Peça teatral dirigida ao público adolescente, aborda os dilemas amorosos, a amizade, a relação entre irmãos, bem como a influência dos meios de comunicação de massa. Embora tenha sido publicada no final dos anos 1990, permanece em diálogo com a juventude atual e pode receber adequações temáticas.
Caso queira encená-la, basta comunicar-se com a autora pelas redes sociais. O texto está disponível gratuitamente.
1. O QUE OS MENINOS PENSAM DELAS?
Adélia Nicolete
Personagens:
CAROL - adolescente, moradora do apartamento
ANA PAULA - sua melhor amiga
PACO - irmão de Ana Paula
ALEXANDRE - o rapaz
A ação de passa na sala de um apartamento. O pôster de algum astro de música
pop decora a parede. As meninas fazem reverência a ele de vez em quando.
Sábado à tarde. Televisão, revistas espalhadas por todo o ambiente. Refrigerantes,
salgadinhos, etc. A cena começa com Carol e Ana Paula acompanhando um clipe internacional
de rock na TV, lendo a letra da música em uma revista. As duas cantam, dançam. De repente,
Ana Paula emburra e desliga a TV.
CAROL
Êh, animal! Dá aqui esse controle remoto! O que foi agora, Ana Paula?
ANA PAULA
Não se faça de desentendida!
CAROL
Eu tava desafinando tanto assim?...
ANA PAULA
Não, Carol! É que eu tô aqui toda amiguinha sua e me lembrei que eu devia estar uma fera com
você!
CAROL (liga novamente a TV, mais baixo)
Fera comigo?! Tá louca? O que que eu fiz?
ANA PAULA
Eu vou embora! (começa a juntar algumas revistas)
2. 2
CAROL
Como vai embora? Sua mãe viajou! Vai ter que me agüentar o fim de semana in-tei-ri-nho! E eu
vou conversar até de madrugada, você não vai conseguir dormir!!! (gargalhada macabra)
Porque eu tenho insônia!!!!
ANA PAULA
E a noite tá só começando...
CAROL (Terrorista)
Eu tenho insônia!
ANA PAULA
Pára! Que terrorismo! (procura algo nas revistas) Insônia, insônia... Eu tenho a solução. Cadê?
T’aqui: “um copo de leite morno antes de dormir pode ajudar”. Pronto. Você mama e dorme.
CAROL
Não adianta copo de leite morno. É mal de família. Só dormimos depois das três.
ANA PAULA
Se ao menos usasse esse tempo pra estudar, garanto que tirava notas melhores.
CAROL
Começou a humilhação. A vingança da CDF! Se eu não fosse sua amiga, Ana Paula, juro que ia
ser sua pior inimiga!
ANA PAULA
Amiga! Que amiga?... Contar pro Toninho que eu tava a fim dele!?
CAROL
Ah! É por isso que você tá tão fula da vida?
ANA PAULA
Contou ou não contou?
CAROL
Contei, e daí? Você não tão tava mesmo a fim do cara?
ANA PAULA
Tava! Mas era segredo, entre mim e você! Cadê? (procura nas revistas) Ah! Essas revistas são a
minha salvação! Achei! (beija a revista) Tem aqui uma coisa básica sobre paquera, escuta só:
“Quando o menino sabe que a menina tá a fim, a tendência é a relação esfriar”. E foi o que
aconteceu! O Toninho começou a me evitar!!!
CAROL
Ai, Ana Paula! Só quis ajudar, pôxa... O cara também não se decidia! Uma hora dava bola,
outra hora, não... Cara indeciso... (vai pegar a pipoca)
3. 3
ANA PAULA
Eu detesto isso, detesto! Deixa que eu resolvo as minhas coisas do meu jeito!
CAROL (Carol dá de ombros, come pipoca)
Só quis ajudar...
ANA PAULA
Dispenso a sua ajuda! Sempre que eu dou ouvidos pros seus planos eu me ferro. Sempre! Eu
não me abro mais com você, Carol! Nunca mais!
CAROL (se desculpando)
Puxa vida, Aninha, também não é pra tanto...
ANA PAULA
Cadê? (procura nas revistas) Onde tá? “Quando uma amiga rompe um segredo, isso, muitas
vezes, significa que poderá romper muitos outros. Cuidado!”
CAROL
Ah, é? Então vem cá. (procura também) Tá naquela que tem o Léo di Caprio... (encontra, lê)
Escuta essa: “Amigas também erram. Se houve sinceridade por tanto tempo, por que não
perdoar um errinho de nada? Relaxe!” (mostra pra Ana) Tá vendo? (oferece pipoca e abraço)
Ana Paula aceita o abraço. Fazem gestos de reconciliação com as mãos.
ANA PAULA
Eu não devia! Não vai demorar muito pra você aprontar outra das suas! É do seu caráter...
CAROL
Enquanto isso...
AS DUAS
Anestesia!
As duas correm se prostram em frente à TV por um tempo, comem pipoca.
ANA PAULA
Ai, amiga, tô me sentindo tão pra baixo...
CAROL
Por causa do Toninho? (Ana Paula confirma) Não acredito!
ANA PAULA
Por que não?
CAROL
Não pego bem com ele...
ANA PAULA
Lá vem ela...
4. 4
CAROL
Sei lá... Parece meio devagar, daqueles caras que demoram uma semana pra pegar na mão, um
mês pra pôr a mão no ombro, um ano pra dar um beijinho!
ANA PAULA
Exagerada!!!
CAROL
Exagerada é a cara de sonso que ele tem!
ANA PAULA
Às vezes o cara pode ter jeito de sonso mas ser bem espertinho.
CAROL
Prefiro os que são espertinhos logo de cara. (Conforme fala vai se empolgando, esquentando)
Aquela linha barba mal feita, camisa desabotoada, meio caída assim no ombro, linha “num tô
nem aí”, sabe? (Ana Paula mexe a cabeça negativamente enquanto come pipoca) É claro que
tem hora que ele tem de ser vaidoso e tal, mas eu adoro um relaxo. Dou a vida por uma calça
meio larga, sem cinto! Camisa básica! Ai, ai, tá me dando um troço. Emergência! Emergência!
ANA PAULA
Um antídoto! Algum canhão! (procura à volta, nas revistas, não encontra) Mas nessas revistas
só tem homem bonito?!
CAROL
Depressa, um Godzila. Rápido!
Ana Paula lembra e pega depressa uma foto em sua bolsa. Mostra pra Carol que se assusta.
CAROL
Ai! Que horrível!
ANA PAULA
É o meu irmão.
CAROL
Eu sei que é o seu irmão. Mas por que você anda com a foto daquele alienado na bolsa?
ANA PAULA
Pra ocasiões como essa...
CAROL
É. Deu certo. Agora esconde isso. Até por foto ele consegue ser desagradável...
Ana Paula olha para a foto, se assusta, guarda novamente. Carol folheia uma revista.
CAROL (lê)
“O que os meninos pensam delas?”
5. 5
ANA PAULA (distraída)
Ahn?
CAROL
Aqui na revista. Uma matéria: “o que os meninos pensam delas?”
ANA PAULA
Delas quem?
CAROL (Impaciente)
Das meninas! De nós, Ana Paula!
ANA PAULA (Imitando)
Entendi, Cíntia Carolina!
CAROL
Já falei pra não me chamar assim. Parece “sim, tia Carolina”, “não, tia Carolina”. (pausa. Lê
sozinha, fazendo desfeita)
ANA PAULA (arrancando a revista dela)
Ai, dá aqui essa revista, é minha, eu leio!
CAROL
Êh Primeiro desliga a TV, agora arranca a revista...! Depois a grossa sou eu! (levantando)Vou
pegar guaraná, quer?
ANA PAULA (encontrando numa revista)
Não. Olha só: refrigerante tá aqui na lista da celulite. Só quero se for light.
CAROL (imita)
”Só quero se for light”. Se entupiu de hamburguer e pipoca e agora quer guaraná light! Se liga,
Ana Paula! (traz o guaraná e serve) Se quer toma, se não quer não toma, que isso aqui não é
restaurante, tá legal?
ANA PAULA
Ai, vamo elevar o nível do papo, vamo? (pegando a revista, lê) Vamos ver o que os meninos
pensam da gente. É sempre bom saber. Aqui. Carlito, 13 anos, estudante: “Acho as meninas
muito indecisas. Uma hora falam uma coisa, outra hora, outra”.
CAROL
Imaturo. Treze anos 13 anos e já vem querendo falar sobre as mulheres!?
ANA PAULA
Li numa revista que homem demora mais pra amadurecer.
6. 6
CAROL
Demora, mas quando amadurece! Ai, que eu morro! Eu adoro homem maduro, Aninha! (Pega
a revista e continua a leitura, comendo pipoca) Júnior, 17 anos, modelo. Já reparou que quase
todos dizem que são modelos?
ANA PAULA
Lê aí!
CAROL
“Minhas melhores amigas são meninas, acho mais fácil me abrir com elas: são mais
compreensivas que os homens, não ficam querendo competir com você.”
ANA PAULA
Isso que ele falou é real... Com eles eu me sinto mesmo compreensiva, meio mãezona, sei lá.
CAROL
Ih, entra nessa, não! Homem não quer mãe pra namorar! Cadê? (procura revista, encontra, lê)
Aqui: “cuidado com esse seu jeitinho maternal. Pode ser gostoso até certo ponto. Passou disso,
ele começa a te encarar como a própria mãe, e aí o romance... bau bau.”
ANA PAULA (Toma, distraidamente, o guaraná)
Você acha isso?
CAROL
Acho! Não quero ser maternal, quero ser primal.
ANA PAULA
Hein?
CAROL
Primal! Um jeito de prima! Pode ver: todo mundo já teve ou vai ter alguma coisa com um
primo ou uma prima. Tô errada? Ai, eu adoro primo! Primo e professor!
ANA PAULA (vai enumerando nos dedos enquanto fala)
Aliás, você adora primo, professor, dentista, mecânico, bombeiro, motorista, jogador de
basquete, que mais?
CAROL
Adoro mesmo! O que vier eu traço! Não fico escondida atrás dos óculos que nem você!
ANA PAULA
Carol!
CAROL
É isso mesmo! Fica aí toda cheia de ti-ti-ti. A vida passa, garota!
ANA PAULA
Carol!!
7. 7
CAROL
Jamais seria como você! Eu sou assim, rebelde, revolucionária e louca!
ANA PAULA
Carol!!!
CAROL
Nem sequer transou ainda!!!
ANA PAULA
Você também não!!!!
As duas se entreolham. Silêncio. Abrem um berreiro farsesco.
AS DUAS
Invictas!
ANA PAULA
Imaculadas.
CAROL
As intocáveis! (desesperada)Ah, intocável, não! Eu não quero ser intocável, Ana Paula!!!
ANA PAULA (encontra e lê)
Calma! “Tudo tem sua hora e seu lugar. Não adianta ficar ansiosa, você vai saber o momento
certo”.
CAROL (constatando, trágica)
Eu estou ficando velha...
As duas riem do exagero. Comem pipoca. Ana Paula bebe guaraná.
CAROL (grita)
Te peguei, sua ridícula! Aí! Tá bebendo guaraná! Agora não vai beber, dá aqui!
ANA PAULA
Não dou! Fui eu que trouxe, tá legal? (As duas csossegam. Ana propõe, animada)Vamos ver a
novela mexicana?
CAROL (Mede a febre de Ana)
Tá delirando? Vamos saber o que os meninos pensam da gente. Quem é esse aí?
ANA PAULA
É aquele da propaganda de cueca. Tem tatuagem, não falei, ó. Sérgio, 18 anos, ator. Vamos ver:
“Detesto quando elas vêm querendo saber o meu signo, analisando se combina com o delas,
essas coisas. Acho a maior falta de imaginação”.
CAROL
Esse deve ser de escorpião. Escorpião se acha superior, o melhor de todos. Problemático!!!
8. 8
ANA PAULA
O Paco é de escorpião.
CAROL
Num falei? O seu irmão é ou não é bicho-ruim?
ANA PAULA
Todo irmão é bicho-ruim, Carol, não tem nada a ver com signo.
CAROL
Mas o Paco é um monstro.
ANA PAULA
Ué, você não disse que gosta de cara todo desarrumadão, folgadão?
CAROL
Mas o Paco abusa do direito de ser folgado! O seu irmão é aquele cara perfeito pra se detestar.
Ah, chega, vamo parar de falar nele! Continua a ler o bagulho aí, vai.
ANA PAULA
Oi, onde eu parei... deixa ver... Aqui: Luís Alberto, 21 anos, promoter: “As mulheres são
heroínas. Elas não precisam provar sua força, que vem da própria natureza, do simples fato de
serem mulheres.”
CAROL
Taí, gostei! Que que ele faz mesmo?
ANA PAULA
É promoter.
CAROL
Eta profissãozinha boa! Promover festas. Deve ser o máximo! Organizar uma festa como a de
sábado, hein, Aninha? Uma daquelas por mês e eu juro que ficava conhecendo todos os
meninos do cursinho.
ANA PAULA
Eu ainda estou nas nuvens...
CAROL
E eu? Nunca fiquei numa festa até o fim, sempre achava um saco, foi a primeira vez. Tava
perfeito: a música, a comida, o lugar...
ANA PAULA
Aquele jardim... Tinha até fonte!
CAROL
Que fonte? O máximo que eu conheci foram umas árvores atrás da piscina...
9. 9
ANA PAULA
Tinha uma fonte meio escondida, do lado das quadras.
CAROL
Como você descobriu?
ANA PAULA
Eu fui lá, ué! Com um carinha que eu conheci... Por que essa cara de espanto? Achou que eu ia
ficar a noite toda sentada pagando mico?
CAROL
Não tô falando nada!
ANA PAULA
Fui na fonte, bebi água, conversei...
CAROL
Deram pelo menos um beijo?
ANA PAULA
Não, Carol. Era um cara super legal, que não ficou forçando a barra. Detesto esses meninos que
já vêm logo se encostando, fungando no pescoço. Nós só conversamos, e foi o máximo.
CAROL
Pra quem gosta... Pois eu, fui depressinha pra trás das árvores e crau, não pensei duas vezes.
ANA PAULA
É bem seu isso.
CAROL
Claro! O menino tava ali, lindo maravilhoso, dando a maior bola, vou ficar conversando?
ANA PAULA
É por isso que eles não respeitam mais a gente, porque tem menina que nem você que já vai se
esfregando de primeira! (lendo matéria) “A mulher tem que se fazer respeitar!”
CAROL (lendo também)
“A vida é curta, então, curta a vida”. Foi ótimo! Me deu o telefone e tudo. Depois foi cada um
pro seu canto, numa boa.
ANA PAULA
Não ficaram a noite inteira?
CAROL
Não. Eu tava de olho nele desde o começo, mas ele dava umas sumidas. Ficamos juntos depois
das duas. E você com o seu pensador?
10. 10
ANA PAULA
Tava na sala e a Patrícia veio pro meu lado querendo conversar. Saí de mansinho porque a
Patrícia não tem controle, ela fala até não poder mais. Daí eu fui andar sozinha pelo jardim e
chegou esse cara e a gente começou a conversar, fomos até a fonte... eram umas onze e pouco...
CAROL
Bonito, pelo menos? Porque você arranja cada bagulho...
ANA PAULA
Lindo. Inteligente, charmoso, cheiroso. Ai, Carol, não consigo tirar ele da minha cabeça.
CAROL
Pegou o telefone? A gente podia fazer um encontro aqui... a quatro...
ANA PAULA
Não peguei o telefone. Só sei o primeiro nome e que é bicho de Ciências Sociais.
CAROL
Cabeção. Deve ser um chato. O meu eu não sei o que faz, não perguntei.
ANA PAULA
Entre um amasso e outro pegou o nome, pelo menos?
CAROL
Nome de imperador, de homem forte!
ANA PAULA
Herodes? Nero?
CAROL
Babaca.
ANA PAULA
Napoleão?
CAROL
Não, ridícula, Alexandre.
ANA PAULA
Não! É o mesmo nome do meu!
CAROL
Não brinca? Dois Alexandres, os maravilhos, na mesma festa?
ANA PAULA
E tão diferentes um do outro! Você tá gostando dele, Carol?
11. 11
CAROL
Acho que sim. Ele é do jeitinho que eu gosto: (sonhando) alto, moreno, magro, faz musculação.
E tava de preto!
ANA PAULA (sonhando)
Cabelo curtíssimo, máquina 2 ou 3.
CAROL
Ombros largos...
ANA PAULA
Tinha uma pulseira de couro no pulso esquerdo. Não usava relógio.
As duas se olham
AS DUAS
Usava perfume da Calvin Klein... (pausa) Meu Deus! É o mesmo cara!
ANA PAULA
Tava de botas? (Carol confirma) Quando ria fazia covinha na bochecha? (Carol confirma)
CAROL
Ai... Dizia coisas enquanto beijava, quando abraçava passava as mãos pelas minhas costas, e
apertava a minha cintura... do jeito que eu gosto...
ANA PAULA (cai sentada no sofá)
É o fim... (pausa. Procura uma revista desesperadamente) Eu preciso achar. Eu preciso achar.
CAROL
O que?
ANA PAULA
“Quando duas amigas se apaixonam pelo mesmo cara”.
CAROL
Elas se estapeiam até morrer.
ANA PAULA (encontrando)
Aqui. “Se uma das amigas não está muito interessada no menino” (se entreolham)
CAROL
Eu não desisto!
ANA PAULA
“... o melhor a fazer é observar as atitudes dele e perceber qual das duas ele prefere”.
(convicta) Prefere a mim. Disse que há muito tempo não conversava tão gostoso!
CAROL
E me disse que nunca beijou tão gostoso!
12. 12
ANA PAULA
O único que pode decidir é ele.
CAROL
Então eu tenho a solução! (Pega o telefone e mostra)
ANA PAULA
Você não vai fazer o que eu tô pensando!
CAROL
Já tô fazendo. (Disca) Vamos resolver isso rapidinho. Chamando. Um toque, dois toques... Alô,
por favor, o Alexandre? Obrigada. (imita) “Um momento que eu vou chamar”.
ANA PAULA
Desliga isso, Carol!
CAROL
Alô, Alê? É Carol, tudo bem? Carol, da festa da Mônica, de sábado.
Ana Paula tenta desligar o telefone, Carol a impede. Ana emburra.
CAROL
É, você me deu o telefone, lembra? Tudo bem... Sabe o que é? Eu tava pensando, você não pode
vir aqui em casa hoje? É. Não. Eu soube que você é bicho de Ciências Sociais, eu tenho que
fazer um trabalho sobre... (tenta imaginar algo) as minorias, é isso, se você pudesse me
ajudar... Certo... Tudo bem. Claro! (para Ana) Me ajuda! Ele quer saber que tipo de minorias.
ANA PAULA
Se vira.
CAROL
Hum... Minorias à beira de um ataque de nervos... é... minorias necessitadas... minorias
carentes! É isso. Eu preciso da sua ajuda. Então tá. É aquele prédio em cima da locadora. É.
Apartamento 83. Falou. Um beijo. (desliga)
ANA PAULA
Maluca, irresponsável!
CAROL
Ele vem. Só não pode ficar muito, tem compromisso à noite.
ANA PAULA
E eu vou embora. Que vergonha!
CAROL (empurrando-a até a porta)
Vai, sim. Fica mais fácil ele decidir. Por mim!
13. 13
ANA PAULA
Não! Eu não vou dar esse mole, não, sua bruxa!
CAROL (senta no sofá)
Agora é esperar.
As duas sentadas. Olham o relógio, ansiosas.
CAROL
Acho melhor você ir lá pra dentro, quando ele chegar, você aparece de surpresa.
ANA PAULA
Isso não vai dar certo. (lendo na revista) “Virginiana, aja com a ponderação característica do
seu signo. Não tome decisões precipitadas, não se meta em confusões.” Tá vendo?
CAROL (pegando a revista)
Essa revista é da semana passada! (joga a revista no chão)
ANA PAULA
Precisamos arrumar essa bagunça!
CAROL
Não! Faz parte da pesquisa. Qual é mesmo o tema?
ANA PAULA
Minorias.
CAROL
Ah, é. Minorias necessitadas (agarrando Ana Paula, que se esquiva) de abraços, beijinhos...
ANA PAULA
Sai pra lá!
CAROL
Ana Paula, olha pra mim. (encontra e lê) “Um amor pode ser passageiro, mas a verdadeira
amizade, essa pode durar uma vida.” Promete que não fica triste se ele me escolher?
ANA PAULA
Não prometo nada. E não vou lá pra dentro coisa nenhuma. Liga pra ele e desmarca, ainda dá
tempo. Coitado. Não quero nem ver a cara dele...
CAROL
É por isso que deve ir lá pra dentro, vai.
ANA PAULA
Não. Vou ficar bem aqui!
Tocam a campainha.
14. 14
CAROL
É ele! O deus grego chegou. Vai lá pro quarto, quando eu der o sinal você vem.
ANA PAULA
Não!
CAROL
Entra! (campainha) Vai, Ana Paula, pode favor, confia em mim.
Ana Paula entra, inconformada. Carol vai atender a porta. Entra um rapaz completamente
maloqueiro, com algumas Playboys debaixo do braço, Carol o observa, catatônica.
PACO
E aí, galera? Tudo belê? (pára no meio da cena, observa o ambiente. Carol não responde. Ele
aperta as bochechas dela, tentando ver sua língua) Cadê a sua língua? Algum gato comeu? (ri,
malicioso. Ela continua perplexa) Tudo bem, não quer falar não fala, mas me arruma alguma
coisa pra comer que eu vim a pé e tô com uma fome lascada. (Faz um gesto obsceno para o
pôster.) Teu pai deixa colocar foto de boiola na sala? (Vai se acomodando no sofá, coloca as
revistas na mesinha, toma posse do controle remoto) Vamos, comida! (Ana Paula coloca a
cabeça pra fora do esconderijo, vê primeiro Carol atônita, olha para o sofá, reconhece o
sujeito, pára em posição simétrica à amiga e fica paralisada também. Paco percebe o silêncio,
olha para trás e esbraveja) E aí, Ana Paula, não vem dar um abraço no irmãozinho querido?
ANA PAULA (entre ódio e surpresa)
Paulo Francisco!!!
AS DUAS (arranhando o próprio rosto)
O que você tá fazendo aqui, Paco???! (atacam o rapaz, ele se defende como pode)
PACO
Nossa, que mêda! Pára, ai. Pára!
ANA PAULA
Vai, diz que é um pesadelo, por favor! O que esse trambolho do meu irmão tá fazendo aqui?
PACO
Mami viajando e você nem pra deixar um rango pra mim, né, sua vagal? Daí eu pensei: vou até
a Carol, que tem um depósito de comida em casa, me abasteço, e tal. (Acende um cigarro)
CAROL (Arrancando o cigarro dele)
Pode parar com essa folga aí! Minha mãe tem faro de perdigueiro, vai pensar que fui eu que
fumei! (Paco vai comendo o que tem na mesinha)
PACO
Comida! Comida!
ANA PAULA (procura algo nas revistas)
Paco, você não ia andar de skate com o Tubarão hoje?
15. 15
PACO
O que você tá procurando nessa revistinha babaca?
ANA PAULA
“Como se livrar de um irmão numa corrida contra o tempo”. (desiste de procurar)
PACO
Desista. Comida! Touro sentado quer comida!
CAROL (enchendo a mão dele de coisas para comer e o empurrando para fora)
Toma, toma tudo isso. Provisão pra uma semana. Mas vai comer na sua casa!
PACO
Índio não entende...
CAROL
Ai, que stress! (a Ana Paula) Fala aí com o seu irmão, que baixou o touro sentado nele... Eu tô
saindo fora!
ANA PAULA
Índio pega alimento e vai pra oca. (empurrando-o para a porta) Vai pra oca. Xô, xô.
PACO
Tá brincando? (observa-as, volta a sentar) Agora é que eu não saio. Vocês tão aflitas demais
pra eu ir embora. Aqui tem coisa... (começa a comer. Ana Paula começa a chorar de nervoso)
ANA PAULA
Eu sei que são os hormônios, Paco, que você não consegue controlar, mas eu não aguento!
(desesperada) Me dá uma folga, pelo amor de Deus! Que carma! Que carma!
PACO
Nossa, Ana P. Que exagero! Vim comer, só isso. E dar uma olhada nessas revistas que eu
emprestei, e depois dormir um pouco, que é que tem?
CAROL
Então vai dormir, depois fica vendo as revistas lá no quarto e, por último, vem comer, que tal?
Lá pelas três da manhã.
PACO
Primeiro eu como, depois eu relaxo, depois é que eu durmo. Eu tenho um método, Carol.
(mostra a bagunça da sala) Diferente de vocês, que gostam de desordem. Agora traz mais
comida, vai. (Meninas levam comida) O guaraná é light? Porque eu só tomo se for light.
CAROL
Mais um da família light.
ANA PAULA
Meleca. (chama Carol, prepara outra bandeja. Cochicham) Tive uma idéia! Capricha aí. Leite,
põe leite. Isso. Agora essa aveia, deixa ficar bem pastoso.
16. 16
CAROL (nojo)
Ai... O que você vai fazer? Não vai colocar nada na comida, né? Por favor! Assassinato na
minha casa, não!
ANA PAULA
Não é nada disso. Eu conheço o meu irmão. O próprio organismo dele vai interceder em nosso
favor. Você vai ver. (leva bandeja até Paco) Pronto, Paquito. Tem pão de mel e doce de leite,
ervilha, patê de sardinha e cebola.
PACO
Ô, valeu! Assim que eu gosto. Doeu, por acaso? Querem um teco?
Elas recusam, ficam paradas observando. Ele devora a comida enquanto assiste TV. Ana Paula
cronometra reações do irmão, como em contagem regressiva. Carol acompanha mas também
está preocupada com a porta. A certa altura, Ana conta com os dedos 4, 3, 2, 1, e faz sinal com
a mão. Mas Paco não esboça nenhuma reação. As duas se olham, Ana Paula não entende, até
que Paco começa a sentir fortes dores na barriga e se contorce, dramático, fazendo cena.
PACO
Ai... Ai!
CAROL (assustada)
O que foi, Paco? O que tá acontecendo? (o examina)
PACO
As dores.
CAROL
Que dores? Onde? Ai, meu Deus!
PACO
Estão cada vez mais intensas. (olha o relógio) Em tempos regulares...
CAROL
O que você fez, Ana Paula? (Ana Paula nem reage, apenas pede para Carol esperar) Onde dói,
Paquito?
PACO
Ai! Aqui! Põe a mão. As contrações. Vai nascer! Respiração cachorrinho... Onde é a sala de
parto? (Ana Paula aponta o interior do apartamento) Ai, rezem por mim... (vai entrando) Ana
Paula vai ser titia! (já fora) Vou ser mãe! Vou ser mãe!
CAROL
Que nojento! Todo esse barulho só pra ir...
ANA PAULA
Necessidade fisiológica. Meu irmão vive em função de quatro necessidades principais: dormir,
comer, ir ao banheiro e ler Playboy. Sempre nessa ordem, e em grande quantidade.
17. 17
CAROL
Bem, ele tá no banheiro... parindo. E agora?
ANA PAULA
Temos um bom tempo até os bebês nascerem.
CAROL
Os planos continuam os mesmos, hein? Você entra, se esconde e espera o meu sinal.
(campainha) Ai, agora é ele! Entra, entra!
ANA PAULA
Não!
Carol a arrasta pra dentro. Campainha. Carol abre a porta e se deslumbra.
ALEXANDRE (usa um estilo esportivo)
Ôpa! E aí? (pausa atônita de Carol, Alexandre estranha) Tudo bem? Bati em porta errada?
CAROL (“acordando”)
Não! É aqui mesmo, entra! Não repara na bagunça... (inspira seu perfume quando ele passa.
Ana Paula observa, Carol faz sinal pra ela se esconder) ... é a pesquisa...
ALEXANDRE
Desculpa a demora, é que eu tava terminando de lavar o carro. Sabe como é, final de semana...
(vai até a janela. Ana Paula observa, Carol faz sinal pra ela se esconder) Olha, eu moro perto
daquelas árvores lá, ó. Legal a vista daqui...
CAROL
Do meu quarto é ainda melhor... (Ana Paula pigarreia alto)
ALEXANDRE
O que foi isso? Você não tá sozinha?
CAROL
Ahã. Deve ser a gata... a gata está... com gripe... (Ana Paula fica furiosa) Meus pais foram pra
Manaus. Eu fiquei... a pesquisa.
ALEXANDRE
Ah, desculpa. Você me pediu ajuda e eu fico enrolando. Desculpa. (sentando no sofá,
manuseando algumas revistas) Vamos ver. Sobre o que é mesmo a pesquisa?
CAROL
Minorias.
ALEXANDRE
Minorias... E você tá pesquisando nessas revistas? (Ana Paula faz sinal que não. Carol
confirma, orgulhosa) Não sei, não, mas acho que você não vai encontrar nada aqui,
Claudinha...
18. 18
CAROL
Carol.
ALEXANDRE
O que?
CAROL
Eu sou a Carol.
ALEXANDRE
Carol. O que eu falei? Carol. Então, Carol, você tem que procurar em jornais, em livros. (Ana
Paula faz gestos, querendo ser chamada. Carol finge não ver)
CAROL (sempre se insinuando)
Jura? E agora? Não tenho livro, não. Quer dizer, emprestei pra todas as minhas amigas.
ALEXANDRE
Sabe, naquela festa, eu nem podia imaginar que você curtisse tanto estudar.
CAROL (sensual)
Ih, eu? Você nem imagina quanto!
ANA PAULA (entrando. Enquanto ela fala, Alexandre se espanta, levanta e a encara)
É, Alexandre. Você nem imagina o quanto ela odeia ler, o quanto ela escreve mal.
CAROL
Ana Paula!
ALEXANDRE
Acho que caí numa armadilha.
ANA PAULA
Não. Você ia cair numa armadilha se acreditasse que essa aí já leu um livro inteiro na vida.
CAROL
Ana Paula!
ANA PAULA (se insinuando, mas menos que Carol)
Oi, Alexandre, lembra de mim? (estende a mão. Ele a cumprimenta., meio atordoado) A festa, a
fonte, a conversa inesquecível.
ALEXANDRE
Gente! Aquela festa rendeu mais do que eu podia imaginar! (cai sentado no sofá, as duas ao
lado. Grande pausa) Então, vocês duas são amigas?
AS DUAS
Quase irmãs.
19. 19
PACO (entra eufórico)
Nasceram, nasceram! São gêmeas. Vão se chamar Ana Paula e Cíntia Carolina! (todos se
olham, perplexos. Meninas envergonhadas. Paco e Alexandre se encaram) Xandão!!!!
ALEXANDRE
Grande Paco! (se cumprimentam com gestos codificados, se abraça) Grande Paco!!!
PACO
Xandão!
CAROL
Era só o que me faltava: Xandão e Grande Paco na minha sala, sábado à noite. Não. Isso não é
verdade.
ANA PAULA
Eu quero morrer... (as duas vão para o fundo da cena)
ALEXANDRE
Grande Paco, sempre o mesmo! O que você tá fazendo aqui, meu?
PACO
Sou irmão daquele abajur de óculos ali. E você, o que você tá fazendo aqui a essa hora?
ALEXANDRE
A Carol me convidou, pra ajudar numa pesquisa.
PACO (levantando)
A Carol? Pesquisa num sábado à noite? (gargalhada) Conta outra. Por que você tá aqui a essa
hora, com os pais dela viajando e com a minha irmã presente, cara?
ALEXANDRE
Tô falando sério! Elas tão fazendo uma pesquisa!
PACO
Pois agora você tá livre. Senta aqui, amigão. Vamo colocar a conversa em dia.
ANA PAULA
Quer largar de ser chato, Paco! Não percebe que tá sobrando? (se toca) Desculpa, viu,
Alexandre, mas é que esse cara me tira do eixo!
PACO
Você tem irmã, Xandão? (ele nega) Não??? Então acaba de ganhar uma! Zerinho e com todos os
opcionais de fábrica! (agarra Ana Paula e Carol e as empurra para Alexandre) E leva outra de
brinde!
ANA PAULA (elas se livram de Paco)
Imbecil!
20. 20
ALEXANDRE
Pega leve, Paco.
PACO (imitando)
Pega leve! Pega leve! (dando um tapa nas costas do amigo) Esse é o Xandão que eu conheço,
quietinho, quietinho, fatura alto com as meninas!
CAROL (para Ana Paula)
Esse papo interessantíssimo vai longe, amiga.
ANA PAULA (exausta)
Meu irmão me rouba todas as energias.
CAROL
E agora tá roubando o paquera também.
ANA PAULA
Olha lá, eles tão folheando as Playboys do Paco! Ai, que descaramento! Bem na nossa frente!
CAROL
Vamos ouvir! (atentam os ouvidos)
PACO (comentando sobre uma imagem da revista)
Deixa eu te mostrar isso aqui, Xandão! Você não vai acreditar! Olha que máquina!
ALEXANDRE
Ôpa! Isso é coisa do outro mundo!
PACO
Não é?
ALEXANDRE
Dois faroizões de milha, Paco! Acesões!
PACO
E olha que traseira!
ALEXANDRE
Eu dava tudo por uma traseira dessas!
PACO
A que o Tubarão tá agora é a cara dessa! Precisa ver o molejo... (continuam babando)
ANA PAULA (a Carol)
Olha o jeito que eles falam da gente! Falam de mulheres como se falassem de máquinas!
CAROL
Eu tenho nojo deles!
21. 21
ANA PAULA
Nessas horas eu me transformo, o Paco me conhece... (vai se exasperando)
ALEXANDRE
Deve ser macia que é um negócio...
PACO
Vira, deixa eu ver, assim.
ALEXANDRE
Mas eu ia querer uma zerinho, pra ela pegar o meu jeito! Nada de ter passado pela mão dos
outros!
PACO
Trocar o óleo todo dia...
ALEXANDRE
Se eu tivesse com uma dessa eu ia montar e nunca mais ia querer sair de cima.
ANA PAULA (histérica)
Chega! Chega! Isso é demais!
CAROL (excitada)
Basta!
ALEXANDRE
O que foi, gente?
CAROL
Seus machistas!
ANA PAULA (palanque)
Em pleno século 21, o homem conquista o universo, as mulheres se destacam cada dia mais em
todas as áreas do conhecimento e, em pleno sofá da sala, na minha frente, sou obrigada a ouvir
esse discurso retrógrado e preconceituoso! Somos seres humanos! Gente! A Idade Média
acabou há cinco séculos!!! (silêncio, ninguém entende o que está acontecendo. Pausa)
PACO
Liga não, Alexandre. TPM.
ALEXANDRE (para Paco)
Do que elas estão falando?
ANA PAULA
Do jeito que vocês falam de nós. “Traseiro, faróis, motor amaciado, montar e não sair mais de
cima!”
CAROL
Não deixa de ser... excitante... mas é absolutamente... (pede ajuda para Ana Paula)
22. 22
ANA PAULA
Aviltante.
CAROL (não entende)
O que?
ANA PAULA
Deixa pra lá.
PACO
Mas a gente tava falando dessa moto, suas antas!
AS DUAS
Uma moto?
CAROL
A gente pensou que era...
PACO
Mulher pelada, né? (levanta e vai até uma porção de porta-retratos) Um escândalo, né?
Escândalo é essa foto aqui!
CAROL
Larga isso, Paco.
PACO
Olha, Xandão! Isso é pornográfico! A Carol completamente pelada, numa pose dessas! (Ana
Paula ri, Carol fica furiosa)
CAROL
Eu tinha 8 meses, seu pervertido!
ALEXANDRE
Que lindinha!
PACO
O estatuto da criança e do adolescente devia proibir essas fotos! São... aviltantes!
Carol arranca a foto de Paco
CAROL
Dá aqui essa foto!
PACO
Ai, como as mulheres são emocionalmente desequilibradas.
ANA PAULA
Só porque elas nem percebem que você existe, Paco?
23. 23
Paco se levanta pra acertar a irmã. Alexandre o detém.
ALEXANDRE
Ôpa! Não exagera!
PACO
As meninas olham pra mim, sim! É tudo intriga dessa pamonha aí... (tenta acertar um sopapo
nela, Alexandre o controla)
ANA PAULA (Tem uma idéia)
Carol, vem aqui um minutinho... (só para a amiga) Acabo de ter uma idéia genial! (cochicha
algo para Carol. Para todos: )Bom, gente, vocês querem alguma coisa da padaria? Tô indo lá.
PACO
Padaria? O que é isso agora?
ANA PAULA
Vou comprar uma bomba. Pra explodir na sua barriga, Paco. Ai, que carma!
Ana Paula sai. Carol se insinua para Alexandre e ele não deixa de ficar interessado
CAROL
Quer comer alguma coisa, Alê?
ALEXANDRE
Não precisa se incomodar.
PACO
Eu quero!
CAROL
Vai pegar.
PACO
Vocês se conhecem de onde, hein?
ALEXANDRE (fala ao mesmo tempo que Carol)
De uma festa.
CAROL (fala ao mesmo tempo que Alexandre)
Da escola. (corrige) De uma festa na escola.
ALEXANDRE
É. Festa beneficente.
CAROL
É mesmo. Aquela festa fez um bem enorme...
24. 24
PACO
Você conheceu minha irmã lá também? (Alexandre confirma) Olha lá, hein, jacaré? Essa daí é
solta no mundo, mas a minha irmã tem quem tome conta dela, viu? Tô de olho em você!
Toca o telefone.
CAROL (se faz de sonsa)
Oh, o telefone! Quem será? Alô. Quem? Fala mais alto, meu! (aos meninos) Abaixa o som, que
tá ruim de ouvir aqui! (ao telefone) Fala. Tá aqui, sim. Quem quer falar? Quem? Só um minuto.
(para Paco) Paco, é pra você. Parece que o nome dela é Jéssica.
PACO (exultante)
Tá brincando? Jéssica? (descontrolado) O que será que ela quer? Como me descobriu aqui?
CAROL
Maravilhosa! Manda um beijo pra ela!
PACO (pega o telefone, nervoso)
Alô. E aí? Só. Sei. Não sei... Quando? Onde? Você mora aí? Sei... Pode ser... É. Falô. Como eu
faço pra chegar? Falô. Até. (desliga, arrogante) Tô chegando. Sinto muito mas vocês vão ter de
suportar a minha ausência.
CAROL (se fazendo de sonsa)
Por que?
PACO
A Jéssica, uma menina que eu paquero há séculos me descobriu aqui. Uma festa na casa dela. E
eu não posso perder essa chance!
CAROL
Espera a Ana Paula, vocês vão juntos.
PACO
Tá brincando? Levar mala comigo? Agüenta ela você. Bom, a mina mora em Capão Redondo
(se arrepia) Êta nome tenebroso. Vamo nessa, Xandão? Boca livre.
ALEXANDRE
Não posso. Daqui a pouco tenho um compromisso.
PACO
Bom, então a gente se cruza por aí.
Se despedem. Paco de saída, cruza com a irmã
ANA PAULA
Aonde vai? O banheiro é lá.
25. 25
PACO
Não vou ao banheiro nem vou pra casa. Vou atrás de melhores companhias. (pega o que a irmã
trouxe e sai)
ANA PAULA
Já vai tarde! (pra Carol) Ele mordeu a isca?
CAROL
Caiu direitinho.
ANA PAULA (pisca pra Carol)
E Capão Redondo é bem longe, não é?
ALEXANDRE
Ei, o que vocês estão aprontando?
ANA PAULA
Nada, não, Alexandre. (senta ao lado de Alê, provoca Carol) E aí, o que os dois danadinhos
fizeram na minha ausência?
CAROL
Pode apostar que não ficamos batendo papo...
ANA PAULA
Por que? Você grudou no pescoço dele e não deixou ele falar?
ALEXANDRE
Meninas!
ANA PAULA
Desculpa. Tudo em paz. Você quer tomar alguma coisa?
ALEXANDRE
Bem, o que vocês têm aí?
Imediatamente, as duas se levantam e vão pegar alguma coisa, bebida, comida, etc. No
decorrer da cena, com diálogos improvisados e superpostos pelo som da TV, os três conversam,
riem. Às vezes elas consultam alguma revista, disfarçadamente. Ele é igualmente simpático
com as duas que ficam “babando” por ele e competindo entre si. Lapso de tempo.
CAROL (como que continuando um papo)
Não! Eu tenho uma ótima! Palavras preferidas. Eu começo! (pensa. Insinuante, diz:)
Metalinguagem - eu adoro essa palavra. Acho tão... insinuante... (se insinua para Alê, que ri)
Você gosta de metalinguagem? Hein? De que palavra você gosta?
ALEXANDRE
Não sei, nunca pensei... (olha em volta) Acho que gosto de alfajor.
26. 26
CAROL
Eu também... De chocolate branco.
ALEXANDRE
Não! Da palavra alfajor.
CAROL
Ah! (Posando de linguista) Deve ser latim: alfa – jor...
ANA PAULA (Mais relaxada)
Alfa é grego, Carol. Parece árabe: Salim All Fajor...
ALEXANDRE
Parece patente militar: tenente, major, alfajor. (Riem) Acho gostoso também.
CAROL
Tem aí, quer?
ALEXANDRE
Não, não...
ANA PAULA
Eu quero!
CAROL
Vai pegar no armário.
ALEXANDRE
E você, Aninha? De que palavra você gosta?
ANA PAULA
Não sei. Tem uma que não eu acho esquisita: é litigante. Quando meus pais se separaram, eu
era bem pequena, eu só lembro de ouvir o juiz falando essa palavra: litigante.
ALEXANDRE
Meus pais também são separados.
ANA PAULA
Verdade?!
CAROL (Depressa, para não ficar de fora)
Os meus, não. Mas do jeito que eles brigam não demora muito...
ALEXANDRE (Depois de uma pausa sem assunto)
Bom, meninas, tá na hora. Preciso ir.
AS DUAS (Depois de se olharem, cúmplices, decidem)
A pesquisa!
27. 27
ANA PAULA
Não pode sair!
CAROL
Espera só um pouquinho!
Pedem licença, vão conversar. Ele vê TV, folheia algumas revistas, faz ‘não’ com a cabeça. Elas
consultam revistas e voltam decididas, minutos depois.
CAROL
Alê, queremos saber o que você pensa da gente.
ANA PAULA
Você acha a gente legal?
ALEXANDRE (Pego de surpresa, se recompõe)
Claro!
ANA PAULA
E qual das duas você acha mais legal?
ALEXANDRE
Não sei. Eu conheço vocês há tão pouco tempo! As duas são legais.
ANA PAULA
Assim não vai ter jeito, então.
ALEXANDRE
O que?
CAROL
A gente precisa que você escolha.
ALEXANDRE
Péraí. Vocês querem que eu escolha qual a mais legal? Pra que? Se eu escolher uma, a outra vai
ficar chateada e vocês são amigas muito antes de me conhecerem.
ANA PAULA
Nós consultamos as revistas e... você não pode escolher as duas.
ALEXANDRE
Por que não?
ANA PAULA
Porque não, ora!
ALEXANDRE
Não tô entendendo. Acho melhor ir embora...
28. 28
CAROL
Espera! Você pode escolher uma das duas que a outra não vai ficar chateada.
ALEXANDRE
Gente! Por que tem de ser assim?
ANA PAULA
Consultamos as revistas.
ALEXANDRE
O pessoal que escreve pra essas revistas nem sabe que a gente existe! Não sabem da Ana Paula
romântica, inteligente, que gosta de música, que é filha de pais separados. Não sabem da Carol
esperta, decidida. Não sabem. Não podem ditar regras pra gente seguir!
CAROL
Queremos saber com qual das duas você quer ficar.
ANA PAULA
Com qual das duas quer namorar. Agora que conhece a gente um pouco melhor. Uma é
namoro, a outra é amizade. Olha, nós vamos fazer um pacto de amizade aqui na sua frente,
seja qual for a sua escolha. Vamos, Carol, é agora ou nunca!
Começam a simular um ritual de sangue, quase vão até o final. Alexandre é que interrompe.
ALEXANDRE
Opa! Péraí! E se eu não quiser nenhuma? (As duas param o ritual e emudecem) É! Vocês eme
chamaram aqui pra ajudar num trabalho de escola que nem rolou. Só isso!
ANA PAULA
A idéia foi da Carol. Ela é que inventou essa história de pesquisa. Eu não queria!
CAROL
Por você não ia ter nem telefonema, né, sua bundona?
ANA PAULA
Eu fui contra desde o começo!
CAROL
Ia dar tudo certo se não fosse o pentelho seu irmão aparecer!
ANA PAULA
Não põe o Paco nessa história! Eu acabei de mandar ele pra Capão Redondo, coitado! E a
Jéssica mora a três quarteirões daqui, e nunca nem olhou pra cara dele... (Começa a chorar)
ALEXANDRE
O que é isso...
ANA PAULA
E ele tem astigmatismo! Não enxerga direito à noite! Ai, o meu irmãozinho tá metido numa
fria...
29. 29
ALEXANDRE
Meninas! Pra que tudo isso? Que bobagem...
CAROL
Não é bobagem. Planejamos tudo isso pra ter uma decisão sua.
ANA PAULA
Quer um tempo pra pensar?
ALEXANDRE
Não! Vocês são legais, mas eu não quero namorar com nenhuma...
CAROL
Por que? Tem que haver um motivo!
ALEXANDRE
Simplesmente não quero... vocês vão achar carinhas super legais, vão se apaixonar, daqui um
tempo nem vão se lembrar de mim.
ANA PAULA
Mas por que?
ALEXANDRE
Ai, gente! Eu já tô namorando! É isso que queriam ouvir? Pronto.
ANA PAULA
Namorando?
CAROL
Quem?
ALEXANDRE
É uma menina linda como vocês. Conheci na festa também.
ANA PAULA
Ah, não! Com quantas mais você ficou nessa festa?
ALEXANDRE
Só com as três.
ANA PAULA
E por que escolheu a outra? O que ela tem que nós não temos?
CAROL
O que vocês fizeram na festa?
30. 30
ALEXANDRE
Eu a conheci depois de vocês duas. Não foi amor à primeira vista. Um amigo nos apresentou,
nós dançamos um pouco. E então...
ANA PAULA
E então...
ALEXANDRE
Fomos andando até a fonte, conversamos...
CAROL
E depois?
ALEXANDRE
Fomos pra perto da piscina, nos beijamos. Acho que foi isso. Não tem muito mistério.
Trocamos o telefone, nos ligamos, e acho que estamos numa boa.
ANA PAULA
Então por que aceitou vir até aqui?
ALEXANDRE
Porque era pra ajudar numa pesquisa. Não podia?
CAROL
Aposto que não vai contar pra ela.
ALEXANDRE
Não tem nada demais se eu contar: visitei duas colegas muito legais, revi um grande amigo.
Pronto. Ela é gente fina, vocês vão gostar de conhecer.
CAROL
Não, obrigada.
ALEXANDRE
Que pena. Porque ela ia gostar muito de vocês. Mesmo com todas essas revistas pra
adolescentes, que ela detesta...
As duas se entreolham, ele dá de ombros, impotente.
ALEXANDRE
Sinto muito. Amigos? (Elas ficam emburradas) Que pena. Então, tchau. (Beija as duas e vai
saindo) Ah! Dá um abraço no Paco. Grande Paco! E tranquem a porta, hein?
CAROL
Alexandre!
ALEXANDRE (Retornando)
Oi!
31. 31
CAROL (Desiste de falar)
Nada não. Tchau.
Alexandre sai. Carol tranca a porta. Silêncio, apenas a TV com volume baixo. As meninas se
olham, olham o ambiente. Grande pausa. Procuram coisas nas revistas, desistem. Ana Paula
pega coisas de comer e beber, leva pra mesinha, meio autômato. Ajusta a imagem da TV, senta.
ANA PAULA (Tentando se convencer)
Nada disso aconteceu. Que vergonha... E ele não escolheu nenhuma...
Pausa. As duas folheiam as revistas sem vontade, tristes.
CAROL (imitando Alexandre, com pouco caso)
“Ela detesta essas revistas pra adolescentes”. (Joga a revista no chão) O que será que ele quis
dizer com isso?
ANA PAULA
No mínimo que a namorada dele é mais madura que nós...
CAROL
É.. acho a gente deu uma exagerada, né?...
ANA PAULA
O que será que ele tá pensando da gente? Que somos duas crianças. Ai, que vergonha!
CAROL
O pior é que me tirou até a vontade de consultar alguma revista pra saber o que fazer.
ANA PAULA
Quero distância delas! Tô traumatizada!
CAROL
Você fica conversando comigo até eu dormir, amiga?
ANA PAULA (Confirma. O clima vai se amenizando)
É claro que eu fico, Carol. Relaxa. Pelo menos nós tentamos. Como é que se fala? Saímos com
mais experiência.
CAROL
Só espero que o Paco não resolva voltar pra se vingar da gente...
ANA PAULA
Deixa que eu me entendo com ele. Faço um lanche especial pro meu irmãozinho com um
pedido de desculpa e fica tudo bem. Agora fica quietinha pro sono vir. Relaxa, respira fundo.
Fica tranqüila. Tá tudo bem agora.
CAROL (deitando no colo da amiga)
Quer saber de uma coisa, Ana Paula? Acho que foi melhor assim... A gente tava precisando de
uma chacoalhada dessas, é ou não é?
32. 32
Olham em torno, observam as revistas. Olham-se.
ANA PAULA
Tá pensando o mesmo que eu?
CAROL
Acho que sim... Amanhã bem cedo.
ANA PAULA
Tem uma campanha de papel reciclado no meu prédio. Acho que eles iam ficar felizes com a
nossa doação...
CAROL
Mas podemos ficar com alguma, não podemos? Umazinha só...
ANA PAULA
Acho que sim, se a gente quiser.
CAROL (com sono, bocejando)
Combinado... Você espera até eu pegar no sono?
ANA PAULA
É claro! Amigas são pra essas coisas... E isso eu não li em nenhuma revista, não.
Luzes vão diminuindo até o final.