1. As diversas eclesiologias
do Novo Testamento
A Igreja em Mateus
1. Os leitores de Mateus são judeu-cristãos, e se identificam com aqueles que aceitaram
a mensagem da salvação: vide Mt 21,43 (parábola dos arrendatários homicidas).
Constitui-se assim um novo povo.
2. Para Mateus, o povo judeu como um todo é responsável pela rejeição e crucifixão de
Jesus. Assim sendo, privilégios e bênçãos concedidos ao antigo Israel, de modo
especial a sua eleição (Ex 19,5s; Dt 7,6; 14,2; 26,18), serão transferidos a um novo
povo. Portanto, “povo” não é mais uma realidade étnica, nacional, mas uma unidade
espiritual, uma associação de homens que produzam frutos.
3. Este novo povo de Deus se forma a partir da reunião dos crentes que vieram de Israel
e dos convertidos do paganismo (ou gentilismo). Terá então uma amplitude universal:
12,21; 24,14; 25,32; 26,28 (sangue derramado por muitos: to. peri. pollw/n); 28,19.
4. Ao antigo povo de Deus (Israel), marcado pelo legalismo hipócrita (5,20-28; 8,10-12;
15,7ss; 21,28-32; 22,1-10; cap. 23), sucede o novo povo de Deus (Igreja). Sobre este
pano de fundo polêmico, constrói-se uma imagem positiva de Igreja.
5. Não por acaso a questão da lei ocupa espaço considerável em Mt: cf. 5,17-20. A lei de
Cristo é resumida no mandamento do amor: 22,34-40.
6. A estrutura interna da comunidade se estabelece cf. 18,1-20. A autoridade é conferida
a certas pessoas.
A Igreja em Paulo
1. Na epístola aos gálatas, Paulo defende seu ofício apostólico enquanto anunciador do
Evangelho entre os gentios. O Evangelho dispensa a circuncisão e a observância
legal, e sua pregação se realiza em todo o mundo, sem restrições.
2. Gl 4,21-31. Agar e Sara, que respectivamente representam as duas alianças: a
primeira, na escravidão da lei (Jerusalém de agora); a segunda, na liberdade
(Jerusalém do alto). Gl 3,28. O verdadeiro povo de Deus não é constituído nem de
judeus, nem de gregos, … Para Paulo, um novo povo de Deus tomou o lugar do velho
Israel.
3. Efésios. A conexão entre judeus e gentios na Igreja é aqui mais profundamente
indicada. Ef 2,11-22: Cristo, nossa paz, reconcilia a judeus e a gentios com Deus em
um só corpo. Paulo assegura a liberdade dos gentios no seio da Igreja.
4. Paulo promove a harmonia entre a Igreja-mãe de Jerusalém e as novas fundações (cf.
Rm 15,25-29; 1Cor 16,1; 2Cor 9,12). Contribui deste modo para a formação da
consciência universal da Igreja. E a “Jerusalém do alto” é a mãe de muitos filhos (Gl
4,26s).
5. Nos escritos paulinos aparece nitidamente a consciência da unidade eclesial: uma fé
(1Cor 8,5s), um batismo (Gl 3,26ss; 1Cor 12,13; Cl 3,9-11; Ef 4,3-6), a partilha de um
único pão (1Cor 10,16s).
6. Em Paulo, a Igreja “se define” como Corpo de Cristo (1Cor 12,12ss; Rm 12,4s; Ef
1,22s; Cl 1,18) e como templo de Deus (1Cor 3,16; 2Cor 6,16), no qual reside o
Espírito.
2. As diversas eclesiologias do Novo Testamento 2
7. Paulo não conhece um cristianismo “individual”; com efeito, a realização cristã do
indivíduo dá-se na comunidade.
Carta aos hebreus
1. Este texto refere-se ao Povo de Deus da nova Aliança, por meio da tipologia do
Antigo Testamento e através de um especial tipo de exegese escriturística, a fim de
estimulá-lo no seu caminhar para o mundo celeste futuro.
2. Tem forte impostação cristológica. As pessoas unidas a Cristo são o povo de Deus
escatológico (4,9: perspectiva de um repouso do sábado), com o qual Deus, através
deste Mediador, conclui a definitiva aliança de salvação (cf. 8,8-12; 13,12).
3. Na Carta aos Hebreus, os temas eclesiológicos se desenvolvem segundo idéias e
metáforas diversas: povo de Deus, peregrinação, casa de Deus, cidade futura,
Jerusalém celeste.
Cartas pastorais
1. Aparecem aqui questões de organização. Há regulação e estabilização das condições
eclesiásticas. São dadas instruções pastorais. Não há grandes exposições teológicas.
2. 1Tm 3,5 (governo da Igreja de Deus); 1Tm 3,15 (modo de proceder na casa de Deus);
1Tm 5,16 (não se onere a Igreja, a fim de que ela possa ajudar …).
3. A casa, em 1Cor, 2Cor e Ef, é “edifício em construção”. Já em 1Tm 3,15 é um
edifício sólido, “coluna e sustentáculo da verdade”.
4. 2Tm 2,19ss: na casa de Deus, há uma ordem bem estabelecida.
5. Os ministros têm o ofício de (a) proteger a casa contra perigos e de (b) promover a
vida cristã.
6. Aparece aqui o tema do “depósito”: surgem então os princípios da tradição e da
sucessão (1Tm 4,16; 6,20; 2Tm 1,12.14).
7. Enquanto as primeiras cartas paulinas atestam a natureza pneumática e celeste da
Igreja, as cartas pastorais acentuam a dimensão institucional da mesma. Se por um
lado não se pode entender, nas cartas pastorais, a Igreja como mera instituição
estabelecida na terra, por outro lado é verdade que a tensão escatológica se esvazia, as
virtudes cívicas são enfatizadas, há conflitos com as heresias e uma mais rigorosa
ordem e disciplina começam a aparecer.
A Igreja em 1Pd
1. 1Pd 2,4s. Os cristãos constituem uma casa espiritual; são suas pedras vivas (cf. Ef
2,20-22). Note-se aqui a imagem dinâmica da construção. Jesus Cristo é a “pedra
viva” (cf. Is 28,16), “eleita e preciosa diante de Deus”. Atente-se à idéia do
“sacerdócio santo” (v. 5b).
2. Na eclesiologia de 1Pd, fundem-se diversas imagens da Escritura. Por exemplo: 1Pd
4,17 (casa de Deus); 1Pd 5,2 (rebanho de Deus).
3. A Igreja é peregrina, é estrangeira: 1Pd 1,17 (paroiki,aj). Em Ef, a condição de
“estrangeira” se fazia como contraste com Israel (estrangeiro = não israelita). Em 1Pd,
tal condição não se dá a partir deste contraste. No âmbito desta peregrinação, a vida
dos cristãos neste mundo e o próprio caráter da Igreja têm nítida dimensão
escatológica.
3. As diversas eclesiologias do Novo Testamento 3
A Igreja nos escritos joaninos
Evangelho de João
• evangelho bem mais cristológico do que os sinóticos.
• Jesus é o Senhor ressuscitado.
1. Igreja → multidão dos fiéis que creram no Filho de Deus. (cf. Jo 6,22ss: discurso na
sinagoga de Cafarnaum: aqueles que se afastam de Jesus ≠ confissão de Pedro).
2. Comunidade daqueles que nascem “do alto”, nascem “da água e do Espírito” → Jo
3,3.5
3. Comunidade dos que obedecem à palavra do Pastor → Jo 10,1-17; cf. Jo 21,15ss.
4. A Igreja em João é marcada pela unidade: Jo 15,1ss (a vide e os ramos) [imagem
paralela à do Corpo de Cristo em Paulo (1Cor); emprestada no AT: Israel, vinha de
Javeh (Is 5,1-7; 27,2-6), vinha escolhida e plantada pelo Senhor (Jr 2,21; Sl 80 (79) 8-
16)]; Jo 17,26 (a oração de Jesus).
5. Contraposição luz-trevas. A Ig. é constituída pelos “filhos da luz”: “Enquanto tendes
luz, crede na luz, para que sejais filhos da luz.” (Jo 12,36).
6. É o Espírito que dá testemunho de Jesus através dos discípulos. “Mas, quando vier o
Consolador, que eu da parte do Pai vos hei de enviar, aquele Espírito da verdade, que
procede do Pai, testificará de mim” (Jo 15,26).
7. O Espírito só é operativo e eficaz na comunidade. → “Mas aquele Consolador, o
Espírito Santo, que o Pai enviará em meu nome, vos ensinará todas as coisas e vos
fará lembrar de tudo quanto vos tenho dito” (Jo 14,26); “o Espírito diz às Igrejas…”
(Ap 2,7.11.17.19; 3,6.13.22); “Nisto conhecemos que estamos nele, e ele em nós, pois
que nos deu do seu Espírito” (1Jo 4,13).
8. Igrejas que experimentavam uma florescente vida litúrgico-sacramental: culto a Deus
entendido como “adoração do Pai em Espírito e verdade” (Jo 4,23). A páscoa nestas
comunidades substitui e leva à plenitude a páscoa judaica (cf. Jo 2,13; 6,4; 11,55),
dado que elas possuem o verdadeiro cordeiro pascal, Cristo (cf. Jo 19,36s; 1,29).
9. Missão → Jo 4,42: “E diziam à mulher: Já não é pelo que disseste que nós cremos,
porque nós mesmos o temos ouvido e sabemos que este é verdadeiramente o Cristo, o
Salvador do mundo” (conversão dos habitantes de Sicar); Jo 12,20s (gregos que
queriam ver Jesus); ou ainda: “Eu não rogo somente por estes, mas também por
aqueles que, pela sua palavra, hão de crer em mim” (Jo 17,20).
10. Luta contra um mundo hostil (Jo 16,33), porém já vitoriosa graças à presença do
Espírito consolador (Jo 15,26s). Vitória dos cristãos sobre o mundo (1Jo 5,4-8).
Apocalipse
1. Livro que pretende fortalecer a fé da Igreja de então.
2. Cristo fez dos crentes “reis e sacerdotes” (Ap 1,6; cf. 5,10; 20,6; 22,5).
3. A Igreja é o verdadeiro Israel escatológico: 144.000 “marcados” [com um selo] (Ap
7). As 12 tribos são mencionadas.
4. Igreja de mártires, que peregrina em direção do encontro definitivo com o Cordeiro.
5. Igreja: esposa do Cordeiro. A Igreja caminha para a celebração das núpcias eternas
(cf. Ap 19,7s).
6. Representação da Igreja semelhante à da Carta aos Hebreus, todavia enfatizando o
caráter martirial da comunidade peregrina.