro ano apenas 291.180 toneladas de minério, seu compromisso de acordo com as cláusulas do acordo firmado, seria de exportar no mínimo 1,5 milhão de toneladas anuais. 5.2 Década de 1950: a gigante nas mãos do Estado Em 1951, após processo eleitoral, Getúlio Vargas assumiu novamente o governo brasileiro, até o ano de 1954. Extremamente nacionalista e populista, Vargas não mediu esforços para transformar o Brasil em um país urbano e industrial. Note-se que a visão progressista de Vargas calca-se na égide do industrialismo como motor do urbanicismo, ou seja, é preciso deixar para trás o Brasil agrário e rural e transformá-lo num país ―moderno‖, ―desenvolvido‖ e de ―primeiro mundo‖. Continuando, é no governo de Vargas que o Brasil criou uma das empresas petrolíferas mais importantes do mundo: a Petrobrás. Em 1952, Getúlio Vargas criou também o BNDE, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico. Pela sigla do banco, nós temos a noção de que tipo de desenvolvimento Vargas clamava. Neste período, a companhia consolidou sua posição no Quadrilátero Ferrífero de Minas Gerais, o berço da Vale (ORGANIZAÇÕES et al, 2010). O governo de Juscelino Kubitschek (1956-1960) foi baseado no lema ―50 anos em 05‖, ou seja, JK adotou um discurso altamente desenvolvimentista. Para tanto, lançou mão do seu Plano Nacional de Desenvolvimento, o Plano de Metas, que beneficiava os setores de educação, alimentação, indústria de base, transporte e energia. No dia 1º de fevereiro de 1956, após a posse do presidente Juscelino Kubitschek, foi criado por decreto o Conselho de Desenvolvimento como precedente à criação do Programa de Metas, cujas atribuições eram as seguintes: ♦ Estudar as medidas necessárias à coordenação da política econômica do país, particularmente em relação ao seu desenvolvimento econômico; ♦ Elaborar planos e programas que visassem a aumentar a eficiência das atividades governamentais, bem como a fomentar a iniciativa privada. ♦ Analisar relatórios e estatísticas relativas à evolução dos diferentes setores da economia do país com o propósito de integrá-los na formação da produção nacional; ♦ Estudar e preparar anteprojetos de leis, decretos ou atos administrativos julgados necessários à consecução dos objetivos supramencionados;
  • 28. 43 ♦ Acompanhar e assistir a implementação, pelos Ministérios e Bancos Oficiais competentes, de medidas e providências concretas cuja adoção houvesse recomendado (REGO et al. apud BARBOSA, 2002, p. 23). Juscelino Kubitschek foi um grande entusiasta da industrialização e da substituição de importações. Em seu governo ele estimulou a produção de máquinas, equipamentos (bens de capital), insumos, transporte ferroviário, construção civil, fertilizantes e mecanização do campo. A política do plano dava tratamento preferencial ao capital estrangeiro, financiava os gastos públicos e privados através da expansão dos meios de pagamento e do crédito via empréstimos do BNDE, bem como por meio de avais para tomada de empréstimos no exterior. Aumentava a participação do Estado na formação de capital, estimulando a acumulação privada (REGO et al. apud BARBOSA, 2002, p. 24). Importante notar o quanto Juscelino priorizava a inserção e predominância do capital estrangeiro na economia brasileira, em detrimento da política nacionalista getulista. No governo de JK, o capital estrangeiro penetrou agressivamente o território brasileiro por meio dos serviços de infraestrutura, em especial no setor de transportes. O ABC25 paulista ganhou relevância nessa época em virtude das instalações de pólos automotivos na região 26. Outro ponto importante fora a criação da SUDENE, a Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste. O crescimento industrial que ocorreu a partir do início do governo JK estava estruturado em um tripé formado pelas empresas estatais, pelo capital privado estrangeiro, e como sócio menor, o capital privado nacional. As empresas multinacionais passaram a dominar amplamente a produção industrial brasileira, especialmente os setores mais dinâmicos da indústria de transformação. A criação das empresas multinacionais foi conseqüência direta das características da industrialização no capitalismo monopolista. Dada as escalas de produção e intensidade de capital necessária, foi inevitável a supremacia do capital externo, dominando amplamente os setores industriais mais dinâmicos de nossa economia (REGO et al. apud BARBOSA, 2002, p. 24). É na década de 1950, precisamente no ano de 1952, que o Governo brasileiro assumiu o controle definitivo do sistema operacional da Vale. Barbosa (2002, p. 24) destaca que: Nesta década, a CVRD efetuou obras de infra-estrutura alcançando ganho de produtividade e eficiência operacional. Dentro de uma conjuntura favorável ocasionada pela guerra da Coréia, que impossibilitava a substituição de seu minério, a Vale implementou uma agressiva política de aumento de preços, o que permitiu solucionar seu problema de ordem financeira. Tendo a empresa superado grande 25 Conurbação composta pelos municípios Santo André, São Bernardo e São Caetano. 26 Concordamos aqui com o conceito de região proposto por Francisco de Oliveira (1981) fundamentado na especificidade da reprodução do capital.
  • 29. 44 parte dos problemas iniciais, ocorre sua consolidação empresarial, além de seu completo controle operacional pelo governo brasileiro em 1952 (os grifos são meus). Em 1953, ocorreu o primeiro embarque de minério de ferro para o Japão e a Vale utilizou, pela primeira vez, um navio brasileiro, o Siderúrgica Nove, no carregamento de minério para os Estados Unidos. No ano de 1954, a referida empresa reviu suas práticas comerciais no exterior e passou a fazer contatos diretos com as siderúrgicas, sem a intermediação dos traders. Já em 1955, a Vale contratou o serviço da Companhia Boa Vista de Seguros, que prestou assistência médico-cirúrgica, hospitalar, odontológica e especializada a acidentados. Um ano depois, 1956, a Vale comprou a Reserva Florestal de Linhares27, do Governo do Espírito Santo, com área de 23 mil hectares. Data do ano de 1959, a inauguração do Cais do Paul, no Porto de Vitória, iniciativa da Vale e do Governo do Espírito Santo. Por fim, em 1960, houve a criação da Companhia Siderúrgica Vatu, primeira subsidiária da Vale para o beneficiamento de minérios, fabricação e comercialização de ferro-esponja. 5.3 Década de 1960: atribulações políticas, os planos econômicos militares e a descoberta de Carajás A década de 1960 é de fundamental importância para a compreensão da organização da exploração mineral da Vale em Carajás. Isso porque é esta década que marcou o início da prospecção de minérios na Amazônia. 27 Alinhada à política de recuperação de áreas degradadas, a Vale realiza pesquisas e investe em tecnologia ambiental na Reserva Natural Vale, em Linhares (ES), onde há intensivo programa de produção de mudas destinadas à restauração ecossistêmica e à formação de florestas de uso múltiplo. Em 2006, a colheita bruta de sementes foi de aproximadamente 12 toneladas, que resultaram em cerca de quatro milhões de mudas de 422 espécies da Mata Atlântica. Desde a criação da reserva, foram identificadas 60 novas espécies botânicas em seus 22 mil hectares, uma das últimas áreas protegidas de Mata Atlântica de Tabuleiro no Brasil. O território da Reserva de Linhares é contíguo ao da Reserva Biológica de Sooterama, administrada pelo Ibama, que delegou a proteção à Vale há cinco anos. Juntas, representam 48 mil hectares ou 75% da floresta natural do Espírito Santo. O leitor desinformado poderia realmente pensar que a CVRD protege o meio ambiente caso desconhecesse a transferência para o referido Estado da empresa chinesa Baosteel, a maior siderúrgica da China, no dia 27 de agosto de 2009. A Vale relançou com pompa e circunstância o projeto de instalação de uma usina siderúrgica em Ubu, distrito industrial de Anchieta, município do Espírito Santo. ―A associação de pescadores de Ubu e Parati, tendo grande parte de seus membros filiados à colônia de pescadores, foi criada para enfrentar os problemas advindos da deterioração do meio ambiente provocada inicialmente pela Indústria de Mineração Samarco S.A., localizada em seu território. [...] Hoje a sua luta tem como objeto os efeitos provocados pelas dragagens em sua costa, pelas obras de instalação da Petrobrás na região, e pelas sondagens feitas pela VALE para instalação de um mega porto, ocupando com máquinas e instrumentos de sondagem sua área de pesca e fazendo desaparecer os peixes, não apenas pelo deslocamento de grandes quantidades de areias (formando bancos em locais onde viviam os cardumes), como também pela contaminação das águas do mar (areias com resíduos industriais). Ou seja, o processo de degradação ambiental, provocado pela indústria Samarco, com a contaminação do ar e das águas, vem sendo agravado pelas obras de construção das instalações da Petrobrás na localidade e das sondagens da VALE‖ (RAUTA RAMOS et al., 2009, p. 96).