1. CARREIRA JURÍDICA
Entrevista com Felipe Asensi
Nada mais inquietante para um acadêmico do que pensar no seu futuro
profissional. Estamos hoje imersos em uma realidade tão dinâmica de mercado
que se planejar e elaborar estratégias para o alcance desses projetos tornou-se
uma tarefa árdua. No tocante ao aluno do Direito, muitas são as oportunidades
de carreiras a serem seguidas – motivo pelo qual muitas pessoas optam pelo
curso -, todavia nem sempre tem-se clareza quanto às possíveis áreas de atuação
do bacharel. Parece haver um reducionismo no sentido de se pensar que o
bacharel necessariamente tornar-se-á advogado ou seguirá carreira pública.
Com intenção de se expandir os horizontes – ou ao menos estimular uma
reflexão - dos graduandos em Direito, no que concerne ao seu futuro
profissional, concebemos esta entrevista com alguém que muito entende do
assunto e certamente contribuirá para esse exercício de reflexão: Felipe Asensi.
Com vasta experiência acadêmica e também como palestrante, Asensi
atualmente se dedica ao ensino e à capacitação de pessoas.
Não deixem de conferir esta entrevista com esse profissional de grande
renome.
DL- O ingresso no curso de Direito com o intuito de se ter mais
oportunidades nas carreiras públicas é fato incontestável. Mas o
Direito certamente oferece inúmeras oportunidades também no
âmbito da iniciativa privada. Dentre essas, quais poderiam ser
destacadas no cenário atual?
Felipe Asensi: Considero que o mundo privado do direito é tão diversificado quanto o
mundo das carreiras públicas. O problema é que o ensino das faculdades de direito não
forma o profissional para que tenha essa diversificação na iniciativa privada.
Basicamente aprendemos a sermos proponentes de ações judiciais e a profissão é
reduzida à capacidade do advogado atuar de maneira contenciosa. Porém, existe todo
um leque de possibilidades que não se reduz à propositura de ações judiciais. Por
exemplo, temos a possibilidade de advogados conduzirem audiências extrajudiciais de
mediação com a finalidade de provocar o consenso entre as partes. Além disso, outro
exemplo é a possibilidade de oferecerem consultorias sobre diversos aspectos do direito,
inclusive sobre gestão e administração de escritórios de advocacia.
DL- O que o egresso – e até mesmo o bacharelando – do curso de
Direito devem buscar fazer para apresentar-se com um diferencial
ao mercado de trabalho?
Felipe Asensi - A busca por um diferencial é válida não somente para quem quer
seguir na iniciativa privada, mas também para aquele que está estudando ou já foi
aprovado em algum concurso público. Inclusive, hoje não basta ser diferente, mas é
preciso também pensar em como você pode ser reconhecido como diferente. Sim, temos
excelentes juristas no país, mas em que medida eles são conhecidos e citados? Ser
diferente não é o bastante: é preciso investir em visibilidade para ser reconhecido como
alguém ético, transparente e, principalmente, de qualidade.
2. DL- Quais seriam as disciplinas que, regra geral, não integram as
grades curriculares dos cursos de Direito, mas que se mostram
relevantes para o profissional, especialmente para os que seguirão a
advocacia?
Felipe Asensi - A faculdade de direito brasileira nos ensina e nos prepara muito pouco
para os desafios do mercado de trabalho atual. Com raríssimas exceções, as faculdades
ensinam basicamente duas coisas: o que as pessoas têm (direito material) e como se
efetiva este direito judicialmente (direito processual). Não aprendemos na faculdade
como podemos nos relacionar com clientes, como podemos reforçar a nossa imagem
com o marketing ou como podemos administrar um escritório de advocacia com
profissionalismo. Não aprendemos sequer como precificar os nossos serviços. Portanto,
não há contabilidade, administração, marketing, negociação e tudo que estes campos e
tantos outros podem contribuir para a nossa atuação profissional.
DL- Quanto ao domínio de línguas estrangeiras, como classificaria a
importância das mesmas para aqueles que pretendem seguir
carreira na iniciativa privada? Quais seriam os ramos do Direito nos
quais o conhecimento de idiomas revela-se como um diferencial?
Felipe Asensi - Cada dia a língua estrangeira é mais importante. Tudo bem que é
difícil achar profissionais do direito que sejam poliglotas, e acho que nem chegamos
neste grau de exigência. Porém, a depender do ramo do direito, do cliente, da atividade
comercial de quem você está defendendo, etc, o domínio de língua estrangeira não
somente é importante, mas também é requisito. Hoje não se poder trabalhar com
importação/exportação sem saber inglês fluente. Da mesma forma, o direito
internacional como um todo exige o inglês e o francês. Quando o assunto é Mercosul,
ainda é preciso saber espanhol. O chinês também é importante, sobretudo porque a
China é o principal parceiro comercial do Brasil. Enfim, o domínio de línguas
estrangeiras bate à porta do profissional do direito cada vez mais!
DL- Quais seriam os efeitos práticos, na vida do operador do Direito,
da diminuição das fronteiras entre o Público e o Privado?
Felipe Asensi - O público e o privado estão mais próximos do que se pensa. Como
efeito, a distinção entre o direito público e o direito privado se tornou mais didática do
que real. Hoje é muito difícil de dizer que um assunto é regido exclusivamente por
normas de direito público e não de direito privado, e vice-versa. Uma colisão entre
veículos numa rodovia concessionária pode ser uma questão de direito do consumidor,
direito das obrigações, direito contratual, direito administrativo e, dependendo do
resultado, até de direito penal. O mundo do direito é complexo e qualquer redução dele
a “caixinhas” não passará, como o próprio nome diz, de uma redução.
3. DL- Como pode ser avaliada a realidade dos métodos extrajudiciais
de solução de conflitos no Brasil? E como o profissional do Direito,
pela credibilidade de que goza, pode favorecer a desjudicialização
das pretensões resistidas?
Felipe Asensi - Os métodos extrajudiciais são importantes, mas encontram uma
dificuldade cultural. Por mais que sejam relevantes para que as pessoas entendam
melhor como podem resolver seus próprios conflitos, observamos que o profissional do
direito ainda não é socializado para estes métodos. Não é por acaso que a arbitragem
“pegou pouco” e a “mediação extrajudicial” ainda é um campo aberto para quem queira
explorar. A “mea culpa” também é dos pensadores do direito brasileiro, que focam suas
atenções para o mundo processual e estatal do Judiciário. O volume de livros e artigos
no Brasil que pensam com rigor e cientificamente as estratégias judiciais é
ridiculamente pequeno, ao passo que cresce no país o volume de publicações sobre
processo (inclusive mestrados e doutorados). Inclusive, nas faculdades essas estratégias
são frequentemente ensinadas por processualistas. Afinal, queremos mais
processualistas ou mediadores?
Felipe Asensi é pós-doutor em Direito, professor adjunto da UERJ, advogado, coach
e palestrante. Para mais informações sobre o entrevistado, acesse:
http://www.felipeasensi.com.br/