O documento discute um estudo de caso sobre a interlíngua de crianças falantes de inglês como segunda língua, focando no fenômeno do "missing subject". O autor analisa amostras de produção oral e escrita de duas crianças para descrever características da interlíngua e examinar como a diferença paramétrica entre o português e o inglês influencia seu desenvolvimento na aquisição do inglês.
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Desenvolvimento da Interlíngua e Missing Subject em Crianças Bilíngues
1. Rodnei dos Santos
A INTERLÍNGUA DE CRIANÇAS FALANTES DE INGLÊS COMO SEGUNDA
LÍNGUA: UM ESTUDO DE CASO
Instituto Singularidades
2019
2. Rodnei dos Santos
A INTERLÍNGUA DE CRIANÇAS FALANTES DE INGLÊS COMO SEGUNDA
LÍNGUA: UM ESTUDO DE CASO
Trabalho de conclusão de curso referente
à Pós-Graduação Lato Sensu em
Educação Bilíngue Desafios
- e
Possibilidades do Instituto Singularidades,
como parte das exigências para a
obtenção do título de especialista em
Educação Bilíngue.
Orientador: Prof. Doutor Marcello Marcelino Rosa
São Paulo
2019
3.
4. Resumo
A presente pesquisa busca por meio da análise empírica de dados
extraídos em campo a relação do missing subject com o desenvolvimento da
gramática da Interlíngua, teorizada por Selinker (1972) a partir da perspectiva
Gerativista (Chomsky 1986). Através desse aparato teórico buscaremos
entender como a gramática da Interlíngua se comporta, seus fenômenos e
implicações na produção por falantes de inglês como segunda língua em seu
processo de aquisição do valor negativo do parâmetro do sujeito nulo.
Palavras chave: Missing Subject; Interlíngua; Gramática Universal.
Abstract
The following research aims through empirical analysis of extracted
data the relationship of the missing subject with the Interlanguage grammar
development, theory of Selinker (1972) made possible by the Gerative
perspective (Chomsky 1986). Through this theoretical apparatus we seek to
understand how Interlanguage Grammar behaves, its phenomena and
implications on the production of speakers of English as a second language.
Key words: Missing Subject; Interlanguage; Universal Grammar.
1. Introdução
Adquirir uma língua envolve processos diversificados que têm
consequências tão diversas quanto os próprios processos, e os falantes de
português brasileiro (PB), como produtores de uma língua natural, passam
pelo desenvolvimento de sua língua 1 (L1) com sucesso, salvo casos
patológicos. No entanto, nosso foco é a uma questão já amplamente discutida
na linguística a aquisição de 2ª língua (AL2) cujo cerne reside muitas vezes
nas comparações feitas com a aquisição de língua 1 (AL1). O
desenvolvimento é o mesmo? O que ocorre no cérebro do aprendiz de L2? E
outros questionamentos que a literatura vem discutindo há certo tempo.
Entretanto, nosso ponto de partida para um olhar que busca mais detalhes é a
aparição do missing subject (sujeito nulo)1
na fala de crianças brasileiras
1
A entender que a literatura aborda este termo com diversas nomenclaturas, entre elas, Parâmetro
do Sujeito Nulo (PSN), Pro-Drop. Adotaremos o missing subject como nomenclatura padrão.
1
5. aprendizes de inglês como L2. Amparados pela hipótese da Interlíngua de
Selinker (1972), a teoria Gerativista de Noam Chomsky (1965, 1986) e
também por sua teoria de princípios e parâmetros (1981), abordaremos o
tópico acima que foi destacado da pesquisa de campo feita com crianças de
uma escola bilíngue em São Paulo.
O fato de termos escolhido a Interlíngua como ponto central de nosso
estudo é devido à importância que esse termo proporcionou aos estudos de
AL2, (White, 1982, Krashen, 1981), sendo certos aspectos relacionados a
esse fenômeno ainda relevantes em discussões no meio científico de estudos
da linguagem. Muitas investidas foram realizadas na tentativa da
compreensão da origem da Interlíngua, se ela era resultado da interferência
da língua 1 (L1), da Gramática Universal (GU) ou do próprio desenvolvimento
da L2. Aqui, seguimos a orientação dada por White (1998) que indica a
necessidade de entender a natureza do processo ao invés de sua origem, e
isso nos ajudará a compreender se a Interlíngua, de fato, é um sistema
linguístico à parte, i.e que possui suas próprias formas de representação.
Ainda em White, outros autores serão citados como duPlessis et al. 1987;
Finer e Broselow 1986; Martohardjono e Gair 1993; Schwartz e Sprouse 1994.
Esses autores afirmam a importância de se entender a Interlíngua como um
processo em si. Isso significa compreender como os aprendizes de L2
chegam à gramáticas que realmente contam com o input de L2, apesar de
não serem idênticas à gramática de um falante nativo. Portanto, classificam a
Interlíngua como um fenômeno à parte que merece atenção principalmente
por sua existência e suas manifestações lógicas no processo da AL2.
Por fim, nosso intuito é oferecer ao professor e ao pesquisador de L2
uma visão crítica sobre fenômenos basicamente diários intrínsecos a rotinas
de quem convive com alunos que devem produzir L2 como parte do currículo,
possibilitando a esses profissionais a chance de entenderem melhor alguns
padrões linguísticos e compararem os casos aqui estudados com sua própria
realidade, podendo imaginar estratégias de como lidar com certos
acontecimentos da sala de aula em termos de AL2, ou seja, do ponto de vista
do desenvolvimento da língua, e não apenas a partir de abordagens
pedagógicas. Por fim, para podermos dar sentido e corpo ao trabalho,
2
6. teremos a nossa pesquisa pautada em alguns objetivos e eles serão
buscados por meio das perguntas de pesquisa, essas nos guiarão pelo
processo de levantamento de dados, sua análise e considerações finais.
1.1 Objetivos da pesquisa
A pesquisa que se apresenta tem o objetivo de estudar alguns
fenômenos que abarcam a Interlíngua. Pensando em como desenvolver
tal tarefa, elencamos os objetivos principais que baseiam o nosso estudo
e como meio para alcançarmos esses mesmos objetivos, procuraremos
responder a algumas perguntas sobre o assunto em questão.
Fazer o estudo de caso de duas crianças que estão em contexto de
educação bilíngue há cerca de 10 anos através de amostras de
produção oral e escrita;
Descrever as características da Interlíngua com o foco na natureza do
fenômeno;
Analisar os dados recolhidos para responder as perguntas levantadas
pela própria pesquisa.
1.2 Perguntas da pesquisa
1 – Quais as características da Interlíngua presentes na produção dos
aprendizes de L2, seja essa escrita ou falada?
2 – Quais exemplos encontrados na interlíngua dos nossos sujeitos
corroboram a hipótese de diferença paramétrica entre as duas línguas?
3 – Quais os possíveis desdobramentos para a sala de aula enquanto
prática por meio da reflexão dos dados recolhidos?
Ao trabalharmos as indagações acima teremos a possibilidade de abrir
caminho para futuras pesquisas, mais profundas, sobre a natureza da
Interlíngua ao que concerne sua relação com Princípios e Parâmetros e,
futuramente, pensando de forma otimista e ambiciosa, auxiliar professores a
planejar sequências didáticas com mais propriedade do processo de
3
7. aquisição de segunda língua, a um objetivo mais concreto dentro da proposta
que eles possam oferecer a seus alunos.
Para que possamos organizar nossas ideias e tornar nosso estudo
compreensível, o trabalho será dividido em algumas seções com objetivos
delimitados. As primeiras seções (1 a 1.4) foram destinadas aos nossos
objetivos gerais e uma introdutória fundamentação teórica e perguntas da
pesquisa. Em seguida, planejamos descrever a metodologia empregada para
que o nossa linha de raciocínio fique mais clara e que se atenha aos objetivos
propostos por nosso trabalho (2 a 2.2). Na seção 3 passaremos a nossa
análise dos dados e sua discussão e o uso da teoria escolhida para apoiar as
conclusões. Essas chegam juntamente com a seção de nossas
considerações finais sobre o trabalho (4), quando retomaremos as perguntas
e objetivos do estudo, bem como novas possibilidades para estudos futuros.
1.3 A Interlíngua
O nosso trabalho de pesquisa foi inspirado na ideia de identificar
fenômenos linguísticos que ocorrem durante a fase de aquisição da L2, cuja
natureza das manifestações pode ser encontrada nas diferentes habilidades
dos aprendizes de L22, em nosso caso, o inglês. O termo Interlíngua (IL) já
citado na introdução deste trabalho, foi utilizado primeiramente por Selinker
em seu trabalho ‘Interlanguage’ (1972) cujo objetivo era discutir um fenômeno
que já fora citado em alguns trabalhos anteriores (Weireich, 1953) com a
nomenclatura de ‘Interlingual identifications’, (Nemser, 1969) com ‘sistemas
aproximativos’. Selinker define esse fenômeno como
“A existência de um sistema linguístico separado baseado na produção
observável que resulta da tentativa de produção do aprendiz de uma norma
da língua alvo. Esse sistema linguístico nós chamaremos de Interlíngua (trad.
minha)”3.
2
Nesse caso, ao colocarmos ‘habilidades’ nos referimos às já conhecidas no mundo de EFL e ESL.
Reading, speaking and writing. Não citamos o listening, pois esta habilidade não está incluída no
propósito desta pesquisa.
3 ”...the existence of a separate linguistic system based on the observable output which results from a
learner’s attempted production of a TL norm. This linguistic system we will call ‘Interlanguage.”
4
8. E é exatamente sobre esse “sistema linguístico separado” que nos
debruçaremos para entender melhor os processos que ocorrem com um
aprendiz de L2 na proposta anteriormente citada, ou seja, a omissão do
sujeito (expletivo) foneticamente realizado no inglês (it), sendo a linha teórica
de Princípios e Parâmetros de Chomsky (1981, 1986) o ponto de apoio para
as principais proposições do estudo.
Enfim, o que pode ser dito como Interlíngua? Como Mariano (2014)
aponta, a Interlíngua de Selinker é um sistema diferente da L1 do falante e
também diferente da língua alvo (TL – Target Language). A partir deste ponto
nós tiramos o termo ‘sistema à parte’. Logo, o falante irá desenvolver um
sistema linguístico que contém características potencialmente advindas de
sua L1, da TL, ou de qualquer outro sistema linguístico que ele não conheça.
Isso suscita a discussão do acesso a GU mesmo após a AL1. A Interlíngua se
manifesta por itens fossilizados, sendo eles citados por Mariano (2014):
Transferência de língua: a L1 do aprendiz influencia a produção final;
Hipergeneralização: o aprendiz generaliza as regras da L2;
Transferência de treinamento: algumas características da L2 são
introduzidas pelo professor ou material didático de forma a não oferecer
alternativas, levando o aprendiz a utilizar apenas essas características e
não outras;
Estratégias de aprendizagem de L2: a simplificação feita pelo aprendiz
da L2;
Estratégias de comunicação: itens gramaticais redundantes são
omitidos pelo aprendiz.
Uma vez colocados alguns dos itens que compõem o fenômeno da
Interlíngua, poderemos, dentro das ocorrências de Interlíngua na fase de
levantamento de dados, ter ideias sobre as possíveis causas que culminam
em gramáticas “diferentes” cujo nosso objetivo é analisar como possibilidades
de produção autêntica dos aprendizes de L2.
5
9. 1.4 A Teoria Gerativa e os Princípios e Parâmetros
A teoria de Princípios e Parâmetros (P&P) cunhada por Noam
Chomsky (1981) busca esclarecer algumas discussões que na época de sua
elaboração eram pontos de interrogação para aqueles que pesquisavam a
aquisição de linguagem. A proposta dessa teoria, ou como o próprio Chomsky
afirma “uma abordagem particular para problemas clássicos do estudo da
linguagem" (trad. minha)4 é elaborar uma explicação para o problema básico
da aquisição de linguagem, sendo um deles a ‘pobreza de estímulo’, que
implica a falta de compreensão para o fenômeno de uma criança adquirir
uma gramática de forma tão rápida e eficaz apenas sendo exposta à língua
informalmente, i.e. em um contexto não escolar.
A Gramática Universal, a faculdade da linguagem que é um aparato
mental que nós humanos temos e que nos permite aprender qualquer língua
natural do nosso mundo tem o papel fundamental de selecionar as
características linguísticas a partir do universo dos princípios (características
gerais da estrutura e funcionamento lógico das línguas naturais e que não
variam de língua para língua) e dos parâmetros (responsáveis pelas variações
entre as línguas). Os últimos conhecidos por estabelecerem as diferenças que
existem entre as línguas e que as fazem distintas umas das outras e que são
selecionadas pelas crianças durante o processo de aquisição da linguagem.
Portanto, temos a nossa disposição uma miríade de possibilidades
gramaticais, sendo elas limitadas pela GU em um dito período crítico da
aquisição da linguagem, a fim de que possamos desenvolver nossa
performance e competência linguísticas. É através dos parâmetros que a
criança determina, por exemplo, se sua língua exige que toda oração tenha
um sujeito pronunciado (e.g. it rains) ou não (Ø chove).
Apresentado o âmbito deste estudo, é ainda válido resgatar que o
motivo de nosso interesse em adentrar os estudos sobre o missing subject em
crianças no contexto de aquisição do inglês como L2 é a diferença de
marcação entre as duas línguas envolvidas (positiva no PB e negativa no
4
“...a particular approach to classical problem of the study of language.”.
6
10. inglês)5. Esse detalhe que torna a discussão minimamente instigante. Quais
as marcas desenvolvimentais de interação do sistema de um falante de uma
L1 pro-drop6 com uma L2 que apresenta o mesmo parâmetro marcado
negativamente (PB x inglês)? Observaremos as marcas da Interlíngua desses
aprendizes e a partir dos dados levantados teremos a possibilidade de
usarmos as teorias acima como base para tecer as considerações que
julgamos mais adequadas sobre os achados.
2. Metodologia de trabalho
Nossa pesquisa será realizada por meio de um levantamento de dados
através do estudo de caso que será documentado de duas formas, a primeira
por meio da escrita dos dois alunos em três produções cada, cujo objetivo é o
registro de tempos verbais, locuções, concordância, abrangência e acurácia
lexical. Já no segundo momento teremos uma entrevista com o áudio gravado
e transcrito para análise dos mesmos pontos supracitados.
O intuito é reunir as evidências levantadas durante os encontros com
os alunos para que possamos analisar seus dados e fazer uso de tabelas
para sua distribuição em relação a padrões de ocorrência dos dados que nos
remetem à Interlíngua e a sua natureza à luz da teoria gerativa. Explicaremos
detalhadamente nossos procedimentos na seção 2.2.
2.1 O contexto e os sujeitos da pesquisa
Este trabalho se caracteriza como um estudo de caso, envolvendo dois
alunos, sendo ambos matriculados na instituição que acolheu nossa pesquisa
desde os dois anos de idade, nunca tendo estudado em outras escolas até
então. Logo, estão matriculados na escola atual por cerca de 10 anos. As
crianças constituem-se como alunos do oitavo ano do Ensino Fundamental 2,
5
A questão sobre o PB não ser uma língua exclusivamente marcada como pro-drop já foi levantada,
entretanto, nosso trabalho se apoia na relação do PB como uma língua de parâmetro do sujeito nulo
marcado positivamente, e é nesse aspecto teórico que iremos nos apoiar. Não pretendemos discutir o
exato estatuto de o PB ser pro-drop clássico ou não. Para tal, ver Buthers e Duarte (2012).
6
Parâmetro cuja realização fonética do sujeito pode não ocorrer sem comprometer a gramaticalidade
das sentenças, i.e o missing subject que citamos no início do trabalho.
7
11. e ambas são provenientes de classe alta, sendo uma menina (L.I) e um
menino (O.R) com 13 anos completos. Ressaltamos que nenhum dos
participantes estudou inglês em nenhuma outra instituição a não ser a escola
que estão regularmente matriculados, e tiveram viagens ao exterior com o
passar dos anos em caráter de férias e acompanhando os pais a trabalho,
tendo de falar inglês algumas vezes com falantes nativos e não nativos da
língua, tendo I.L relatado viagens ao Canadá, França e Chile, e O.R à França,
Argentina e EUA. Mais adiante, nosso levantamento de dados irá mostrar,
além do missing subject, produções agramaticais em L2, e junto às estruturas
consideradas gramaticais, ou seja, possíveis, nos dará um panorama do nível
de proficiência dos nossos voluntários.
A instituição de ensino que escolhemos para a realização da pesquisa
situa-se na zona leste de São Paulo, contando com aproximadamente 120
alunos de classes média e alta. Há algumas considerações quanto à
metodologia da escola que devem ser ressaltadas, pois a forma como a
língua inglesa acontece no ambiente não é a forma “padrão” escolar. As
turmas são multisseriadas, no caso da turma dos casos estudados, há 14
crianças que estão distribuídas em 7º, 8º e 9º ano do Ensino Fundamental 2,
sendo ambos os voluntários do 8º ano. Atualmente a escola conta com 3
professores atuando concomitantemente na sala, dividindo o espaço e a
turma em estações de propostas de acordo com cada disciplina, sendo um
dos professores a referência em língua inglesa e os demais dirigem-se às
crianças em português. O inglês não é uma língua que é demandada das
crianças em todos os momentos, mas em pontos específicos da rotina,
apesar de a professora referência em língua inglesa conversar com todos na
maior parte do tempo (e não o todo tempo) em inglês.
2.2 Procedimentos
Como dito anteriormente, os dados selecionados para análise foram
colhidos através de textos escritos como respostas a questões formuladas
com intuito de testar a compreensão e a performance das crianças ao
responderem. Outra forma de coleta de dados foi a gravação de uma
entrevista com os dois alunos ao mesmo tempo, tendo em vista a oralidade e
8
12. a coleta de dados baseado em outra linguagem alternativa à escrita. Nossos
dados escritos foram levantados a partir dos seguintes instrumentos:
A resposta a um e-mail falando sobre o dia a dia na escola;
A resposta a um segundo e-mail falando sobre lugares interessantes de
serem visitados na cidade natal da criança;
Responder perguntas abertas de assuntos variados, como o lugar aonde
foram nas últimas férias, a história resumida de cada um na escola atual,
quais as aspirações ao futuro, etc.
O objetivo dessas atividades foi primeiramente evidenciar a Interlíngua
como fenômeno intrínseco àqueles que aprendem uma L2. Já nosso segundo
ponto foi entender qual era o nível de proficiência em L2 que os nossos
sujeitos da pesquisa se encontravam no momento, uma vez que os alunos
tiveram o inglês como meio de instrução. Instrumentos comuns ao contexto
de ensino de inglês não foram utilizados para “medição de proficiência”. Isso
também determinaria se poderíamos prosseguir com o nível de dificuldade
inicialmente proposto ou se deveríamos fazer alguma alteração, seja esta
qual fosse, para que o levantamento de dados se acomodasse tanto à
proposta do trabalho quanto ao que os voluntários poderiam oferecer em
termos de L2. A segunda tarefa, a entrevista gravada em áudio, foi composta
por perguntas que ambos respondiam ao mesmo tempo. Também como a
primeira atividade, os tópicos variavam desde planos para o fim de semana
subsequente, proporção e importância da televisão na vida de cada um, até a
análise de fotos com situações do dia a dia de âmbito ético social e qual era a
opinião deles sobre o assunto. A entrevista foi desenvolvida em três fases:
1ª – Falar sobre assuntos corriqueiros, planejamento da semana,
atividades do dia a dia, hobbies;
2ª – A análise de uma situação do dia a dia e falar sobre o impacto dela
para si. A situação escolhida foi de um agente policial ajudando uma
senhora atravessando a rua;
3ª – Ver um plano de um prefeito fictício de uma cidade também fictícia
para atrair mais turistas. O objetivo era ter a opinião dos voluntários e suas
justificativas.
9
13. Essa escolha pela diversificação da linguagem foi feliz, pois tanto a
escrita quanto a fala foram importantes, uma vez que a análise exploratória
dos dados nelas contidos culminou na discrepância no que concerne o
parâmetro do sujeito nulo7. O missing subject, objeto que decidimos explorar,
tem duas formas distintas na produção dos alunos, e essa análise faremos na
seção seguinte. Ressaltamos que escolhemos abordar o missing subject após
uma análise prévia da produção dos alunos, o que nos possibilitou
contabilizar os desvios da L2 e optar por analisar o fenômeno mais recorrente,
a saber o missing subject.
A duração tanto dos textos quanto da entrevista foi de
aproximadamente 1 hora, sendo as perguntas retiradas de testes de
proficiência em língua inglesa de nível intermediário. A escolha foi feita com
base na realidade das crianças em questão, i.e, pelo seu background bilíngue
o qual não tínhamos ideia da proficiência. Porém, nossa coleta e análise
foram profícuas em nos possibilitarem a criação de um banco de dados dos
pontos gramaticais em sua produção tanto gramatical quanto agramatical, e
isso foi o que precisávamos para entendermos melhor com qual proficiência
em L2 estávamos lidando. Logo, essa opção mostrou-se compatível com a
realidade e propostas desta pesquisa, dado o fato de os sujeitos executarem
as tarefas sem maiores dificuldades. Portanto, nossa coleta de dados não foi
comprometida e pudemos seguir adiante na tarefa proposta desde o início.
3. Análise e discussão de dados
Para iniciarmos a análise propriamente dita dos dados, vimos a
necessidade de se criar uma tabela que nos auxiliará a subdividir em
categorias a produção dos envolvidos na pesquisa a fim de proporcionarmos
uma relação de proficiência aproximada, dando uma margem do que foi
buscado extrair dos participantes durante os encontros.
Apesar de nosso trabalho ser pautado pela ocorrência de
agramaticalidade nele contida, nosso objetivo é entender a gramática da
Interlíngua como tal, e comparar a gramática da L1 e da L2. Essa decisão foi
baseada em White (1998) que cita Bley-Vroman (1983) cujo ponto era o
7
No final do trabalho, no apêndice, podem ser encontradas as transcrições do áudio.
10
14. estudo da gramática da Interlíngua por si, elencando suas características,
encarando as produções como passíveis de análise, e não apenas um desvio
da gramática do falante nativo. Como White (1990) também afirma “O
problema, então, é se a gramática da Interlíngua é uma gramática ‘possível’,
não se ela é equivalente à gramática da L2”.8
A tabela abaixo apresenta os itens cujo uso foi registrado nas tarefas
orais e escritas, com base na gramaticalidade9 das sentenças em língua
inglesa. As estruturas que aparecem como gramaticais, agramaticais ou
ambos, estão marcadas com ‘✓’; na última coluna elencamos a frequência de
agramaticalidades, justificando a nossa escolha pelo missing subject.
Itens linguísticos
encontrados
Oral Escrita Gramatical Agramatical Frequência
Agramatical
‘Ever Compounds’
‘Phrasal Verbs’
✓
✓
✓
✓
✓
✓
✓
✓
✓
✓
0 0
0
1
3
1
✓
✓
✓
✓
0
‘Relative Clauses’
3ª pessoa singular
Comparativos
✓
✓
✓
Concordância de
✓ ✓ ✓ ✓ 2
singular/plural
Contáveis e incontáveis ✓
✓
✓
✓
✓ 1
0
Futuro com ‘to be going to’ ✓ 0
Futuro com ‘will’ ✓
✓
✓
✓
✓
✓
✓
✓
✓
✓
✓
✓
✓
✓
✓
✓
0 0
2
0
1
0
1
0
Ordem do adjetivo
Passado Contínuo
Passado Simples
Presente Contínuo
Presente Perfeito
Presente Simples
✓
0
✓
✓
0
✓
✓
0
8
The issue, the, is whether the ILG is a ‘possible’ grammar, not whether it is equivalent to the L2
grammar (trad. minha).
9
O conceito de gramatical nesta perspectiva é o que é considerado possível dentro do conjunto de
sentenças possíveis na L2. Assim, ao dizermos “agramatical”, significamos que tal produção não faz
parte das produções possíveis na língua.
11
15. Missing Subject ✓
✓
✓
✓
✓
✓
✓
✓
16
1
Verbo ‘there to be’
A tabela nos mostra as principais estruturas que ambos os
participantes utilizaram para elaborar suas produções durante a entrevista e a
escrita. As perguntas feitas nos dois encontros foram baseadas em testes de
proficiência para iniciantes e intermediários em língua inglesa. Uma vez
estabelecidas as principais estruturas encontradas no decorrer dos encontros,
partiremos para as amostras mais específicas no que diz respeito ao missing
subject, isso dentro do espectro da teoria de princípios e parâmetros, da
Gramática Universal e sua relação com a Interlíngua.
Como podemos perceber, a escolha do missing subject foi feita pelo
número de ocorrências dentro da produção dos envolvidos na pesquisa.
Vejamos essa representação pelo gráfico abaixo:
Figura 1. Gráfico quantitativo das estruturas agramaticais encontradas
durante a coleta de dados.
Estruturas agramaticais
encontradas na pesquisa
Relative Clauses
3ª Pessoa Singular
Comparativos
Concordância
singular/plural
Contáveis/Incontáveis
Ordem do Adjetivo
Presente Perfeito
Missing Subject
Verbo there to be
Passado Simples
12
16. Com a nossa escolha já ilustrada graficamente, podemos prosseguir à
análise dos dados, tendo em mente nossas perguntas apresentadas na seção
1.2.
Entre as representações possíveis em língua inglesa, os participantes
mostraram as estruturas exibidas na tabela e gráfico acima. Contudo, as
estruturas agramaticais que aparecem divididas na figura 1 apareceram, em
sua maioria, tanto gramaticais como agramaticais. Isso se deve ao estágio de
Interlíngua que nossos participantes encontram-se. Ao compreendermos a
Interlíngua como a definição de Selinker (1972), as tentativas das crianças
transitam entre o que é possível, i.e estruturas gramaticais, e o que é
classificado como agramatical. Vejamos alguns dados extraídos a seguir,
sendo (1) a em língua falada e (1) b escrita:
(1). a L.I – [...] a good friend with us, (it) just really really helps.
(1). b L.I – […] basically, (it) is about 7 adoptive brothers that have
superpowers […]
O missing subject é claro em ambas as sentenças, entretanto, ao
compararmos a frequência desse parâmetro nas produções escritas e
faladas, temos uma curiosa discrepância. Vejamos a figura 1.1:
Ocorrência do Missing Subject na
escrita e na fala
Escrita - Gramaticais
Escrita - Agramaticais
Fala - Agramaticais
Fala - Gramaticais
13
17. A frequência das estruturas nos permite desenvolver algumas
hipóteses. Primeiramente, que a estrutura paramétrica é conhecida pelos
indivíduos, no entanto, a parametrização do missing subject, com valor
positivo no português, ainda é realizado na maioria dos casos na língua falada
(L2). E, além desse fato, encontramos o sujeito it em um número considerável
de realizações corretas na língua falada. Vejamos nos exemplos a seguir a
fala dos alunos:
(2) a. OR – (It) Is very important […]
(2) b. LI – […] so I think (it) is better to stay here.
(2) c. OR – […] Having more shops and building a large nightclub, I kind
of like, it’s cool […]
(2) d. LI – I think building holiday houses, providing parks, it’s the two
top of the list […]
As produções referentes ao missing subject parecem sugerir que os
sujeitos da pesquisa já tenham remarcado o parâmetro do sujeito nulo para
sua marcação negativa da L2. Entretanto, como visto, ainda há a ocorrência
da marcação positiva do parâmetro em maior grau na língua falada,
possivelmente influência da L1. A caracterização desse fenômeno, além de
estar dentro do campo da Interlíngua como já discutimos brevemente acima,
demonstra uma natureza de gramática não advinda da L1, nem da L2, mas
sim uma gramática X com fenômenos próprios e consequentemente
características distintivas que lhe conferem a particularidade de uma
gramática independente. Como White (1998) discute sobre a (re)marcação
paramétrica “Se a gramática da Interlíngua é restringida pela GU, então nós
esperamos por propriedades paramétricas aparecerem, tanto na forma de L1,
como de L2 ou formas encontradas em outras línguas, com um cluster de
propriedades associadas”.10 Podemos ter apoio nessa afirmação dado o fato
de os participantes terem fornecido, para além do missing subject, as
10
If ILGs are UG constrained, then we expect parametric properties to show up, either in the form of
L1 settings or L2 settings or settings found in other languages, with an associated cluster of
properties. p.3
14
18. estruturas que contam com a realização do pronome it (mostradas em (2) c e
(2) d e demais pronomes, como os exemplos em (3) a e (3) b:
(3) a LI – I started studying here on 2008, I was 2 years old so I can’t
remember much.
(3) b OR – […] My new school is very cool. It has a big soccer court, a
swimming pool. I am liking (it) very much […]
Os exemplos colocados são possíveis evidências da remarcação
paramétrica feita pelos indivíduos. Em (3) b é ainda possível ver que o
indivíduo fez uso do sujeito na maioria das orações, mas que em uma delas
houve a ocorrência do missing subject. Isso apenas reforça a nossa
perspectiva de análise da gramática da Interlíngua por si própria, sem
comparação direta da performance do aprendiz com uma produção de um
falante nativo de L2. Por fim, a informação mais relevante que esses dados
nos fornecem é que esses indivíduos poderiam ter omitido o sujeito das
orações, conforme a marcação positiva do PB, de forma sistemática. Mas a
prova de que eles estão cientes da impossibilidade do missing subject em
inglês, resultante de uma marcação paramétrica diferente, é que sua
produção contém, ao menos exploratoriamente, boas amostras dessa
estrutura.
4. Considerações finais
Ao colocarmos em evidência os achados da presente pesquisa,
poderemos entender melhor se nosso papel de responder as perguntas do
item 1.4 foi cumprido com sucesso. Portanto, retomemos os nossos principais
questionamentos.
1 – Quais as características da Interlíngua presentes na produção dos
aprendizes de L2? Seja essa escrita ou falada. Como elencamos algumas
características em nossa tabela e gráficos presentes no item 3, a Interlíngua
15
19. fica evidente se pensarmos em suas principais características que
encontramos em Selinker (1972). Vale também ressaltar que tanto na escrita
quanto na fala, identificamos traços da Interlíngua distintos, por exemplo, a
ordem do adjetivo e 3ª pessoa do singular.
2 - Quais exemplos encontrados na interlíngua dos nossos sujeitos
corroboram a hipótese de diferença paramétrica entre as duas línguas? Foi
possível identificar o missing subject como principal evidência da diferença
paramétrica entre a L1 e L2 dos aprendizes participantes do estudo. O mais
intrigante foi que os resultados apresentaram que os sujeitos pareciam ter
marcado negativamente o parâmetro em questão na L2 (inglês); entretanto,
houve muitos momentos de sua produção em que eles ainda acessavam a
marcação paramétrica de sua L1, ou seja, do português. Isso não apenas é
motivo para curiosidade, mas também para entender a gramática da
Interlíngua como possível por si só, isto é, independente de julgamentos
baseados na gramática da L1 ou L2, pois essa gramática parece ter seus
próprios fenômenos e como White (2014) afirma, é digna de ser entendida
como uma possibilidade de produção.
3 - Quais os possíveis desdobramentos para a sala de aula enquanto
prática por meio da reflexão dos dados recolhidos? Professores e
pesquisadores da área do ensino de L2 poderiam expandir esse estudo com o
intuito de designar trilhas de ensino baseados nos achados desta pesquisa.
Por exemplo, o efeito do input robusto quando se trata da pronominalização
foneticamente realizada.
Nosso estudo foi marcado por dados interessantes e levanta a
perspectiva para novas trilhas de estudo serem traçadas. Obviamente, esse
trabalho, ainda por ser introdutório, apresenta algumas limitações como o
tempo de execução, o número reduzido de sujeitos para a pesquisa e por isso
os mesmos dados levantados tiveram a sua própria limitação em termos de
quantidade de produção. Este estudo de caso teve o objetivo de levantar
primariamente uma observação curiosa de um professor de língua inglesa
que presenciava alguns fenômenos em sala de aula, e assim que teve a
chance, iniciou uma pesquisa sobre isso. Após esses primeiros resultados,
16
20. vimos que, com maior tempo, quantidade de sujeitos e dados levantados em
maior número, nossa pesquisa pode levar o estudo da gramática da
Interlíngua para diferentes perspectivas e produção de conhecimento na área
de aquisição da linguagem.
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21. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Learning. The University of Hawaii, Linguistic Analysis, Volume 20, Number 1-
2, 1990;
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Parâmetro do Sujeito Nulo e Sobre a Interlíngua de Falantes Brasileiros de
Inglês como L2. Pesquisa de iniciação científica, Universidade Federal de São
Paulo, 2014;
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2005;
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22. WEINREICH, Uriel – Languages in Contact. Publications of the Linguistic
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Interlanguage Representation. McGill University, 1998.
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